Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:638/04.7BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁRIA;
MÉTODOS INDIRECTOS;
PRESSUPOSTOS;
ÓNUS DE PROVA – ARTIGO 74.º 3 DA LGT
Sumário:Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

N... - Sociedade Imobiliária, Lda, veio deduzir impugnação judicial da liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 1999.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por decisão de 7 de Fevereiro de 2013, julgou improcedente a impugnação judicial.

Não concordando com a sentença, a impugnante veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações formulado as seguintes conclusões:

«Da Questão prévia:

Inutilidade Superveniente da Lide por Prescrição da Dívida Tributária

1.ª) A dívida tributária respeitante a IRC do exercício de 1999 encontra-se prescrita;

2ª) Efectivamente, não obstante a instauração da presente impugnação em 13.4.2004, já decorreu o prazo de prescrição de 8 anos contados desde o termo do ano em que se verificou o facto tributário;

3.ª) Na verdade, presente processo de impugnação deu entrada em 13.4.2004 e esteve parado por facto não imputável ao sujeito passivo entre 6.1.2005 e 16.10.2008;

4.ª) Tendo-se completado em 6.1.2006 um ano de paragem, não se aplica ao caso dos autos a revogação do artigo 49 n° 2 operada pela Lei 53-A/2006 de 29.12 que entrou em vigor em 1.1.2007 (cfr art° 91 desse diploma legal);

5.ª) Como tal, para efeitos de prescrição, soma-se o tempo decorrido após 6.1.2006 ao tempo que tiver decorrido até à autuação da impugnação;

6.ª) Assim, considerando que o prazo de prescrição de 8 anos esteve interrompido durante 1 ano 8 meses e 23 dias (entre 13.4.04 e 6.1.06), forçoso é concluir que a prescrição ocorreu em 23.9.2009 (9 anos 8 meses e 23 dias depois de 31.12.99);

7.ª) A prescrição é de conhecimento oficioso e determina a extinção da dívida tributária (art°s 175 e 176 do CPPT);

Do mérito do recurso:

8.ª) Independentemente de tudo o que vem de ser dito, a douta sentença recorrida julgou indevidamente a questão do erro nos pressupostos de facto da tributação e errónea quantificação da matéria colectável;

9.ª) Efectivamente, contrariamente ao decidido, das escrituras de alienação das fracções consideradas na determinação da matéria colectável resulta que há erro na quantificação da matéria colectável,

10.ª) Efectivamente, a impugnante demonstrou-o, alegando e fazendo prova plena de que a fracção “GDM” incluída na matéria colectável do exercício de 1999 não foi alienada neste ano, mas sim em 2000;

11.ª) Efectivamente, alegou tal facto no art° 23 da sua impugnação, tendo aí protestado juntar certidão notarial para prova desse facto, o que fez com o requerimento de fls 177 e ss;

12.ª) E tendo sido junto meio probatório pleno da realização da escritura no dia 30 de Outubro de 2000, deve dar-se por provado o facto alegado pela impugnante no art° 23 da impugnação, acrescendo-o a matéria dada por assente na douta sentença recorrida;

13.ª) Assim, tendo a impugnante demonstrado a alienação de uma fracção reportada a um exercício distinto do indicado pela A.T., manifesto é que demonstrou a violação do princípio da especialização dos exercícios (art° 18° do CIRC) e a errónea quantificação do acto tributário;

14.ª) Por outro lado, das escrituras juntas aos autos também resulta erro na quantificação da matéria colectável considerada pela AT relativamente às fracções alienadas em 1999;

15.ª) E para pôr em causa a determinação da matéria colectável, basta demonstrar erro nos proveitos (valor recebido em resultado da alienação dos imóveis),

16.ª) Por isso, tendo o sp demonstrado que os valores considerados pela AT em relação às fracções HBL e GDI não são os valores constantes das escrituras, isso seria suficiente para demonstrar a existência do erro na determinação da matéria colectável;

