Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04733/11
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:09/27/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL.
ILEGALIDADE EM ABSTRACTO.
ILEGALIDADE EM CONCRETO.
Sumário:1.No actual Código de Procedimento e de Processo Tributário tal como no anterior Código de Processo Tributário, a chamada ilegalidade em abstracto, além de constituir fundamento de reclamação graciosa ou de impugnação judicial contra o acto de liquidação, constituía também um típico fundamento de oposição à execução fiscal;

2. Tal ilegalidade em abstracto ocorre quando o imposto, taxa ou contribuição, pretendida cobrar através do processo de execução fiscal, não se encontrasse prevista nas leis em vigor à data em que o facto tributário ocorreu ou a sua cobrança não estivesse autorizada no mesmo período, abrangendo casos como aquele em que as normas que haviam criado o tributo fossem inconstitucionais;

3. A ilegalidade neste caso não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas sim na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado;

4. Não é subumível a tal ilegalidade, o caso em que é invocada norma que, no caso concreto, isentava a contribuinte do tributo exequendo, não constituindo um fundamento válido de oposição.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. Imelda ………………, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou improcedente a oposição à execução fiscal deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


19. A oponente adquiriu a metade do prédio, sem qualquer imposto (IMT) devido face ao benefício fiscal de que gozava, no momento da aquisição.
20. Tal benefício era de aplicação automática face ao disposto no Artº 20º DL 423/83 de 5 de Dezembro e mantinha-se à datado despacho que atribuiu a utilidade turística- 25 de Agosto de 2006- não necessitando de ser reconhecido expressamente naquele despacho.
21. Existia, na altura, ilegalidade abstracta da liquidação, sendo a mesma fundamento para a presente Oposição, face ao disposto no Artº 204º n°1 CPPT.
22. A notária e o conservador do Registo Predial de Loulé, confirmaram que o IMT não era devido, nem estava autorizada qualquer cobrança à data da liquidação.
23. Assim tem sido decidido por este Tribunal em processos iguais ao presente, conforme cópia dos acórdãos proferidos junto aos presentes autos respeitantes ao mesmo empreendimento turístico …………..
24. Nesses acórdãos é unânime a conclusão da inexistência de qualquer imposto devido pelo oponente.
25. Acresce que, a morada da oponente constante na escritura de compra e venda, e de que a administração fiscal tem conhecimento é na Irlanda, onde a oponente nunca foi notificada para impugnar qualquer acto que dele devesse ter conhecimento.
26. Os referidos actos só produzem efeitos quando lhes sejam validamente notificados o que não sucedeu. Artº 36 n° 1 CPPT. Tal constitui nulidade insanável em processo de execução fiscal- Artº 165°nº 1 CPPT.
27. A sentença recorrida violou, entre outros as disposições constantes nos Artºs 204° n° 1 CPPT, Artº 20° n° 1 DL 423/83 de 5 de Dezembro, Artº 16º nº 4 DL 423/83 de 5 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pelo DL 38/94, Artº 20 DL 423/83 de 5 de Dezembro, Artº 36º nº1 e Artº 165° n° 1 CPPT, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue a Oposição ser julgada procedente e provada, e, em consequência ser declarado a inexistência do imposto para a oponente, e em conformidade a consequente anulação da respectiva liquidação, juros, coimas etc. que derivem dessa liquidação, ASSIM SE FAZENDO
JUSTIÇA.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por a ilegalidade em concreto não constituir um válido fundamento de oposição à execução fiscal.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a eventual existência de norma de isenção de IMT no caso concreto, importa num caso de ilegalidade abstracta subsumível na norma da alínea a) do n.º1 do art.º 204.º do CPPT; E se é de conhecer em sede de recurso, de questão não conhecida na sentença recorrida, quando também não seja de conhecimento oficioso.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) Em cumprimento da ordem de serviço n° OI200900709, emitida pela Direcção de Finanças de ………. em 14-04-2009, foi realizada inspecção tributária à oponente tendo sido notificado do conteúdo do relatório e onde consta (fls 47 a 55, dos autos):
(...)
II - 3. Outras situações
