Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:89/18.6BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:05/22/2019
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:DERROGAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO.
Sumário:1) A derrogação do sigilo bancário a coberto do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária tem como pressupostos os seguintes: (i) decorra uma acção de fiscalização tributária; (ii) nessa acção de fiscalização tributária se recolham indícios de incumprimento dos deveres de colaboração do sujeito passivo que decorrem das circunstâncias mencionadas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 63.º-B n.º 1 da Lei Geral Tributária; (iii) a derrogação do sigilo bancário seja necessária, adequada e proporcionada ao apuramento da situação tributária do visado na inspecção.
2) Perante uma situação de clara divergência entre os valores inscritos na declaração de rendimentos e os valores detectados na conta bancária dos contribuintes, em face da recusa dos mesmos em esclarecer a situação perante a AT, após notificação para esse efeito, mostra-se preenchido o pressuposto do incumprimento dos deveres de colaboração, referido em ii).
3) O regime de derrogação do sigilo bancário, constante do artigo 63.º-B,da LGT, tem em vista compatibilizar a protecção da privacidade do contribuinte com a promoção do combate à fraude e à evasão fiscais, pelo que tal regime não colide com o princípio constitucional em referência.
4) Havendo indícios sérios e consistentes da falta de veracidade do declarado, compete aos contribuintes o ónus de demonstração de factos concretos, precisos e objectivos que permitam reconstituir as fontes do rendimento detectado, segundo um nexo concreto de causalidade.
5) No caso de falta de observância do ónus dos contribuintes de esclarecimento da causa dos movimentos financeiros em apreço, a medida de acesso directo aos documentos bancários que registam tais movimentos oferece-se como conforme aos ditames da proporcionalidade, dado que é adequada, necessária e proporcionada, em função do fim último do apuramento da realidade do rendimento tributável.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão
I – Relatório

