Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05791/12
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/23/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:EXAME E DECISÃO DE DOIS RECURSOS.
PRINCÍPIO DA PREJUDICIALIDADE COMO FUNDAMENTO PARA O EXAME DE UM DELES.
DIREITO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA DO SUJEITO PASSIVO DE IMPOSTO.
VIGÊNCIA À FACE DO REGIME PREVISTO NO C.P.TRIBUTÁRIO.
ARTºS.100, E SEGUINTES DO C.P.A.
PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DO ACTO ADMINISTRATIVO.
ACTOS PRATICADOS NO EXERCÍCIO DE PODERES VINCULADOS. ACTO TRIBUTÁRIO.
JUROS INDEMNIZATÓRIOS. ARTº.24, Nº.1, DO C.P.TRIBUTÁRIO. ARTº.43, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
ILEGALIDADE DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DEVIDO A VÍCIO DE FORMA.
Sumário:1. Levando em consideração, segundo um prudente critério, a tutela mais eficaz dos interesses em presença no âmbito do presente processo, deve concluir-se pela necessidade de apreciação, em primeiro lugar, do recurso apresentado pela Fazenda Pública, o qual, a merecer provimento, implica o desaparecimento do fundamento da apelação deduzida pelo Ministério Público, assim ficando prejudicado o seu conhecimento (cfr.artº.124, do C.P.P.Tributário).

2. O direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objecto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projecto da mesma decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita. A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos consagrados no artº.60, nº.1, da Lei Geral Tributária, constitui um vício de procedimento susceptível de conduzir à anulação da decisão final que vier a ser tomada.

3. É uniforme a jurisprudência do S.T.A.-2ª.Secção no sentido de que o C.P.A., publicado após a entrada em vigor do C.P.T., estabelece, no seu art.2, nº.5, na redacção dada pelo dec.lei 6/96, de 31/1, que as suas normas que concretizam preceitos constitucionais são aplicáveis a toda e qualquer actuação da Administração Pública, entendimento este que já era defensável à face da redacção inicial. Uma dessas normas que concretizam preceitos constitucionais, é o artº.100, do C.P.A., pelo que ele terá passado a ser potencialmente aplicável no procedimento tributário. Assim, deve concluir-se que, após a entrada em vigor do C.P.A. e até à vigência da L.G.T. (que contém normas especiais sobre a matéria no seu artº.60), a participação dos interessados no procedimento tributário não podia deixar de ser assegurada, seja através de formas especiais, seja nos termos do C.P.A., sem prejuízo dos casos de dispensa ou inexistência deste direito previstos no seu artº.103, do mesmo diploma, e do próprio condicionalismo em que o próprio artº.100 prevê tal direito de audiência.

4. O facto de os contribuintes terem possibilidade de reclamar graciosamente e poderem impugnar judicialmente as liquidações, não tornam não essencial o vício de violação daquele direito. Na verdade, o direito que é consagrado no actual artº.267, nº.5, da C.R.P. e está concretizado nos artºs.100, e seguintes do C.P.A., é um direito de participação na formação da decisão e não um direito de impugnar, administrativa ou judicialmente, decisões já elaboradas. Trata-se, assim, de um direito cumulável com o direito de impugnação de actos lesivos, pelo que o facto de este existir não retira operância àquele vício procedimental. Assim, a preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só poderia considerar-se não essencial se se demonstrasse que, mesmo sem ele ter sido cumprido, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente.

5. O princípio do aproveitamento do acto administrativo não tem expressão legal própria na nossa ordem jurídica, mas tem sido acolhido pela doutrina e pela jurisprudência, por razões de economia processual, assim consubstanciando uma das dimensões da eficiência indispensável à realização do interesse público. Trata-se, pois, de reconhecer ao Tribunal o poder de não anular um acto inválido quando for seguro que a decisão administrativa não podia ser outra, uma vez que em execução do efeito repristinatório da sentença não existe “alternativa juridicamente válida” que não seja a de renovar o acto inválido, embora sem o vício que determinou a anulação.

