Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07180/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/16/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:EFEITO SUSPENSIVO DO PROCESSO DE IMPUGNAÇÃO.
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL. ARTº.169, DO C.P.P.T. ARTº.52, DA L.G.T.
REGIME DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO OPERA “OPE LEGIS”.
REGIMES DE SUSPENSÃO E INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO.
SUSPENSÃO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO EM VIRTUDE DA SUSPENSÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL, NOS TERMOS DO ARTº.169, DO C.P.P.T.
Sumário:1. O efeito suspensivo do processo de impugnação incidente sobre o acto tributário que lhe é objecto, tal como a suspensão da execução fiscal, constituem direitos do contribuinte que se enquadram no âmbito do princípio constitucional da efectividade da tutela judicial (cfr.artºs.20, nº.1, e 268, nº.4, da C.R.Portuguesa; artº.9, nº.1, da L.G.T.). Mais se dirá que o nosso sistema jurídico-fiscal actual não faz depender a reclamação ou a impugnação do prévio pagamento do tributo/dívida exequenda em causa, assim não vigorando, no seu pleno rigor, o princípio do “solve et repete”.
2. Os casos em que a execução fiscal se pode suspender estão previstos no artº.169, do C.P.P.T. (cfr.artº.52, da L.G.T.). O acto tributário que constitui a dívida exequenda vê, assim, a sua eficácia suspensa a partir do momento em que o Estado assegurou (através da garantia ou penhora de bens que a substituam) a efectiva cobrança do crédito que se atribui. No entanto, a suspensão da cobrança da prestação tributária está sujeita ao princípio da legalidade, pelo que somente pode verificar-se nas situações expressamente previstas na lei.
3. O regime da suspensão da execução opera “ope legis”, por força da prestação de garantia ou efectivação da penhora, sendo condição necessária e suficiente para o efeito e não estando dependente de qualquer despacho do órgão de execução fiscal para se concretizar. Pelo que, o despacho que a declara não tem efeito constitutivo mas antes eficácia meramente declarativa, retroagindo os seus efeitos à data da verificação dos pressupostos legais da dita suspensão.
4. Como se retira do preceituado nos artºs.318 a 320, do C.Civil, a suspensão da prescrição tem como efeito que esta não comece a correr ou não corra, depois de iniciado o prazo, enquanto se verificar o facto, de natureza duradoura, a que é atribuído efeito suspensivo. Os factos suspensivos são de natureza duradoura, obstando ao começo e ao decurso do prazo de prescrição enquanto perdurarem, como se infere dos citados artºs. 318, 319 e 320, do C.Civil. Nas leis tributárias prevêem-se factos especiais a que é atribuído efeito suspensivo, pelo que serão essas as regras a aplicar em matéria de prescrição da obrigação tributária (cfr.v.g.artº.49, nº.4, da L.G.Tributária). Concluindo, para além da especificidade dos factos a que é atribuído efeito suspensivo, o regime da suspensão da prescrição da obrigação tributária não tem especialidades no domínio do direito tributário, pelo que, face a qualquer facto com natureza suspensiva, enquanto este surtir efeitos, a prescrição não começa nem corre.
5. Por sua vez, a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para o respectivo regime de toda o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único próprio da interrupção, presente em todas as situações (cfr.artº.326, nº.1, do C.Civil). Porém, em certos casos, designadamente quando a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cfr.artº.327, nº.1, do C.Civil).
6. Consubstancia vector suspensivo do prazo de prescrição a suspensão do processo de execução fiscal em virtude da instauração de processo de impugnação, factor este que determina a suspensão da cobrança da dívida exequenda objecto do mesmo processo de execução fiscal (cfr.artº.169, do C.P.P.T.). Nos termos do disposto no artº.49, nº.4, da L.G.T., norma introduzida pela Lei 53-A/2006, de 29/12, o vector acabado de mencionar produz efeitos suspensivos da prescrição e somente cessando tal efeito com o trânsito em julgado da decisão do processo de impugnação.