C……….. e C………. interpõem o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 104/114, que julgou improcedente o recurso judicial deduzido contra a decisão de levantamento do sigilo bancário, referente aos anos de 2014 e 2015, proferida pela Directora Regional da Autoridade Tributária da Madeira, em 20.03.2018.
Nas alegações de recurso, os recorrentes invocam que:
a) se verifica uma grave deficiência na gravação da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente, no que respeita à tomada de declarações de parte do Recorrente C…………, que as tornaram totalmente imperceptíveis;
b) perante a total imperceptibilidade das declarações de parte, o Tribunal a quo não tinha condições para formar a sua convicção com base na prova oral produzida;
c) as declarações de parte eram essenciais para a boa decisão da causa e a explicação e prova dos factos;
d) a falta ou deficiente gravação da prova torna nula a prova oral produzida em julgamento;
e) só uma boa gravação garante a efetividade do direito ao recurso e a tutela jurisdicional efetiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos Recorrentes;
f) a Fazenda Pública, em momento algum, impugnou especificamente quaisquer factos alegados pelos Recorrentes, muito menos impugnou quaisquer documentos juntos pelos mesmos aos autos, aceitando e reconhecendo, assim, que os mesmos eram válidos e que os factos por eles espelhados correspondiam efetivamente à realidade;
g) a Fazenda Pública não arrolou qualquer testemunha aos autos que lhe permitisse corroborar ou demonstrar os factos por ela alegados na sua contestação;
h) ficou demonstrado que o Recorrente marido sempre colaborou com a Sra. Inspetora Tributária desde que foi notificado pela primeira vez em 19/02/2018;
i) ficou provado que assim que o Recorrente recebeu o Ofício da Autoridade Tributária, dirigiu-se de imediato à inspetora tributária para aferir que documentação necessitava efetivamente, o que sucedeu logo no dia 20/02/2018 (Factos Assentes D e E);
j) ficou comprovado que não obstante desconhecer os movimentos, datas e valores que careciam de justificação, o Recorrente aproveitou a deslocação aos serviços de inspeção para alegar e justificar que parte dessas entradas, muito possivelmente referiam-se a um empréstimo que o Recorrente obteve, por parte do B……., para realizar um aumento do capital social na sociedade I………, Lda., NIPC 511…….., da qual era sócio gerente, atenta a necessidade de obtenção por parte desta de um alvará de construção de classe 5 (Facto Assente E);
k) ficou demonstrado que, até 19/03/2018, o Recorrente colaborou e manteve-se sempre em contacto com a inspetora tributária Dra. C……… e que a Administração Fiscal tinha perfeito conhecimento que o Recorrente estava a tentar reunir a documentação bancária possível e ao seu alcance para justificar algumas entradas verificadas na sua conta bancária, mas que a não indicação ou identificação dos movimentos em questão, aliada ao facto da conta bancária em questão ter estado domiciliada no extinto B…… - B…. i….. F…….., S.A., que foi objeto de resolução por parte do Banco de Portugal em Dezembro de 2015, e adquirido pelo T……, e o facto dos movimentos pretendidos referirem-se aos anos de 2014 e 2015, cuja documentação não se encontrava disponível no site do Banco, dificultava e muito esse trabalho, em tão curto espaço de tempo;
l) se provou que o Recorrente C………. comunicou oralmente à Sra. Inspetora Tributária as suas dificuldades na obtenção dos documentos bancários solicitados, o que foi omitido pela Administração Fiscal;
m) o Tribunal a quo depreendeu perfeitamente tal dificuldade com base na prova produzida nos autos, tendo reconhecido expressamente tal facto na página 14 da douta sentença recorrida quando refere: Ainda que se compreenda a dificuldade em obter extractos bancários de contas detidas no extinto B……………. (…)”.
n) deveria ter sido acrescentado à matéria dada como provada que o Recorrente comunicou oralmente aos serviços de inspecção as suas dificuldades na obtenção dos documentos bancários pertencentes ao extinto B…… - B…. i….. F….., S.A., que foi objeto de resolução por parte do Banco de Portugal em Dezembro de 2015;
o) deveria ter sido acrescentado à matéria dada como provada que o Recorrente colaborou e manteve-se em contacto com a inspetora tributária Dra. C….. até 19/03/2018;
p) ficou demonstrado que o Recorrente nunca deixou de colaborar com a inspetora tributária, nem nunca se recusou a entregar qualquer documentação;
q) em momento algum do processo de levantamento do sigilo bancário, a Administração Fiscal alega ou demonstra que houve incumprimento do dever de colaboração por parte do Recorrente ou da Recorrente, muito menos existem nos autos quaisquer elementos suficientes que permitem concluir que houve recusa ou incumprimento dos deveres de colaboração por parte dos Recorrentes, nomeadamente na entrega de documentos ou prestação de esclarecimentos;
r) a Administração Fiscal não refere nem fundamenta a sua decisão de levantamento do sigilo bancário na recusa de entrega de qualquer documentação bancária por parte do Recorrente, o que se compreende face às claras e evidentes dificuldades na obtenção da mesma (conta ex- B……), e pelo facto de, até 19 de Março de 2018, a inspetora tributária ter estado sempre em permanente contacto com o ora Recorrente e em estreita colaboração com o mesmo;
s) se provou que a Autoridade Tributária, antes mesmo de terminar os seus contactos e diligências inspectivas (19/03/2018), já havia decidido derrogar o sigilo bancário dos Recorrentes (16/03/2018), o que é de repudiar;
t) se comprovou ser absolutamente falso que “(...) a decisão de derrogação do sigilo bancário viria a ser proferida vários dias após o prazo concedido ao recorrente (…)” como refere o douto Tribunal a quo no antepenúltimo parágrafo da página 14 da douta sentença recorrida;
u) a decisão de derrogação do sigilo bancário não só viola o princípio do inquisitório, o princípio da privacidade e da intimidade da vida privada, como é desprovida de qualquer fundamento, dada a colaboração que o Recorrente sempre manifestou junto da inspetora tributária e às dificuldades que a própria Administração Fiscal colocou ao Recorrente para a obtenção e justificação dos montantes em questão, na medida em que a própria desconhecia nem conseguia identificar quais os montantes específicos que pretendia efetivamente ver justificados;
v) a decisão de derrogação do sigilo bancário não cumpriu com os pressupostos e requisitos legalmente exigíveis;
w) a Autoridade Tributária andou mal ao decidir levantar o sigilo bancário da Recorrente mulher, quando esta nunca foi visada pela Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária, nunca foi notificada de qualquer acto praticado na ação inspetiva, nem nunca foi sócia, gerente ou trabalhadora de nenhuma sociedade do Recorrente marido (veja-se a este propósito o Doc. 2 da pi e o Doc. 5 da contestação);
x) a Recorrente mulher jamais foi alvo ou objeto da comunicação efetuada Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária, nem nunca foi notificada ou chamada a intervir pela Administração Fiscal no processo de levantamento de sigilo bancário;
y) se comprovou que a comunicação emitida pela Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária, que originou o pedido de levantamento de sigilo bancário, apenas incidiu sobre o Recorrente marido e nunca sobre a Recorrente mulher;
z) não era possível extrair-se a conclusão que a Recorrente mulher recusou ou incumpriu os seus deveres de colaboração perante a Administração Fiscal porquanto a mesma jamais foi notificada ou chamada a intervir no processo de levantamento de sigilo bancário, em qualquer uma das fases do procedimento inspetivo;
aa) o processo de derrogação do sigilo bancário incidiu ilegitimamente sobre a Recorrente mulher;
bb) a Autoridade Tributária andou mal ao não notificar a Recorrente mulher do projeto de decisão de levantamento do seu sigilo bancário, para efeitos de exercício do direito de audição prévia, nos termos dos n.ºs 2 e 5 do artigo 63.º B da LGT, conjugado com o artigo 267.º n.º 5 da CRP;
cc) ficou provado que C…………… e C……….. são casados sob o regime de separação de bens desde 15 de Julho de 2008 (Facto Assente J);
dd) ficou demonstrado que, face ao seu regime de casamento, a Recorrente mulher sempre manteve a sua autonomia patrimonial em relação ao Recorrente marido;
ee) se comprovou que C……….. é familiar do Recorrente C……….. e com ele tem uma relação especial, não obstante estarem casados no regime da separação de bens e terem apresentado a sua declaração de rendimentos conjuntamente;
ff) a decisão de derrogação do sigilo bancário da Recorrente mulher carecia sempre e necessariamente da sua audição prévia neste processo;
gg) se provou que a primeira e única vez que C…………. veio a tomar conhecimento do processo de levantamento do sigilo bancário foi em 26 de Março de 2018, com a notificação da decisão de levantamento do sigilo bancário ora impugnada (Facto Assente I);
hh) a Recorrente mulher nunca teve a possibilidade de se defender oportuna e convenientemente no processo sub judice;
ii) a decisão de derrogação de sigilo bancário padece de vício de forma, por preterição de formalidades legais essenciais;
jj) a decisão de derrogação do sigilo bancário apresenta uma fundamentação insuficiente e incongruente;
kk) a decisão de derrogação do sigilo bancário não foi necessária, adequada e proporcionada ao apuramento da situação tributária visada na inspeção;
ll) se demonstrou que, perante o desconhecimento de quais os movimentos, datas e valores específicos, referentes aos anos de 2014 e 2015, que careciam de justificação, por falta de indicação e desconhecimento da própria Administração Fiscal, e perante as dificuldades óbvias e evidentes na obtenção de documentação bancária por parte de um Banco extinto, era praticamente impossível ao Recorrente justificar quaisquer valores em tão curto espaço de tempo;
mm) não obstante a Administração Fiscal ter um prazo de 6 meses para inspecionar o ora Recorrente, nos termos do artigo 36.º n.º 2 do RCPIT, esta não hesitou em não dar ao Recorrente o tempo razoável e suficiente para este recolher a documentação necessária junto do extinto Banco B……., a fim do mesmo poder justificar tudo o que estivesse ao seu alcance, como aliás, viria a fazê-lo no âmbito da presente ação judicial;
nn) se demonstrou que o Recorrente procurou, já nos presentes autos, justificar algumas entradas verificadas na sua conta bancária, ainda que desconheça se eram estas as visadas e carecidas de justificação;
oo) o Recorrente logrou justificar e comprovar nos autos a proveniência de entradas na sua conta bancária, nos anos de 2014 e 2015, por transferência bancária, no montante total de, pelo menos, € 368.161,96 (Docs. 7 a 17 da pi), valor esse superior ao montante cuja justificação era requerida pela própria Administração Fiscal, a título de transferências bancárias;
pp) o douto Tribunal a quo omitiu por completo a sua pronuncia sobre essa matéria, o que torna a douta sentença recorrida nula, nos termos do artigo 668.2 n.21 alínea c) do CPC;
qq) o Tribunal a quo errou no seu julgamento, mediante uma apreciação inapropriada e incorreta dos factos e do direito aqui aplicável, valoração essa que, no entender dos Recorrentes, deveria ter conduzido a uma decisão diversa da encontrada, designadamente, à revogação da decisão de levantamento do sigilo bancário, referente aos anos de 2014 e 2015, proferida pela Diretora Regional da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Madeira, nos termos e com os fundamentos atrás invocados!!!
X
A fls. 140/144, a recorrida proferiu contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado. Formula as conclusões seguintes.
1- A alegada nulidade da prova por irregularidades na documentação de prova deverá improceder, por não ter sido arguida autonomamente neste processo, perante o Tribunal recorrido, no prazo de 10 dias concedido para o efeito, nos termos do artigo 155°, n°4, do Código de Processo Civil.
2- A jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que a falta ou deficiência da gravação da prova produzida em audiência final constitui uma nulidade processual secundária, arguível perante o tribunal recorrido, em requerimento autónomo, no prazo geral de dez dias, a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a deficiente documentação das declarações orais, sendo que o despacho que indeferir a mesma é que poderá depois ser impugnado. - Vide, entre outros, Ac. STJ n.° 13/2014, processo n.° 419/11.1TAFAF.G-A.S1, de 3/072014, Ac. Relação Lisboa Proc. 32075/15.2T8LSB 4a Secção de 25-01-2017.
3- Decorrido esse prazo sem que seja arguido o vício em causa, fica o mesmo sanado, não podendo oficiosamente ser conhecido pelos tribunais superiores ou arguido nas alegações de recurso.
4- No demais alegado, adere integralmente aos fundamentos da douta sentença recorrida, a qual julgou improcedente a ação deduzida pelo ora recorrente, por entender que esta não merece qualquer censura, devendo manter-se inalterada.
X
A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 154/157), no qual se pronuncia no sentido da recusa de provimento ao presente recurso jurisdicional.
X
II – Fundamentação
2.1. De facto
A sentença deu como provada seguinte matéria de facto:
Em sede de fundamentação da matéria consignou-se o seguinte:
A. A 19/08/2015 foi emitida pela unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária uma comunicação relativa aos intervenientes C………. e I…… - S…….. E A……… UNIPESSOAL, LDA., com o seguinte teor:
Comunicação
Data 03/07/2015
Entidade: Sistema Financeiro
Motivo da Suspeita: movimentação atípica atendendo ao perfil da conta.
Intervenientes:
C………, nascido a 18/06/1980, titular do B.I. n.° 117…….., do NlF 212…… com domicílio no Sítio do C…….. 9240-….. S………, Madeira
“I……….. – S……….. E A……., UNIPESSOAL LDA.”,
NIPC 511……., com sede no Parque E…… das G………, S…….., Madeira
Recolha de Informação Financeira:
Informação chegada a esta Unidade refere que o supra identificado titula desde Agosto de 2000 uma conta particular de depósitos à ordem no “B……., a qual, pelo menos em 2014 e 2015, registou uma movimentação considerada atípica e que suscitou algumas reservas, atendendo às suas características e montantes envolvidos.
Assim, de forma a exemplificar o anteriormente aludido, descreve-se de seguida as operações realizadas e quantificam-se os fundos movimentados:
(Ano de 2014 )
Operações a crédito: ∑ 333.000€
Foram depositados diversos cheques que totalizaram cerca de € 79.000,00.
Foram recepcionadas diversas transferências que totalizaram aproximadamente €236.000,00,
Foram realizados depósitos em numerário que ascenderam a cerca de €18.000,00
Operações a débito:
Foram apresentados cheques à “boca de caixa" (levantados em numerário ou depositados noutras contas da mesma instituição de crédito) no montante total de cerca de € 68,000,00.
Foram levantados em numerário através de cheques avulso aproximadamente €25.000,00.
Foram emitidos vários cheques no valor global de cerca de € 46.000,00,
Foram ordenadas diversas transferências que totalizaram cerca de €72.000,00.
Foram depositados diversos cheques que totalizaram cerca de € 22.000,00.
Foram recepcionadas diversas transferências que totalizaram aproximadamente €125.000,00.
Foram realizados depósitos em numerário que ascenderam a cerca de €9.500,00.
Operações a débito:
Foram apresentados cheques à "boca de caixa” (levantados em numerário ou depositados noutras contas da mesma instituição de crédito) no montante total de cerca de €59,000,00.
Foram levantados em numerário através de cheques avulso aproximadamente €3.500,00.
Foram emitidos vários cheques no valor global de cerca de € 7,000,00.
Foram apresentados cheques à “boca de caixa” (levantados em numerário ou depositados noutras contas da mesma instituição de crédito) no montante total de cerca de € 25.000,00.
Foram emitidos vários cheques no valor global de cerca de €77.000,00.
Foram ordenadas diversas transferências que totalizaram cerca de €116.000,00.
Foram recepcionadas diversas transferências que totalizaram aproximadamente € 58.000,00.
Operações a débito:
Foram apresentados cheques à “boca de caixa’’ (levantados em numerário ou depositados noutras contas da mesma instituição de crédito) no montante total de cerca de € 25.000,00.
Foram emitidos vários cheques no valor global de cerca de € 77.000,00,
Foram ordenadas diversas transferências que totalizaram cerca de € 116,000,00.
O visado C……….. e a sua mulher, C………., co- titulam uma conta particular também no “B……" com uma movimentação reduzida, onde são debitadas as prestações de um crédito concedido (cerca de € 6.000,00 anuais) e creditados os salários de C……. que rondam os € 8.000,00 anuais.
Administrativa:
C……….. participa apenas nos corpos sociais (único sócio e gerente) da empresa “I…….. – S……. A……., Unipessoal, Lda”, NIPC 511……., a qual em 2014 apresentou um total de rendimentos de cerca de €226.000,00, sendo aproximadamente €203.000,00 referentes a volume de negócios e um resultado positivo na ordem dos € 3.000,00.
Quanto a C…… que não tem qualquer actividade por conta própria registada, em sede de IRS relativo ao ano de 2014, declarou apenas cerca de € 6.500,00 pagos por "I…….. – S……A……., Unipessoal, Lda’’ e a sua mulher cerca de € 7.700,00 pagos por "Escola Básica e Secundária Dona L…… de A…… - S………”.
Internacional:
Nada foi solicitado.
B) No dia 16/01/2017 foi proferido o despacho de inspecção DI2017….., tendo como objectivo a consulta, recolha e cruzamento de elementos relativos aos anos de 2014 e 2015 e aos sujeitos passivos C………, NIF:212……., e C……., NIF: 217……, abaixo parcialmente reproduzido