17.ª) Contrariamente ao que consta da douta sentença recorrida, nem todas as fracções (7) consideradas pela AT na fixação da matéria colectável foram alienadas na escritura de 17.11.1999;

18.ª) E o certo é que, para além fracção habitacional alienada na escritura de 17.11.99, também não existe coincidência entre o valor de venda da fracção GDI (€ 3.591,34) e o valor considerado pela AT (€ 4.604,28);

19.ª) Efectivamente, a impugnante alegou tal facto no art° 37 da sua impugnação, tendo aí protestado juntar certidão notarial para prova desse facto, o que fez com o requerimento de fls 177 e ss;

20.ª) Logo, tem de se concluir que a Impugnante alegou e demonstrou o alegado no artigo 37, devendo por isso dar-se por provado o facto alegado pela impugnante nesse artigo, acrescendo-o à matéria dada por assente na douta sentença recorrida;

21.ª) Não obstante, e contrariamente ao que se conclui na decisão recorrida, o certo é que o facto de 3 fracções (destinadas a parqueamento), das 7 fracções consideradas pela AT, terem sido vendidas com uma margem de lucro média de 29,5%, isso por si só nunca justificaria a aplicação da mesma margem de lucro à alienação de uma fracção habitacional;

22.ª) Efectivamente, nada justifica que se trate de forma idêntica situações diferentes;

23.ª) A AT não demonstrou ter utilizado critérios que segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade, permitiriam a aproximação da realidade que se procura alcançar;

24.ª) Consequentemente, tem de se concluir que o contribuinte logrou provar que o proveito tributável foi incorrectamente determinado pela Administração Fiscal, não podendo manter-se o acto de liquidação impugnado.

25.ª) Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo violou, designadamente, as normas dos artigos 48 n° 1, 49 n°s 1 e 2, 74 n° 3 da LGT e artigo 18 do CIRC.

Termos em que, com os mais que resultarão do douto suprimento de V.Exas, deve ser concedido provimento ao recurso, como é de Justiça.»


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A recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificada para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1 - Os serviços da Adm Fiscal procederam, em 02.12.2003, à liquidação de IRC do ano de 1999, com o n° 8..., notificado ao contribuinte em 18.12.2003,com base numa fixação do lucro tributável por métodos indirectos, em resultado de uma acção interna da Inspecção Tributária iniciada em 18.09.2002 e concluída em 30.06.2003, do qual foi notificado do Relatório Final e da decisão de fixação da matéria colectável por métodos indirectos enviado a 15.07.2003, tendo deduzido um pedido de revisão dirigida à Comissão de Revisão a que se refere o art° 91° e segs da LGT- cfr Nota de Liquidação de fls 35,Certidão de Notificação com hora certa, de fls 76 e 77 dos autos, “Print Informático” de fls 96, Relatório da I.T. de fls 104 e segs, notificação de fls 138 e e Procedimento de Revisão, de fls 140 e segs, do PA. apenso.

2 - A fixação referida supra foi efectuada com base no relatório elaborado pela I.T., do qual consta, designadamente, que durante o ano de 1999 o sujeito passivo efectuou a venda de determinados imóveis, não tendo apresentado qualquer declaração periódica de rendimento e que face aos elementos obtidos relativos a várias escrituras e não tendo apresentado quaisquer elementos da contabilidade e respectivos documentos de suporte foi considerado como verificando-se a impossibilidade de comprovação e quantificação directa da matéria tributável, tendo-se considerado um valor de venda de acordo com os valores declarados para efeitos de liquidação de SISA, sendo considerado como custo o valor patrimonial dos imóveis vendidos, não tendo o interessado exercido o direito de audição. - cfr relatório constante de fls 102 a 111 e respectivos anexos de fls 112 a 142 v., do P.A apenso.