O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, deduziu salvatério dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.55 a 60 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal deduzida pela reclamante/recorrida, “... - Sociedade Imobiliária, L.da.”, visando despacho exarado no âmbito do processo de execução fiscal nº.1503-2004/108411.9 que corre seus termos no 1º. Serviço de Finanças de Cascais, o qual indeferiu pedido de declaração de prescrição da dívida exequenda no espaço da identificada execução.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.70 a 80 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Visa o presente recurso reagir contra a sentença que julgou procedente a reclamação deduzida contra o acto de indeferimento do pedido de reconhecimento da prescrição do Processo de Execução Fiscal (PEF) nº.1503-2004/108411.9 instaurado no 1º. Serviço de Finanças de Cascais e que corre termos contra a requerente supra identificada;
2-Na douta sentença recorrida afirmou-se, que "na sequência da dedução da impugnação judicial não foi prestada qualquer garantia pelo executado, pelo que não se verificou a suspensão da execução por facto do executado em razão daquela falta de prestação de garantia no processo de impugnação, circunstância essa susceptível de determinar a suspensão da prescrição (...) tendo os autos de resto, prosseguido os seus termos com a penhora de bens do executado e determinado a prestação de garantia para os efeitos do disposto no nº.1 do artº.169, do C.P.P.T., pelo que se verifica objectivamente que aquela impugnação judicial não tinha “de per si”, eficácia suspensiva da execução fiscal";
3-Sendo ainda dito, relativamente à cessação do efeito interruptivo que este se verificou porque “efectivamente o processo de execução esteve parado durante mais de um ano por motivo não imputável ao executado, pelo que somado o prazo decorrido até à instauração da execução ao decorrido após o período de um ano i. e. a partir de 31/03/2006, perfaz um total de onze anos, nove meses e três dias e dez anos, nove meses e três dias, respectivamente relativamente aos exercícios de 1999 e 2000.”;
4-Não se pode concordar com este entendimento porque também foi afirmado na douta sentença que "a executada deduziu impugnação judiciai contra o acto tributário, em 07/10/04, tendo solicitado prestação de garantia para efeitos de suspensão da execução oferecendo hipoteca voluntária das fracções autónomas devidamente identificadas, tendo-se determinado a constituição de garantia por hipoteca legal dos bens oferecidos por despacho proferido pelo Chefe de Finanças de Cascais-1 e elaborado mandado de penhora dos bens, em 31/03/2005, tendo-se concretizado a penhora daquelas fracções em 31/08/06";
5-Assim, não encontra abrigo na letra do nº.1, do artº.169, do C.P.P.T., o entendimento que a concretização das penhoras dos imóveis indicados pela reclamante não é suficiente para a suspensão do PEF e consequentemente para a suspensão do prazo de prescrição da respectiva dívida tributária;
6-A suspensão da execução ocorre por força da lei, pelo que um eventual despacho que declara a suspensão do processo executivo "não tem efeito constitutivo mas antes eficácia meramente declarativa, retroagindo os seus efeitos à data da verificação dos pressupostos legais. Com efeito, decorrendo da lei que a suspensão da execução ocorre quando verificados determinados pressupostos, impõe-se à A.T. a partir desse momento que a execução se suspenda, pois, desde logo, não tendo a A.T. a possibilidade de praticar na mesma qualquer acto que contenda com o referido efeito suspensivo, sob pena de ilegalidade. De outro modo, a considerar-se que a A.T. sempre poderia ir praticando alguns actos no processo até que decidisse suspender a execução, gorar-se-ia o efeito suspensivo que a lei quis atribuir quando verificados determinados pressupostos. É o que resulta, aliás, da norma constante do nº.1, do artº.169, do C.P.P.T., quando estabelece que a execução fica suspensa sem que se associe este efeito a prática de qualquer acto formal pelo órgão da execução fiscal, contrariamente à solução adoptada para a isenção da prestação de garantia, por exemplo, onde se exige decisão expressa (v.artºs.52, nº.4, da L.G.T., e 170, nºs.1 e 4, e 199, nºs.3 e 7, do C.P.P.T.)” [cfr.acórdão STA de 16-11-2011, proc. 0977/11];
7-Relativamente à degradação do efeito interruptivo em suspensivo no âmbito dos presentes autos, discorda-se da interpretação que o Tribunal “a quo” fez do revogado nº.2, do artº.49, da L.G.T., porque "tendo o contribuinte vindo indicar bens imóveis para garantia da dívida exequenda, com vista à suspensão do processo de execução fiscal e tendo deduzido impugnação judicial para discutir a legalidade das dívidas exequendas, a si se deve imputar o facto de o processo executivo se encontrar parado, pois não é por facto imputável à Administração Tributária que o mesmo não continua os seus regulares trâmites";
8-Assim, na douta sentença recorrida não foi obtido o melhor julgamento, pelo que acompanhando o douto Parecer da Digníssima Magistrada Público, junto deste processo, pugna-se pela substituição daquela decisão por uma outra que, com as legais consequências, considere totalmente correcta e fundamentada a posição da A.T. e declare improcedente a presente reclamação;
9-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão recorrida ser revogada e a reclamação do acto de órgão de execução fiscal ser declarada totalmente improcedente. PORÉM V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.
