Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02336/08
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/14/2011
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IABA.
ISENÇÃO.
Sumário:1.Nos anos de 2002 e 2003, a introdução em/no consumo, como um dos motivos capazes de justificar a exigibilidade de Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA) (e outros impostos especiais de consumo harmonizados), em território nacional, tinha de ser feita “com base em formulário de declaração de introdução no consumo (DIC)”, por determinação expressa do art. 8.º n.º 1 CIEC.

2. Para alguns tipos de produtos objecto de isenção, v.g., os total ou parcialmente desnaturados, pelo disposto no n.º 4 do mesmo art. 8.º, as competentes DIC tinham, ainda, por acréscimo, de ser individualizadas em função do destinatário dos bens introduzidos no consumo.

3. O art. 8.º CIEC viu alterada a respectiva redacção pelo art. 1.º DL. 162/2004 de 3.7., mas, o seu n.º 1 manteve a exigência, explícita, de que a “introdução no consumo deve ser formalizada através da declaração de introdução no consumo (DIC)”, continuando-se a verificar o apontamento da necessidade de DIC para os produtos isentos, com a novidade de a estância aduaneira competente poder autorizar, para os mesmos, o processamento de “DIC global”.

4. As DIC tinham (e têm) como função legitimar, dar conformidade legal à introdução no consumo, por exemplo, pela saída do regime de suspensão (do tributo), de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, como o álcool, pelo que, essa documentação atesta a comercialização de álcool em território nacional, o que constitui facto gerador de IABA.

5. Cabendo à impugnante o ónus da prova, por estar em causa a demonstração dos requisitos exigidos para desfrutar do direito a uma isenção tributária, não logrou, sobretudo, no âmbito deste processo judicial, comprovar que todo o álcool registado nas DIC, no espaço de tempo fiscalizado, teve um destino isento, estava resguardado, por lei, da incidência do IABA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: I
MANUEL …………. & C.ª …………., L.DA, contribuinte n.º …………… e com os demais sinais constantes dos autos, impugnou judicialmente acto de cobrança a posteriori de Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA) e juros compensatórios, efectivado, pela Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais Sobre o Consumo - Alfândega de Peniche, em 6.10.2005.
Proferida, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, sentença que julgou a impugnação totalmente improcedente, refutando o judiciado, a impugnante interpôs recurso jurisdicional, cuja alegação se mostra sumulada nas seguintes conclusões: «
1.ª - A omissão da matéria de facto, designadamente, a respeitante aos arts. 16.° a 25.° e 26.° a 54.° da PI, bem como as informações constantes do Relatório Final (em especial acção 7, a fls. 40 dos autos) da Inspecção da Direcção de Serviços Antifraude (DSAF-DOS) da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais de Consumo (DGAIEC) respeitantes aos pontos 14 a 17 das presentes alegações de recurso, constitui, nos termos do art. 125.° do CPPT, causa de nulidade da sentença, na medida em que tal matéria é o fundamento da isenção objectiva em que a recorrente funda a sua defesa.
2.a - O Tribunal a quo não apreciou a questão fundamento da liquidação impugnada, que é a seguinte: “A empresa “Manuel ………….. & …………….., Lda.”, embora tendo conhecimento de que o estatuto do operador registado “Sociedade de Destilação e Comércio, Lda.” se encontrava revogado, continuou a proceder a introduções no consumo em seu nome. “O operador “Manuel …………. & ………………..., Lda.”, sabendo de que por inerência do conteúdo do estatuto de operador registado, este não podia recepcionar produtos nacionais, uma vez que só pode “receber produtos provenientes de outro Estado membro sujeitos a imposto, em regime de suspensão, não podendo, contudo, armazenar nem expedir os produtos nesse regime.” - o que gera a nulidade da sentença por força dos arts. 123.° e 125.° CPPT (arts. 12.° a 15.°da PI).
3.a - O Tribunal a quo também não apreciou o facto de a Alfândega de Peniche ter desconsiderado, não apreciando, na fase de audição prévia, os elementos de informação e documentos juntos que justificavam o procedimento adoptado pela impugnante ao ter emitido facturas e DIC's à distribuidora SDC, enquanto mera empresa comercial e distribuidora, bem como os destinos isentos do álcool em causa, o que nunca foi controlado ou contraditado pela Alfândega de Peniche, o que gera igualmente a nulidade da sentença e, bem assim, a invalidade da liquidação ao abrigo do art. 99.°.do CPPT, por violação do art. 60.° da LGT (arts. 39.° da PI e DOC. 5 da PI).
4.a - Esse Alto Tribunal dispõe de prova segura para poder revogar a sentença recorrida e substituí-la por outra que dê provimento ao presente recurso, e sempre pode, se assim o entender adequado, socorrer-se do disposto no n.° 3 do art. 712.° do CPC.
5.a - A Alfândega de Peniche, entidade liquidadora, fundamentou erradamente a liquidação no facto de a impugnante ter emitido DIC's à empresa distribuidora SDC a coberto do estatuto de operador registado, o que se provou nunca ter acontecido, e fundamentou erradamente de direito a liquidação nos art. 7.°, 8.° e 9.° do CIEC (sem especificar qualquer norma legal), pois não se verifica no caso dos autos a exigibilidade do imposto dado que, por um lado a Alfândega de Peniche não procedeu a qualquer controlo ou prova de violação dos pressupostos das isenções do álcool exclusivamente consignados no art. 49.°, 3, do CIEC, e, por outro lado, ficou provado, através da actuação da inspecção da Direcção de Serviços Antifraude da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais de Consumo e de toda a prova testemunhal, inclusive do coordenador desta inspecção, que não ocorreu violação dos pressupostos da isenção.
7.a - Com efeito, o único pressuposto legal da concessão da isenção do álcool é o destino isento do produto, em conformidade com o disposto no art. 49.°, 3, do CIEC, e só a sua violação é susceptível de dar origem à exigibilidade do imposto (art. 7.°, 3, al. a), do CIEC) e já não a comercialização/distribuição, que não é facto gerador do imposto, nem pressuposto ou condição da sua exigibilidade.