“Texto integral com imagem”



(cfr. documento a fls. 138 dos autos - suporte digital)

C) No dia 15/02/2018 foi remetido pelos serviços da AT-RAM o ofício com a saída n.º 12…., endereçado a C…….., subordinado ao assunto "NOTIFICAÇÃO PARA PRESTAR ESCLARECIMENTOS", com o seguinte teor:
Para efeitos do disposto nos n.os 3 e 5, do artigo 89º-A da Lei Geral Tributária (LGT) e em conformidade com o disposto no n º 4 do artigo 59.º do mesmo código e nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 29.º do Regime Complementar de Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), considera-se por este meio notificado o contribuinte “C……….", com o NIF: 212……. e domicílio fiscal ao C……., 9240-…. S……., para no prazo de 10 dias, contados continuamente após o 3 º dia útil posterior ao do registo, exibir na Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da RAM (AT-RAM), na morada infra indicada, o seguinte:
a) Identificar a origem dos diversos créditos movimentados da vossa conta bancária depósitos à ordem no B……., nos anos de 2014 e 2015, conforme quadro se segue e exibir a respetiva comprovação documental:





(cfr. documento a fls. 45 dos autos - suporte digital)
D) O ofício mencionado no ponto anterior foi recebido pelo destinatário a 19/02/2018 (cfr. documento a fls. 47 dos autos - suporte digital);

E) No dia 20/02/2018 C………… compareceu nos serviços da Divisão de Inspecção Tributária da AT-RAM, tendo prestado declarações conforme auto que de seguida se reproduz:


AUTO DE DECLARAÇÕES

Eu, C………, Inspetora Tributária, em serviço na Divisão de Inspeção Tributária da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, encontrando-me no exercício das minhas funções, no dia 2018-02-2018, pelas 11:30 horas, ouvi em declarações o Sujeito Passivo C……. com o NIF 212…… portador do Cartão de Cidadão n.º 117…… 1Z….., com data de validade até 09/03/2019, com domicílio fiscal em A…. C…., n.º …, notificado para justificar os diversos créditos movimentados na conta à ordem Pessoal no B…., através do ofício n.º ….. de 15-02-2018, nos anos de 2014 e 2015, afirmou o seguinte:
Estes movimentos estão relacionados com o aumento de capital da empresa “I…….. Lda" NIF 511…….., que foi necessário pedir um empréstimo em nome pessoal ao B……. Este aumento de capital deveu-se ao facto de para obter um alvará de construção de nível 5 ser necessário ter um capital de cerca de 270.000€. Nesse aumento de capital deu-se a entrada de um novo sócio, o meu irmão. Existiram outras transacções entre a empresa e eu, que estão relacionados com aquisições de terrenos em meu nome. No entanto, não foi possível trazer os extractos bancários, bem como os documentos de prova desses movimentos, peio que se for necessário autorizo o levantamento de sigilo bancário para os anos de 2014 e 2015. E mais nada declarou

“Texto integral com imagem”


(cfr. documento a fls. 50 dos autos - suporte digital)
F) C……. não apresentou perante os serviços de inspecção tributária quaisquer elementos de informação bancária, não comunicou por escrito aos serviços de inspecção quaisquer dificuldades na obtenção dos documentos bancários solicitados nem requereu mais tempo para a sua apresentação (conforme depoimento do próprio).
G) No dia 16/03/2018 foi elaborada a Informação n.º …./18CSF, subordinada ao assunto "PEDIDO DE DERROGAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO AO SUJEITO PASSIVO C…………, NIF 212……… e C………. NIF 217……", cujo teor se dá por integralmente reproduzido e da qual se destacam os seguintes excertos:

I. INTRODUÇÃO
De acordo com análise efetuada pela Policia Judiciária e no âmbito do Despacho n.º DI2017…., verificámos que os SP s apresentaram nos anos de 2014 e 2015 divergências não justificadas entre os montantes declarados de rendimentos nas declarações fiscais, com os valores creditados na conta bancária em nome pessoal.
Pretende-se a investigação das contas bancárias, nos termos do n.º 1, alínea b) do artigo 63.º- B da Lei Geral Tributária (LGT).
II. PARECER
Nos anos de 2014 e 2015 o sujeito passivo e a sua esposa procederam à entrega da declaração modelo 3 de IRS com um rendimento líquido de €5.872.20 e €9.935,50, respectivamente, no entanto, através da investigação levada a cabo pela Polícia Judiciária verificou-se que nos anos em causa foram recepcionadas na sua conta pessoal valores que ascenderam a cerca de €333.000,00 para o ano de 2014 e €156.500,00 para o ano de 2015, pelo depósito de cheques, transferências bancárias, e depósitos em numerário, a favor do sujeito passivo
(...)

