Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03506/09
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:07/03/2012
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IRS. NULIDADE DA SENTENÇA. RENDIMENTO PROFISSIONAL/COMERCIAL. ROYALTIES. DUPLA TRIBUTAÇÃO
Sumário:I) Embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.

II) Com os tratados bilaterais fiscais não devem confundir-se as convenção-tipo, que se limitam a traçar um modelo que as partes deverão seguir, como é o caso do Modelo de Convenção elaborado pela OCDE para os impostos sobre o rendimento, que serve de minuta às convenções bilaterais celebradas pelos Estados-Membros dessa organização e onde estes podem consignar, nos respectivos Comentários, as suas divergências quer quanto ao texto dos preceitos do Modelo (“reservas”), quer quanto à posição interpretativa da OCDE sobre tais preceitos (“observações”).

III) A versão originária desse Modelo de Convenção, elaborado em 1963, não continha Comentários sobre a qualificação e tributação dos rendimentos provenientes de software, inexistindo, assim, quaisquer “observações” ou “reservas” no que toca a essa matéria, e a definição de royalties contida no seu artigo 12.º não era susceptível de englobar o software, por este não representar uma obra literária, artística ou científica, nem lhe ser dada, na altura, equiparação legal a essas obras.

IV) Considerando o teor do Acordo apontado nos autos, em que está em causa a utilização de um determinado software, é manifesto que os rendimentos provenientes do contrato em questão não podem ser enquadrados na definição que o artigo 12.º da CDT/Portugal-Espanha dá de royalties ou redevances, por não traduzirem a remuneração por uma obra literária, artística ou científica, além de que, agindo o ora Recorrente apenas como mero intermediário, a situação em apreço apenas pode ser configurada como uma prestação de serviços, sendo que as prestações devidas por parte da empresa espanhola estão relacionadas com a utilização do equipamento de software, suas actualizações e apoio.

V) Nesta medida, e perante os elementos constantes dos autos, resta a subsunção da matéria descrita nos autos na norma residual contida no artigo 14º dessa Convenção (lucros das empresas), representando, assim, um rendimento profissional/comercial tributado apenas no Estado da residência (Portugal), o que significa que não existe qualquer violação do princípio da não discriminação nem qualquer dupla tributação, pois que os rendimentos em apreço são da competência tributária exclusiva do Estado de residência.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário ( 2ª Secção ) do Tribunal Central Administrativo Sul:
1. RELATÓRIO
Lídio ………………., identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 12-05-2009, que julgou improcedente a pretensão pelo mesmo deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com o indeferimento de reclamação graciosa relativa a IRS do ano de 2000.

Formulou as respectivas alegações (cfr. fls. 102-107 ) nas quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
a) A sentença é nula por falta de pronúncia sobre o pagamento de imposto efectuado em Espanha,
b) Também é nula por violação do princípio da não discriminação,
c) A Sentença é ainda nula por não se ter pronunciado sobre a dupla tributação que resulta do acto de cobrança da administração fiscal,
d) A sentença não teve em consideração a decisão de inclusão dos rendimentos do contribuinte como royalties no ano de 1999, bem como em anos posteriores,
e) O tribunal deveria ter averiguado se, no presente caso existiu ou não dupla tributação bem como se a matéria sujeita ao tributo era a mesma ou se era outra,
f) A sentença nada diz quanto ao facto dos rendimentos que foram tributadas em Espanha serem os mesmos que a Fazenda Pública pretende tributar em Portugal, tanto mais que são os mesmos os Estados, é o mesmo o sujeito passivo nas duas relações, são os mesmos os rendimentos sujeitos a tributação,
g) Há erro na apreciação da matéria de facto porquanto o Tribunal a quo não levou em consideração na sentença recorrida os documentos comprovativos do pagamento do imposto realizado em Espanha sobre os mesmos rendimentos;
h) Ao contrário do que consta da sentença o Recorrente corrigiu a sua declaração para que os rendimentos fossem tributados como redevances, sendo esse facto aceite relativamente ao ano de 1999 bem como aos anos posteriores com excepção de 2000;
i) Mas mesmo que não o tivesse feito caberia à administração fiscal verificar em face dos documentos apresentados que tipo de rendimento, pois não cabe ao contribuinte escolher mesmo que por erro o tipo de rendimento ou o anexo que entrega;
j) O recorrente colocou à disposição da entidade pagadora um programa informático pelo qual pagava uma determinada quantia, pelo que errou o tribunal ao não considerar que se tratavam de Royalties;
k) Pelo exposto, o Tribunal ao não considerar esses factos violou a Lei interna Portuguesa e a Convenção entre Portugal e Espanha para evitar a dupla tributação, as redevances, nomeadamente os artigos 78º e 81º n.º 1 e 2 do Código do IRS, 1º, 2º, 4º, 5º, 12º e 23º da Convenção.
l) Deve, assim proceder-se à revogação integral da decisão recorrida, por ilegal, e a sua substituição por outra que determine a anulação integral da liquidação em causa e quaisquer juros e outras cominações que impendam sobre a mesma.”

