Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10383/13
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:07/10/2014
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:ADVOGADO, PROCESSO DISCIPLINAR, PROVA DOS FACTOS
Sumário:I. Resultando da selecção dos factos assentes que o arguido, na qualidade de Advogado e mandatário da participante, faltou ao julgamento agendado, não comparecendo a Tribunal, que não assumiu esse facto perante a mandante, tendo antes afirmado que ali estivera presente, quando a Acta de Julgamento lavrada pelo Tribunal demonstra a falta de veracidade do facto por si alegado e ainda que tal facto teve consequência quanto à condenação em custas judiciais, de entre outra demais factualidade relevante, quanto o de ter informado que interpôs recurso jurisdicional e, pelo contrário, o processo judicial se encontrar findo, encontram-se demonstrados os factos em que se funda a aplicação da pena disciplinar, por violação da al. b) do nº 1 do artº. 95º do E.O.A. aprovado pela Lei nº 15/2005 de 26/01.
II. Encontram-se provados os factos de que o arguido foi acusado e que fundaram a aplicação da pena disciplinar, o que tem por base a prova documental produzida, que não logrou ser posta em causa, seja por que meio for, nem de algum modo abalada a veracidade dos factos em que sustenta a acusação e deliberação punitiva.
III. Comprovando-se os factos em que assenta a deliberação punitiva, integradores da infracção disciplinar, está igualmente demonstrada a culpa do agente, já que se impunha que o arguido adoptasse comportamento diferente, em respeito das normas legais que disciplinam o núcleo dos deveres dos advogados.
IV. Vigorando o princípio da presunção da inocência do arguido, quer no âmbito do procedimento criminal, quer no âmbito do procedimento disciplinar, tal princípio apenas releva no caso de a entidade acusatória e incumbida do dever de instrução, onerada com a prova dos factos, não lograr cumprir esse ónus e não proceder à prova dos factos integradores do respectivo ilícito.
V. Apenas há que convocar o princípio da presunção da inocência do arguido no caso de não se demonstrarem os factos em que se funda a aplicação da pena ou sanção disciplinar, o que ora não se verifica.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Ordem dos Advogados, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, datado de 30/04/2013 que, no âmbito da acção administrativa especial instaurada por ... , julgou a acção procedente, declarando a nulidade do acto impugnado, o acórdão condenatório do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, de 08/01/2008 e da resposta ao pedido de aclaração, datada de 11/09/2009.

Formula a aqui Recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 214 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

“a) De acordo com o entendimento perfilhado pelos MM Juízes a quo, o acto impugnado padece de nulidade porquanto, “(...) a prova produzida é manifestamente insuficiente para a subsunção factual ao normativo do artigo 95º al. b) que prevê a conduta de infracção punida com a pena de suspensão, consideramos que, por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, a matéria probatória é insuficiente para punir o A., o que constitui nulidade insuprível do procedimento disciplinar, por se traduzir na violação do direito de presunção da inocência que merece acolhimento constitucional no artigo 32º da CRP”.

b) Salvo devido respeito não merece acolhimento tal entendimento, mostrando-se os factos dados como provados no âmbito do procedimento disciplinar, e que constam do ponto I da matéria de facto assente, suportados na prova documental produzida, sendo esta suficiente para fundamentar o juízo de censurabilidade que assentou sobre a conduta imputada ao aqui Recorrido.

c) Desde logo, porquanto o Recorrido devidamente notificado da prova documental junta aos autos não cuidou de impugnar a sua força probatória ou sequer invocou a falsidade dos factos ali vertidos.

d) Por outro lado, a versão dos factos apresentada pelo aqui Recorrido na sua petição inicial, não se apresenta verosímil ou credível de acordo com as regras de experiência comum, resultando, pelo contrário, da análise do processo administrativo, de forma inequívoca, a prática da infracção disciplinar que lhe foi imputada.

e) Com efeito, é entendimento da jurisprudência mais avisada que, “em processo disciplinar, tal como no processo penal, o Ónus da prova dos factos constitutivos da infracção cabe ao titular do poder disciplinar, devendo a prova coligida legitimar uma convicção segura da materialidade dos factos imputados ao arguido, para além de toda a dúvida razoável. Mas os princípios da presunção de inocência e do in dúbio pro reo aplicáveis ao processo disciplinar, não impedem que inexistindo prova directa, a convicção probatória no sentido da culpabilidade do arguido se forme com base em vários indícios a que este não contrapõe contra-indícios suficientes para gerar a dúvida razoável quanto à autoria dos factos que lhe eram imputados, uma vez que a verdade dos factos a atingir na decisão não é a verdade ontológica ou absoluta, mas a verdade prática, baseada na convicção objectivável do decisor, para além de toda a dúvida razoável” (cfr. acórdão do T.C.A. Sul, de 17/05/01, in www.dgsi.pt).

f) Ora, conforme se pode ler no acórdão suspendendo “(…) parece não restarem dúvidas de que pode considerar-se provado, para além dos n.ºs da matéria dada por provada e não posta em causa, o seguinte:

6. “A Sra Participante estava também presente, não tendo respondido à chamada”. Não seria crível que, como consta da Acta de Audiência de Discussão de Julgamento junta à Participação, estivessem presentes de entre as “pessoas convocadas”, o marido da Participante e o seu mandatário, e que esta, também convocada, nem sequer se deslocasse ao Tribunal, ao contrário do que afirma. E é, de resto, plausível, que não tivesse, como também afirma, respondido à chamada por o Recorrente não se achar presente. Mas disso não foi feita prova.