O SP foi notificado através do ofício n.º ….., com data de 15-02-2018, para justificar os montantes acima referidos, ou seja, para comprovar a divergência entre o rendimento declarado e os valores de entradas nos depósitos à ordem em seu nome.
O SP compareceu nesta Direção no dia 20 de Fevereiro de 2018, alegando em auto de declarações os seguintes argumentos: que estes movimentos estão relacionados com o aumento de capital da empresa I….., Lda. NIF 511……, pelo que foi necessário pedir um empréstimo em nome pessoal ao B…… . E que existiram outros movimentos entre o próprio e a empresa I….., Lda que estão relacionados com aquisições de terrenos em nome pessoal. No entanto não apresentou qualquer documento que comprovasse o alegado.
Ora, após análise efetuda aos argumentos apresentados pelo SP verificamos que não comprovou a proveniência desses rendimentos mediante a apresentação dos comprovativos da origem, bem como do contrato de empréstimo com o B…… .
Perante o exposto, e de forma a averiguar a origem destes rendimentos face à discrepância dos valores declarados em sede de IRS, consideram-se reunidos os pressupostos da alínea b) do n.º 1, artigo 63.º-B da LGT, para que a Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da RAM (AT-RAM) possa aceder a informações e documentos bancários que permitam apurar a realidade tributária da situação em causa para os anos de 2014 e 2015.
(cfr. documentos de fls 42 a fls 44 dos autos - suporte digital)
H) No dia 20/03/2018 foi proferido pela Directora Regional da AT-RAM autorizando o levantamento do sigilo bancário (cfr. documento a fls. 42 dos autos - suporte digital)
I) No dia 21/03/2018 foi remetido pelos serviços da AT-RAM o ofício com a saída n.º 25…., endereçado a C………. e C………, sob o assunto "LEVANTAMENTO DO SIGILO BANCÁRIO - ARTº 63º-B DA LGT", com o seguinte teor:
Informa-se que, por despacho de 20.03.2018, foi autorizado o acesso às informações e documentos bancários de V.Ex.ªs, com referência aos anos de 2014 e 2015, ao abrigo do disposto na alínea b), do nº 1, Artigo 63º-B, da Lei Geral Tributária (LGT), dada a existência de indícios da falta da veracidade do declarado.
Estatui inequivocamente a alínea b), do nº 1, do Artigo 63o- B que a administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos, quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível.
Na presente situação encontram-se preenchidos os requisitos legais previstos nas aludidas normas, conforme se verifica pela cópia da informação, que segue em anexo, na qual constam os factos, motivos e respetivos fundamentos.
Mais se informa V.Ex.ªs que, poderão reagir contra os atos praticados ao abrigo da referida disposição legal mediante interposição de recurso judicial com efeito meramente devolutivo, nos termos do nº 5 do Artigo 63o- B da LGT.
Com os melhores cumprimentos.

(cfr. documento a fls. 40 dos autos - suporte digital)

J) C…………. e C………. são casados sob o regime de separação de bens desde 15 de Julho de 2008, conforme consta no assento de casamento n.º 4… do ano de 2008 da Conservatória do Registo Civil/Predial/Comercial/Cartório Notarial de S…… junta a fls. 47 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
K) No ano de 2014 os sujeitos passivos C…… e C……. declararam conjuntamente em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) o rendimento global de €14.080,20, proveniente de rendimentos auferidos por trabalho dependente (cfr. demonstração de liquidação a fls. 146 dos autos e declaração Mod. 3 de fls. 147 e 148 dos autos - numeração do processo em suporte digital);
L) No ano de 2015 os sujeitos passivos C……… e C…….. declararam conjuntamente em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) o rendimento global de €18.143,50, proveniente de rendimentos auferidos por trabalho dependente (cfr. demonstração de liquidação a fls. 149 dos autos e declaração Mod. 3 de fls. 150 e 151 dos autos - numeração do processo em suporte digital);
M) O presente recurso deu entrada neste tribunal no dia 02/04/2018 (cfr. doc. 1 dos autos - suporte digital).