8.a - A Alfândega de Peniche optou por tentar cobrar (indevida e infundadamente) imposto à impugnante apenas com base no facto de esta ter preenchido a casa 4 das DIC's (declarações de introdução no consumo) com indicação do nome e NIPC da empresa distribuidora SDC e não com os dados dos destinatários finais do produto, ou seja, com base, não na violação do pressuposto da isenção, mas na consideração de que a impugnante não terá cumprido uma formalidade administrativa, que não constitui, nem nunca constituiu um momento de exigibilidade do imposto.
9.a - De resto, esta formalidade do preenchimento do formulário das DIC, ao tempo, anos 2002 e 2003, estava prevista, nos termos do art. 8.°, 4, do CIEC, apenas para um determinado tipo de álcool, o álcool puro (não total ou parcialmente desnaturado), e não para os restantes tipos de álcool em consideração nos autos, concretamente, o álcool totalmente desnaturado, o álcool parcialmente desnaturado com cetrimida (vulgo, álcool de farmácia ou para venda ao público) e o álcool parcialmente desnaturado com Ftalato ou Bitrex (álcool para fins industriais).
10.a - A redacção do art. 8.° do CIEC veio a sofrer uma alteração pelo art. 1.° do Dec.-Lei n.° 162/2004, de 03/07, que eliminou qualquer referência ao preenchimento das DIC, considerando-se assim - e bem - que as formalidades de preenchimento dos formulários não têm dignidade legal, não tendo esta matéria sequer sido objecto de regulamentação.
11.a - Esta alteração legal veio também dar resposta à questão dos distribuidores/intermediários no sector do álcool, pois em vez de se proceder à regulamentação da situação - que existe com grande importância para os fornecedores de álcool e é inultrapassável por estes, dado ser uma realidade do mercado que se lhes impõe - optou-se, pura e simplesmente, por lhe “passar ao lado”, acentuando-se apenas -como o fez a DGAIEC no despacho que recaiu sobre a informação n. ° 118/2003 da autoria do Subdirector-Geral, Dr. Brigas Afonso, in acção 7 do Relatório da inspecção da DSAF-DOS da DGAIEC, a fls. 40 dos autos - a necessidade de se manter o controlo dos destinatários dos produtos isentos (como decorre, naturalmente, do art. 49.°, 3, do CIEC, que fixa os pressupostos das isenções).
12.a - Na verdade, o que é relevante no preenchimento das DIC isentas - e cuja omissão, por si, é gera mera irregularidade fiscal - é que na casa 4 se identifique o destinatário final ou, não sendo determinável, um intermediário, e na casa 13 se indique o código do tipo de álcool, a fim de se poder, querendo-se, controlar o destino isento do produto, o que se consegue, facilmente, com o cruzamento da informação das facturas e DIC dos fornecedores com as facturas e declarações dos utilizadores isentos (quando é o caso) na posse dos distribuidores / intermediários. A questão dos autos é, na realidade, saber se o destino do álcool respeita o / art. 49.°, 3, do CIEC, para ser isento, ou não, e já não quem comercializa ou distribui esse álcool.
13.a - Por conseguinte, a recorrente, não tendo violado qualquer norma legal de incidência, positiva ou negativa, do imposto, nada tem a pagar.
14.a - As normas jurídicas invocadas pelo Tribunal a quo em apoio da sua decisão - arts. 3.°, 48.° e 49.°, 3, al. c) e e), do CIEC - não foram explicitadas e discriminadas e a sua interpretação e aplicação, com o sentido dado pelo Tribunal a quo pecam por não só por manifesto erro de interpretação e aplicação do Direito, como violam o princípio da legalidade de consagração constitucional, concretamente, os arts. 202.°, 2, 204.°, 266.°, 1, e 268.°, 4, da CRP.
15.a - Princípios e normas jurídicas violadas:; arts. 3.°, 7.°, 8.°, 48.°, e 49.°, 3, do CIEC; arts. 55.° e 60.° da LGT; arts. 123.° e 125.° do CPPT, para além dos arts. 202.°, 2, 204.°, 266.°, 1, e 268.°, 4, da CRP.

Nestes termos e nos mais de Direito cujo suprimento se espera de V. Exas., deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que dê provimento à pretensão da recorrente, anulando-se na totalidade a liquidação da Alfândega de Peniche, ao abrigo do art. 99.°, al. a), c) e d) do CPPT, ou ao menos, do art. 100.°, 1, do mesmo Código. »
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A Recorrida/Rda (Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo/Alfândega de Peniche) apresentou contra-alegações, onde conclui: «
2. Em consonância com o exposto e sem necessidade, ao que supomos, de ulteriores considerações, opinamos no sentido da improcedência do presente recurso, tanto mais que tanto a contestação do R.F.P. e o parecer do Ministério Público já por si desenvol­veram a argumentação jurídica e fáctica fundamental para a decisão conscienciosa proferida pela Douta Juíza de Direito do TAF de Leiria, [fls 218 a 226 dos autos do proc. 199/06.2 BELRA]»
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A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer, no sentido do não provimento do recurso.
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Colhidos os vistos legais, compete conhecer.
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II
Mostra-se consignado, na sentença: «
III. FUNDAMENTAÇÃO
De facto
Compulsados os autos e analisada a prova documental produzida, dão-se como provados, e com interesse para a decisão, os seguintes factos:
A. A impugnante tem sede em ………. - ………… e o NIF ………….., detém o estatuto económico de Produtor e aduaneiro/fiscal de Depositário Autorizado, dedica-se à actividade com o código n.º 159 e designação de Industria de bebidas, com entrepostos do tipo FP02 n.º 399101070 e FA02 n.º 39915946, tudo conforme consta de fls. 38 dos autos e não contestado.
B. No âmbito da acção inspectiva levada a efeito pela Direcção Geral de Alfândegas e de Impostos sobre o Consumo - Alfândega de Peniche, efectuada em 12/05/2005, «(…) que teve como objecto a recolha de informações sobre o então operador registado “Sociedade de Destilação e Comércio, Lda.”» - cfr. fls. 26 dos autos.
C. A “Sociedade ………………., Lda.”, constitui-se operador registado em 13 de Abril de 1995, com o NIEC n.º …………………, tendo este estatuto sido cancelado 18/10/2002, situação de que a empresa teve conhecimento por ofício da Alfândega de Peniche n.º 7961 de 25/10/2002 - cfr. fls. 27 e 28 dos autos, não contestado.