7. “O Sr. Advogado não compareceu à audiência de julgamento, nem justificou a falta”.

A referida acta de audiência de julgamento (também não posta em causa) revela a ausência do Recorrente àquela diligência, para a qual fora devidamente convocado, e dela não consta que tenha justificado a falta. Também aqui é plausível admitir que não tenha previamente avisado a Participante, mas tal não se mostra provado.

15. “A Participante foi notificada para o pagamento de uma dívida que tinha pendente no tribunal de Setúbal”.

Tanto foi notificada que veio a pagar a conta de custas, já agravada com juros de mora, conforme guia de pagamento que juntou.

16. “O Sr. Advogado arguido fora notificado da sentença e da conta de custas.”

Tal decorre da lei: a Secretaria Judicial deve notificar as sentenças, tal como a conta de custas, e fazê-lo na pessoa dos mandatários das partes (artºs 229, n.º 1 e 253º. n. º 1 CPC).

17. “No entanto, nunca comunicou à participante o teor da sentença, que esta desconhecia ter sido proferida, nem a informou quanto à mencionada conta e prazo para pagamento”.

Se a participante não esteve presente na Audiência de Julgamento, o que está provado pela respectiva Acta, e se a respectiva sentença, tal como a conta de custas, só foram notificadas ao Recorrente, como decorre dos preceitos legais, é bem de ver que aquela as desconhecia” (cfr. fls. 95 e 96 do processo instrutor).

g) Donde resulta a existência de prova suficiente para a formação da convicção probatória no sentido da culpabilidade do arguido, assente na experiência comum e formada forme com base em vários indícios a que o recorrido não contrapôs contra­indícios suficientes para gerar a dúvida razoável quanto à autoria dos factos que lhe eram imputados, mostrando-se preterido o dever deontológico contido no artigo 95°, n.º 1, ai. b) do E.O.A.

h) Ao concluir em sentido contrário ao acima apontado, incorreu o douto acórdão recorrido em erro de julgamento, tendo violado o disposto nos artigos 3º do CPTA (na medida em que extravasou os poderes de pronúncia que legalmente lhe estão cometidos) e nos artigos 95°, n.º 1, al. b) do E.O.A. e 32º, n.º 10 da CRP (a contrario sensu).”.

Termina pedindo que seja concedido provimento ao recurso jurisdicional, revogando-se a sentença recorrida.


*

O ora Recorrido notificado, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 250 e segs.), concluindo nos seguintes termos:

“1 - O Acórdão ora recorrido não sofre de qualquer vício ou erro de julgamento, é por demais evidente, a completa ausência de prova quer documental quer testemunhal, que permita concluir de forma diversa.

2 - A livre apreciação da prova nunca pode ser confundida com o mero arbítrio. Liberdade não significa o arbítrio ou impressionismo emocional ou a decisão puramente assente no subjectivismo alheio à fundamentação e comunicação.

3 - No recurso, a Ordem dos Advogados limita-se a repetir os argumentos constantes da decisão administrativa, não apresentando uma argumentação lógica, nem legal, perceptível de um raciocínio valorativo de um juízo diferente do explanado no Acórdão recorrido.”.


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O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, emitiu parecer no sentido de o procedimento disciplinar se encontrar prescrito, devendo manter-se a decisão recorrida.

*

A Ordem dos Advogados pronunciou-se sobre o parecer emitido pelo Ministério Público, reiterando que o procedimento disciplinar não se encontra prescrito.

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Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artºs. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1, todos do CPC, ex vi artº 140º do CPTA.

Encontra-se suscitada a questão de saber se o acórdão recorrido enferma de erro de julgamento, por violação do artº 3º do CPTA, do artº 95º, nº 1, al. b) do EOA e do artº 32º, nº 10 da Constituição (a contrario sensu), ao julgar-se não existir prova suficiente para a formação do juízo de ilicitude e de culpa, quanto ao cometimento da infracção sancionada disciplinarmente.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A - Em 2004-12-10 foi registada na Ordem dos Advogados, Conselho Distrital de Évora, sob o nº 8481, a entrada do requerimento subscrito por ... , datado de 2004-12-06, e dirigido ao Presidente do Conselho de Deontologia que constitui a participação contra o ora A., com o seguinte teor:

1 - Em finais do mês de Setembro de 2000 contactei a Drª ... , para tratar dos assuntos referentes ao meu divórcio.

2 - Na primeira conferência foi-me dito que o processo demoraria entre 4 a 6 meses.

3 - Decorrido uma semana realizou-se uma conferência entre nós, na qual o meu marido acordou em fazer o divórcio por mútuo consentimento.

4 - Como já tinha passado cerca de um ano e o divórcio não era decretado contactei o Senhor Dr. ... , que se prontificou a tratar do assunto junto da Drª ... .

5 - Entretanto fui notificada de um processo cível em que a Drª ... me exigia os honorários do divórcio, embora ainda não tivesse sido decretado.

6 - Contactei o Senhor Dr. ... que me disse que eu tinha razão e que iria contestar o pedido, tendo-lhe entregue todos os documentos.

7 - No dia do julgamento, verifiquei que o meu Advogado não estava presente e não respondi à chamada, embora estivesse no Tribunal.

8 - O meu marido esteve presente e entrou para a sala.

9- No dia a seguir contactei o Senhor Dr. ... que me disse que estava no Tribunal.