3 - No “Procedimento de Revisão” a que se refere o art0 91° da LGT , foi elaborado a “Acta n° 93/03”, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, do qual constam os laudos da F.P., do contribuinte e do Perito Independente, tendo, na fixação da matéria colectável sido considerado que não é de aceitar os valores considerados pelo contribuinte para os custos dos imóveis vendidos por falta de prova e de elementos objectivos para aquela quantificação, pelo que se manteve o valor indicado pelos serviços - cfr fls 148 a 158, do P.A apenso.

4 - Da escritura de compra e venda celebrada em 17.11.1999, no C.N. de Alenquer, consta que o impte enquanto vendedor vendeu a fracção autónoma para habitação designada pelas letras “HBL”, pelo valor de Esc. 42.000.000$, e as fracções “GDL”, “GDJ” e “GDK”, destinadas a parqueamento, pelo preço de Esc. 1.000.000$ cada. -cfr Certidão do C.N. de Alenquer, de fls 78 a 82, dos autos.


X

Factos Não Provados



Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

X

Motivação da decisão de facto



A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.



*

- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Lidas as conclusões de recurso verifica-se que a Recorrente invoca, como questão prévia, a prescrição da dívida de IRC do exercício de 1999. Por outro lado, assaca à sentença recorrida erro de julgamento na solução adoptada relativamente ao erro nos pressupostos de facto e na quantificação da matéria colectável, pretendendo, também o aditamento ao probatório de dois factos que entende terem ficado provados.

Vejamos, então.

Da prescrição da dívida de IRC do exercício de 1999

Pretende a Recorrente que seja considerada prescrita a dívida tributária em causa nos presentes autos.

A propósito do conhecimento da prescrição em sede de recurso jurisdicional interposto no âmbito de um processo de impugnação judicial, a jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que é possível ao tribunal ad quem efectuá-lo, desde que dos autos constem todos os elementos para o efeito relevantes.

Como se escreveu no Acórdão deste TCAS proferido no âmbito do processo nº 2951/09, de 05/07/2020:

“(…) Quanto a esta questão, começamos por salientar que como é sabido, em processo de impugnação judicial, a prescrição é apreciada apenas para aferir se deve a instância prosseguir ou deve ser declarada a inutilidade superveniente da lide (cfr. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, vol. I, 2006, p. 708).
É que a prescrição da obrigação tributária não constitui causa de pedir do pedido de anulação da liquidação que lhe deu origem e apenas pode ser conhecida, em impugnação judicial, incidentalmente, como causa de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e não como fundamento de anulação da liquidação.

O processo de impugnação judicial da liquidação visa apreciar a legalidade do ato de liquidação e a prescrição não tem a ver com essa legalidade, mas apenas com a exigibilidade da obrigação resultante do ato de liquidação. (Neste sentido, vide entre muitos outros, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 04.07.2018 e 08.01.2020, proferidos respectivamente nos processos n.ºs 01433/17 e 1/99.0BUPRT, disponíveis em texto integral em www.dgsi.pt)
Donde decorre, que não há obstáculo a que incidentalmente possa ser apreciada a prescrição, para efeito de se determinar se existe utilidade em se conhecer da invalidade de um acto que titula uma obrigação tributária que está extinta por prescrição.

No caso, embora a recorrente afirme que dos autos constam os elementos que permitem a sua verificação, o certo é que o processo não contém todos os elementos indispensáveis ao conhecimento da questão da prescrição, nomeadamente se ocorreram, ou não, factos suspensivos ou interruptivos da prescrição, o que impede o seu conhecimento em sede de impugnação do acto de liquidação.

De resto, a recorrente pode sempre requerer, na execução fiscal, a todo o tempo, que seja declarada a prescrição da obrigação tributária, cabendo reclamação judicial, nos termos do art.º 276º do CPPT, de uma eventual decisão de indeferimento dessa pretensão. (Neste sentido, vide, a título de exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.12.2015, proferido no processo n.º 1364/14, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).(...)

Regressando ao caso dos autos, verifica-se que não tem este tribunal em seu poder todos os elementos necessários a aferir da ocorrência ou não de causas suspensivas e interruptivas da contagem do prazo de prescrição, nomeadamente no âmbito do processo de execução fiscal.