6. No domínio dos actos praticados no exercício de poderes vinculados (como é o acto tributário por excelência, a liquidação) o Juiz só poderá aplicar o princípio do aproveitamento dos actos administrativos quando lhe seja possível concluir, sem margem para dúvidas, que o acto em causa não poderia ter outro conteúdo decisório. Nestes casos, somente se pode aplicar o referido princípio do aproveitamento do acto, quando se estiver perante uma situação de solução legal evidente e em que não se vislumbra qualquer possibilidade de a omitida audição do sujeito passivo, antes do acto de liquidação, poder influenciar o conteúdo desta. É o caso, por exemplo, de liquidação que se limita a aplicar uma taxa legal a determinado valor patrimonial tributário (liquidação de I.M.I.), não sendo acompanhada de liquidação de juros compensatórios, dado que esta já envolve um juízo de culpa sobre o sujeito passivo.

7. Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.

8. A utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros indemnizatórios, tanto ao abrigo do anterior artº.24, do C.P.Tributário, como do actual artº.43, da L.G.Tributária, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão “erro” têm um âmbito mais restrito do que a expressão “vício”. Na verdade, a existência de vícios de forma ou incompetência significa que houve uma violação de direitos procedimentais dos administrados e, por isso, justifica-se a anulação do acto por estar afectado de ilegalidade. Mas o reconhecimento judicial de um vício de forma ou incompetência não implica a existência de qualquer pecha na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela administração tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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1-O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando a sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.383 a 397 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a impugnação intentada tendo por objecto liquidação de I.R.C., relativa ao ano de 1992 e no montante total de € 1.210.791,59, já incluindo juros compensatórios na quantia de € 458.862,29.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.415 a 422 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Salvo o devido respeito, somos de parecer que a argumentação tecida na douta sentença assentou na errónea interpretação dos preceitos legais aplicáveis, mormente o artº.100, do C.P.A.;
2-No âmbito do C.P.T. e antes da entrada em vigor da L.G.T., aprovada pelo decreto-lei 398/98, de 17/12, que entrou em vigor em 1/1/1999, o princípio da audiência prévia dos interessados previsto no artº.100, e seguintes do C.P.A., não se aplicava ao procedimento tributário. Nesse sentido vide acórdãos do T.C.A. Sul, de 9-05-2000, 20-06-2000 e 16-01-2001, proferidos nos processos nºs.3066/99, 2986/99 e 1360/98, respectivamente;
3-Também neste sentido o acórdão do T.C.A. Sul, proferido no processo nº.5810/01, de 19/02/2002, quando afirma “Na verdade, como a jurisprudência tem vindo a afirmar, só após a entrada em vigor da LGT, e por força do disposto no art.60º, se impôs o direito de audição do contribuinte no procedimento administrativo tributário. Anteriormente o procedimento administrativo tributário de liquidação seguia o processamento previsto no CPT, no qual não estava prevista a audiência prévia do contribuinte”;
4-Caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite, que o direito de audição era obrigatório, temos que atender ao princípio do aproveitamento do acto conforme supra plasmado;
5-Daí que tal liquidação se deva manter, ainda que efectuada sem prévia audição da destinatária em obediência ao princípio do aproveitamento do acto, não se justificando a sua anulação, apesar da preterição do direito de audição, por não se vislumbrar qualquer possibilidade de a omitida audição da impugnante antes do acto de liquidação influenciar o conteúdo desta;
6-Nestes termos e com o douto suprimento de Vªs. Exªs, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue improcedente na totalidade a presente impugnação, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA.
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Não foram apresentadas contra-alegações no âmbito da instância deste primeiro recurso deduzido e tendo por objecto a sentença exarada em 1ª. Instância nos presentes autos.
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2-O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, também deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando a sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.383 a 397 do presente processo, cingindo o recurso à parte em que a decisão judicial se pronunciou sobre o pedido de pagamento de juros indemnizatórios peticionado em sede de impugnação judicial.