10 - Porém, a verdade. É que não compareceu ao julgamento, conforme decorre da acta que junto, apesar de me ter dito várias vezes, que tinha estado no Tribunal, conduta que manteria até que lhe exibi a cópia da acta da sentença, desculpando-se neste dia com um Estagiário.

11 - Nunca mais soube nada, até que há cerca de 15 dias fui contactada pela PSP, que me disse que tinha uma dívida em Tribunal para pagar.

12 - Dirigi-me de imediato ao Tribunal e aí informar-me que o Advogado foi notificado da sentença e das custas e nada me disse.

13 - A carta para notificação do pagamento das custas foi enviada para a morada do meu marido, vivendo nós separados.

14 - Contactado o Sr. Dr. ... disse-me que tinha recorrido e estava à espera da marcação da segunda audiência.

15 - Porém, no Tribunal disseram-me que não há qualquer recurso e o processo está findo.

16 - Assim sinto-me prejudicada e lesada em 495,20 €, a quantia de 153,32 € referente a custas conforme documento que junto,

Esperando que Vª. Exª. tome as medidas que entenda conveniente para resolver este assunto.

(...)”, cfr. fls. 1 a 3 do PA.

B - Esta participação foi acompanhada dos seguintes documentos:

- cópia da acta de audiência e julgamento do dia 10 de Dezembro de 2003, da qual consta que: “ACTA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO

No ano de dois mil e três, aos dez dias do mês de Dezembro, nesta Comarca de Setúbal, no 2º Juízo Cível, onde se encontrava a Mmª Juiz Drª ... , às 14:30 horas, ordenou esta Magistrada à Escrivã Auxiliar, ... , que interpelasse as pessoas convocadas nestes autos de Acção Especial Cumprimento Obrigações Pecuniárias nº 1036/2002 em que é autora, ... e réus, ... e ... o que a dita funcionária cumpriu, verificando-se ENCONTRAREM-SE PRESENTES, a ilustre mandatária da A., Dra. ... , a A., ... , o R.. ... e NÃO PRESENTES, o ilustre mandatário da R., Dr. ... e a R. ... .

Dado início à diligência, pela A foi requerida a junção aos autos de uma procuração, o que lhe foi deferido e junta aos autos depois de rubricada pela Mmª. Juiz.

Seguidamente, pela Mmª Juiz foi tentada a conciliação o que não foi possível por ambas as partes reiterarem as posições anteriormente assumidas.

Após, pela ilustre mandatária da A., Dra. ... foi pedido a palavra e no uso dela ditou para a acta:

“Requeiro a junção aos autos de uma aviso de recepção, referente à carta de interpelação enviada pela A aos RR., datada de 17/10/2001.

Mais requeiro a junção de documento comprovativo de algumas despesas efectuadas.”

Seguidamente, pela Mmª. Juiz foi proferido o seguinte:


DESPACHO

Analisados os documentos e uma vez que os mesmos se afiguram úteis para a decisão da causa admite-se a sua junção aos autos.”-

Do douto despacho foram todos os presentes devidamente notificados e dele dissera, ficar cientes.-

Após, deu-se início à produção de prova da seguinte forma:


TESTEMUNHA DA AUTORA

PRIMEIRA


(...)

Respondeu a toda a matéria.-

De seguida, foi dada a palavra à ilustre mandatária da A, Dra. ... para alegações. -

Seguidamente, pela Mmª Juiz foi proferido o seguinte:­


DESPACHO

“Do depoimento da testemunha inquirida em audiência de julgamento e da documentação junto aos autos, consideram-se provados todos os factos constantes do requerimento inicial e injuntivo a saber: -

1. Os RR constituíram a A como sua advogada, para intentar e acompanhar a acção de divórcio por mútuo consentimento, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Setúbal sob o nº 252/00.-

2. A A. aceitou tal incumbência, e no exercício da sua actividade efectuou as despesas descriminadas no documento junto a fls. 5 e 6 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.-

3. No fim do mandato, a A. interpelou por escrito os RR, para que efectuassem o pagamento dos seus serviços, nos termos previamente acordados, conforme nota de despesas e honorários junto a fls. 5 a 8 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.

4. Os RR. pagaram à A. a quantia de 40.000$00, já deduzida do valor em dívida peticionado no requerimento inicial (resposta ao artº. 6° da contestação).-

De relevante para a causa não se logrou provar a matéria constante do artº. 3°, 4º, 5º, 8º, 9º, 10º e 11º.

DE DIREITO:

(...)

Em face do exposto e sem necessidade demais considerandos é de concluir pela procedência da pretensão da A.-

DECISÃO:

Em face do exposto, condenam-se os RR., ... e ... a pagarem à A ... de ... , a quantia total de € 495,20.-

Custas a cargo dos RR.­

Registe e notifique. -

Da douta decisão foram todos os presentes devidamente notificados e dela disseram ficar cientes.-

Para constar se lavrou a presente acto que depois de lida, revista e achada conforme vai ser assinada.-

(...)”

- cópia de guia da conta do processo datada de 2004-11-25, no valor de €153.32 cfr. fls. 4 a 8 do PA.

C - Em 2004-12-13, a participação foi autuada como processo nº 24/2005 e submetido a apreciação preliminar do Conselho de Deontologia de Évora, cfr. fls. 1 do PA.

D - Em 2005-01-18 a Instrutora, dirigiu ao A. o ofício nº 597, Proc. A.L. Nº 24/2005, para a prestação de informação tida por conveniente, em sede apreciação preliminar da participação, cfr. fls. 9 do PA.