D. A “Sociedade ………………………, Lda.”, é uma empresa intermediária e distribuidora, vocacionada na área estritamente comercial - cfr. resulta da petição inicial e da prova testemunhal.
E. A Impugnante - Operador n.º ……….. - , com o n.º de EF ……….., forneceu álcool etílico, com isenção de IABA, à “Sociedade ………………., Lda.” no período que decorreu entre 14/11/2002 e 04/06/2003, conforme das Declarações de Introdução no Consumo (DIC's) de fls. 61 a 126 dos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
F. De fls. 25 a 32 dos autos, conforme doc.1 junto á petição inicial, consta cópia da carta dirigida pela Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo -Alfândega de Peniche, à aqui impugnante, datada de 07/10/2005, acusando a recepção do exercício do direito de audição e dando conta da manutenção do acto de liquidação do imposto e juros no montante de € 726.430,88, com os fundamentos que especifica nos pontos 1 a 31 que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
G. Por carta registada com aviso de recepção e datada de 26/01/2006, foi dado conta à aqui Impugnante, pela Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo - Alfândega de Peniche, da resposta que recaiu sobre a Reclamação Graciosa por si apresentada - cfr. fls. 33 e 34 dos autos.
H. A presente impugnação foi deduzida a 14/02/2006, conforme carimbo aposto no campo superior direito da 1.ª página da petição inicial.
« »
Dos factos com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provou a data em que foi assinado pela Impugnante o Aviso de Recepção que acompanhou a carta referida em G. do probatório mas atendendo às data que esta foi expedida e à da apresentação da petição inicial presumimos que o pedido está em tempo.
« »
No tocante aos factos provados, a convicção do Tribunal assentou fundamentalmente na prova documental junta aos autos, em concreto no teor dos documentos indicados em cada um dos pontos supra.
Foi também de importância relevante, a prova testemunhal produzida tendo o depoimento das testemunhas confirmado no essencial os factos articulados na petição.
O depoimento das duas testemunhas, José ………………., colaborador da Impugnante, e Reinaldo …………………., funcionário da Direcção de Serviços Antifraude da DGAIEF, foi tido em conta, na medida em que relataram factos do seu conhecimento pessoal e directo (pontos B., C. e D. dos factos provados), os quais, aliás, são coincidentes com o resultado do seu confronto com a prova documental.
Quer desses depoimentos, quer da prova documental produzida, resulta claro que a “Sociedade de Destilação e Comércio Lda.,” é uma empresa intermediária desempenha no sector funções de intermediária.
Não se verificam outros factos que, em face das possíveis soluções de direito, importe registar como não provados. »
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O primeiro aspecto que se coloca ao nosso juízo diz respeito à invocada nulidade da sentença, decorrente, no entender da Recorrente/Rte, de a mesma ter omitido e não apreciado determinada factualidade, bem como, esquecido a questão fundamento da liquidação impugnada conclusões 1.ª a 3.ª.
Desde já, avançamos não lhe assistir razão. Efectivamente, quanto à matéria de facto, a Rte, na sua imputação, deixa, por completo, de lado a operância do primado segundo qual o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, impondo-se-lhe, antes, seleccionar apenas a que interessa para a decisão e referir se a considera provada ou não provada – cfr. arts. 123.º n.º 2 CPPT e 511.º n.º 1 CPC. Ou seja, para efeitos de assegurar o cumprimento dos, necessários, requisitos formais da sentença, ao julgador somente é exigida a especificação de fundamentos factuais da decisão tomada, não que julgue exaustivamente e tome posição sobre toda a factualidade alegada pelas partes. Imprescindível, portanto, é inscrever na peça decisória, com o desenvolvimento tido por apropriado, os fundamentos factuais (e jurídicos) em que se ancora a respectiva decisão final, no pressuposto de que determinar se essa fundamentação é ou não suficiente e adequada, capaz de suportar o julgamento, v.g., de improcedência da impugnação judicial, constitui aspecto que contende com os meandros substanciais (não formais) da sentença, susceptível de, se verificado, impor a conclusão pela ocorrência de errado julgamento (1).
Com respeito à questão fundamento da liquidação impugnada, compulsado, ainda, o conteúdo da alegação vertida nos arts. 12.º a 15.º da p.i., não percebemos como se defende que a mesma não foi apreciada, sendo a sentença nula por, presume-se, omissão de pronúncia. Na verdade, presente, em primeiro lugar, o teor da alínea C. dos factos provados, encontramos a menção de factualidade conexionada com o aspecto em apreço, ao que acresce referência, aquando da exposição dos fundamentos jurídicos do julgado, da circunstância de se encontrar «assente que a impugnante conhecia bem o estatuto da “Sociedade de Destilação e Comércio, Lda.”, em sede de IEC, sendo que esta é uma empresa intermediária e distribuidora, vocacionada na área estritamente comercial (…)». Assim, porque a nulidade da sentença, positivada no art. 125.º n.º 1 CPPT e com correspondência na al. d) do n.º 1 do art. 668.º CPC, só germina nos casos em que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão de que devesse conhecer, face aos pronunciamentos que vimos de aludir e transcrever, versando, inequivocamente, o aspecto em causa, é inquestionável afirmar a não ocorrência da nulidade coligida pela Rte; sem prejuízo de aferição que a mesma matéria poderá ter de merecer no âmbito de outros fundamentos deste recurso jurisdicional e relativos à imputação de errado julgamento factual e/ou jurídico cometido pela decisão aprecianda.
Destarte, não ocorre motivo para declarar nula a sentença sob apelo.
Na sequência da temática vinda de abordar e como, aliás, se foi antecipando, o segundo problema a merecer atenções diz respeito à crítica que a Rte dirige ao julgamento da matéria de facto, efectivado em 1.ª instância. Concretamente, impõe-se avaliar da necessidade e possibilidade de ser julgada provada e aditada ao rol dos factos assentes, a factualidade discriminada em diversas subalíneas de pontos das alegações produzidas pela Rte – cfr. fls. 243 a 248, por reporte ao que havia alegado no articulado inicial deste processo impugnatório.