X
Em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto consignou-se: // «Não se provaram outros factos, com interesse para a decisão da causa. // A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na posição das partes vertida nos articulados e no teor dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e da prova testemunhal produzida, conforme discriminado em cada uma das alíneas do probatório. // Foi ouvido o Sr. C…….. em declarações de parte, tendo este declarado que se deslocou aos serviços de inspecção e confirmado o teor do auto de declarações. Mais declarou que não se fez acompanhar de qualquer documento, e ainda que as justificações que apresentou, relacionadas com a obtenção de um empréstimo o valor de €100.000,00 para aumento de capital da sociedade I…… e com suprimentos que havia feito à referida sociedade foram verbais. Das declarações do Recorrente resultou ainda que a reportada dificuldade de obtenção dos extractos bancários dos anos de 2014 e 2015 foi apenas comunicada oralmente à Sra. Inspectora, bem como que não requereu qualquer prorrogação do prazo para apresentar os documentos solicitados. // Ouvido o depoimento do Sr. J………., irmão e sócio do Recorrente, das suas declarações apenas foi possível concluir que este entrou no capital social da I……… mediante um empréstimo de cerca de €100.000,00 que o irmão e aqui Recorrente lhe fez, empréstimo esse que não se encontra titulado por qualquer documento, sendo que a testemunha menciona a este respeito a existência de um acordo verbal. // Por fim, foi ouvido o Sr. F…….., contabilista certificado da I……… e dos Recorrentes. Esta testemunha declarou que o Recorrente lhe mostrou a notificação para prestação de esclarecimentos, tendo ficado ciente que seria necessário apresentar os extractos bancários dos anos de 2014 e 2015. Mais confirmou que à data em que o Recorrente recebeu a notificação para prestar esclarecimentos existiam os elementos contabilísticos relativos ao aumento de capital e aos suprimentos, mas não se recorda que o Recorrente tenha levado qualquer documentação para a reunião com a inspectora tributária».
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2.2. De direito.
2.2.1. Nos presentes autos, vem sindicada a sentença proferida a fls. 104/114, que julgou improcedente o recurso judicial deduzido por C…….. e C……… contra a decisão de levantamento do sigilo bancário, referente aos anos de 2014 e 2015, proferida pela Directora Regional da Autoridade Tributária da Madeira, em 20.03.2018.
2.2.2. Para julgar procedente o presente recurso judicial, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«No caso vertente, verifica-se que a A.T. fundamentou a sua decisão de derrogação de sigilo bancário nas alíneas b) do n.º 1 do art.º 63º-B da LGT, de acordo com o qual "A administração tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários (...) sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos: b) Quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado (...)". // Assim, o que está em causa nos presentes autos é saber se estão reunidos os pressupostos de acesso à documentação bancária do Recorrente, a fim de possibilitar à Administração Tributária confirmar os indícios da falta de veracidade do declarado em face dos valores movimentados nas contas bancárias dos Recorrentes, conforme consta na informação da Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária.
Vejamos então. // Os Recorrentes assacam diversos vícios ao procedimento de derrogação de sigilo bancário, desde logo a violação dos princípios da colaboração e do inquisitório. // Entende este tribunal que não lhes assiste razão. // Com efeito, o Recorrente marido foi notificado para prestar esclarecimentos, ao abrigo do princípio da colaboração, tendo-lhe sido pedido para apresentar voluntariamente justificação para os valores movimentados nas suas contas bancárias nos anos de 2014 e 2015. // Apesar de os Recorrentes invocarem que esta tarefa se revelava dificultada pelo facto de a AT RAM não identificar em concreto quais os movimentos que careciam de justificação, o certo é que a AT não tinha de o fazer. Havia sido detectado e comunicado pela Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária uma movimentação anormal das contas bancárias dos Recorrentes, em valor que, cruzado com os rendimentos por eles declarados à AT, carecia de justificação na sua globalidade. Aliás, não faria sentido a AT estar na posse de informação quanto a movimentos bancários individualmente identificados, pois tal seria indiciador de um prévio acesso à informação bancária dos Recorrentes, que era precisamente o que ainda não havia sido feito e se visava com o procedimento de derrogação de sigilo bancário que foi desencadeado e estava em curso». // (…) // Como ficou já estabelecido, estava em curso um procedimento de inspecção visando a recolha e cruzamento de informações, aberto pelo despacho DO2017……, pelo que está preenchido o primeiro pressuposto.
Quanto ao segundo pressuposto, resulta da informação da Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária que no ano de 2014 as contas tituladas pelo Recorrente haviam tido uma movimentação no montante global de €333.000,00, e no ano de 2015 no montante global de €156.500,00. // Para os mesmos anos, os Recorrentes declararam rendimentos no valor de €14.080,20 (2014) e €18.143,50 (2015). // A discrepância entre os rendimentos declarados e valor dos movimentos bancários é notória, o que é indício suficiente para fazer presumir o incumprimento por parte dos sujeitos passivos quanto à veracidade das suas declarações. Como tal, está preenchido o segundo pressuposto.
Quanto ao terceiro pressuposto, foi já acima amplamente explicitado que o recorrente não logrou apresentar perante os serviços de inspecção quaisquer documentos passíveis de justificar a discrepância entre os movimentos bancários e os rendimentos declarados, como aliás o próprio admitiu. Não cabia à AT indicar individualmente os movimentos que careciam de justificação, pois isso significaria que de alguma forma a AT já teria tido acesso à informação bancária. À AT cabia indicar qual a discrepância detectada e convidar os Recorrentes a apresentar voluntariamente elementos que a justificassem, o que não foi feito».
2.2.3. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados erros de julgamento e-ou nulidades da sentença seguintes:
a) Deficiente gravação da prova no que respeita ao depoimento do recorrente marido, o que impede o exercício do direito ao recurso e implica a nulidade da prova [conclusões a) a e)].
b) Erro de julgamento de facto e erro na apreciação da matéria de facto, dado que o recorrente marido tudo fez para esclarecer a sua situação fiscal junto da Inspecção Tributária [conclusões f) a t)].
c) Erro de julgamento quanto à violação por parte da decisão de derrogação do sigilo bancário dos princípios do inquisitório, da privacidade e da intimidade da vida privada [conclusões u) e v)].
d) Erro de julgamento porquanto a recorrente mulher foi objecto de decisão de derrogação do sigilo bancário, sem ter qualquer relação com o alegado rendimento em causa e sem ter sido ouvida ou notificada de qualquer acto por parte da AT [conclusões w) a ii)].
e) Erro de julgamento porquanto decisão de derrogação do sigilo bancário apresenta uma fundamentação insuficiente e incongruente e é desproporcionada [conclusões jj) a oo)].
f) A sentença enferma do desvalor de nulidade por omissão de pronúncia, dado que o tribunal nada disse sobre as questões referidas na alínea anterior [conclusão pp)].
2.2.4. No que respeita ao primeiro esteio de recurso [alínea a), supra], os recorrentes invocam que não lhe foi possível ouvir a gravação da prova testemunhal, o que implicou o cerceamento do seu direito ao recurso, para além de tornar nula a prova assim obtida.
A este propósito, através do despacho de fls. 145/146, o tribunal recorrido considerou que não ocorre a imputada nulidade. Aí se consigna o seguinte:
«Quanto à primeira nulidade invocada, como unanimemente reconhecido, a irregularidade ou deficiência da gravação de prova não integra o elenco das nulidades processuais principais, sendo outrossim uma nulidade secundária, devendo por isso ser invocada, na primeira instância, no prazo de 10 dias, a contar do momento em que a gravação é disponibilizada nos termos do n.º 4 do art.º 155.º do CPC, aplicável ex vi al. e) do art.º 2.º do CPPT. Razão pela qual, salvo melhor e douta opinião, a mesma não se verifica, (…)».
Vejamos.
Estatui o artigo 155.º do CPC (“Gravação da audiência final e documentação dos demais atos presididos pelo juiz”), por um lado, que a «gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respectivo ato» (n.º 3) e, por outro lado, que a «falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada» (n.º 4).
A jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que a falta ou deficiência da gravação da prova produzida em audiência final constitui uma nulidade processual secundária, arguível perante o tribunal recorrido, em requerimento autónomo, no prazo geral de dez dias, a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a deficiente documentação das declarações orais, sendo que o despacho que indeferir a mesma é que poderá depois ser impugnado. Assim, por exemplo, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30-05-2017, P. 298/13.4TBSCR.L1-7, «A deficiência da gravação de inquirição de testemunha tem de ser arguida pela parte no tribunal a quo, no prazo de dez dias a partir do momento em que a gravação é disponibilizada (Artigo 155º, nº4, do Código de Processo Civil). // Decorrido esse prazo sem que seja arguido o vício em causa, fica o mesmo sanado, não podendo oficiosamente ser conhecido pela Relação, nem podendo tal nulidade ser arguida nas alegações de recurso»[1].
A invocada nulidade não foi invocada no prazo de dez dias a contar da realização da audiência (ver acta de fls. 86/90), pelo que a mesma, a existir, é de considerar sanada.
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.
2.2.5. No que respeita ao esteio de recurso relativo à alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia [alínea f) supra], pese embora os recorrentes não concretizem as questões que no seu entender envolvem a omissão de pronúncia, a mesma incidirá nas asserções que antecedem a alínea pp) até à alínea ll) das conclusões de recurso.
Lidas as conclusões em apreço, verifica-se que as mesmas não consubstanciam questões jurídicas, no sentido de articulações fáctico-jurídicas que suportam o pedido formulado, mas antes, linhas de argumentação que tribunal recorrido não acolheu, fundando-se, para tanto, em divergente enquadramento fáctico-jurídico da causa.
Sendo assim, forçoso se torna reiterar o discurso vertido no despacho de sustentação da sentença, de fls. 145/146, nos termos do qual, o tribunal recorrido considerou que não ocorre a imputada nulidade. Aí se consigna o seguinte: // «(…) também, não se verifica a nulidade de omissão de pronúncia - a que se alude no n.º 1 do art.º 125.º do CPPT, infine e al. d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, aplicável ex vi al. e) do artº 2º do CPPT, capaz de levar à nulidade da sentença. Esta ocorre sempre que o julgador não toma posição sobre a questão colocada pelas partes e não emite pronúncia sobre o facto de dela não tomar conhecimento, e quando da sentença não resulte, de forma expressa ou implícita que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao caso. Assim, "há nulidade da decisão, por omissão de pronúncia quando o Tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões", [cfr. Acórdão do STA de 11 de Maio de 2016, proferido no proc. n.º 01668/15, disponível em www.dgsi.pt]
Ora, no caso dos autos, da leitura da douta Sentença verifica-se que não ocorre o invocado vício, podendo este reconduzir-se, eventualmente, ressalvada melhor opinião, a erro de julgamento, uma vez que o Tribunal emitiu pronúncia no que concerne à aludida matéria na página 21 da Sentença».