E - Em 2005-02-14, o Conselho de Deontologia de Évora, deliberou autuar o processo como processo disciplinar, cfr. fls. 15 do PA

F - Em 2005-03-09 foi registado o envio ao A. do ofício nº 1761 de 2005-02-22 que comunicou o acórdão supra, cfr. fls. 16 do PA.

G - Em 2005-03-24 foi enviado ao A., sob registo, com aviso de recepção, o ofício que comunicava o despacho da Instrutora do processo, no sentido de requerer diligências de prova e de indicar testemunhas, cfr. fls. 19 a 21 do PA.

H - A carta registada, supra referida, não foi reclamada, tendo, em segunda insistência, sido junto aos autos aviso de recepção com menção à prova da entrega de 2005-10-31, cfr. fls. 22 e 26 vrs do PA.

I - Em 2006-01-09 o Instrutor efectuou “Proposta de despacho de acusação” com o seguinte teor:

1. No decurso do ano de 2002, em data que se não pode precisar, a Srª ... constituiu como seu mandatário o Sr. Advogado arguido para efeitos de contestação de Acção de Honorários proposta pela Sr. Advogada, Dr ... , contra a participante acima identificada e seu marido.

2. A mencionada Acção Judicial corria termos pelo 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Setúbal, sob a forma de Acção Especial para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias, autuada com o nº 1036/2002.

3. O Sr. Advogado arguido apresentou contestação em representação da sua constituinte e juntou aos autos a procuração forense outorgada pela participante a seu favor.

4. A audiência de Julgamento nos autos supra referidos foi designada para o dia 10 de Dezembro de 2003, pelas 14:30 horas, no Tribunal Judicial de Setúbal.

5. Nesse dia e hora, quer a autora, quer o marido da participante (co-réu na acção) estavam presentes no tribunal acompanhados dos respectivos mandatários.

6. A Srª. Participante estava também presente, não tendo respondido à chamada em virtude da ausência do seu mandatário.

7. Na verdade, o Sr. Advogado arguido não compareceu à audiência de julgamento, não justificou a falta, nem informou previamente a participante da sua ausência.

8. Em consequência, realizou-se Tentativa de Conciliação, seguida de Audiência de Discussão e Julgamento sem a presença da participante e do seu mandatário, aqui arguido.

9. Sendo proferida sentença na qual a participante e o seu marido, na qualidade de réus foram condenados no pedido.

10. No dia seguinte ao julgamento, a Srª Participante contactou o Sr. Advogado arguido no sentido de indagar qual o motivo que determinara a sua falta.

11. Tendo aquele causídico referido que estivera presente no Tribunal.

12. Facto que não correspondia à verdade.

13. Persistindo o Sr. Advogado arguido em afirmar que estivera presente no julgamento, a participante exibiu cópia da acta da audiência onde está consignada a ausência do mandatário da ré ...

14. Perante o teor deste documento o Sr. Advogado arguido desculpou-se com um Estagiário, nada referindo em concreto que justificasse a falta.

15. Decorrido um ano, sem obter qualquer contacto por parle do Dr. ... Figueira, a participante foi abordada pela P.S.P., notificando-a para efectuar o pagamento de uma dívida que tinha pendente no Tribunal de Setúbal.

16. Por contacto directo com a secretaria judicial do referido Tribunal foi informada que o sr. Advogado arguido fora notificado da sentença e da conta de custas.

17. No entanto, nunca comunicou à participante o teor da sentença, que esta desconhecia ter sido proferida, nem a informou quanto à mencionada conta e prazo para pagamento.

18. Confrontado com esta situação, o Sr. Advogado arguido referiu à participante que tinha interposto recurso da sentença e que aguardava a marcação de data para a repetição do julgamento.

19. Facto que a participante constatou não corresponder à verdade, pois mediante novo contacto com a secretaria do Tribunal foi informada que não fora interposto qualquer recurso, estando o processo findo.

20. Os factos descritos apontam para a prática de infracção disciplinar pela violação do disposto no artº. 95º, nº 1, al. b) do Estatuto da Ordem dos Advogados.

21. À infracção acima referida são aplicáveis, em abstracto e em alternativa, as penas de advertência, censura e multa, nos termos do disposto nos art. 125° e 126° do E.O.A.

22. Na medida da pena levar-se-ão em consideração as circunstâncias atenuantes e agravantes previstas, respectivamente, nos arts. 127º e 128º do referido Estatuto.

Prova

Documental - Toda a constante dos autos.

(...)”, cfr. fls. 28 a 31 do PA.

J - Em 2006-01-09 foi proferido despacho pela relatora com o seguinte teor:

Concordando com a proposta de acusação que antecede e que aqui dou por reproduzida, converto-a em acusação formal contra o arguido.

Notifique-se o Sr. Advogado arguido para apresentar a sua defesa no prazo e termos indicados na parte final da proposta.”, cfr. fls. 31 do PA.

L - Em 2006-01-26, o A. assinou o aviso de recepção relativo ao ofício de notificação da acusação e para a apresentação de defesa, cfr. fls. 33 do PA.

M - O ora A. não apresentou defesa escrita nem indicou meios de prova, cfr. PA.

N - Em 2006-04-04, o Instrutor elaborou “Proposta de Relatório Final”, do qual consta, por extracto:

Foi deduzida acusação nos autos de Processo Disciplinar nº 29/D/2005 contra o Sr. Dr. ... ... (...), pela violação dos deveres de enquanto Advogado;

• Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade, consagrado na al. b) do nº 1 do artº. 95º do E.O.A. aprovado pela Lei nº 15/2005 de 26.01.