O recorrido não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência do presente recurso.

Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
As questões suscitadas pelo recorrente resumem-se, em suma, em indagar da invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia e proceder à análise da natureza dos rendimentos auferidos pelo ora Recorrente e seu alcance ao nível da apontada dupla tributação.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Resulta da decisão recorrida como assente a seguinte factualidade:

1 - Com base na Declaração de Rendimentos de 2000, o impugnante apresentou um anexo “C” relativo aos rendimentos comerciais, e um anexo “J” de rendimentos comerciais obtidos no estrangeiro, e do imposto pago no país da fonte. – cfr “prints informáticos de fls 89 a 100, do PA apenso.

2 - A declaração mencionada em 1, foi objecto de correcção através de uma declaração oficiosa de imposto, tendo-se efectuado uma liquidação de imposto cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, devidamente notificada ao sujeito passivo por simples carta registada em 17.12.04. – cfr Notificação de Cobrança, de fls 12, dos autos e “print informático” de fls 101 a 112, e “Notas de Cobrança-Demonstração de Compensação, de fls 117 e Demonstração de Liquidação, de fls 118, do PA apenso.

3 - Em 14.02.05, o impugnante requereu a notificação dos fundamentos e demonstração dos elementos que serviram de base à liquidação de imposto, o qual foi recebido por Oficio nº 006005, enviado em 11.03.05, e recebido pelo interessado em 12.03.05. – cfr artº 2º da p.i. e oficio de fls 13 e documentos juntos a fls 14 e 15, dos autos.

4 - Em 31.03.05 apresentou reclamação graciosa do acto de liquidação de imposto, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, tendo o mesmo merecido despacho de indeferimento de 30.05.06, devidamente notificado ao interessado em 02.06.06. – cfr petição de reclamação graciosa, de fls 2 e segs, e Informação, Parecer e Despacho, de fls 19 a 24 e notificação de fls 25 do Proc Recl. Apenso.

5 - Dá-se aqui por reproduzido o Acordo de utilizador estabelecido entre a sociedade sediada em Espanha e a “Construction …………….. (PTY) Ldª”, esta última enquanto proprietária do sistema informático objecto do acordo, de fls 38 a 42 e a autorização dada por “Construction …………., Limited” ao impugnante, para assinar em nome e por conta da sociedade, os acordos de utilizador, de fls 43, dos autos.

6 - Dá-se aqui por reproduzido a “Declaração da Dependência Regional de Gestão Tributária” da Agência Tributária, Delegação de Madrid, de fls 45 e 46, dos autos.
Ao abrigo do disposto no art. 712º nº 1 al. a) do C. Proc. Civil, adita-se ao probatório o seguinte:

7 - O ora Recorrente é residente em Portugal e não dispõe de qualquer estabelecimento estável em Espanha.

«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Com efeito, no âmbito das suas alegações, o Recorrente aponta que a sentença é nula por falta de pronúncia sobre o pagamento de imposto efectuado em Espanha e por não se ter pronunciado sobre a dupla tributação que resulta do acto de cobrança da administração fiscal.
Segundo o disposto no artigo 125º nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”, sendo que esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Assim, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
A partir daqui, é manifesto que o Recorrente não tem razão no que diz respeito à invocada nulidade da sentença, dado que, a matéria apontada foi apreciada pela sentença, pois que foi considerado que estava em causa “uma simples prestação de serviços e como tal sendo de qualificar como remuneração profissional ou comercial, sem transferência de tecnologia por parte do impugnante que permitissem qualificar como royalties”, realidade que afasta a alegação do Recorrente quanto à apontada omissão de pronúncia, impondo-se sublinhar, como se disse, que o julgador não tem que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbindo-lhe, isso sim, a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, tal como sucedeu no caso presente no domínio da análise da natureza dos rendimentos auferidos pelo ora Recorrente e seu alcance ao nível da apontada dupla tributação.