Assim sendo, não se conhece da prescrição invocada, sem prejuízo de a Recorrente colocar a questão no âmbito do processo executivo.

Da ampliação da matéria de facto

Pretende a Recorrente que seja o aditado ao probatório o facto constante do artigo 23º da p.i., a saber a data da alienação da fracção GDM, que afirma ter ocorrido em 30 de Outubro de 2000 e não em 1999, bem como o facto constante do artigo 37º, igualmente da p.i., o qual refere ter a Recorrente alienado a fracção GDI, pelo valor de € 3.591,34, por escritura pública outorgada em 09/02/1999.

Afirma que juntou aos autos certidão notarial comprovativa de ambas as escrituras e que se encontra a fls. 177 e seguintes.

Vejamos.

Compulsados os autos, constata-se que o artigo 23º da p.i. tem o seguinte teor:

“Antes de mais, a fracção GDM não foi vendida em 1999, mas sim em 30 de Outubro de 2000, por escritura celebrada no 4º Cartório Notarial de Lisboa, conforme certidão que se protesta juntar.”

Já o artigo 37º da p.i. refere o seguinte:

“E como já atrás se disse, vendeu a fracção GDI por € 3.591,34 por escritura celebrada em 9/2/1999 no Cartório Notarial de Cascais, que se protesta juntar.”

Mais se verifica que, por requerimento junto a fls. 177, veio a Recorrente juntar aos autos os referidos documentos, que se encontram a fls. 179 a 186.

Assim, verificados que estão os pressupostos exigidos no artigo 640º do CPC, aditam-se ao probatório os seguintes factos:

“5 – A fracção designada pelas letras GDI foi alienada pela Impugnante em 2 de Fevereiro de 1999, pelo valor de € 3.591,34 – Cfr. documento constante a fls. 179 a 186 dos autos, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

6 - A fracção designada pelas letras GDM foi alienada pela Impugnante em 30 de Outubro de 2000 – Cfr. documento constante a fls. 179 a 186 dos autos, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido.”


*


Estabilizada a matéria de facto, prossigamos na análise do demais invocado pela Recorrente.

Da violação do princípio da especialização dos exercícios

A Recorrente afirma que, por ter demonstrado a alienação de uma fracção reportada a um exercício distinto do indicado pela AT, é manifesto que demonstrou a violação do princípio da especialização dos exercícios (artigo 18º do CIRC), bem como a errónea quantificação do acto tributário, sendo este, consequentemente, ilegal.

A fracção a que se refere a Recorrente é a que corresponde ao facto aditado supra, sendo certo que, com o aditamento efectuado se considerou provada a circunstância de a alienação da fracção GDM pela Recorrente em Outubro de 2000. Ou seja, contrariamente ao entendimento seguido pela AT e confirmado pela sentença recorrida, resultou demonstrada a alienação da fracção GDM em ano diferente do que foi acolhido pela AT.

Assim sendo, tendo a Recorrente logrado demonstrar, por documentos juntos aos autos, que não foram levados em consideração pela sentença recorrida, que a alienação da fracção teve lugar no ano 2000 e não em 1999, é manifesto que se verifica a invocada violação do princípio da especialização dos exercícios, nos termos do qual os proveitos ou custos são imputáveis aos exercício a que digam respeito. O princípio da especialização dos exercícios tem em vista a tributação do rendimento das pessoas colectivas que em cada exercício se gera.

Recorde-se que a AT, no RIT, entendeu qua todas as fracções aí identificadas tinham sido alienadas no ano de 1999, tendo imputado os rendimentos correspondentes àquele exercício.

Ora, tendo ficado demonstrada a alienação da fracção GDM no ano de 2000, procede o recurso, nesta parte, já que não só se verifica ter ocorrido violação do princípio da especialização dos exercícios, como tal circunstância acarreta a verificação da errónea quantificação da matéria tributável, por ter sido englobado no exercício de 1999 o produto de uma venda que ainda não tinha ocorrido à data.