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Contra-alegou o recorrido (cfr.fls.93 a 97 dos autos), o qual pugna pela confirmação do julgado, embora sem formular conclusões.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.139 dos autos) no sentido de se conceder provimento ao recurso.
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº. 278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.56 e 57 dos autos - numeração nossa):
1-A A. Fiscal instaurou em 17/09/2004, processo de execução fiscal com o nº.1503-2004/108411.9, contra a sociedade "... - Sociedade Imobiliária, L.da.", por dívida de I.R.C. de 1999 e de 2000, tendo sido citada em 29/09/2004 (cfr.documentos juntos a fls.1 a 7 do processo de execução fiscal apenso);
2-A executada deduziu impugnação judicial contra o acto tributário, em 7/10/04, tendo solicitado prestação de garantia para efeitos de suspensão da execução oferecendo hipoteca voluntária das fracções autónomas devidamente identificadas, tendo-se determinado a constituição de garantia por hipoteca legal dos bens oferecidos por despacho proferido pelo Chefe do 1º. Serviço de Finanças de Cascais e elaborado mandado de penhora dos mesmos bens, em 31/03/2005, tendo-se concretizado a penhora daquelas fracções em 31/08/06 (cfr.documentos juntos a fls.8 a 14 e 20 a 26 do processo de execução fiscal apenso);
3-Em 24/04/2013 foi efectuado o cálculo da garantia a prestar e fixada a mesma na importância de € 153.897,78, e para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal em razão da apresentação de impugnação judicial referida supra, devidamente notificada ao interessado (cfr.documentos juntos a fls.27 a 29 do processo de execução fiscal apenso);
4-Em 15/05/13, foi apresentado pelo executado requerimento de reconhecimento da prescrição da dívida referida no nº.1, o qual mereceu o despacho de 31/05/13, do Chefe do 1º. Serviço de Finanças de Cascais, de indeferimento do peticionado com base na informação dimanada pelos serviços na mesma data, notificado ao interessado em 5/06/13 (cfr.documentos juntos a fls.31 a 34 e 41 a 44 do processo de execução fiscal apenso).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Dos factos constantes da reclamação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade acima descrita…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida ponderou, em síntese, julgar procedente a reclamação deduzida pela reclamante/recorrida, “... - Sociedade Imobiliária, L.da.”, mais tendo anulado o acto reclamado e declarado a prescrição da dívida exequenda.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em síntese e como supra se alude, que não encontra abrigo na letra do nº.1, do artº.169, do C.P.P.T., o entendimento que a concretização das penhoras dos imóveis indicados pela reclamante não é suficiente para a suspensão do PEF e, consequentemente, para a suspensão do prazo de prescrição da respectiva dívida tributária. Que a suspensão da execução ocorre por força da lei, pelo que um eventual despacho que declara a suspensão do processo executivo não tem efeito constitutivo mas antes eficácia meramente declarativa, retroagindo os seus efeitos à data da verificação dos respectivos pressupostos legais. Que tal conclusão resulta da norma constante do nº.1, do artº.169, do C.P.P.T., quando estabelece que a execução fica suspensa sem que se associe este efeito a prática de qualquer acto formal pelo órgão da execução fiscal, contrariamente à solução adoptada para a isenção da prestação de garantia, por exemplo, onde se exige decisão expressa. Que relativamente à degradação do efeito interruptivo em suspensivo no âmbito dos presentes autos, discorda-se da interpretação que o Tribunal “a quo” fez do revogado nº.2, do artº.49, da L.G.T., porque tendo o contribuinte vindo indicar bens imóveis para garantia da dívida exequenda, com vista à suspensão do processo de execução fiscal e tendo deduzido impugnação judicial para discutir a legalidade das dívidas exequendas, a si se deve imputar o facto de o processo executivo se encontrar parado, pois não é por facto imputável à Administração Tributária que o mesmo não continua os seus regulares trâmites (cfr.conclusões 1 a 8 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O efeito suspensivo do processo de impugnação incidente sobre o acto tributário que lhe é objecto, tal como a suspensão da execução fiscal, constituem direitos do contribuinte que se enquadram no âmbito do princípio constitucional da efectividade da tutela judicial (cfr.artºs.20, nº.1, e 268, nº.4, da C.R.Portuguesa; artº.9, nº.1, da L.G.T.). Mais se dirá que o nosso sistema jurídico-fiscal actual não faz depender a reclamação ou a impugnação do prévio pagamento do tributo/dívida exequenda em causa, assim não vigorando, no seu pleno rigor, o princípio do “solve et repete” (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/1/2013, proc.6205/12).