Com referência à realidade essencial que envolve o presente recurso jurisdicional, o Recorrente refere que a sentença é nula por violação do princípio da não discriminação e não teve em consideração a decisão de inclusão dos rendimentos do contribuinte como royalties no ano de 1999, bem como em anos posteriores, sendo que o tribunal deveria ter averiguado se, no presente caso existiu ou não dupla tributação bem como se a matéria sujeita ao tributo era a mesma ou se era outra, além de que a sentença nada diz quanto ao facto dos rendimentos que foram tributadas em Espanha serem os mesmos que a Fazenda Pública pretende tributar em Portugal, tanto mais que são os mesmos os Estados, é o mesmo o sujeito passivo nas duas relações, são os mesmos os rendimentos sujeitos a tributação, existindo erro na apreciação da matéria de facto porquanto o Tribunal a quo não levou em consideração na sentença recorrida os documentos comprovativos do pagamento do imposto realizado em Espanha sobre os mesmos rendimentos.
Mais refere que, ao contrário do que consta da sentença o Recorrente corrigiu a sua declaração para que os rendimentos fossem tributados como redevances, sendo esse facto aceite relativamente ao ano de 1999 bem como aos anos posteriores com excepção de 2000 e mesmo que não o tivesse feito caberia à administração fiscal verificar em face dos documentos apresentados que tipo de rendimento, pois não cabe ao contribuinte escolher mesmo que por erro o tipo de rendimento ou o anexo que entrega.
O recorrente colocou à disposição da entidade pagadora um programa informático pelo qual pagava uma determinada quantia, pelo que errou o tribunal ao não considerar que se tratavam de Royalties.