Prossigamos.

Do erro na quantificação da matéria colectável quanto às fracções alienadas em 1999

Dissente a Recorrente do entendimento propugnado na sentença recorrida no sentido de que não ocorreu excesso de quantificação.

A sentença recorrida, no que toca ao excesso de quantificação, entendeu o seguinte:

“(…) quanto ao erro sobre os pressupostos de facto daquela tributação e errónea quantificação da matéria colectável, importa dizer que em razão da falta de apresentação da declaração de rendimentos e da apresentação dos elementos contabilísticos, estava devidamente fundamentada a decisão da Adm Fiscal no sentido de se encontrar impossibilitada de comprovar e quantificar directa e exactamente a matéria tributável, nos termos do disposto no art° 88°, alínea a), da LGT, sendo que a apresentação de algumas escrituras de compra e venda dos imóveis por si transaccionados, com isso pretendendo alterar os proveitos estimados, não tendo apresentado quaisquer documentos relativos aos custos incorridos e atento a falta de fiabilidade dos elementos contabilísticos relativo à demonstração de resultados do exercício, encontrava-se inviabilizado o correcto apuramento de custos e proveitos decorrente daquelas vendas, ónus que impendia sobre o contribuinte, sendo de considerar como válida a presunção efectuada pela Adm. Fiscal com base nos elementos de que dispunha, não comprovando o s.p. aquele excesso da respectiva quantificação, até porque de acordo com a escritura celebrada em 17.11.99 a que se refere o ponto 4 do probatório, o valor de todas as fracções relativas a estacionamento correspondem ao considerado pela I.T. só divergindo quanto ao apartamento para habitação cujo valor foi considerado naquela inspecção como não fiável face á margem média de lucro apurado nas restantes fracções - cfr n°1e 3, do art° 74° e n°2, do art° 83° , e art° 90°, da LGT.

Sendo legítimo a conclusão da adequabilidade daquela fixação e consequente liquidação de imposto efectuada ao impugnante, tal não obstando a circunstância da existência de escrituras de venda dos referidos imóveis.(…)”

A Recorrente discorda do assim decidido, por um lado, porque entende que seria bastante para demonstrar a errónea quantificação dos proveitos (valores de alienação) para se concluir pela errónea quantificação da matéria colectável. Afirma que, contrariamente ao decidido, não era necessário que o contribuinte pusesse também em causa os custos considerados pela AT para se poder concluir pelo excesso de quantificação.

Nos presentes autos está em causa a liquidação adicional de IRC do exercício de 1999, efectuada na sequência de acção inspectiva efectuada na sequência de cruzamento de informações entre os dados constantes da base de dados da DGCI e os enviados pelos notários, bem como os recolhidos junto do SF e no sistema informático da DGCI. Constataram os serviços de inspecção tributária que o Sujeito Passivo, ora Recorrente, não tinha procedido à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 respeitante aos exercícios de 1999 (aqui em causa) e de 2000.

Em virtude de a Recorrente não ter efectuado a entrega das Declarações em falta, em conjunto com o facto de não ter colaborado com a AT no esclarecimento da sua situação tributária, foi determinado o apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, nos termos do preceituado nos artigos 87º e 88º da LGT, por impossibilidade de comprovação e quantificação exacta daquela.

Este TCAS já proferiu Acórdão no âmbito da impugnação judicial deduzida pela Recorrente no que respeita ao exercício de 2000, tendo concluído pelo provimento do recurso, em 08/85/2019, no âmbito do processo com o nº 625/04, onde se escreveu o seguinte:


“(…) A Recorrente não contesta a bondade da aplicação de métodos indiretos o que refuta é o excesso de quantificação da matéria coletável (…).