Sem deixarmos de anotar, entre os propostos, a presença de alguns factos que, em princípio, poderiam vir a revestir algum interesse para o julgamento, consciencioso, do mérito da causa, no geral, previamente, defrontamo-nos com a inviabilidade em os assumir como comprovados, por virtude de, por um lado, ser insuficiente a prova documental afirmada como suporte e, por outro, no que respeita à potencial valoração da prova testemunhal produzida, dever rejeitar-se a impugnação preconizada, pela Rte, dado não cumprir as especificações, obrigatórias, estabelecidas no art. 690.º -A n.º 1 al. b) e 2 CPC.
Precisando, versado o documento n.º 4, junto com a p.i., correspondente a cópia de relatório, produzido em 2.9.2004, de acção inspectiva, realizada à impugnante, pela Direcção de Serviços Antifraude – Divisão Operacional do Sul, da DGAIEC, constatamos, liminarmente, para além, de se tratar de uma reprodução simples, não certificada com o original, que o mesmo se mostra truncado, porquanto apenas foram disponibilizadas seis das doze páginas que o comporiam, segundo menção inscrita no rodapé de cada folha; circunstâncias, só por si, condicionantes da respectiva força probatória. Apesar disto, a impugnante, com base neste elemento documental, pretende, sobretudo, que o tribunal assuma, mediante o relevar do, aí, exarado sob a epígrafe de “Acção Nº 7: Análises a contas correntes de clientes distribuidores”, a prova de “que não ocorreu violação dos pressupostos da isenção (de IABA)”, com respeito ao álcool facturado à Sociedade de Destilação e Comércio, Lda.
Ora, com toda a consideração, não julgamos possível extrapolar tal elemento factual, em primeiro lugar, porque, tendo a apontada análise das contas correntes focado, apenas, as revendas de “álcool etílico puro”, não abrangeu os tipos de álcool que a própria Rte identifica estarem em causa nestes autos, “o álcool totalmente desnaturado, o álcool parcialmente desnaturado com cetrimida (vulgo, álcool de farmácia ou para venda ao público) e o álcool parcialmente desnaturado com Ftalato ou Bitrex (álcool para fins industriais)” – cfr., v.g., conclusão 9.ª. Depois, para que o expendido sobre o assunto em apreço, na identificada acção de fiscalização, anterior e diversa da que determinou a cobrança impugnada no presente processo, pudesse encerrar algum interesse para o apuramento da verdade, impunha-se, na nossa óptica, que a impugnante tivesse assegurado a demonstração, objectiva, de que a ocorrida verificação da conta corrente, da Sociedade de Destilação e Comércio, Lda, englobou o conhecimento, por parte dos serviços fiscalizadores, da existência de todas as DIC (declaração de introdução no consumo) referentes ao fornecimento, com isenção de IABA, de álcool, feito, por si, à mesma, no período temporal compreendido entre 14.11.2002 e 4.6.2003. Ao invés e insuficientemente, o que a fiscalização aponta ter apurado foi o facto de as vendas, registadas por parte da Sociedade de Destilação e Comércio, Lda, se mostrarem efectuadas para clientes abrangidos pelo regime de isenção, nada permitindo estabelecer a conexão, que seria decisiva e relevante, de essas vendas terem envolvido o produto referenciado naquelas DIC.
No que tange à pretensão de ver valorada toda a prova testemunhal produzida, estabelece o art. 690.º -A CPC, aplicável à situação julganda e especificamente a este fundamento do recurso, por força do disposto no art. 2.º al. e) CPPT, que:
“1 – Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º -C.” (este número, na redacção do DL. 183/2000 de 10.8.).
Expende-se, por seu turno, no preâmbulo do DL. 39/95 de 15.2. (2): « A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.
A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.
Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712.º) - e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1.ª instância - possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.
Daí que se estabeleça, no artigo 690.º -A que o recorrente deve, sob pena de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através (…) ».
Como decorre do teor deste trecho, máxime do último parágrafo, foi, manifestamente, pretendido pelo legislador elevar e fixar alto (3), o grau de exigência na concretização, por parte do recorrente, das razões fundantes de impugnação que promova com relação a decisão proferida sobre matéria de facto. Assim, sob pena de rejeição (4), o normativo em apreço é inequívoco na imposição, ao recorrente, da obrigação de especificar/indicar, em primeiro lugar, os concretos pontos de facto que reputa incorrectamente julgados, em segundo lugar, quais os concretos meios probatórios, disponíveis no processo, capazes de imporem decisão diversa da recorrida sobre os pontos indicados como erroneamente julgados, em terceiro e último lugar, no caso de os meios probatórios, apoiantes do apontamento de erro, terem sido gravados, os depoimentos em que se estriba, “por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º -C” (5).
Sendo, perfeitamente, perceptível o alcance das duas primeiras imposições, uma redacção dúbia e imperfeita do n.º 2 do art. 690.º -A CPC, que fixa os contornos da terceira obrigação vinda de identificar, pode permitir defender o entendimento de que o recorrente assegura o respectivo cumprimento com a mera indicação do tipo, depoimento da testemunha x, gravado na cassete n.º 1, lado A, dos 0000 aos 1500 segundos/voltas.
Com respeito, não podemos, por princípio, acompanhar tal asserção, porquanto equivaleria a esvaziar, completamente, de conteúdo a obrigação fixada, pelo legislador, ao recorrente, sendo mesmo dispensável a sua intervenção na medida em que o tribunal de recurso, oficiosamente, conheceria, pela consideração do teor da respectiva acta, a posição do registo (início e fim) de um, concreto e invocado, depoimento testemunhal. Não podendo, lógica e congruentemente, ser deste modo, a ponderação do supra expendido, como tendo sido os propósitos iniciais do legislador nesta matéria, habilita-nos a sustentar que este pretendeu, com a previsão da escalpelizada obrigação de indicar os depoimentos por referência ao assinalado na acta, obter uma menção delimitadora e rigorosa das partes, dos depoimentos testemunhais, eleitas, pelo recorrente, como capazes e adequadas ao estabelecimento de uma convicção, no julgamento da matéria de facto, especificada e diversa da que suportou a decisão recorrida. Exemplificando, ao recorrente é exigido que isolado o facto que pretende ver julgado provado e o(s) depoimento(s) testemunhal(ais) apoiante(s), indique, por referência ao assinalado na acta como início e termo da respectiva gravação, os números dos segundos/voltas que balizam a parcela das declarações da(s) testemunha(s) reputadas susceptíveis de imporem uma pronúncia diversa da decisão recorrida, sobre o concreto ponto factual.