Regularmente notificado para o efeito, o Sr. Dr. ... ... não apresentou defesa escrita nem indicou meios de prova.

A factualidade imputada ao sr. Advogado arguido em sede de Acusação é a seguinte.

(...)

Compulsados os autos, encontram-se provados todos os factos constantes da acusação.

Os factos provados têm por base a participação e a prova documental constante dos autos.

Nada mais de provou com relevo para a decisão do processo disciplinar.

Os factos descritos consubstanciam a prática de infracção disciplinar pela violação do disposto na al. b) do nº 1 do art. 95º do EOA nos termos da qual constitui dever do advogado - Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade.

Atendendo ao quadro descrito e considerando a conduta do Sr. Advogado arguido, designadamente, o grau de culpa e os antecedentes disciplinares, entende-se como aplicável, em abstracto, e em alternativa as penas de censura, multa ou suspensão nos termos dos Art°s 125° e 126° do EOA, sendo a pena de multa fixada num dos escalões previstos nas al. c) e d) do art. 125 do mesmo Estatuto.

Circunstâncias atenuantes:

A favor do arguido não milita qualquer circunstância atenuante.

Circunstâncias agravantes:

Contra o arguido milita a circunstância agravante prevista na al. d) do nº1 do art. 128º do EOA, considerando que a infracção disciplinar objecto dos presentes autos foi praticada antes de decorrido o período de três anos sobre o termo do cumprimento de pena disciplinar de multa no valor de 750 euros em que foi condenado por Acórdão do C.D.E. de 04.11.02, proferido no âmbito do Proc. nº 17/D/00.

O Sr. Dr. ... ... nasceu aos 09.08.66 e inscreveu-se na Ordem dos Advogados em 07 de Março de 1994.

Do seu registo disciplinar constam duas condenações anteriores pela prática de infracções disciplinares, tendo sido condenado em pena de multa no valor de 750,00€ por Acórdão de C.D.E. de 01.11.2002, proferido no Proc. nº 17/D/2000 e em pena de censura por Acórdão do C.D.E. de 05.04.2004, proferido no Proc. nº 2/D/2003.

Serviram de base ao presente relatório:

- Participação de fls. 1 a 3.

- Documentos de fls. 4 a 8.

- Despacho de Acusação de fls. 28 a 31 e respectivo despacho de homologação.

- Extracto de Registo Disciplinar do Sr. Advogado arguido

Sejam os autos conclusos ao Exmo Sr. Relator para apreciação e indicação da pena que entenda ser aplicável e posterior remessa ao Conselho de Deontologia para julgamento, nos termos dos art. 155° do Estatuto da Ordem dos Advogados aplicável aos presentes autos.

(...)”, cfr. fls. 35 a 39 do PA.

O - Em 2006-04-03 foi proferido despacho pelo Relator, com o seguinte teor:

Homologo a proposta que antecede, transformando-a em Relatório Final e proponho a aplicação de pena de suspensão.

Remetam-se os autos ao Conselho de Deontologia para Julgamento em Audiência Pública.”, cfr. fls. 40 do PA.

P - Em 2006-06-06, ficou exarado na acta de audiência e julgamento referente ao Processo nº 29/D/2005 que:

...tendo, posteriormente, o Conselho deliberado, em face da matéria de facto apurada aplicar a pena de suspensão pelo período de quinze meses. (...)”, cfr. fls. 44 e 45 do PA.

Q - No respectivo acórdão do Conselho de Deontologia de Évora da Ordem dos Advogados de 2006-06-06, consta, por excerto:

Cumpre apreciar e decidir

Ao agir da forma descrita o Sr. Advogado arguido violou de forma culposa deveres profissionais com consagração expressa no Estatuto da Ordem dos Advogados, a cujo cumprimento não ignorava estar vinculado.

A conduta do Sr. Advogado arguido, contra quem correram já termos neste Conselho de Deontologia outros processos, tendo já sido condenado em penas de Censura e Multa, revela-se gravosa e evidencia, pela sua reiteração, um padrão de desrespeito de deveres deontológicos com particular relevância, como sejam, o zelo e a competência que deve ser empregue nos serviços confiados ao advogado e a relação de confiança entre este e o cliente, cuja salvaguarda se impõe por forma a preservar o bom nome do advogado e da advocacia em geral.

Comportamentos como os dos autos são, pois, merecedores de censura, impondo-se a consequente punição.

Assim;

Julgada a causa em Audiência Pública, nos termos do disposto no nº3 do arl.. 135° e 156º, ambos do do E.O.A. delibera o Conselho de Deontologia dar por integralmente provada a violação por parle do Sr. Dr. ... ... do disposto no art. 95°, nº1, ai. b) do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 1512005, de 26 de Janeiro, cuja consumação resulta da sua apurada conduta, da participação e demais prova documentai junta aos autos.

Da medida da Pena

Em abstracto e alternativa, à infracção disciplinar praticada são aplicáveis as penas de multa ou suspensão, nos termos do art. 126, nº 4 e 5 do E.O.A.

Na determinação da medida da pena deve ser ponderada a necessidade de prevenção quanto à prática de futuras infracções disciplinares, bem como, o dever de punição estatutariamente consagrados, por forma a evitar a repetição futura de condutas semelhantes e bem assim, a natureza da infracção e circunstâncias da acção, ponderando sempre os antecedentes disciplinares do arguido.