Sabemos que a avaliação indireta constitui, no procedimento tributário a última ratio, apenas podendo ser utilizada quando não seja possível a comprovação e quantificação dos elementos contabilístico através dos respetivos registos, por estes não existirem, ou por não oferecerem credibilidade, tudo em conformidade com o princípio constitucional segundo o qual a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. artigo 104.º, n.º 2 da CRP), donde se extrai o carater subsidiário desta forma de apuramento do matéria tributável, em relação à avaliação direta (art. 85.º n.º 1 da LGT).


Seguindo este percurso cognitivo o legislador tributário estabelece na Lei Geral Tributária regras específicas sobre o ónus da prova, matéria que aqui nos ocupa porque invocada nas conclusões recursivas que sintetizadas como erro de julgamento por violação da norma do artigo 74 n° 3 da LGT (concl. 8ª), assim e antes de mais foquemo-nos no texto da norma invocada:

“Art. 74.º da LGT
Ónus da prova
1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. (Redacção em vigor até 31 de dezembro de 2004)
2 - (…)
3 - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação.”

Donde resulta que a prova dos factos constitutivos dos direitos invocados no procedimento tributário recai sobre quem os invoque (n.º 1), porém para os casos em que há fundamento para a determinação da matéria coletável por métodos indiretos vem o n.º 3 da determinar uma inversão do ónus e atribuí ao sujeito a possibilidade de produzir a prova de que é outra a matéria coletável sobre que deve incidir a sua tributação (vide Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa e in Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada, 4.ª edição 20012 - nota 6 ao art. 74.º - pag. 657/658)

Devemos ter presente que, não basta ao sujeito passivo suscitar dúvidas quanto ao resultado obtido, devendo demonstre a inadequação ou errada aplicação dos critérios de quantificação utilizados como se refere no sumário de acórdão proferido pelo STA em 16/11/2011 no processo n.º 0247/11.


Dito isto, regressemos à situação que nos ocupa tendo presente a premissa acabada de identificar e que se substância na circunstância de que, cabe ao sujeito passivo, aqui Recorrente, o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação.(…)”

No caso em apreciação, os serviços de inspecção tributária assumiram como valor dos custos incorridos pela Recorrente, relativamente às vendas efectuadas em 1999, e por cada fracção, o valor patrimonial dos imóveis, e como valor de venda, os valores declarados para efeitos de liquidação de SISA – cfr. ponto 2 do probatório.

Mais se deu como provado, na sentença recorrida, que em sede de procedimento de revisão não se aceitaram os valores considerados pela Recorrente para os custos dos imóveis vendidos, por falta de prova e de elementos objectivos dessa quantificação – cfr. ponto 3 do probatório.

Afirma a Recorrente que é certo que, para além da fracção habitacional alienada na escritura de 17/11/99, também não existe coincidência entre o valor de venda da fracção GDI (€ 3.591,34) e o valor considerado pela AT (€ 4.604,28).

Efectivamente, como resulta do RIT, verifica-se que o valor considerado pela AT no que se refere à fracção GDI não é coincidente com o valor apurado na acção inspectiva, como refere a Recorrente.
A AT, no RIT, fundamenta o valor tomado em consideração quanto àquela fracção (€ 4.604,28) do seguinte modo:

“(…) o valor declarado nas escrituras tem implícita uma margem de apenas 1% sobre os respectivos valores patrimoniais, o que põe em causa a sua credibilidade, tanto mais que para as fracções GDL e GDM a referida margem é de 29,5% e que edifício em causa (“C...”) se insere numa zona de construção de gama média/alta e que regista uma considerável valorização imobiliária. Assim, para as fracções GDI e HBL foi calculado aplicando ao seu valor patrimonial uma margem idêntica à das fracções GDL e GDM (29,5%)(…)”.

Não concorda a Recorrente com a margem de lucro considerada pela AT em relação à fracção GDI. Afirma que o facto de 3 fracções destinadas a parqueamento das 7 fracções consideradas pela AT terem sido vendidas com uma margem de lucro média de 29,5%, por si só, não permite concluir que seria razoável vender as outras fracções.