O processo de execução fiscal tem como objectivo primacial a cobrança dos créditos tributários, de qualquer natureza, estando estruturado em termos mais simples do que o processo de execução comum, com o intuito de conseguir uma maior celeridade na sua cobrança, recomendada pelas finalidades de interesse público das receitas que através dele são cobradas.
Os casos em que a execução fiscal se pode suspender estão previstos no artº.169, do C.P.P.T. (cfr.artº.52, da L.G.T.). O acto tributário que constitui a dívida exequenda vê, assim, a sua eficácia suspensa a partir do momento em que o Estado assegurou (através da garantia ou penhora de bens que a substituam) a efectiva cobrança do crédito que se atribui. No entanto, a suspensão da cobrança da prestação tributária está sujeita ao princípio da legalidade, pelo que somente pode verificar-se nas situações expressamente previstas na lei (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.5934/12; Carlos Paiva, O processo de Execução Fiscal, Almedina, 2008, pág.238 e seg.; Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.73 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.207 e seg.).
Por outras palavras, o regime da suspensão da execução opera “ope legis”, por força da prestação de garantia ou efectivação da penhora, sendo condição necessária e suficiente para o efeito e não estando dependente de qualquer despacho do órgão de execução fiscal para se concretizar. Pelo que, o despacho que a declara não tem efeito constitutivo mas antes eficácia meramente declarativa, retroagindo os seus efeitos à data da verificação dos pressupostos legais da dita suspensão (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 5/8/2009, rec.693/09; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/11/2011, rec.977/11).
Revertendo ao caso dos autos, de acordo com a factualidade provada (cfr.nº.2 do probatório), a suspensão do processo de execução fiscal nº.1503-2004/108411.9 operou-se em 31/08/2006, devendo tal suspensão ser imputável à sociedade reclamante e ora recorrida, dado ter sido ela que deduziu impugnação judicial tendo por objecto as liquidações que constituem a dívida exequenda e requereu a suspensão da execução, tudo levando em consideração o disposto no artº.49, nº.3, da L.G.T., na versão resultante da Lei 100/99, de 26/7 (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/3/2005, rec.85/05; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4ª. edição, 2012, pág.406).