Em face do exposto, impõe-se concluir que a arguida nulidade por omissão de pronúncia não se comprova nos autos.
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.
2.2.6. No que respeita ao fundamento de recurso referido na alínea b), supra, através do presente esteio de recurso os recorrentes colocam em crise o julgamento da matéria de facto proferido pelo tribunal recorrido. Por um lado, os recorrentes atacam a decisão de fixação da matéria de facto, apontando-lhe erros e imprecisões. Por outro lado, afirmam que o tribunal incorreu em erro na apreciação da matéria de facto.
No que respeita ao alegado erro da fixação da matéria de facto, cumpre referir que os recorrentes não observam o ónus de impugnação especificada da matéria de facto, consagrado no artigo 640.º do CPC, dado que não indicam os quesitos que pretendem reverter ou acrescentar ao probatório, não enunciam os meios de prova que sustentam a mencionada reversão ou aditamento.
É certo que nas conclusões nn) e oo), os recorrentes pretendem justificar parte dos movimentos financeiros em causa através de documentação que juntam. Tais elementos, sem o cruzamento com outros meios de prova documental e testemunhal e sem a necessária conciliação contabilística e-ou bancária da informação neles contida, não permitem o apuramento da matéria de facto, pretendida aditar ou alterar.
Motivo porque impõe julgar improcedente a presente imputação.
Por outro lado, os recorrentes sustentam que o tribunal recorrido extraiu consequências do probatório no que respeita a preenchimento dos pressupostos do artigo 63.º-B/1/b), da LGT que não devia ter extraído, dado que tais pressupostos não se mostram comprovados nos autos.
A este propósito, consignou-se na sentença recorrida o seguinte:
«No caso vertente, verifica-se que a A.T. fundamentou a sua decisão de derrogação de sigilo bancário na alínea b) do nº 1 do art.º 63º-B da LGT, de acordo com o qual "A administração tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários (...) sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos: b) Quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado (...)".
Como ficou já estabelecido, estava em curso um procedimento de inspecção visando a recolha e cruzamento de informações, aberto pelo despacho DO2017……, pelo que está preenchido o primeiro pressuposto.
Quanto ao segundo pressuposto, resulta da informação da Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária que no ano de 2014 as contas tituladas pelo Recorrente haviam tido uma movimentação no montante global de €333.000,00, e no ano de 2015 no montante global de €156.500,00.
Para os mesmos anos, os Recorrentes declararam rendimentos no valor de €14.080,20 (2014) e €18.143,50 (2015).
A discrepância entre os rendimentos declarados e valor dos movimentos bancários é notória, o que é indício suficiente para fazer presumir o incumprimento por parte dos sujeitos passivos quanto à veracidade das suas declarações. Como tal, está preenchido o segundo pressuposto.
Quanto ao terceiro pressuposto, foi já acima amplamente explicitado que o recorrente não logrou apresentar perante os serviços de inspecção quaisquer documentos passíveis de a justificar a discrepância entre os movimentos bancários e os rendimentos declarados, como aliás o próprio admitiu. Não cabia à AT indicar individualmente os movimentos que careciam de justificação, pois isso significaria que de alguma forma a AT já teria tido acesso à informação bancária. À AT cabia indicar qual a discrepância detectada e convidar os Recorrentes a apresentar voluntariamente elementos que a justificassem, o que não foi feito».
Vejamos.
Não sofre dúvida que «[a] derrogação do sigilo bancário a coberto do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária tem como pressuposto que: (i) decorra uma acção de fiscalização tributária (artigo 63.º n.º 3 da Lei Geral Tributária); (ii) nessa acção de fiscalização tributária se recolham indícios de incumprimento dos deveres de colaboração do sujeito passivo que decorrem das circunstâncias mencionadas nas diversas alíneas do seu n.º 1 (artigo 63.º-B n.º 1 da Lei Geral Tributária); (iii) a derrogação do sigilo bancário seja necessária, adequada e proporcionada ao apuramento da situação tributária visado na inspecção (artigo 63.º n.º 1 e 55.º da Lei Geral Tributária e 7.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária)»[2]. Afirma-se, por exemplo, em situação paralela à dos autos, que, «[c]omo resulta da conjugação dos arts. 63.º-B, n.º 1, alínea c) e 87.º, n.º 1, alínea f), da LGT, uma das situações em que o legislador entendeu permitir à AT o acesso à informação bancária, independentemente do consentimento do interessado, é aquela em que se verifiquem indícios de que existem acréscimos patrimoniais de valor superior a € 100.000,00 em simultâneo com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados»[3].
Mais se refere que a especial gravidade da ofensa aos deveres declarativos e de colaboração com a AT justifica (ou pode justificar) o acesso directo à documentação bancária do contribuinte, ao abrigo do disposto no artigo 63.º-B, n.º 1, da LGT[4].
No que respeita ao inciso do artigo 63.º-B/1/c), da LGT, dir-se-á que a administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários, sem depender do consentimento do titular dos elementos protegidos, entre outras situações, quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível. Verificada a situação descrita cabe ao sujeito passivo/contribuinte comprovar que cumpriu com os deveres declarativos e que os indícios de falta de veracidade do declarado não se confirmam no caso. No caso em exame, verifica-se que «os Recorrentes apresentaram declarações de IRS relativas a 2014 e 2015 respetivamente, com o rendimento global de € 14.080,20 e 18.143,50, provenientes de rendimentos auferidos por trabalho dependente. Porém foi detetado pelo Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária uma movimentação anormal das contas bancárias dos recorrentes, de € 333.000,00 no ano de 2014 e de € 156.500,00 no ano de 2015 que carecia de justificação. // Face às divergências de rendimentos constantes nas declarações de IRS dos anos de 2014 e 2015 e do movimento das contas bancárias relativos a igual período, resulta claramente a existência de factos concretamente identificados indiciadores da falta de veracidade do declarado apenas com as declarações de IRS entregues, e os elementos obtidos pela Administração Fiscal»[5].
Por outras palavras, perante uma situação de clara divergência entre os valores declarados na declaração de rendimentos e os valores detectados na conta bancária dos recorrentes[6], em face da recusa dos contribuintes em esclarecer a situação perante a AT, após notificação para esse efeito[7], não se vê como acompanhar a tese de que os deveres declarativos e de colaboração dos recorrentes para com a AT, no que respeita à regularidade da sua situação tributária foram observados no caso.
Pelo que se impõe concluir que, ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu em erro ou em agravo, devendo ser mantida, nesta parte.
Termos em que julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.7. No que respeita ao esteio de recurso referido na alínea c), supra, os recorrentes invocam que «a decisão de derrogação do sigilo bancário não só viola o princípio do inquisitório, o princípio da privacidade e da intimidade da vida privada, como é desprovida de qualquer fundamento, dada a colaboração que o Recorrente sempre manifestou junto da inspetora tributária e às dificuldades que a própria Administração Fiscal colocou ao Recorrente para a obtenção e justificação dos montantes em questão, na medida em que a própria desconhecia nem conseguia identificar quais os montantes específicos que pretendia efetivamente ver justificados».
No que se refere ao princípio do inquisitório, consignou-se na sentença recorrida o seguinte:
«Ao notificar o Recorrente marido para prestar esclarecimentos, a AT RAM diligenciou no sentido de obter informação voluntariamente, inquirindo directamente o Recorrente quanto aos movimentos bancários em causa, globalmente considerados, e pedindo-lhe justificação para os mesmos.
Contudo, resulta provado dos autos que o Recorrente, quando se dirigiu aos serviços de inspecção tributária, não se fez acompanhar por qualquer documentação. Nem extractos bancários, nem contrato de empréstimo, nem elementos contabilísticos. Limitou-se a declarar, oralmente, que havia feito um empréstimo para proceder a um aumento de capital da sociedade I………., que havia feito suprimentos à mesma sociedade, e que havia comprado terrenos, sem nada comprovar.
Ainda que se compreenda a dificuldade em obter extractos bancários de contas detidas no extinto B……, a demais documentação referida encontrava-se, ou devia encontrar-se, na posse do Recorrente, que dela se devia ter feito acompanhar quando compareceu nos serviços de inspecção tributária para prestar declarações.
Mais se refira que, confrontado com uma especial dificuldade na obtenção dos extractos bancários, cabia-lhe ter requerido uma prorrogação do prazo para a sua apresentação, explicando as razões da demora na sua obtenção, coisa que o Recorrente, segundo as suas próprias declarações, não fez».
Vejamos.
A este propósito, cumpre recordar que «[a] administração deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido»[8].
No caso, em exame, do probatório resulta o seguinte:
«Nos anos de 2014 e 2015 o sujeito passivo e a sua esposa procederam à entrega da declaração modelo 3 de IRS com um rendimento líquido de €5.872.20 e €9.935,50, respectivamente, no entanto, através da investigação levada a cabo pela Polícia Judiciária verificou-se que nos anos em causa foram recepcionadas na sua conta pessoal valores que ascenderam a cerca de €333.000,00 para o ano de 2014 e €156.500,00 para o ano de 2015, pelo depósito de cheques, transferências bancárias, e depósitos em numerário, a favor do sujeito passivo // (...)
O SP foi notificado através do ofício n.º 1.277, com data de 15-02-2018, para justificar os montantes acima referidos, ou seja, para comprovar a divergência entre o rendimento declarado e os valores de entradas nos depósitos à ordem em seu nome.
O SP compareceu nesta Direção no dia 20 de Fevereiro de 2018, alegando em auto de declarações os seguintes argumentos: que estes movimentos estão relacionados com o aumento de capital da empresa I……, Lda. NIF 511……, pelo que foi necessário pedir um empréstimo em nome pessoal ao B….. . E que existiram outros movimentos entre o próprio e a empresa I…….., Lda que estão relacionados com aquisições de terrenos em nome pessoal. No entanto não apresentou qualquer documento que comprovasse o alegado.
Ora, após análise efetuda aos argumentos apresentados pelo SP verificamos que não comprovou a proveniência desses rendimentos mediante a apresentação dos comprovativos da origem, bem como do contrato de empréstimo com o B….. .
Perante o exposto, e de forma a averiguar a origem destes rendimentos face à discrepância dos valores declarados em sede de IRS, consideram-se reunidos os pressupostos da alínea b) do n.º 1, artigo 63.º-B da LGT, para que a Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da RAM (AT-RAM) possa aceder a informações e documentos bancários que permitam apurar a realidade tributária da situação em causa para os anos de 2014 e 2015»[9].
Em face das discrepâncias de valores entre o que resulta da conta bancária dos recorrentes e os valores pelos mesmos declarados, em face da falta de diligência dos contribuintes no sentido de esclarecimento da referida divergência, após para tal terem sido notificados por parte da AT, não se vê como concluir de forma diferente do referido na sentença recorrida, no sentido de que não se detectam diligências complementares que no caso deveriam ter sido adoptadas pela AT, para além daquela que é questionada nos presentes autos.