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.411 a 414 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Recorre-se da aliás douta sentença, proferida de fls.383 a 397 dos autos, no segmento da mesma em que a Mma. Juíza “a quo” reconheceu que assistia à firma impugnante, Bento .......... - .........., Lda., o direito ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do disposto no artº.24, do C.P.T. (actualmente artº.43, da L.G.T.), e condenou a Administração Fiscal no pagamento dos mesmos;
2-Sucede que a acção de impugnação judicial foi julgada procedente em função da verificação de um vício de natureza procedimental, o da preterição da formalidade do direito de audição prévia, nela se julgando prejudicada a apreciação dos demais vícios anulatórios invocados pela firma impugnante;
3-Com efeito, a Mma. Juíza “a quo”, muito embora tenha elencado os vários vícios anulatórios imputados ao acto tributário de liquidação, e objecto da acção, apenas apreciou um deles, o da violação do direito de audição prévia, por entender que a sua procedência prejudicava o conhecimento dos demais, e, de seguida, entendeu ainda que esse vício integrava erro imputável aos serviços e como tal decidiu serem devidos juros indemnizatórios à impugnante;
4-Ora, sucede que o direito a juros indemnizatórios, que resulta da disposição do artº.24, do C.P.T., e presentemente do artº.43, da L.G.T., tem como pressuposto a existência de um "erro imputável aos serviços", e tal não se reconduz à verificação de um qualquer vício pois que os vícios de forma estão excluídos desse conceito de erro, que deve por isso ter uma interpretação mais restrita;
5-O vício em que assentou a procedência da impugnação, a referida violação do direito de audição prévia, não se integra no conceito de “erro” apontado nas referidas disposições legais e que é fonte do direito a juros indemnizatórios. Com efeito, a anulação fundada em vício procedimental não permite fazer qualquer juízo sobre o carácter devido ou indevido do imposto que fora pago pelo contribuinte, e neste sentido se tem pronunciado a jurisprudência do S.T.A. (cfr.v.g.acórdãos de 21.01.2009, 04.02.2009 e 09.09.2009, relatados, respectivamente, nos processos nºs. 0945/08, 0766/08 e 0369/09);
6-Assim sendo, a sentença recorrida fez pois errada interpretação e aplicação das referidas normas do artº.24, do C.P.T., e do artº.43, da L.G.T., devendo por isso ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a fixação de juros indemnizatórios em favor da firma impugnante;
7-Porém, V.Exas., Venerandos Conselheiros, apreciarão e decidirão como for de Direito!
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Não foram apresentadas contra-alegações no âmbito da instância deste segundo recurso deduzido e tendo por objecto a sentença exarada em 1ª. Instância nos presentes autos.
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O S.T.A.-2ª.Secção declarou-se incompetente para o conhecimento dos dois recursos, sendo competente este Tribunal (cfr.despacho exarado a fls.431 e 432 dos autos).
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.443 dos autos) no qual conclui pelo não provimento do recurso deduzido pela Fazenda Pública.
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.445 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.386 a 392 dos autos):
1-A sociedade impugnante foi objecto de uma acção de inspecção externa, tendo sido efectuadas correcções, em sede de I.R.C., ao exercício de 1992, no montante total de 589.219.090$00, constantes de relatório de fls.181 a 376, especialmente a fls.181, 200 e 247 a 262 dos presentes autos;
2-Verba de 14.500.000$00 - os Serviços de Inspecção corrigiram aquele montante por:
“A empresa contabilizou como custo do exercício um donativo à «B....... - ......... de Portugal, SA», no valor de 14 500 000$00…
Trata-se de um donativo não previsto nos arts. 39.º e 40.º do CIRC, não sendo, portanto, aceite para efeitos fiscais.” (cfr.documento DC-22 a fls.181 a 184 dos presentes autos; relatório de inspecção de fls.33 a 48 do volume III do processo administrativo apenso);
3-Verba de 159.656$00 - os Serviços de Inspecção corrigiram aquele montante acrescendo-o ao resultado líquido, nos termos do artigo 41.º, n.º 1, alínea d), do CIRC (cfr.documento DC-22 a fls.181 a 184 dos presentes autos; relatório de inspecção de fls.33 a 48 do volume III do processo administrativo apenso);
4-Verba de 27.500.000$00 - os Serviços de Inspecção procederam à seguinte correcção:
“27 500 000$00 – Acordo extra-judicial entre o A.C.E. e o ....... de Lisboa…Trata-se de um acordo celebrado em 8 de Novembro de 1988, com vista à regularização de saldos de c/c;