Ora, como se retira do preceituado nos artºs.318 a 320, do C.Civil, a suspensão da prescrição tem como efeito que esta não comece a correr ou não corra, depois de iniciado o prazo, enquanto se verificar o facto, de natureza duradoura, a que é atribuído efeito suspensivo. Os factos suspensivos são de natureza duradoura, obstando ao começo e ao decurso do prazo de prescrição enquanto perdurarem, como se infere dos citados artºs. 318, 319 e 320, do C.Civil. Nas leis tributárias prevêem-se factos especiais a que é atribuído efeito suspensivo, pelo que serão essas as regras a aplicar em matéria de prescrição da obrigação tributária (cfr.v.g.artº.49, nº.4, da L.G.Tributária, na redacção resultante da Lei 53-A/2006, de 29/12 - O.E. de 2007). Concluindo, para além da especificidade dos factos a que é atribuído efeito suspensivo, o regime da suspensão da prescrição da obrigação tributária não tem especialidades no domínio do direito tributário, pelo que, face a qualquer facto com natureza suspensiva, enquanto este surtir efeitos, a prescrição não começa nem corre. Por sua vez, a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para o respectivo regime de toda o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único próprio da interrupção, presente em todas as situações (cfr.artº.326, nº.1, do C.Civil). Porém, em certos casos, designadamente quando a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cfr.artº.327, nº.1, do C.Civil). Resultam, assim, destes artºs.326 e 327, do C. Civil, dois conceitos de interrupção da prescrição: um que se traduz exclusivamente num efeito instantâneo sobre o prazo de prescrição (inutilização para a prescrição do tempo decorrido); outro que se consubstancia no mesmo efeito instantâneo acrescido de um efeito suspensivo (é eliminado o período decorrido e a prescrição não corre enquanto o processo durar, efeito duradouro este que é próprio dos factos suspensivos da prescrição). Nas leis tributárias prevêem-se factos a que é atribuído efeito interruptivo da obrigação tributária, pelo que não há que fazer apelo às normas do C.Civil, no que concerne a determinar os factos interruptivos. Porém, os efeitos da interrupção da prescrição não estão completamente regulados, assim devendo aplicar-se, quanto a estes, subsidiariamente o regime do Código Civil (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5689/12; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.52 e seg.).
No caso concreto, atenta a matéria de facto provada, o prazo de prescrição teve o seu termo inicial em 1/1/2000 e 1/1/2001 (regime de prescrição consagrado na L.G.T. e natureza periódica do tributo I.R.C.), mais assumindo relevância desde logo, como vector interruptivo da prescrição, a citação da sociedade executada/reclamante no âmbito do processo de execução fiscal nº.1503-2004/108411.9, a qual ocorreu em 29/09/2004 (cfr.nº.1 da matéria de facto provada).
Tal facto interruptivo inutilizou todo o tempo decorrido anteriormente. Relembre-se que ocorrendo uma causa de interrupção e findos os efeitos da mesma, inicia-se uma nova contagem do prazo, ou seja, mais 8 anos, conforme mencionado acima. Concretizando, a contagem do novo prazo de prescrição de oito anos passa a ter o seu termo inicial em 30/9/2004, dado que nos encontramos perante facto interruptivo (a citação da sociedade executada originária) de natureza instantânea.
Continuando a examinar a factualidade provada, surge-nos a seguir, como vector suspensivo do prazo de prescrição, a mencionada suspensão do processo de execução fiscal, tudo em virtude da instauração de processo de impugnação (cfr.nº.2 do probatório), factores estes que determinam a suspensão da cobrança da dívida exequenda objecto do processo de execução fiscal nº.1503-2004/108411.9, conforme aludido acima.
Ora, nos termos do disposto no artº.49, nº.4, da L.G.T., norma introduzida pela Lei 53-A/2006, de 29/12, o vector acabado de mencionar produz efeitos suspensivos da prescrição e somente cessando tal efeito com o trânsito em julgado da decisão do processo de impugnação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/2/2009, rec.488/08; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 23/4/2013, rec.431/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4ª. edição, 2012, pág.407 e seg.).
Em conclusão, dúvidas não podem restar de que até ao presente a dívida de I.R.C., relativa aos anos de 1999 e 2000 objecto do processo de execução fiscal nº.1503-2004/108411.9 não se mostra prescrita, assim não se verificando a prescrição da dívida exequenda, contrariamente ao decidido pelo Tribunal “a quo”.
Arrematando, sem necessidade de mais amplas ponderações, deve julgar-se procedente o presente recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida a qual padece do vício de erro de julgamento de direito que se consubstancia na violação do regime de prescrição previsto nos artºs.48 e 49, da L.G.T., tal como do regime de suspensão da execução previsto no artº.169, do C.P.P.T., ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA E MANTER O DESPACHO RECLAMADO (cfr.nº.4 do probatório).
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Condena-se a sociedade reclamante/recorrida em custas em ambas as instâncias.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 16 de Janeiro de 2014



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)