Nesta matéria, a sentença recorrida entendeu que estava em causa “uma simples prestação de serviços e como tal sendo de qualificar como remuneração profissional ou comercial, sem transferência de tecnologia por parte do impugnante que permitissem qualificar como royalties”,
Neste ponto, crê-se pertinente a consideração do disposto no art. 14º da Convenção entre Portugal e Espanha para evitar a dupla tributação, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros nº 6/95, de 28-01-1995, onde se estabelece que:
“1 - Os rendimentos obtidos por um residente de um Estado Contratante pelo exercício de uma profissão liberal ou de outras actividades de carácter independente só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que esse residente disponha, de forma habitual, no outro Estado Contratante, de uma instalação fixa para o exercício das suas actividades. Se dispuser de uma instalação fixa, os rendimentos podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que sejam imputáveis a essa instalação fixa.
2 - A expressão «profissões liberais» abrange em especial as actividades independentes de carácter científico, literário, artístico, educativo ou pedagógico, bem como as actividades independentes de médicos, advogados, engenheiros, arquitectos, dentistas e contabilistas.”.
O art. 12º da mesma Convenção estipula que:
“1 - As redevances provenientes de um Estado Contratante e pagas a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributadas nesse outro Estado.
2 - Todavia, esses redevances podem ser igualmente tributadas no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado, mas se a pessoa que receber as redevances for o seu beneficiário efectivo, o imposto assim estabelecido não poderá exceder 5% do montante bruto das redevances.
As autoridades competentes dos Estados Contratantes estabelecerão, de comum acordo, a forma de aplicar este limite.
3 - O termo redevances, usado neste artigo, significa as retribuições de qualquer natureza pagas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinematográficos, bem como os filmes ou gravações para transmissão pela rádio ou televisão, de uma patente, de uma marca de fabrico ou de comércio, de um desenho ou de um modelo, de um plano, de uma fórmula ou de um processo secretos, bem como pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico e por informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico.
4 - O disposto nos n.os 1 e 2 não é aplicável se o beneficiário efectivo das redevances, residente de um Estado Contratante, exercer no outro Estado Contratante de que provêm as redevances uma actividade industrial ou comercial, por meio de um estabelecimento estável aí situado, ou exercer nesse outro Estado uma profissão independente, por meio de uma instalação fixa aí situada, e o direito ou bem relativamente ao qual as redevances são pagas estiver efectivamente ligado a esse estabelecimento estável ou a essa instalação fixa. Neste caso, são aplicáveis as disposições do artigo 7.º ou do artigo 14.º, consoante o caso.
5 - As redevances consideram-se provenientes de um Estado Contratante quando o devedor for esse próprio Estado, uma sua subdivisão política ou administrativa, uma sua autarquia local ou um residente desse Estado. Todavia, quando o devedor das redevances, seja ou não residente de um Estado Contratante, tiver num Estado Contratante um estabelecimento estável ou uma instalação fixa em relação com os quais haja sido contraída a obrigação que dá origem ao pagamento das redevances e esse estabelecimento estável ou essa instalação fixa suportem o pagamento dessas redevances, tais redevances são consideradas provenientes do Estado Contratante em que o estabelecimento estável ou a instalação fixa estiverem situados.
6 - Quando, devido a relações especiais existentes entre o devedor e o beneficiário efectivo das redevances, ou entre ambos e qualquer outra pessoa, o montante das redevances pagas, tendo em conta a prestação pela qual são pagas, exceder o montante que seria acordado entre o devedor e o beneficiário efectivo, na ausência de tais relações, as disposições deste artigo são aplicáveis apenas a este último montante. Neste caso, o excesso pode continuar a ser tributado de acordo com a legislação de cada Estado Contratante, tendo em conta as outras disposições desta Convenção.”.
Neste âmbito, avulta o Acordo de utilizador descrito nos autos estabelecido entre a sociedade sediada em Espanha e a “Construction Computer Software (PTY) Ldª”, esta última enquanto proprietária do sistema informático objecto do acordo, de fls 38 a 42 e a autorização dada por “Construction Computer Software, Limited” ao impugnante, para assinar em nome e por conta da sociedade, os acordos de utilizador, de fls 43, dos autos.
A partir daqui, o ora Recorrente sustenta que recebeu da empresa espanhola determinado valor a título de royalties pela utilização de software instalado na mesma, o que imporia a aplicação do art. 12º da aludida CDT.
A propósito desta matéria, crê-se pertinente ter presente o disposto no Ac. do S.T.A. de 02-02-2011, Proc. nº 0621/09, www.dgsi.pt, onde se aponta que “Relativamente ao Estado Português, verifica-se que ele seguiu, em regra, na celebração das suas convenções bilaterais, o Modelo de Convenção da OCDE, …, tendo seguido a versão inicial do Modelo (versão de 1963, já que a versão seguinte só ocorreu em 1977), adoptando a redacção proposta para o artigo 12.º e o conceito de royalties que dele consta, que é a seguinte:
«3. O termo «redevances», usado neste artigo, significa as retribuições de qualquer natureza atribuídas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinematográficos, de uma patente, de uma marca de fabrico ou de comércio, de um desenho ou de um modelo, de um plano, de uma fórmula ou de um processo secretos, bem como pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico, que não constitua um bem compreendido no artigo 6, e por informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico.»
Da redacção deste preceito resulta, pois, à evidência que apenas merecem a qualificação de royalties ou redevances os rendimentos pela cedência do uso de direitos de autor sobre obra literária, artística ou científica, pela cedência do uso de patente, marca de fabrico ou de comércio, de desenho ou modelo, de plano, de fórmula ou processo secretos, ou pela cedência do uso de equipamento industrial, comercial ou científico, por informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico.
Dado que a legislação fiscal portuguesa não contém uma definição do conceito de royalties Razão por que a doutrina e a jurisprudência portuguesa têm tentado preencher este conceito através da distinção dos diversos tipos de contratos que podem ser qualificados como rendimentos provenientes de royalties, e, ainda que contivesse, o direito internacional convencional prevalece, como vimos, sobre a lei ordinária, conclui-se que qualquer realidade que não logre enquadramento naqueles conceitos, designadamente de obra literária, artística ou científica, não pode ver os seus rendimentos quantificados como royalties para efeitos da CDT … A definição de royalties contida no seu artigo 12.º não era, pois, susceptível de englobar o software, por este não representar uma obra literária, artística ou científica, nem lhe ser dada, na altura, qualquer equiparação legal a essas obras.
Acompanhamos, pois, GUSTAVO LOPES COURINHA Obra citada, pág. 43. quando refere que esta matéria do software se encontrava ausente do espírito dos negociadores das convenções fiscais antes de 1992, sendo que só desde esta data passou a matéria a ser tratada ao nível da Convenção Modelo da OCDE, datando também de então a mencionada “reserva” portuguesa. «A matéria da tributação do Software era, portanto, totalmente desconhecida das CDTs celebradas por Portugal antes dessa data, não se encontrando em nenhuma delas a mínima referência a esta nova realidade. Quer por influência da CMOCDE, quer pela própria letra destas Convenções (pense-se nas Convenções assinadas na década de 60 e 70 [Alemanha, França, Reino Unido], por exemplo), é perfeitamente descabido retirar de qualquer delas - e mormente dos respectivos artigos sobre a tributação dos Royalties - um qualquer sentido interpretativo que englobasse sob essa designação os rendimentos associados a esta nova realidade. Ora, na ausência de qualquer indício em sentido contrário à data da negociação e assinatura dessas convenções (anteriores a 1992), os rendimentos derivados do Software só poderiam caber na cláusula residual do artigo 7.°, sob a epígrafe “Lucros”. Ou seja, o limite da retroactividade interpretativa nunca poderia ultrapassar, em caso algum, a própria data em que a matéria foi aposta à CMOCDE».
Deste modo, e perante o contexto em que foi negociada e aprovada a CDT …, conclui-se, inevitavelmente, que não pode retirar-se do texto do seu artigo 12.º qualquer elemento indiciador de que ele englobe ou pretenda englobar os rendimentos provenientes de transacções que envolvam software, …
Todavia, a problemática da tributação do software veio a ser abordada na revisão do Modelo de Convenção operada em 1992, o que levou à introdução de novos Comentários ao artigo 12.º, de forma a enquadrar a tributação dos respectivos rendimentos. E deles consta que os direitos corporizados no “computer software” constituem uma forma de propriedade intelectual, mas que a aplicação do artigo 12.º (roylaties) exige que o software seja classificado como obra literária, artística ou científica. Pelo que, desde logo, e como explica FRANCISCO DE SOUSA DA CÂMARA“A TRIBUTAÇÃO DOS RENDIMENTOS DO SOFTWARE OBTIDOS POR NÃO RESIDENTES”, publicado na obra “Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto”, pág. 217., «caso os programas de computador não sejam considerados como uma obra literária, artística ou científica num determinado Estado, esse mesmo Estado está impedido de subsumir os pagamentos correspondentes ao termo “royalties” e de os tributar em conformidade com o artigo 12º de qualquer convenção bilateral que se possa eventualmente invocar.».
Por outro lado, segundo esses Comentários, a remuneração pela cedência de direitos sobre software reveste a natureza de rendimentos da actividade comercial quando ocorra a transferência total da propriedade do software ou quando, sucedendo uma transferência parcial, se pretenda permitir ao utilizador servir-se (pessoal ou comercialmente) do programa. Pelo que só no caso da transferência parcial de direitos com o fim de desenvolvimento ou exploração comercial do programa a contraprestação teria a natureza de royalties.