Os resultados apurados pelo A.C.E. deverão ser corrigidos nas linhas 5 e 27 do quadro 17 da declaração mod. 22 das empresas participantes, tendo por base documento adequado, emitido pelo próprio A.C.E.;
Sendo o A.C.E. uma entidade diferente daquela que estamos a analisar não pode, a «Bento Pedroso Construções, SA», contabilizar este documento;
Assim, nos termos do art. 23.º do CIRC, este montante não pode ser aceite como custo do exercício” (cfr.documento DC-22 a fls.181 a 184 dos presentes autos; relatório de inspecção de fls.33 a 48 do volume III do processo administrativo apenso);
5-A conta corrente do consórcio “R.........-Açores”:
“…os custos e perdas extraordinários resultam de lançamentos de regularização de saldos de c/c de terceiros. Não se encontrando, estes saldos, provisionados, não podem ser directamente contabilizados como custos do exercício, não sendo aceites nos termos do art. 18.º do CIRC” (cfr.documento DC-22 a fls.181 a 184 dos presentes autos; relatório de inspecção de fls.33 a 48 do volume III do processo administrativo apenso);
6-Na sequência das correcções referidas nos nºs.1 a 5, a impugnante foi notificada da liquidação adicional de IRC nº..........., relativa ao exercício de 1992, de 17/09/1996, no valor a pagar de 242.741.919$00, que tem a seguinte menção: “Pl`O Director-Geral (José ,,,,,,,,,,,,,,,,) Subdirector-Geral”, com data limite de pagamento: 13/11/1996 (cfr.documento junto a fls.60 dos presentes autos);
7-Em 25/06/1997, a sociedade impugnante pagou o imposto (cfr.documentos juntos a fls.61 e 62 dos presentes autos; informação exarada a fls.57 a 72 do volume II do processo administrativo apenso);
8-Em 10/02/1997, a impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação identificada no nº.6 supra (cfr.carimbo de entrada aposto a fls.2 do volume II do processo administrativo apenso);
9-Em 16/11/1998, a impugnante foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa referida no nº.8 (cfr.documentos juntos a fls.73 e 74 do volume II do processo administrativo apenso);
10-Em 27/11/1998 foram apresentados os presentes autos de impugnação (cfr.carimbo de entrada aposto a fls.3 dos presentes autos);
11-A notificação da liquidação foi efectuada através de via postal, mediante carta registada, sem aviso de recepção (cfr.documento junto a fls.60 dos presentes autos);
12-Correcção da Verba de Esc.14.500.000$00 relativa a “donativo” da impugnante à “B......., SA”, constituiu o pagamento de comparticipação da impugnante num conjunto de acções de marketing/publicidade institucional, a propósito do fecho da ligação da A.....-.......... (cfr.depoimento das três testemunhas ouvidas, tudo conforme acta constante de fls.148 a 151 dos presentes autos);
13-Tal conjunto de acções de publicidade institucional, coordenado pela B........, foi levado a cabo por uma “pool” de empresas de obras públicas envolvidas na construção da A1 (cfr. depoimento das três testemunhas ouvidas, tudo conforme acta constante de fls.148 a 151 dos presentes autos);
14-As acções de publicidade institucional consistiram:
a) Edificação de um monumento-padrão comemorativo junto ao nó de Condeixa, inaugurado, com inscrição da denominação social da impugnante;
b) anúncios em jornais evocativos do fecho da A. -.......... e nos quais está mencionada a denominação social da impugnante;
c) publicação de um livro sobre a A. -.............., no qual a impugnante figura como empreiteiro patrocinador figurando em primeiro lugar na lista dos patrocinadores (cfr.documentos juntos a fls.63 e 64 dos presentes autos; livro em apenso aos presentes autos; depoimento das três testemunhas ouvidas, tudo conforme acta constante de fls.148 a 151 dos presentes autos);
15-A participação da impugnante nas acções de publicidade institucional efectuadas a propósito do fecho da A. - ............. tiveram o objectivo de contribuir para a imagem institucional da impugnante, no difícil mercado de obras públicas, nacional ou internacional (cfr. depoimento das três testemunhas ouvidas, tudo conforme acta constante de fls.148 a 151 dos presentes autos);
16-A impugnante despendeu Esc.14.500.000$00 porque tal era vantajoso no quadro de publicidade institucional (cfr.depoimento da primeira testemunha ouvida, tudo conforme acta constante de fls.148 a 151 dos presentes autos);
17-A impugnante não fez donativo, nem praticou qualquer liberalidade à B....... (cfr. depoimento das três testemunhas ouvidas, tudo conforme acta constante de fls.148 a 151 dos presentes autos);
18-A “B......., SA” apenas coordenou a pool das empresas que se mostraram interessadas nestas acções de publicidade institucional (cfr.depoimento das três testemunhas ouvidas, tudo conforme acta constante de fls.148 a 151 dos presentes autos);