Necessariamente, não temos por prejudicada a hipótese de ser relevante e o recorrente pretender usar, a totalidade do depoimento. Mesmo aqui, não podemos, desde logo, assumir a orientação de que quando o recorrente faz um apelo sem delimitação e identificação da posição do depoimento, apenas indicando a identidade do depoente, pretende submeter, à apreciação do tribunal de recurso, o conteúdo integral das suas declarações. A letra da lei não aponta no sentido de que só nas hipóteses em que se quer usar uma parte do depoimento se tem de delimitá-la em função da indicação do início e fim marcados na acta; a imposição que faz apresenta-se-nos dirigida tanto aos recursos totais como aos parciais, não se fazendo qualquer distinção explícita e também não se vislumbrando implícito esse desígnio legislativo.
Concedemos que, em situações contadas, como nos casos em que a testemunha tenha deposto sobre matéria de um só artigo do respectivo articulado ou somente aos artigos apontados como erradamente julgados, é possível, no pressuposto de que a alegação do recorrente forneça alguma indicação nesse sentido, aceitar o cumprimento do versado ónus, por não haver lugar a dúvida ou reserva sobre a vontade de ser valorada a totalidade do depoimento, mediante o singelo apontamento da identidade da pessoa em causa. Porém, fora destes casos em que, objectiva e necessariamente, a consideração total do depoimento é lógica, nas demais situações exige-se ao recorrente a indicação, por referência ao assinalado na acta, do inicio e termo da gravação integral.
Julgamos que, só neste patamar de exigência da concretização fixada ao recorrente, é perceptível e justificada (sob pena de ilegítimo benefício) a outorga, pelo legislador, de um acréscimo, em casos de reapreciação da prova gravada, do prazo para redacção e apresentação de alegações do recurso – cfr. art. 698.º n.º 6 CPC. Ou seja, nestas situações o recorrente dispõe de prazo alargado, relativamente ao geral, para ouvir e trabalhar a gravação, oficial e definitiva, efectuada dos meios probatórios produzidos e, em função desse registo, eleger aqueles que, na sua óptica, impõem diversa decisão sobre os pontos de facto tidos por incorrectamente julgados, verificando, no caso dos depoimentos, a respectiva posição no instrumento suporte da gravação, mediante identificação numérica, em ordem a, indicando a posição precisa nas alegações, satisfazer a incumbência fixada no n.º 2 do art. 690.º -A CPC. Anote-se, no apoio de que esta será a correcta percepção dos desígnios do legislador, a anterior redacção deste normativo que exigia ao recorrente a transcrição das passagens (grifamos) da gravação em que se fundava o apontamento de erro na apreciação das provas gravadas e na vigente desde 1.1.2008, transferida para o n.º 2 do art. 685.º -B, que impõe o indicar com exactidão as passagens (sublinhado nosso) da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição”.
Posto isto, imperioso é verificar e concluir que, in casu, a Rte não cumpriu o ónus da indicação, em conformidade com o exigido pelo art. 690.º -A n.º 2 CPC, dos depoimentos em que se apoia para imputar errado julgamento à sentença recorrida, quando não fixou como provada a factualidade que individualizou na alegação deste recurso. Efectivamente, limitou-se a fazer apelo genérico ao declarado pelas testemunhas inquiridas no processo, cujos depoimentos mereceram registo áudio (6), sem que tenha acompanhado essa indicação de qualquer referência e muito menos com os contornos que acabámos de estabelecer, ao assinalado na acta quanto à posição, nas cassetes utilizadas, das partes dos depoimentos pretendidas sujeitar à reapreciação deste tribunal.
Deste modo, a par da supra concluída irrelevância de prova documental, inevitável é a rejeição do recurso, com relação à impugnação do julgamento factual produzido na sentença. Mencione-se, apenas, que a possibilidade conferida pelo art. 712.º n.º 3 CPC não permite ultrapassar o resultado acabado de concretizar, porque, além do mais, a renovação da prova produzida em 1.ª instância pressupõe, logicamente, a correcta impugnação do julgamento factual aí consumado …
Não obstante, antes de encerrar este capítulo, por se perspectivar poder vir a ter interesse na compreensão do adiante a expender, ao abrigo do disposto no art. 712.º n.º 1 al. a) CPC, decide-se aditar, aos factos dados como provados na sentença, o seguinte:
I) Os fundamentos, dados por reproduzidos na alínea F), são: «
1 - Realizou-se uma Acção de Natureza Fiscalizadora, levado a cabo pelos funcionários aduaneiros da Alfândega de Peniche, no dia 12 de Maio de 2005, à empresa “Manuel ……….. & ……………, Lda”, que teve como objectivo a recolha de informações sobre o então operador registado “Sociedade ……………., Lda.
2 - A empresa “Manuel …….. & ………..., Lda”, contribuinte fiscal n.° …………, tem a sua sede na Rua…………., ……….. - 113 ………., ………...
3 - Constitui-se como “Depositário Autorizado”, junto da Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, em 1 de Janeiro de 1993, sobre o NEIC ………….., com autorização para as categorias 5001, 6003 e 6004, era titular de um entreposto fiscal de produção com o n.° 39910170, e de dois entrepostos fiscais de armazenagem n.°s 39010189 e 39915946.
4 - Estando assim sujeita ao regime geral de produção, detenção, circulação e controlo dos produtos sujeitos a impostos especiais sobre o consumo, de acordo com o Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto - Lei n.° 566/99, de 22 de Dezembro.
5 - Os entrepostos fiscais de armazenagem n.°s 39910189 e 39915946, foram cancelados respectivamente em 15/07/2004 e 31/08/2000. (Junto ao processo a folhas n.° 20 a 21).
6 - Desde 1 de Maio de 2005, o entreposto fiscal de produção com o n.° 39910170, passou a ter o n.° PT 50104825101, com autorização para as categorias 5001, 6003 e 6004 e o número de Depositário Autorizado passou a ser o PT01501048251 (Junto ao processo a folhas n.º 22)
7 - A empresa “Manuel ……………… & ……………..., Lda”, tem como actividade a produção e comercialização de álcool etílico não vínico.