No que respeita à alegada violação da privacidade dos recorrentes, cumpre referir que o regime do artigo 63.º-B da LGT tem subjacente a protecção da privacidade dos contribuintes.
A propósito da protecção da privacidade do contribuinte, cabe referir que «[a] posição económica de cada um não deixa de ser uma projecção externa da pessoa, constituindo um dado individualizador da sua identidade. // (…) // No caso particular dos dados e documentos na posse de instituições bancárias, concernentes às suas relações com os clientes, há um argumento suplementar, que cremos decisivo, nesse sentido. Mormente no que respeita às operações passivas de movimentação da conta, não é apenas, nem é tanto, o conhecimento da situação patrimonial, em si mesma, que pode ser intrusivo da privacidade. O que sobremaneira importa é o facto de esse conhecimento, numa época em que se vulgarizou e massificou a realização de transacções através dos movimentos em conta, designadamente pela utilização de cartões de crédito e de débito – o chamado “dinheiro de plástico” – propiciar um retrato fiel e acabado da forma de condução de vida, na esfera privada, do respectivo titular»[10]. Por outro lado, «reconhece-se que o segredo bancário se localiza no âmbito da vida de relação, à partida fora da esfera mais estrita da vida pessoal, ocupando uma zona de periferia, mais complacente com restrições advindas da necessidade de acolhimento de princípios e valores com ele conflituantes. // Por isso se afirma que “[o] segredo bancário não é abrangido pela tutela constitucional de reserva da vida privada nos mesmos termos de outras áreas da vida pessoal” (acórdão n.º 42/2007) e é mais suscetível a “restrições (…) impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (acórdão n.º 278/95). // Por outro lado – como ainda se anotou no acórdão n.º 442/2007 - quando a quebra do sigilo bancário promana da Administração Fiscal, não pode esquecer-se que ela não implica a abertura desses dados ao conhecimento geral, visto que os conhecimentos obtidos pelo exercício da função tributária estão sujeitos ao dever de confidencialidade (artigo 64.º da Lei Geral Tributária) e a sua violação está tipificada de forma mais gravosa, face ao crime de violação do sigilo profissional (cfr. o artigo 91.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias e o artigo 195.º do Código Penal, por um lado, e artigo 383.º deste Código e os n.ºs 2 e 3 daquele artigo 91.º, por outro)[11].
Do exposto, impõe-se concluir que o regime de derrogação do sigilo bancário, constante do artigo 63.º-B,da LGT, tem em vista compatibilizar a protecção da privacidade do contribuinte com a promoção do combate à fraude e à evasão fiscais, pelo que, na medida em que se conforme os seus pressupostos e limites do artigo 63.º-B,da LGT, a decisão administrativa em causa não colide com tal princípio constitucional.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.8. No que respeita ao esteio de recurso referido em d), através da presente intenção rescisória, os recorrentes censuram a inclusão da recorrente mulher no presente procedimento de acesso aos dados bancários, por um lado, bem como a imposição de uma medida considerada intrusiva – a derrogação do sigilo bancário -, sem observância do direito de audição prévia da visada, por outro lado.
A este propósito consignou-se na sentença recorrida o seguinte:
«A este respeito, saliente-se que o n.º 1 do art.º 63-B da LGT estipula que a administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários, bem como a informações ou documentos de outras entidades financeiras (...), sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos (Redacção da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro), mais estipulando o n.º 2 do mesmo artigo que a administração tributária tem, ainda, o poder de aceder directamente aos documentos bancários e aos documentos emitidos por outras entidades financeiras (...), nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta, quando se trate de familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte.
Assim, a AT pode, em todas as situações elencadas no n.º 1 do art.º 63º-B da LGT, aceder aos elementos bancários independentemente do consentimento do interessado, sem necessidade de prévia recusa de exibição ou de autorização de acesso e, inclusive, sem a sua prévia audição nos termos em que a mesma se mostra postulada no art.º 60.º da LGT.
(…)
Contudo, se se tratar de acesso aos elementos bancários de um familiar ou terceiro que tenha relações especiais com o contribuinte em relação a quem se verificam as condições para a actuação administrativa de aceder às informações e documentos bancários, esse acesso depende da audição prévia desse familiar ou terceiro, nos termos do n.º 5 do artigo 63.º-B da LGT, que remete para o n.º2 do mesmo artigo.
Há, então, que apurar se a Recorrente C……….. e, para efeitos de acesso a informações e documentos bancários, interessada ou um familiar ou terceiro que tenha relações especiais com o interessado.
Como foi já referido, os recorrentes apresentaram, nos anos de 2014 e 2015, a sua declaração de rendimentos Mod. 3 de IRS conjuntamente, em sociedade conjugal, sendo solidariamente responsáveis pelos rendimentos declarados.
Foi também já referido que o procedimento de inspecção foi aberto tendo como âmbito subjectivo ambos os Recorrentes.
Assim, para efeitos de acesso a informações e documentos bancários, a Recorrente é interessada no procedimento, termos em que se lhe aplica o n.º 1 do art.º 63-B da LGT e não se impunha a sua audição prévia«.
Vejamos.
Do probatório resulta o seguinte:
i) C………. e, sua mulher, C…………, apresentaram, nos exercícios de 2014 e 2015, declaração modelo 3 de IRS com um rendimento líquido de €5.872.20 e €9.935,50, respectivamente, no entanto, através da investigação levada a cabo pela Polícia Judiciária verificou-se que nos anos em causa foram recepcionadas na sua conta pessoal valores que ascenderam a cerca de €333.000,00 para o ano de 2014 e €156.500,00 para o ano de 2015, pelo depósito de cheques, transferências bancárias, e depósitos em numerário, a favor do sujeito passivo[12].
ii) No ano de 2014 os sujeitos passivos C……….. e C………… declararam conjuntamente em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) o rendimento global de €14.080,20, proveniente de rendimentos auferidos por trabalho dependente (cfr. demonstração de liquidação a fls. 146 dos autos e declaração Mod. 3 de fls. 147 e 148 dos autos - numeração do processo em suporte digital)[13];
iii) No ano de 2015 os sujeitos passivos C……… e C……… declararam conjuntamente em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) o rendimento global de €18.143,50, proveniente de rendimentos auferidos por trabalho dependente (cfr. demonstração de liquidação a fls. 149 dos autos e declaração Mod. 3 de fls. 150 e 151 dos autos - numeração do processo em suporte digital)[14];
Do exposto resulta que os recorrentes optaram, através das declarações fiscais que apresentaram, pela tributação conjunta (artigo 13.º/3, do CIRS). Tal significa que «o imposto é devido pela soma dos rendimentos das pessoas que constituem o agregado familiar, considerando-se como sujeitos passivos aquelas a quem incumbe a sua direcção»[15]. De onde resulta que ambos são sujeitos visados do procedimento de inspecção em causa nos autos e ambos são destinatários da decisão de derrogação do sigilo bancário.
Nesta medida, não se comprova a alegada ofensa do regime de derrogação do sigilo bancário, constante do artigo 63.º-B/1, da LGT. Por outro lado, o artigo 63.º-B, n.º 2, que estabelece o regime da decisão incidente sobre terceiros ou familiares do contribuinte não tem aplicação ao caso em exame, dado que a decisão administrativa em apreço incide sobre os sujeitos passivos do imposto, cônjuges em regime de tributação conjunta, ora recorrentes, em relação aso quais não decorre da lei a obrigatoriedade da diligência da audição prévia, em sede de regime de derrogação do sigilo bancário do artigo 63.º-B/1, da LGT.
Por outras palavras, constitui jurisprudência assente a de que «[c]om a entrada em vigor da Lei n.º 94/2009 e a redacção por esta dada ao artigo 63.º-B da LGT, deixou de haver qualquer referência expressa a essa exigência de audição prévia do contribuinte, a qual se manteve apenas para as situações em que o acesso a informações e documentos bancários se reporta a contas de que são titulares familiares daquele e/ou de terceiros que com ele estejam numa relação especial, tem de concluir-se que, após a entrada em vigor do preceito em referência com aquela nova redacção, deixou de ser exigível que o contribuinte seja ouvido nos termos já mencionados e definidos pelo artigo 60.º da LGT (projecto de decisão contendo os fundamentos do sentido da decisão)»[16].
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não enferma de erro pelo que deve ser mantida na ordem jurídica, nesta parte.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.9. Através da intenção recursória referida na alínea e), supra os recorrentes contestam a suficiência, a congruência da fundamentação da decisão administrativa em apreço e a sua conformidade com o parâmetro da proporcionalidade.
A este propósito, consta da sentença recorrida o seguinte:
«No caso em apreço, dos factos concretos elencados na informação da inspecção tributária, corroborada pela informação da Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária, aliado ao facto de o Recorrente não ter apresentado documentos susceptíveis de afastar os indícios da falta de veracidade do declarado (alíneas b) do n.º 1 do artigo 63.º-B) entendo que o despacho da Sra. Directora Regional da AT RAM, ora impugnado, se encontra suficientemente fundamentado, tendo sido possível aos recorrentes apreender o seu âmbito e dele apresentar o presente recurso, termos em que se entende que o mesmo não merece qualquer censura, pelo que improcede também o alegado pelos Recorrentes quanto a esta questão».
Vejamos.
Estatui o artigo 63.º-B, n.º 4, da LGT, o seguinte:
«As decisões da administração tributária referidas nos números anteriores devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam e, salvo o disposto no número seguinte e no n.º 13, notificadas aos interessados no prazo de 30 dias após a sua emissão, sendo da competência do diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, ou dos seus substitutos legais, sem possibilidade de delegação».
O preceito do artigo 77.º da LGT enuncia os requisitos da fundamentação do acto tributário. «A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integram o relatório da fiscalização tributária» - n.º 1. «A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações da matéria tributável e do tributo» - n.º 2.
«A fundamentação do acto tributário tem de expressar-se em um discurso contextual, formal, acessível, congruente e suficiente para dar a conhecer ao contribuinte, pressuposto como um contribuinte normal colocado nas circunstâncias concretas do recorrente, as razões de facto e de direito que levaram a administração a praticá-lo, variando a exigência de densificação daquele discurso em função do tipo de acto e da participação ou não participação do contribuinte no procedimento da sua formação»[17]. «[E]xige-se que o sujeito passivo da relação jurídica de imposto (destinatário normal), perante o itinerário valorativo e cognoscitivo em que se baseou o acto decisório, esteja razoavelmente habilitado a conhecer integralmente os fundamentos que levaram o decisor tributário a firmar o entendimento num sentido e não noutro qualquer. Pelo que a decisão procedimental considera-se fundamentada, independentemente da sua concordância, caso exista congruência e clareza, susceptível de ser perceptível para qualquer destinatário normalmente diligente que com a mesma se confronte». Os critérios de aferição do preenchimento do dever de fundamentação são, pois, os da suficiência, clareza e congruência[18].
No caso em exame, a fundamentação da decisão administrativa consta da informação de suporte da mesma[19], sem que se detecte insuficiência ou incongruência. Ou seja, perante as discrepâncias entre os valores de rendimento declarados e os valores movimentados na conta bancária de que são titulares os sujeito passivos, impõe-se aceder directamente aos movimentos financeiros da mesma, tendo em vista o apuramento das fontes do rendimento. O carácter acessível ao destinatário médio, colocado na posição dos recorrentes é reforçado pelas declarações prestadas pelo contribuinte, nas quais aceita autorizar o acesso aos elementos bancários com vista ao esclarecimento cabal da sua situação fiscal[20].
Os recorrentes invocam também que a decisão de acesso directo à documentação bancária é desproporcionada.
«O princípio da proporcionalidade significa a proibição do excesso, o que quer dizer que a ingerência da acção administrativa na esfera jurídica do particular está sujeita ao cumprimento rigoroso da referida proibição. Por outras palavras, através do mencionado princípio veda-se a ingerência inidónea, desnecessária ou desproporcionada em sentido estrito. Uma medida é inidónea quando se revele inadequada à prossecução do fim de interesse público que lhe subjaz. Uma medida é desnecessária quando existem meios igualmente aptos, mas menos gravosos para o particular, de garantir a consecução do interesse público. Uma medida é desproporcionada quando a relação imposta pela medida entre os bens jurídicos em confronto é desequilibrada»[21].
No caso em exame, não se vê como acompanhar a tese da desproporção da medida em apreço. Os recorrentes foram notificados para esclarecer as discrepâncias dos montantes em causa e não o lograram fazer. Nos artigos 90.º a 130.º da petição inicial ensaiam justificações para os movimentos financeiros em causa, mas nenhuma das justificações em causa logra constar da matéria de facto assente ou se revela assente em dados objectivos e consistentes. É que havendo indícios sérios e consistentes da falta de veracidade do declarado, em face de fluxos financeiros titulados pelos contribuintes, mas não declarados, compete a estes últimos o ónus de demonstração de factos concretos, precisos e objectivos que permitam reconstituir as fontes do rendimento detectado, segundo um nexo concreto de causalidade. Ónus que no caso, os recorrentes não cumpriram. Pelo que a medida de acesso directo aos documentos bancários que registam tais movimentos oferece-se como conforme aos ditames da proporcionalidade, dado que é adequada, necessária e proporcionada, em função do fim último do apuramento da realidade do rendimento tributável.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não enferma de erro pelo que deve ser mantida na ordem jurídica, nesta parte.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto)