Decisão

Tudo visto e ponderado, decide-se condenar o arguido na pena de suspensão pelo período de quinze (15) meses e ainda na obrigação de restituir à Sr" Participante todos os documentos desta que tenha em seu poder.

(...)”, cfr. fls. 46 a 55 do PA.

R - Em 2006-07-20, o A. assinou o aviso de recepção relativo ao ofício de notificação do acórdão supra, cfr. fls. 58 do PA.

S - Em 2006-07-28 deu entrada na Ordem dos Advogados recurso interposto pelo ora A. para o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, cfr. fls. 59 e 60 do PA.

T - Em 2006-09-11 foi proferido despacho de admissão do recurso, cfr. fls. 63 do PA.

U - Em 2006-11-03, o A. assinou o aviso de recepção relativo ao ofício de notificação do despacho de admissão de recurso e para a apresentação de alegações, cfr. fls. 64 do PA.

V - Em 2006-12-13, o ora A. juntou as alegações do recurso supra, cfr. fls. 69 a 78 do PA.

X - Em 2008-01-03, o Conselho Superior da Ordem dos Advogados elaborou parecer sobre o recurso, cfr. fls. 91 a 100 do PA.

Z - Em 2008-01-08, o Conselho Superior da Ordem dos Advogados deliberou aprovar o parecer do Relator e dar parcial provimento ao recurso, reduzindo a pena para a de suspensão pelo período de doze meses, com a obrigação de restituição à participante de todos os documentos desta que tivesse em seu poder, cfr. fls. 91 a 101 do PA

AA - Em 2008-05-27 foi assinado o aviso de recepção referente à notificação ao ora A., do acórdão supra, cfr. fls. 110 do PA.

AB - Em 2008-06-05, deu entrada na Ordem dos Advogados requerimento do A com pedido de aclaração do Acórdão afecto ao Proc. nº 29/D/2005, no qual requer:

“…

1 - Seja aceite e deferido o pedido de aclaração do presente Acórdão e como tal decidido se:

a - A obrigação de restituir à Srª Participante todos os documentos, abarca apenas os factos em apreço nos presentes autos (Proc. nº. 29/D/2005/D-E/D) e como tal deve o arguido entregar à Srª Participante as peças processuais do processo judicial que correu termos no 2° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal sob o nº 1036/2002?

Ou

b - Deve o arguido entregar à Sr. Participante todos os documentos e como tal englobando os documentos e factos em apreço nos autos a correr termos no Conselho de Deontologia de Évora da Ordem de Advogados com o nº 86/2005/D-E/D? (...)”, cfr. fls. 112 a 121 do PA.

AC - Em 2009-08-29, o Conselho Superior elaborou parecer sobre o requerimento supra, do qual consta, por excerto:

“…

Assim sendo, deve concluir-se que o Sr. Advogado arguido deverá restituir à Srª. Participante todos os documentos da mesma que tenha em seu poder, relacionados com os presentes autos.

(...)

Uma última questão se nos coloca, atento o tempo, entretanto decorrido.

Decorre da denúncia apresentada que a conduta imputada ao Sr. Advogado foi praticada em 10.12.2003 (cfr. fls. 4 a 7).

Àquela data, o Estatuto em vigor fixava em três anos o prazo de prescrição da responsabilidade disciplinar (artº. 93º/1 do EOA), na redacção da Lei 80/2001).

Tal prazo começava a correr no dia em que o facto se tinha consumado e no momento da sua prática (cfr. artigo 93º/2 e nº 3 al. a) desta Lei).

Nos termos do disposto no nº 10 do mesmo normativo” a prescrição é de conhecimento oficioso...”.

Ora, na presente data, estão já decorridos mais de 5 anos sobre a data da prática da alegada infracção, pelo que haverá que indagar se há, ou não, alguma causa de suspensão e/ou interrupção do referido prazo prescricional.

Atento o disposto na al. b) do nº4 do citado artº. 93º, a prescrição do procedimento disciplinar suspende-se durante o tempo em que o processo estiver pendente a partir da notificação da acusação.

Dispõe o nº5 que essa suspensão não pode ultrapassar dois anos.

Ora, o despacho de acusação foi proferido pelo Relator em 09.01.2006 (fls. 28 a 31) e notificado ao Sr. Advogado por carta registada com A/R e por este recepcionada em 26.01.2006 (fls. 33 e 33v.).

Assim, o prazo correu 10.12.2003 e 26.01.2006, ficou suspenso entre 27.01.2006 e 26.01.2008, e continuou a correr entre 27.01.2008 até à presente data, o que, por aplicação do disposto no nº 9 da mesma norma - “a prescrição do procedimento disciplinar tem sempre lugar quando, desde o seu inicio e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade” - nos leva a concluir que o procedimento disciplinar não está ainda prescrito, uma vez que, ressalvado o tempo de suspensão, estão apenas decorridos cerca de 3 anos e 10 meses.

À Secção.

Lisboa, 29 de Agosto de 2009.

A Relatora (Assinatura), cfr. fls. 129 a 134 do PA.

AD - Em 2009-09-11, o Conselho Superior deliberou o seguinte:

“...Relativamente ao pedido de aclaração formulado, nada haver a aclarar pois a decisão não é obscura, nem ambígua, subscrevendo os esclarecimentos que no parecer são formulados, quer quanto a esta questão, quer quanto a outras questões incidentais que não fazem parte do pedido mas o requerente/”recorrente” aflora.” (...), cfr. fls. 135 do PA.