Sendo do conhecimento desta Divisão de Inspecção Tributária (DIT III) que a contribuinte, Imelda, …………., em 2007103114, celebrou no Cartório Notarial de Lic. Manuela …………….., a escritura de compra e venda da fracção autónoma (112) designada pela letra EP, do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo ……….. (Moradia 130), sito no aldeamento MONTE ……… - QUINTA …………., freguesia de ………. e concelho de …………, para a qual foi reconhecida, indevidamente, pelo notário, a isenção de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas (IMT), ao abrigo do art.º 20.º do DL 423/83 de 5 de Dezembro (Utilidade Turística), foi o mesmo notificado para proceder ao respectivo pagamento voluntário de IMT.
Sem que, até ao momento, tivesse vindo a regularizar a situação tributária, foi emitida a presente ordem de serviço, tendo em vista a respectiva tributação em sede de IMT e Imposto de Selo.
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
1. No decurso da presente acção verificou-se que o contribuinte Imelda …………….., NIF ……….., em 2007-03-14, por escritura pública de compra e venda (Esc.º n.º 1346) (1) celebrada no Cartório Notarial de Lic. Manuela ……………….., adquiriu a já referida fracção (Moradia 130), à empresa Monte da Quinta Propriedades, SA, ………………; 2. O promotor imobiliário do referido aldeamento foi a sociedade Monte ……………, SA, NIPC ………..;
3. Foi publicado no Diário da República, 2 série - N.º 195 -10 de Outubro de 2006, o Aviso da Comissão de Utilidade Turística, com o seguinte teor "Por despacho do Secretário de Estado do Turismo de 25 de Agosto de 2006, foi confirmada a utilidade turística, atribuída a título prévio, ao aldeamento turístico Monte ………………………., com a classificação de 4 estrelas, sito na ……….., lote AL 10, ………….., concelho de ……., distrito de …., de que é requerente Monte ………………….., SA..
A referida utilidade turística é concedida nos termos do disposto nos artigos 2°, n. ° 1 e 2, 3.º, n. °1 alínea) (com a redacção dada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 38/94, de 8 de Fevereiro), 5.º, n.º 1, alínea a), 7.º n ° 1, e 3, e 11. n. ° 1, do Decreto Lei n.° 423/83, de 5 de Dezembro, valendo pelo prazo de sete anos contado a partir da data da emissão da licença de utilização pela Câmara Municipal em 21 de Novembro de 2005," (Anexo 1)­
4. Nos termos do n.º1 do art. 11.º do DL 423/83 de 5 de Dezembro, a utilidade turística valerá pelo prazo e nos termos fixados no respectivo despacho de atribuição.
5. Como se pode verificar no despacho de atribuição de utilidade turística ao Aldeamento …………………………, nada consta referente à isenção de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas(IMT).
6. A isenção de IMT concedida pelo notário, baseou-se no estabelecido no n.º 1 do art.° 20.º do DL 423/83 de 5 de Dezembro, o qual refere que: "São isentas de sisa e do imposto sobre sucessões e doações, sendo o imposto de selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação, seja atribuída a título prévio..."
7. Da leitura desse dispositivo legal excluem-se os empreendimentos qualificados de utilidade turística já instalados que não sejam objecto de remodelação ou ampliação. A intenção em isentar de IMT estas aquisições visam, tão somente, o fomento e melhoria qualitativa de novos empreendimentos.
8. Ora, pelo já mencionado, a isenção de IMT , bem como a redução a um quinto do imposto selo, foi reconhecido indevidamente pelo notário, pelo seguinte:
i) O despacho de atribuição de utilidade turística nada refere quanto à isenção de IMT;
ii) A aquisição da fracção por parte do adquirente não se destinou à instalação do referido empreendimento.
(...)
IX. DIREITO DE AUDIÇÃO
O sujeito passivo foi notificado, registo datado de 07 /05/2009, do projecto de correcções, nos termos previstos no artigo 60° da Lei Geral Tributária e artigo 60° do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária, não tendo exercido o direito audição.
(...)"
B) Por ofício n° 7673 datado de 30-11-2009 foi o oponente notificado para, no prazo de 30 dias a contar da data da assinatura do aviso efectuar o pagamento da quantia de €37.375,00 de IMT, devido pela aquisição de metade do prédio urbano inscrito na matriz sob o artº …………, fracção EP, acrescido de €3.297,19 de juros compensatórios (fls 58, dos autos);
C) A notificação referida no ponto anterior foi endereçada em 2009/11/30 a Imelda ……………., representado por A……….. ………………… -Serviços e Soluções Empresariais, para a Rua ………… - Edifício Via ……….-Loja D, ……….. Q………….., e foi assinado em 04-12-2009 (fls 60, dos autos);
D) O pagamento não foi efectuado no prazo pelo que foi extraída certidão de divida e instaurado o processo de execução fiscal nº…………………….. (fls 61 a 86, dos autos);
E) A citação foi recebida em 18-05-2010 (fls 88, dos autos).
F) O presente processo de oposição deu entrada em 07-07-2010 (carimbo aposto no rosto de fls 2, dos autos).