8 - Na prossecução dos objectivos foi utilizada a seguinte metodologia:
Identificar o local onde funcionou o operador económico, “Sociedade …………………., Lda.” Encontra-se encerrada, tendo beneficiado do estatuto de operador registado no período compreendido entre 13/04/1995 e 18/10/2002.
Certificar a existência das DIC's por apurar da firma “Manuel ………… & ………………….., Lda”, correlativas com os anos de Novembro / Dezembro de 2002 e o 1.° Semestre de 2003, das introduções no consumo feitas a favor da “Sociedade ……………………., Lda.”
9 - A “Sociedade de …………………. Lda.” constituiu-se como operador registado em 13 de Abril de 1995, com o NIEC N.º ………….., aplicando-se a lei no tempo, ficou obrigado a receber no exercício da sua profissão, produtos provenientes de outros Estados Membros sujeitos a IEC's, em regime de suspensão, não podendo contudo, deter nem expedir os produtos neste regime, é o que resulta da própria definição do art.° 3.° do Decreto - Lei n.° 52/93, de 26 de Fevereiro, definição esta, retomada no art° 28.° do presente Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), aprovado pelo Decreto - Lei n.° 566/99, de 22 de Dezembro.
10 - A “Sociedade de ……………….., Lda.” (S.D.C.), funcionou em tempo nas instalações da empresa “Manuel ………. & ……………., Lda”.
11 - A “Manuel …………& ……………..., Lda”., é um dos sócios da empresa “Sociedade de …………………, Lda.” (Junto ao processo a folhas n.° 23 a 25).
12 - A “S.D.C.” adquiria álcool à firma “Manuel ………….. & ……………….., Lda”, sediada em território nacional, cujo sócio-gerente é o mesmo da “Sociedade …………………, Lda.”.
13 - Em 18 de Outubro de 2002, foi cancelado o estatuto de operador registado, tendo sido a empresa “Sociedade …………………….., Lda.”, notificada da revogação, através do nosso ofício n.° 7961, de 25 de Outubro de 2002. (Junto ao processo a folhas n.° 28)
14 - No decurso da acção realizada em 12/05/2005, à firma “Manuel ………… & ……………..., Lda”., local onde funcionou o operador registado “Sociedade ……………………, Lda.” foram estabelecidas conversações conforme o explanado no relatório da acção, cuja transcrição aqui se reproduz:
- “O Sr. Eng.° Ruivo …………., o qual nada disse, por desconhecer a situação;”
- “O Sr. Professor ………………., então gerente da sociedade visada, ficou estupefacto, quando reiteramos que as Dic's, objecto da acção dizem respeito a introduções realizadas após o cancelamento do referido estatuto, o qual ocorreu a 18/10/2002.”
- “O Sr. Duarte Simões, diz estar ao corrente da situação, no entanto, mostrou-se pouco receptivo, pelo que foi o mesmo informado de que se iria proceder à afectação das Dic's ao sector da Conferência Final desta Alfândega, cujo sector procederá à notificação da respectiva dívida;”
15 - Verificou-se que as Dic's por apurar, dizem respeito aos meses de Novembro/Dezembro de 2002 e 1.º Semestre de 2003.
16 - A empresa “Manuel ……….. & …………………., Lda”, embora tendo conhecimento de que o estatuto do operador registado “Sociedade …………………, Lda.”, se encontrava revogado, continuou a proceder a introduções no consumo em seu nome.
17 - O operador “Manuel ………… & …………………..., Lda”, sabendo de que por inerência do conteúdo do estatuto de operador registado, este não podia recepcionar produtos nacionais, uma vez que só pode “receber produtos provenientes de outro Estado-Membro sujeitos a imposto, em regime de suspensão, não podendo, contudo, armazenar nem expedir os produtos nesse regime”.
18 - Face ao exposto procedeu-se ao apuramento das Dic's.
19 - O Imposto Especial de Consumo, relativo aos produtos adquiridos não foi liquidado e pago, conforme o estabelecido nos art.° 7.°, 8.° e 9.° do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (CIEC), aprovado pelo Decreto-Lei 566/99, de 22 de Dezembro.
20 - A “Manuel ………… & ………………..., Lda”, é sujeito passivo de imposto especial de consumo, nos termos do estipulado no n.° 1 do art.° 3.° do CIEC. “São sujeitos passivos dos impostos especiais de consumo o depositário autorizado, o operador registado, o operador não registado e o representante fiscal”.
21 - De acordo com o disposto no art.° 7 do referido Código, o imposto é exigível no momento da introdução ao consumo, e a taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor na data da sua exigibilidade.
21.1 - A taxa de Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA), aplicável, é a taxa em vigor em:
a) 21/11/2002 a 30/12/2002
- 8,5903 Euros por litro - de Álcool.
b) 28/01/2003 a 04/06/2003
- 8,8051 Euros por Litro - de Álcool.
22 - Nos termos do art.° 56.° do CIEC, o valor do Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA), em falta decorre do cálculo do total de álcool contido, na base dos 100%, vezes a taxa de IABA aplicável nos termos do n.° 2 do art.° 57.° do CIEC.
23 - Tendo-se apurado o valor de Eur.: 649.826,11 € (seiscentos a quarenta e nove mil, oitocentos e vinte e sete euros e onze cêntimos), referentes a Imposto sobre o álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA). (Anexo I - páginas n.° 1 a 7).
24 - Ao valor do IABA apurado, acrescem os respectivos juros compensatórios (JC), de acordo com o art° 35.° da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.° 397/98 de 17 de Dezembro.
a) Taxa a aplicar de 21 de Novembro de 2002 a 30 de Abril de 2003 - 7%
b) Taxa a aplicar de 1 de Maio de 2003 a 14 de Agosto de 2003 - 4 %
25 - O apuramento do terminus do prazo de contabilização dos juros compensatórios foi efectuado de acordo com o preceituado no n.° 7 do art.° 35.° da LGT.
26 - Ao valor de IABA apurado acresce o montante de Eur: 76.604,77 € (setenta e seis mil, seiscentos e quatro euros e setenta e sete cêntimos), respeitante a Juros Compensatórios (JC). (Anexo II - páginas n.° 1 a 7).