AE - Em 2009-09-24, foi assinado o aviso de recepção referente à notificação ao A. do acórdão supra, cfr. fls. 136 do PA.

AF - Em 2009-10-29 foi interposta a providência cautelar nº 2167/09.3 BELSB no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, cfr. fls. 2 dos autos em apenso.

AG - Em 2009-12-09, deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada a presente acção administrativa especial de impugnação do acto que aplicou ao A. a pena disciplinar, cfr. fls. 2.

AH - Em 2010-07-09 foi proferida sentença na providência cautelar nº 2167/09.3 BELSB que deferiu o pedido de suspensão da eficácia do acto.”.

DO DIREITO

Vem a Recorrente, Ordem dos Advogados, recorrer do acórdão, proferido na acção administrativa especial, de pretensão conexa com acto administrativo, que julgou a acção procedente, no âmbito da qual foi impugnado o acto de aplicação de sanção disciplinar.

O acórdão recorrido conhecendo das várias questões colocadas, julgou improcedentes as questões da prescrição do procedimento disciplinar, da caducidade do direito de queixa e ainda da falta de reconhecimento da assinatura, julgando procedente a questão da violação do direito de defesa, por omissão de produção de prova e pela falta de apreciação crítica da prova produzida.

É contra o decidido, na parte em que concedeu provimento a um dos fundamentos da acção que se insurge a Recorrente, Ordem dos Advogados, com isso, visando manter na ordem jurídica a decisão disciplinar punitiva.

Em causa está a questão de saber se incorre o acórdão recorrido, na parte impugnada, do erro de julgamento de direito, por violação do artº 3º do CPTA, do artº 95º, nº 1, al. b) do EOA e do artº 32º, nº 10 da Constituição (a contrario sensu), ao julgar-se não existir prova suficiente para a formação do juízo de ilicitude e de culpa, quanto ao cometimento da infracção sancionada disciplinarmente.

Compulsando a matéria de facto dada por assente, da mesma se extrai que foi apresentada participação na Ordem dos Advogados contra o ora Autor, por ter faltado a audiência de discussão e julgamento agendada, não comparecendo a Tribunal e não ter assumido esse facto perante a mandante, tendo afirmado que ali estivera presente, quando a Acta de Julgamento apresentada pela queixosa e levada aos factos assentes demonstra a falta de veracidade do facto alegado pelo Advogado - cfr. alíneas A) e B) do probatório.

Mais resulta da factualidade assente que o Advogado, ora recorrido, após tal ocorrência não mais contactou a mandante e embora tenha sido notificado da sentença e para a liquidação das custas judiciais, não só não as liquidou, como nada informou a mandante, vindo esta apenas a ter conhecimento da falta de liquidação das custas ao ser contactada por agente policial.

Acresce que o Advogado, após ter sido contactado pela mandante, informou-a de que interpôs recurso jurisdicional contra a sentença, o que se veio a apurar não ser verdade, por o processo estar findo - cfr. alínea A) dos factos assentes.

Por outro lado, apurou-se nos autos que o processo de apreciação preliminar da participação foi autuado como processo disciplinar, de que o advogado, ora Autor foi notificado para requerer diligências de prova e indicar testemunhas, não tendo reclamado a carta de notificação, tendo sido novamente expedida carta de notificação e sem que no âmbito do processo disciplinar o Autor tenha dito ou requerido o que quer que seja.

Na proposta de relatório final, a que se reporta a alínea N dos factos assentes, extrai-se que foi deduzida acusação pela violação dos deveres de enquanto Advogado, “Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade, consagrado na al. b) do nº 1 do artº. 95º do E.O.A. aprovado pela Lei nº 15/2005 de 26.01.”.

Considerando a matéria de facto que consta da selecção dos factos assentes, não se pode manter o julgamento efectuado pelo Tribunal a quo, por se encontrarem provados os factos de que o arguido foi acusado e que fundaram a aplicação da pena disciplinar, com base na prova documental produzida, que não logrou ser posta em causa, seja por que meio, nem de algum modo abalada a veracidade dos factos em que se sustenta a acusação e a deliberação punitiva.

Como se disse no âmbito da proposta de relatório final, “Os factos provados têm por base a participação e a prova documental constante dos autos.”, o que se atesta, sem que o arguido tenha logrado demonstrar quaisquer factos que afastassem, quer a ilicitude, quer a culpabilidade da sua conduta, que a prova produzida permitiu afirmar.

Os factos descritos de que o arguido foi acusado, ao não comparecer à audiência de discussão e julgamento, nem providenciar pelo estudo e acompanhamento do processo em relação ao qual recebeu mandato judicial, não diligenciando pela defesa dos direitos e interesses da mandante, com consequências quer no desfecho do processo, quer ao nível das custas processuais, consubstanciam a prática de infracção disciplinar por parte do arguido, pela violação do disposto na al. b) do nº 1 do art. 95º do EOA, segundo o qual constitui dever do advogado estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade.

Além disso, foram considerados para efeitos de apreciação da medida da pena circunstâncias relativas, quer ao concreto grau de culpa, quer aos antecedentes disciplinares do arguido, pois não se verificando qualquer circunstância atenuante, milita contra o arguido a circunstância agravante “prevista na al. d) do nº1 do art. 128º do EOA, considerando que a infracção disciplinar objecto dos presentes autos foi praticada antes de decorrido o período de três anos sobre o termo do cumprimento de pena disciplinar de multa no valor de 750 euros em que foi condenado por Acórdão do C.D.E. de 04.11.02, proferido no âmbito do Proc. nº 17/D/00.”.