A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos juntos em cada ponto dos factos provados.

Factos não provados
Não se provaram outros factos.


4. Para julgar improcedente a oposição à execução fiscal considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a eventual nulidade da citação não constitui um válido fundamento de oposição à execução fiscal e que a invocada ilegalidade dessa liquidação exequenda se não subsume no conceito de ilegalidade em abstracto, fundamento de oposição à execução fiscal, já que a mesma apenas tem lugar nos casos em que a mesma não depende do acto que faz a sua aplicação, mas dela própria, o que não é o caso dos autos.

Para a recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra parte desta fundamentação que se vem a insurgir, concretamente quanto a este segundo fundamento, pugnando estarmos perante uma ilegalidade em abstracto, para além de vir arguir vício não conhecido na mesma sentença, mas, por outro lado, deixou cair o relativo à irregular citação, nenhum argumento tendo esgrimido no sentido de este Tribunal exercer sobre esta fundamentação um juízo de censura tendente à sua revogação ou alteração.

Vejamos então.
Como é sabido, a oposição à execução fiscal constitui uma contra acção do devedor à acção executiva, correspondendo aos embargos de executado, não visando a anulação da liquidação, mas a extinção da execução pela eventual procedência de algum dos fundamentos taxativamente indicados no art.º 286.º do CPT e hoje no art.º 204.º do CPPT e que impliquem a extinção total ou parcial da dívida exequenda em relação ao executado (objecto processual que a ora recorrente parece não ter apreendido completamente, já que no petitório da sua petição de oposição veio peticionar, não a extinção da execução fiscal, como seu pedido típico e normal, mas sim a inexistência do imposto e a anulação da respectiva liquidação, como da mesma se pode colher).

Nos termos do disposto no art.º 286.º n.º1 do CPT e hoje do art.º 204.º do CPPT (sendo deste mesmo Código todas as normas seguidamente citadas sem a menção de o serem de um outro), a oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos:
a)Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação;
...
Este fundamento de oposição cuja matéria articulada pela ora recorrente na sua petição inicial de oposição à execução fiscal a mesma pretende fazer subsumir em tal alínea a), consiste pois, na inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos, a chamada ilegalidade abstracta, constituindo uma ilegalidade tão grave que o legislador entendeu que ela própria constituía um fundamento válido de oposição, para além de poder ser também conhecida em sede de impugnação judicial ou de reclamação graciosa, ainda que contenda com essa própria liquidação.