27 - A dívida ascende na sua totalidade a Eur.: 726.430,88 € (setecentos e vinte e seis mil, quatrocentos e trinta euros e oitenta e oito cêntimos), sendo Eur.: 649.826,11 € (seiscentos e quarenta e nove mil, oitocentos e vinte e seis euros), referentes a Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA) e Eur.: 76.604,77 € (setenta e seis mil, seiscentos e quatro euros e setenta e sete cêntimos), referentes a Juros Compensatórios (JC).
28 - O não pagamento dentro do prazo implica a cobrança de juros de mora à taxa de 1% por mês de calendário ou fracção, ao abrigo do art° 44.° da LGT, conjugado com o art.° 3.° do Decreto-Lei n.° 73/99, de 16 de Março, bem como, o envio de certidão de divida aos Serviços de Finanças territorialmente competente para efectuar a cobrança coerciva.
29 - Caso o pagamento seja efectuado através de cheque, deverá o mesmo ser visado e emitido à ordem da Direcção Geral do Tesouro, por ATM ou em numerário terá que ser efectuado na Tesouraria desta Alfândega.
30 - Deste acto poderá ser solicitada revisão do acto tributário de acordo com o disposto no art.° 78.° da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto - Lei n.° 398/98, de 17 de Dezembro, ser apresentada reclamação graciosa no âmbito do art.° 68.° e 70.° do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 433/99 de 26 de Outubro, recurso hierárquico no prazo de 30 dias a contar da notificação, sem efeito suspensivo, para o Director Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (art.º 66.° e 67.° do CPPT), ou Impugnação Judicial para o Tribunal Administrativo e Fiscal, no prazo de 90 dias contados a partir do termo do prazo para o pagamento voluntário (nos termos da alínea a) do n.° 1 do art° 102 do CPPT).
31 - O Processo poderá ser consultado pelos interessados durante o período normal de funcionamento (9h às 12.30h e 14h às 17.30h), conforme estipulado no n.° 2 do art.° 101.° do Código de Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto - Lei n.° 442/91, de 15 de Novembro.
(…). »
***
As demais questões suscitadas, pela Rte, conectam-se com os contornos jurídicos do mérito da causa, respeitando à invocação de que a Alfândega de Peniche fundamentou erradamente de direito (7) a liquidação impugnada, a aspectos relacionados com o preenchimento do formulário das DIC e, finalmente, a erro, por parte da sentença, na interpretação e aplicação do Direito, com violação do princípio constitucional da legalidade.
Quanto à primeira questão, simplesmente, não estando em causa crítica dirigida à decisão recorrida, dado a Rte circunscrever e, expressamente, dirigir o seu ataque ao acto tributário de liquidação/cobrança impugnado, mediante a convocação de, potencial, vício privativo deste, encontra-se este tribunal de recurso inibido de, no presente fundamento, conhecer do objecto do recurso. Efectivamente, “…, os recursos são meios específicos de impugnação de decisões judiciais, destinando-se a alterá-las ou a anulá-las, dentro dos fundamentos porque se recorre, pelo que os mesmos implicam uma reapreciação do decidido e obrigam a que se questione directa e especificamente as razões que o determinaram, com a concreta indicação dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão - art. 690º, n.º1 do CPC.
Isto porque os recursos visam o reestudo, por um Tribunal Superior, de questões já resolvidas pelo tribunal “a quo”, tendo por objecto a apreciação da legalidade das respectivas decisões com fundamento na imputação de nulidades ou erros de julgamento sobre a matéria de facto e/ou direito (…).
Razão por que os recorrentes estão obrigados a indicar as razões (de) facto e/ou de direito do desacerto do julgado, pois que só assim serão capazes de convencer o Tribunal “ad quem” que a decisão recorrida está ferida pelos erros ou ilegalidades apontadas e que, por isso, deve ser alterada ou anulada.
Por isso, o Tribunal “ad quem” não pode tomar conhecimento do objecto do recurso sempre que o Recorrente, nas alegações, deixe de fazer qualquer censura à decisão recorrida, dirigindo o seu ataque apenas contra o acto que era impugnado no processo judicial” (8).
A segunda questão, embora, também, não incorpore, objectivamente, uma nítida crítica direccionada à sentença aprecianda, merece o nosso debruce, por estar em causa aspecto nuclear do julgamento levado a cabo pelo tribunal recorrido, desde logo, no âmbito factual – cfr. alínea E. dos factos provados, pelo que, sempre emerge a possibilidade de, sendo atendíveis os motivos convocados pela Rte, se concluir ter havido erro no judiciado por aquele.
Nos anos de 2002 e 2003, a introdução em/no consumo, como um dos motivos (9) capazes de justificar a exigibilidade de IABA (e outros impostos especiais de consumo harmonizados), em território nacional, tinha de ser feita “com base em formulário de declaração de introdução no consumo (DIC)”, por determinação expressa do art. 8.º n.º 1 CIEC. Ou seja, a saída, o fabrico e/ou a importação, dos produtos sujeitos a imposto, de, fora e/ou não se encontrando em regime de suspensão, implicavam, obrigatoriamente, sem exclusões, o preenchimento e apresentação de cópia, à estância aduaneira competente, da identificada DIC. Por outro lado, para alguns tipos de produtos objecto de isenção, v.g., os total ou parcialmente desnaturados, pelo disposto no n.º 4 do mesmo art. 8.º, as competentes DIC tinham, ainda, por acréscimo, de ser individualizadas em função do destinatário dos bens introduzidos no consumo, o que, desde já, diga-se, literalmente, rebate a afirmação produzida na conclusão 9.ª, de que, à época, o preenchimento das DIC apenas estava prevista para o álcool puro.
Como aponta a Rte, o versado art. 8.º CIEC viu alterada a respectiva redacção pelo art. 1.º DL. 162/2004 de 3.7. Contudo, o seu n.º 1 manteve a exigência, explícita, de que a “introdução no consumo deve ser formalizada através da declaração de introdução no consumo (DIC)”, sem que, de qualquer dos restantes três números, que passaram a compor o preceito, decorra a eliminação da exigência do preenchimento desse específico documento. Nota-se a ausência de um segmento com conteúdo equivalente ao do n.º 4, vindo de referenciar, mas continua-se a verificar o apontamento da necessidade de DIC para os produtos isentos, com a novidade de a estância aduaneira competente poder autorizar, para os mesmos, o processamento de “DIC global” (10).