Refere que a AT não demonstrou ter utilizado critérios que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade, permitiriam a aproximação da realidade que se procura alcançar.

Como supra vimos, nos factos aditados ao probatório, a Recorrente logrou juntar aos autos certidão notarial da escritura pública de compra e venda relativa à fracção GDI, na qual consta, como valor da alienação, o montante de € 3.591,34.

Mais se verifica, pela consulta dos autos, que em momento algum foi posta em causa, por parte da AT, a veracidade dos documentos juntos pela Recorrente, nem o seu valor probatório.

Recuperamos, aqui, o decidido no âmbito do processo nº 625/04, no Acórdão já, por nós referido:

“(…) Sendo certo também que, em parte alguma foi questionado o valor do documento ora apresentado, nem quanto à forma nem quanto à substância (conteúdo), que, por conseguinte, faz prova plena em relação á materialidade das afirmações atestadas.

Na verdade a escritura de compra e venda, não impugnada, constitui um documento autêntico, com força probatória plena (cfr. art. 369.º a 372-º do C.Civil).

Transcreve-se neste sentido parte do sumário do acórdão proferido pelo STJ em 15/04/2015 no processo n.º 28247/10.4T2SNT-A-L1.S1- 7.ª Secção:

“I - A escritura pública confere – à declaração feita pelo vendedor, no contrato de compra e venda, de que relativamente ao preço «já o recebeu do comprador» – força probatória plena, comportando uma declaração confessória de um facto à parte contrária.

II - Não obstante, a força probatória plena do documento só vai até onde alcançam as percepções do notário – existência da declaração – mas já não à veracidade do conteúdo da mesma, no caso concreto que o vendedor recebeu efectivamente a quantia indicada a título de preço.

III - Este facto pode ser impugnado por qualquer das partes sem necessidade de arguição da falsidade do documento, uma vez que o mesmo faz prova plena em relação à materialidade das afirmações atestadas mas já não quanto ao rigoroso sentido, sinceridade, veracidade ou validade das declarações emitidas pelas partes.

IV – (…)”

Aqui chegados e não havendo, como supra se deixou claro, razões para descredibilizar o documento apresentado torna-se imperiosa a sua aceitação por este Tribunal assumindo que os factos que o mesmo atesta são reais, devendo ser considerados os valores ali constantes como de custo dos imóveis que foram alienados em 2000, em prejuízo do que se disse na parte final da sentença recorrida.

O Tribunal não desconhece que a falta de registos contabilísticos dificulta o apuramento real e efetivo da situação tributária do sujeito passivo e o apuramento da sua situação tributária, assim como também sabe que o critério usado na avaliação indireta deverá revelar-se apto a que a quantificação presumida se aproxime o mais possível à realidade da empresa e é neste paralelismo que acede aos argumentos da Recorrente arrogando que o critério ora oferecido, apresenta garantias de que o preço de custo dos imóveis, assim considerado se aproxima da verdade material encontrando-se em coerência com o critério utilizado para efeitos de apuramento dos proveitos.

Assim e tendo a Recorrente logrado apresentar prova adequada do valor de custo dos imóveis, consideramos que o valor a que chegou a AT, com a utilização do valor tributável exorbita desrazoavelmente a realidade. (…)”

Acolhemos, integralmente, o ali decidido o que significa que procedem as alegações de recurso no que se refere ao valor considerado pela AT relativamente à venda da fracção GDI, pelo que se conclui verificado o invocado erro na quantificação da matéria colectável.

É que não se pode considerar suficiente para abalar o valor declarado na escritura pública de compra e venda o argumento de que a margem de lucro obtida pela Recorrente teria que ser idêntica em todas as fracções vendidas, ainda que do mesmo tipo.


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e considerar procedente a impugnação judicial.


Custas pela Recorrida.

Registe e Notifique.

Lisboa, 14 de Janeiro de 2021

(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Lurdes Toscano)