Este fundamento da oposição à execução fiscal, consiste na falta de lei que o preveja (esse concreto tributo em si) e não em lei que o sujeite ou isente do mesmo, ou atribua a competência para a sua liquidação e cobrança a outra entidade, caso em que, directa e imediatamente, se a entidade sem competência o liquidar e cobrar, ou o lançar e pretender cobrar ao arrepio de norma que lhe reconheça a sua isenção, logo, indevidamente, ocorre um erro dessa liquidação, logo ilegalidade em concreto, que como se sabe, fora dos casos previstos na alínea h) do n.º1 do mesmo artigo, não constitui um válido fundamento de oposição.

Escreve Jorge Lopes de Sousa (1), quanto a este fundamento:
(...)
Está-se, aqui, perante aquilo que se designa por ilegalidade abstracta da liquidação, por a ilegalidade não residir directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas residir na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado.
(...)
A ilegalidade é abstracta porque, afectando a própria lei, não depende do acto que faz a sua aplicação em concreto.
(...)
Ora, não é isso que acontece com os casos, enquadráveis na alínea a) do n.º1 deste art.º 204.º, pois, mesmo que o interessado, notificado do acto de liquidação, não o impugne tempestivamente, não ficará impedido de discutir no processo de oposição as questões de ilegalidade abstracta da liquidação, ficando apenas impedido de discutir a legalidade em concreto, relativa a vícios geradores de anulabilidade.
(...)
Por outro lado, é inequívoco que nestes casos de ilegalidade abstracta, o fundamento da oposição prende-se com a própria legalidade do acto e com a sua validade, não radicando em qualquer circunstância exterior e posterior a este, susceptível de afectar apenas a exigibilidade da obrigação tributária criada pelo acto.
...
Como é sabido, o conhecimento da legalidade em concreto da liquidação efectuada, por tal vício de não respeitar uma isenção de IMT de que entende beneficiar, além do mais, que é o que a recorrente pretende vir discutir através dos presentes autos de oposição, contraria a verdadeira natureza desta, a qual constitui uma contra acção do devedor à acção executiva, correspondendo aos embargos de executado, não visando a anulação da liquidação, mas a extinção da execução pela eventual procedência de algum dos fundamentos taxativamente indicados no art.º 286.º do CPT e hoje no art.º 204.º do CPPT e que impliquem a extinção total ou parcial da dívida exequenda em relação ao executado.
O conhecimento da legalidade em concreto ou correcta liquidação da quantia exequenda, em sede de oposição à execução fiscal, apenas pode ser conhecida nos precisos termos em que a referida norma do art.º 286.º do CPT o previa e hoje do art.º 204.º do CPPT.

E bem se compreende que esteja vedada na oposição a discussão da legalidade da liquidação, por óbvias razões de segurança, para preservação do princípio do «caso decidido» e como forma de impedir a dupla via de apreciação. No processo executivo fiscal, como no processo executivo comum, só residualmente se aceitam como fundamento da oposição (correspondendo esta aos embargos de executado) questões que não puderam ser discutidas no declaratório ou que dele sobraram posteriormente.
Esta restrição do objecto da oposição em nada viola o direito de acesso aos Tribunais, previsto no art.º 20.º da CRP, antes se prende com o momento e a forma de acesso aos mesmos, que não pode ser depois da formação do título executivo, para discutir o que nele se certifica, quando houve oportunidade de efectuar essa discussão antes da formação do mesmo título.
É essa, aliás, a filosofia imanente à exclusão da discussão da legalidade em concreto como fundamento de oposição que está na tradição do nosso direito e que remonta historicamente pelo menos a 1916 – cfr. acórdão do então Tribunal Tributário de 2.ª Instância de 7.3.1995, recurso n.º 61 312.

Esta restrição ao conhecimento na oposição à execução fiscal da legalidade em concreto da liquidação, não se vê que possa violar qualquer norma ou princípio constitucional, tendo de resto o Tribunal Constitucional se pronunciado no acórdão n.º 292/95, de 20.11.1996, DR II Série de 7.2.1997, pág. 1647, no sentido da sua não violação.