Servem estes contributos, retirados do pertinente regime legal, para podermos concluir não assistir razão à Rte, na tentativa que faz de desvalorizar, completamente, a existência e o conteúdo das DIC, relativas ao período de 14.11.2002 a 4.6.2003, enquanto documentos, com suporte legal, comprovativos do fornecimento de álcool etílico, com isenção de IABA, à Sociedade …………….., Lda. Nesse tempo (11), as DIC tinham como função legitimar, dar conformidade legal à introdução no consumo, por exemplo, pela saída do regime de suspensão (do tributo), de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, como o álcool, pelo que, como se aponta na sentença, essa documentação atesta a comercialização de álcool em território nacional, o que constituía facto gerador de IABA; cujo pagamento foi exigido, posteriormente, à impugnante.
Problemática que, nos autos, acompanha esta e, como a Rte menciona (12), constitui a questão determinante, é a de saber se o álcool envolvido se pode ou não considerar como estando isento do liquidado IABA, por destinado a consumo próprio de hospitais e demais estabelecimentos de saúde, públicos e privados e/ou a fins terapêuticos e sanitários art. 49.º n.º 3 al. c) e e) CIEC.
Segundo a impugnante (13), o álcool que entregou, vendeu, à Sociedade de ………………….., Lda, foi, por esta, agindo sempre e tão-só na qualidade de “distribuidora comercial”, revendido aos seus próprios clientes, todos, abrangidos pelo regime de isenção, por, alegadamente, se tratar de hospitais, outros distribuidores/intermediários ou utilizadores finais. Ora, sucede que, cabendo-lhe o correspondente ónus da prova (14), por estar em causa a demonstração dos requisitos exigidos para desfrutar do direito a uma isenção tributária, a impugnante não logrou, sobretudo, no âmbito deste processo judicial, comprovar que todo o álcool registado nas DIC, naquele espaço de tempo, teve um destino isento, estava resguardado, por lei, da incidência do IABA. Pelo contrário, o que temos de seguro, em resultado do apuramento, pelos serviços competentes da Alfândega de Peniche, das DIC, emitidas pela impugnante, é que esta, apesar de conhecer a ocorrida revogação do estatuto do operador registado “Sociedade ………………….., Lda.”, continuou a proceder a introduções no consumo em seu nome, mais, sabendo que, por inerência do conteúdo do estatuto de operador registado, este não podia recepcionar produtos nacionais – cfr. n.ºs 15 a 18 dos fundamentos supra discriminados. Por outras palavras, resultando da análise do conteúdo de todas as DIC envolvidas – cfr. fls. 61 segs., a comum coincidência de o destinatário inscrito ser, sempre, a “Sociedade ……………………., Lda.”, na época, unicamente, com intervenção na área comercial, enquanto empresa intermediária e distribuidora, executando, portanto, a revenda dos produtos adquiridos, não lhe assistia, nessa condição, qualquer isenção de IABA (e que a impugnante mencionou nos campos das DIC), em virtude de, objectivamente, não reunir qualquer das condições impostas no art. 49.º n.º 3 CIEC.
Em suma, com respeito a transacções efectuadas nos anos de 2002 e 2003, havia lugar ao preenchimento de DIC e o teor desta, por imperativo legal, certificava, não só, a concreta introdução no consumo, como a identidade do destinatário dos produtos envolvidos, realidades que, na falta de prova concludente da respectiva desconformidade, se têm de aceitar e fazer relevar, nos estritos moldes do, aí, registado.
Enfrentando a terceira questão, visto o conteúdo integral da sentença, concluímos que o julgador colige, entre outros, os arts. 3.º, 48.º e 49.º n.º 3 al. c) e e) CIEC (15) para, respectivamente, significar e fundamentar juridicamente, o ter entendido que a impugnante é sujeito passivo do IABA, enquanto detentora do estatuto de depositário autorizado, que o álcool etílico, vulgo, álcool, é um dos produtos sobre que incide o IABA e, por fim, que o destinatário do álcool mencionado nas DIC se encontrava fora do âmbito de aplicação da norma de isenção. Respeitosamente, não encontramos, em função da judiciada improcedência da impugnação, no apelo a estes normativos, qualquer erro de exegese e aplicação do Direito e, muito menos, tanto mais que a Rte na sua alegação nada expende sobre isto, algum desrespeito por princípios vertidos na Constituição.
*******
III
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se negar provimento ao recurso.
*
Custas a cargo da recorrente.
*
(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 14 de Dezembro de 2011
Aníbal Ferraz
José Gomes Correia
Eugénio Sequeira


(1) Na lição do Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, anotado, volume V, pág. 140: “O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.”.
(2) Prevê e regulamenta a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida.
(3) Aponta mesmo a fixação de um “especial ónus de alegação”.
(4) Tem de entender e jogar-se esta rejeição como, relativa e exclusivamente, dirigida aos fundamentos do recurso correspondentes e privativos do ataque ao julgamento factual.
(5) “Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento”.
(6) Fls. 159/160.
(7) Apesar de, na conclusão 5.ª, também, se aludir a errada fundamentação de facto da liquidação, tal imputação decorre, explicitamente, de a Rte ter pressuposto que resultaria provada toda a factualidade alegada na p.i. e não considerada pela sentença, o que, como vimos, soçobrou; circunstancialismo que torna, sem mais, prejudicado o tratamento desse tema.
(8) Cfr., Ac. TCAN de 20.7.2006, proc. 268/02 - Braga.
(9) A par da constatação de perdas tributáveis – cfr. art. 7.º n.º 1 Código dos Impostos Especiais de Consumo/CIEC, anexo ao DL. 566/99 de 22.12.
(10) O que, antes, só era possível para os produtos sujeitos à taxa zero – art. 8.º n.º 6 CIEC (redacção vigente em 2002 e 2003).
(11) Tal como na actualidade; art. 10.º CIEC, anexo ao DL. 73/2010 de 21.6.
(12) Conclusão 12.ª, parte final.
(13) Ver, art. 30.º p.i.
(14) Nos termos do art. 74.º n.º 1 LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
(15) Só estes são relacionados na conclusão 14.ª.