19-A “B......., SA” “recolheu a prestação devida por cada uma das participantes, administrou tal dinheiro, mandando executar e pagando as diversas acções de publicidade institucional e, por fim prestou contas fazendo entrega do respectivo documento de quitação” (cfr.depoimento das três testemunhas ouvidas, tudo conforme acta constante de fls.148 a 151 dos presentes autos);
20-A impugnante financiou um conjunto de acções de marketing “que considerou necessárias e adequadas ao seu posicionamento nos mercados nacional e internacional da construção e obras públicas” (cfr.depoimento das três testemunhas ouvidas, tudo conforme acta constante de fls.148 a 151 dos presentes autos);
21-A verba de 159.656$00 é relativa a custas suportadas pela impugnante, pelo pagamento de imposto de capitais na fase de relaxe (cfr.documentos juntos a fls.65 a 68 dos presentes autos);
22-O Agrupamento ......... ACE “António ......., E......., Ilídio ..... e José ......... & F........, ACE” foi constituído em 4/3/1983 (cfr.cópia de escritura pública junta a fls.73 a 91 dos presentes autos);
23-Na sequência de um acordo de transacção extra-judicial, aquele A.C.E. reconheceu-se devedor, ao “M......... de Lisboa, EP”, da quantia de Esc.110.000.000$00 (cfr.cópia de acordo de transacção extrajudicial junta a fls.69 a 71 e escritura pública de fls.73 a 91 dos presentes autos);
24-Dívida da qual participava a agora impugnante, na medida de 27.500.000$00 (cfr.cópia de acordo de transacção extrajudicial junta a fls.69 a 71; documento de fls.72 e escritura pública de fls.73 a 91, tudo dos presentes autos);
25-O A.C.E., em 1992, cessou de facto a sua actividade, sendo que as suas contas traduziam um activo de 7.096$00 e um passivo de igual montante (cfr.documento junto a fls.92 a 100 dos presentes autos);
26-O consórcio “Rarope” foi celebrado entre a impugnante e a sociedade “Ramalho........, Lda.” para uma obra nos Açores - aeroporto (cfr.depoimento das primeiras duas testemunhas ouvidas, tudo conforme acta constante de fls.148 a 151 dos presentes autos);
27-Por causa de litígio com outro membro do consórcio e desacerto de contas a impugnante não sabia quais os montantes correctos, não tendo contabilizado aqueles encargos como custos em anos anteriores ao ano de 1992 (cfr. depoimento das primeiras duas testemunhas ouvidas, tudo conforme acta constante de fls.148 a 151 dos presentes autos);
28-Em 1992, concluída a obra para a qual o consórcio se constituíra, procedeu a impugnante ao apuramento e encerramento de contas do consórcio (cfr.documentos juntos a fls.101 e 102 dos presentes autos);
29-E, em face de tal apuramento e encerramento, a impugnante relevou contabilisticamente tais encargos como custos (cfr.documento junto a fls.103 dos presentes autos);
30-Só em 1992, com o encerramento do consórcio e da conta corrente respectiva, foi possível à impugnante conhecer, com exactidão, o montante dos encargos suportados (cfr. depoimento das primeiras duas testemunhas ouvidas, tudo conforme acta constante de fls.148 a 151 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Considero provados os factos 12 a 20, 26, 27 e 30 atendendo ao depoimento das três testemunhas arroladas. Sendo três funcionários da impugnante, no ano de 1992, convenceram o Tribunal da veracidade dos seus depoimentos e que não foram contraditados. Considero os restantes factos provados, atendendo ao teor dos documentos juntos aos autos, não impugnados e identificados nas diversas alíneas do probatório…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a impugnação que originou o presente processo, em virtude de preterição da formalidade do direito de audiência antes de ser estruturada a liquidação em causa nos autos, mais tendo reconhecido o direito a juros indemnizatórios ao abrigo do artº.24, do C.P.T., a favor da sociedade impugnante.
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Refira-se, antes de mais, que são as conclusões das alegações do recurso que, como é sabido, definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.684 e 690, do C.P.Civil, então em vigor; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.89 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.41).
Levando em consideração, segundo um prudente critério, a tutela mais eficaz dos interesses em presença no âmbito do presente processo, deve concluir-se pela necessidade de apreciação, em primeiro lugar, do recurso apresentado pela Fazenda Pública, o qual, a merecer provimento, implica o desaparecimento do fundamento da apelação deduzida pelo Ministério Público, assim ficando prejudicado o seu conhecimento (cfr.artº.124, do C.P.P.Tributário).