(2º. Adjunto)

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[1] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30-05-2017, P. 298/13.4TBSCR.L1-7.
[2] Acórdão do TCAS, de 16.10.2014, P. 07945/14.
[3] Acórdão do STA, de 14.10.2015, P. 0901/15.
[4] José Maria Fernandes Pires, LGT, anotada, Almedina, 2015, p. 676/677.
[5] Parecer da ilustre Magistrada do Ministério Público junto deste TCAS.
[6] V. alínea G), do probatório.
[7] Vide o 1.º§ da fundamentação da decisão da matéria de facto.
[8] Artigo 58.º da LGT.
[9] Alínea G), do probatório.
[10] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 442/2007, de 14.08.2007.
[11] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 145/2014, de 13.02.2014.
[12] Alínea G), do probatório.
[13] Alínea K), do probatório.
[14] Alínea L), do probatório.
[15] Artigo 13.º, n.º 3, do CIRS.
[16] Acórdão do TCAS, de 16.10.2014, P. 07945/14
[17] Acórdão do STA, de 15.12.1999, P. 024143.
[18] Acórdão do TCAS, de 13.10.2016, P. 08848/15.
[19] Alínea G), do probatório.
[20] Alínea E), do probatório.
[21] Acórdão do TCAS, de 18-04-2014, P. 07932/14.