Como se extrai do probatório, do registo disciplinar do arguido “constam duas condenações anteriores pela prática de infracções disciplinares, tendo sido condenado em pena de multa no valor de 750,00€ por Acórdão de C.D.E. de 01.11.2002, proferido no Proc. nº 17/D/2000 e em pena de censura por Acórdão do C.D.E. de 05.04.2004, proferido no Proc. nº 2/D/2003.”.

Assim, ao contrário do decidido no acórdão recorrido, foi produzida prova documental suficiente no âmbito do procedimento disciplinar, para a demonstração dos factos de que o arguido foi acusado e punido disciplinarmente, sem que o arguido tenha por algum modo produzido prova contrária dos factos demonstrados.

Comprovando-se que o arguido, mandatado para a defesa dos interesses da participante, não compareceu na audiência de discussão de julgamento da causa, sem apresentar qualquer justificação, nem justificou toda a sua demais actuação, não logrando invocar e muito menos demonstrar, que esteve impedido de comparecer a essa diligência ou que não tenha sido para a mesma notificado.

Comprovando-se os factos em que assenta a deliberação punitiva, integradores da infracção disciplinar, está igualmente demonstrada a culpa do agente, já que se impunha que o arguido adoptasse comportamento diferente, em respeito das normas legais que disciplinam o núcleo dos deveres dos advogados.

Vigorando o princípio da presunção da inocência do arguido, quer no âmbito do procedimento criminal, quer no âmbito do procedimento disciplinar, por ambos os procedimentos terem natureza sancionatória, tal princípio apenas releva no caso de a entidade acusatória e incumbida do dever de instrução, onerada com a prova dos factos, não lograr cumprir esse ónus e não proceder à prova dos factos integradores do respectivo ilícito, o que ora não se verifica.

Por outras palavras, apenas há que convocar o princípio da presunção da inocência do arguido no caso de não se demonstrarem os factos em que se funda a aplicação da pena ou sanção disciplinar, pois caso contrário, quando essa prova lograr ser efectuada pela entidade onerada com o ónus da prova, então existe a prova dos factos integradores da infracção em que se funda a aplicação da pena disciplinar.

O próprio Tribunal a quo admite na sua fundamentação, quer a prática dos factos de que o arguido foi acusado, quer a sua prova, baseada na participação do processo disciplinar, a acta da audiência de julgamento e a guia de pagamento de custas, pelo que, não se pode manter o julgamento de direito efectuado.

Além disso, o Tribunal a quo também admite “que tais documentos não foram impugnados pelo ora A.”.

Assim, não se mostra correcto o entendimento de que os factos imputados ao arguido não se mostram demonstrados ou que a prova produzida seja insuficiente ou sequer que a prova produzida não permita alicerçar o enquadramento de direito que foi feito dos factos por parte da Recorrente quanto à imputação ao arguido da prática da infracção disciplinar prevista na alínea b), do nº 1 do artº 95º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26/01.

Pelo que, em face do exposto, assiste razão à Recorrente quanto ao erro de julgamento que assaca ao acórdão recorrido, devendo conceder-se provimento ao recurso, revogar-se a decisão recorrida e negar-se procedência à acção, mantendo na ordem jurídica o acto impugnado.


*

Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Resultando da selecção dos factos assentes que o arguido, na qualidade de Advogado e mandatário da participante, faltou ao julgamento agendado, não comparecendo a Tribunal, que não assumiu esse facto perante a mandante, tendo antes afirmado que ali estivera presente, quando a Acta de Julgamento lavrada pelo Tribunal demonstra a falta de veracidade do facto por si alegado e ainda que tal facto teve consequência quanto à condenação em custas judiciais, de entre outra demais factualidade relevante, quanto o de ter informado que interpôs recurso jurisdicional e, pelo contrário, o processo judicial se encontrar findo, encontram-se demonstrados os factos em que se funda a aplicação da pena disciplinar, por violação da al. b) do nº 1 do artº. 95º do E.O.A. aprovado pela Lei nº 15/2005 de 26/01.

II. Encontram-se provados os factos de que o arguido foi acusado e que fundaram a aplicação da pena disciplinar, o que tem por base a prova documental produzida, que não logrou ser posta em causa, seja por que meio for, nem de algum modo abalada a veracidade dos factos em que sustenta a acusação e deliberação punitiva.

III. Comprovando-se os factos em que assenta a deliberação punitiva, integradores da infracção disciplinar, está igualmente demonstrada a culpa do agente, já que se impunha que o arguido adoptasse comportamento diferente, em respeito das normas legais que disciplinam o núcleo dos deveres dos advogados.

IV. Vigorando o princípio da presunção da inocência do arguido, quer no âmbito do procedimento criminal, quer no âmbito do procedimento disciplinar, tal princípio apenas releva no caso de a entidade acusatória e incumbida do dever de instrução, onerada com a prova dos factos, não lograr cumprir esse ónus e não proceder à prova dos factos integradores do respectivo ilícito.

V. Apenas há que convocar o princípio da presunção da inocência do arguido no caso de não se demonstrarem os factos em que se funda a aplicação da pena ou sanção disciplinar, o que ora não se verifica.


*

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, em revogar o acórdão recorrido e, em substituição, em julgar a acção improcedente, por não provada, mantendo-se o acto impugnado na ordem jurídica.

Custas pelo Recorrido, em ambas as instâncias.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Maria Cristina Gallego Santos)


(António Paulo Vasconcelos)