Portugal, ao contrário de vários outros Estados, não formulou qualquer “observação” a esses Comentários, o que significa que se conformou com esta interpretação do preceito, deixando apenas formulada uma “reserva”, segundo a qual se reservava “o direito de tratar e tributar como royalties os rendimentos a título de software que não sejam obtidos da transferência total de direitos relativos a software”. …
Nem podia deixar de assim ser, pois, como vimos, a reserva só pode produzir efeitos jurídicos se for efectivamente concretizada nas Convenções que vierem a ser celebradas. Como explica GUSTAVO LOPES COURINHA Obra citada, pág. 32., «se a Convenção Modelo tem a natureza de uma recomendação daquela organização dirigida aos respectivos Estados-Membros, também as “reservas” ao texto da mesma serão forçosamente não vinculativas, mas tão só indicativas da pretensão do Estado-Membro em utilizá-las aquando da negociação de cada CDT em concreto. Ora, essa concretização passa impreterivelmente pela aceitação, por parte do outro Estado Contratante (na Convenção Bilateral com Portugal), da redacção de cada artigo concreto em conformidade com a reserva aposta à CMOCDE. Tal resultado só se consegue em sede de negociação do texto de cada CDT (…)». E Portugal raramente logrou exercer essa reserva quanto ao tratamento fiscal especial do software. «De facto, embora tendo celebrado o grosso das suas Convenções Fiscais desde então - 38 de um total de 52 Convenções actualmente em vigor - Portugal só por duas vezes pôde exercer efectivamente a "reserva" contida no comentário n.º 43, a saber, nas CDTs com a Polónia (...) e com Singapura.».
Em suma, a “reserva” introduzida em 1992 pelo Estado Português no âmbito da Convenção Modelo, na medida em que constitui uma mera manifestação da vontade de não seguir a redacção proposta pela OCDE para o artigo 12.º e da sua intenção de negociar uma redacção diferente nas Convenções que viesse a celebrar, não se pode sobrepor às concretas condições bilaterais anteriormente convencionadas que tenham acolhido a redacção contida no Modelo, …
É, pois, absolutamente irrelevante para a aferição do concreto conteúdo dessa CDT, designadamente do seu artigo 12.º, a menção feita por Portugal no Modelo de Convenção de que se reservava o direito de tributar como royalties os rendimentos provenientes do software, uma vez que essa “cláusula” não encontra previsão no texto bilateralmente acordado entre estes dois países. …
o regime regulador das relações fiscais entre os Estados deve ser perscrutado nos concretos textos pactícios que entre eles foram celebrados e não na “reserva” introduzida no âmbito da Convenção Modelo, e que o entendimento seguido pela Administração Fiscal sobre os efeitos jurídicos da “reserva”feita ao texto do artigo 12.º do Modelo de Convenção corresponderia a atribuir a este Modelo a natureza de uma convenção multilateral que regularia para todos os seus subscritores a matéria nela convencionada, dispensando a elaboração de convenções bilaterais com os outros Estados-membros.
Se assim não fosse, tornavam-se incompreensíveis os casos em que Portugal negociou (com compensações e cedências para o outro Estado) o alargamento de conceito de royalties por aplicação da citada reserva ao Modelo de Convenção após a revisão de 1992, ficando por explicar o facto de Portugal ter feito valer essa “reserva”apenas nas Convenções que celebrou com a Polónia e Singapura. …
Deste modo, e em suma, a “reserva” introduzida no âmbito da Convenção Modelo não se sobrepõe às concretas condições bilaterais convencionadas entre os Estados se o respectivo conteúdo não constar desses específicos instrumentos pactícios, sendo o conteúdo bilateralmente acordado aquele que estabelece as condições acordadas em termos de regulamentar as relações entre os países que firmaram a convenção. …”.
Após esta longa digressão pelo douto Acórdão apontado, considerando o teor do Acordo apontado nos autos, em que está em causa a utilização de um determinado software, é manifesto que os rendimentos provenientes do contrato em questão não podem ser enquadrados na definição que o artigo 12.º da CDT/Portugal-Espanha dá de royalties ou redevances, por não traduzirem a remuneração por uma obra literária, artística ou científica.
Além disso, agindo o ora Recorrente apenas como mero intermediário, a situação em apreço apenas pode ser configurada como uma prestação de serviços, sendo que as prestações devidas por parte da empresa espanhola estão relacionadas com a utilização do equipamento de software, suas actualizações e apoio.
Diga-se ainda que, tratando-se de royalties, o Estado Espanhol não poderia ter cobrado 25% do montante bruto, mas apenas 5% de acordo com o art. 12º nº 2 da CDT, não existindo assim qualquer ponto de apoio no sentido de suportar a tese do Recorrente.
Nesta medida, e perante os elementos constantes dos autos, resta a subsunção da matéria descrita nos autos na norma residual contida no artigo 14º dessa Convenção (lucros das empresas), representando, assim, um rendimento profissional/comercial tributado apenas no Estado da residência (Portugal), o que significa que não existe motivo para censurar a decisão recorrida, pois que não existe qualquer violação do princípio da não discriminação nem qualquer dupla tributação, pois que os rendimentos em apreço são da competência tributária exclusiva do Estado de residência.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação do recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Lisboa, 03 de Julho de 2012
Pedro Vergueiro
Pereira Gameiro
Joaquim Condesso