No caso, pretende a ora recorrente que tal IMT exequendo não seja devido por força da existência a seu favor de uma isenção do tributo e que nem necessita de lhe ser reconhecido, pois opera automaticamente, como continua a defender – cfr. matéria da sua conclusão 20 – e que também articulara na matéria da sua petição de oposição à execução fiscal, pretendendo subsumir tal situação na alínea a) do n.º1 do art.º 204.º deste mesmo CPPT, arrimando-se à qualificação de utilidade turística de que gozava o empreendimento onde se localiza tal fracção autónoma, donde faz radicar tal ilegalidade em abstracto.

Ora, desde logo desta fundamentação aduzida pela ora recorrente, ressalta sem sombra de dúvidas, que a ilegalidade que a mesma pretende assacar a tal tributo, é por o mesmo não respeitar a invocada isenção derivada dessa qualificação de utilidade pública do empreendimento que, automaticamente, a isentava de IMT e de imposto do selo, sendo pois um caso típico, a verificar-se, de vício dessa liquidação por erro sobre os pressupostos de facto/direito, reconducente ao vício de violação de lei, que, a proceder, conduziria à tal anulação da liquidação, e que apenas pode ser conhecida em impugnação judicial ou em reclamação graciosa, como bem se fundamenta na sentença recorrida, a menos que dela não coubesse meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação, ao abrigo da alínea h) do mesmo art.º 204.º, o que nem sequer foi articulado e que hoje se insere no fundamento da impugnação judicial, como qualquer outra ilegalidade, nos termos do disposto no art.º 99.º do CPPT.

O fundamento de oposição à execução fiscal contido na citada alínea a), do n.º1, do art.º 204.º do CPPT, apenas abrange uma dívida pretendida cobrar que não tenha assento em qualquer lei vigente, isto é, não encontre respaldo em qualquer norma jurídica positiva existente no nosso ordenamento jurídico, o que não é manifestamente o caso, como nem sequer a recorrente sustenta. Pelo contrário, o que a mesma vem invocar, é a existência de uma outra norma, de sinal contrário à de incidência, que faz paralizar os efeitos desta, donde faz radicar tal ilegalidade, o que, como é bem de ver, não se reconduz à inexistência de lei no ordenamento jurídico que a preveja, mas sim de uma norma de isenção que abrange a sua concreta situação, logo, ilegalidade em concreto, porque a sua concreta não tributação, na sua perspectiva, também depende da sua concreta inserção no universo dos compradores que beneficiam de o empreendimento ter sido qualificado como de utilidade turística.

Lei existe, como a própria não deixa de reconhecer, já que é por referência à mesma que faz radicar uma outra norma (a de isenção) e que tem por efeito fazer paralizar os efeitos daquela outra primeira, a de incidência.

A ora recorrente, ao fazer radicar a ilegalidade do acto por força da citada isenção do tributo, move-se já no campo da concreta aplicação da lei ao caso concreto nesse acto de liquidação efectuado, actuação que é exterior e posterior à mesma, desta forma se situando fora do âmbito da subsunção dos casos subsumíveis a tal alínea a), do n.º1, do art.º 204.º do CPPT, nos quais, em sede de oposição à execução fiscal, ainda é possível conhecer dessa ilegalidade abstracta.


Quanto à falta da sua notificação para impugnar – cfr. matéria das suas conclusões 25 e 26 das suas alegações do recurso – foi questão que não foi conhecida na sentença recorrida e também não sendo de conhecimento oficioso por parte deste Tribunal, configura-se assim como uma questão nova, fora do âmbito do conhecimento deste recurso, conhecida a sua função de reexame das questões escrutinadas na decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, pelo que da mesma neste aresto se não conhece.


Improcedem assim todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa, 27 de Setembro de 2011
Eugénio Sequeira
Aníbal Ferraz
Pereira Gameiro


(1) In Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 2.ª Edição, VISLIS, págs. 883, 884 e 885.