Alega a Fazenda Pública, em síntese, que a argumentação tecida na douta sentença assentou na errónea interpretação dos preceitos legais aplicáveis, mormente o artº.100, do C.P.A. Que no âmbito do C.P.T. e antes da entrada em vigor da L.G.T., aprovada pelo decreto-lei 398/98, de 17/12 (a qual entrou em vigor em 1/1/1999), o princípio da audiência prévia dos interessados previsto no artº.100, e seguintes do C.P.A., não se aplicava ao procedimento tributário. Caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite, que o direito de audição era obrigatório, temos que atender ao princípio do aproveitamento do acto. Daí que tal liquidação se deva manter, ainda que efectuada sem prévia audição da destinatária em obediência ao princípio do aproveitamento do acto, não se justificando a sua anulação, apesar da preterição do direito de audição, por não se vislumbrar qualquer possibilidade de a omitida audição da impugnante antes do acto de liquidação influenciar o conteúdo desta (cfr.conclusões 1 a 5 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Consagrava o artº.267, nº.4, da Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela lei constitucional nº.1/89 (cfr.actual nº.5), o direito de todos os cidadãos participarem na formação das decisões ou deliberações da Administração que lhes disserem respeito. A lei ordinária, concretizou inicialmente este direito no artº.100, do C. P. Administrativo, aprovado pelo dec.lei 442/91, de 15/11, estando actualmente tal direito expressamente previsto no artº.60, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12.
O direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objecto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projecto da mesma decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 25/1/2000, rec.21244, Ac.Dout., nº.466, pág.1275 e seg.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 2/7/2003, rec.684/03; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág.282 e seg.).
A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos consagrados no artº.60, nº.1, da Lei Geral Tributária, constitui um vício de procedimento susceptível de conduzir à anulação da decisão final que vier a ser tomada (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, ob.cit., pág.290).
No caso concreto, o que está em causa é saber se ocorre preterição da formalidade de audição prévia da sociedade impugnante em momento anterior à liquidação objecto dos presentes autos, sendo que tal acto tributário foi praticado em 17/09/1996 (cfr.nº.6 do probatório), portanto, em data em que estava em vigor o C.P.Tributário (e não a L.G. Tributária), diploma que não consagrava expressamente o procedimento específico relativo ao direito de audiência prévia de que goza actualmente o sujeito passivo de imposto, embora consagrasse o direito de audição como uma das garantias dos contribuintes (cfr.artº.19, al.c), do C.P.T.).
Ora, quanto à situação “sub judice” é uniforme a jurisprudência do S.T.A.-2ª.Secção no sentido de que o C.P.A., publicado após a entrada em vigor do C.P.T., estabelece, no seu art.2, nº.5, na redacção dada pelo dec.lei 6/96, de 31/1, que as suas normas que concretizam preceitos constitucionais são aplicáveis a toda e qualquer actuação da Administração Pública, entendimento este que já era defensável à face da redacção inicial. Uma dessas normas que concretizam preceitos constitucionais, é o artº. 100, do C.P.A., pelo que ele terá passado a ser potencialmente aplicável no procedimento tributário. Assim, deve concluir-se que, após a entrada em vigor do C.P.A. e até à vigência da L.G.T. (que contém normas especiais sobre a matéria no seu artº.60), a participação dos interessados no procedimento tributário não podia deixar de ser assegurada, seja através de formas especiais, seja nos termos do C.P.A., sem prejuízo dos casos de dispensa ou inexistência deste direito previstos no seu artº.103, do mesmo diploma, e do próprio condicionalismo em que o próprio artº.100 prevê tal direito de audiência.
Mais se dirá que o facto de os contribuintes terem possibilidade de reclamar graciosamente e poderem impugnar judicialmente as liquidações, não tornam não essencial o vício de violação daquele direito. Na verdade, o direito que é consagrado no actual artº.267, nº.5, da C.R.P. e está concretizado nos artºs.100, e seguintes do C.P.A., é um direito de participação na formação da decisão e não um direito de impugnar, administrativa ou judicialmente, decisões já elaboradas. Trata-se, assim, de um direito cumulável com o direito de impugnação de actos lesivos, pelo que o facto de este existir não retira operância àquele vício procedimental. Assim, a preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só poderia considerar-se não essencial se se demonstrasse que, mesmo sem ele ter sido cumprido, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/1/2006, rec.584/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/4/2002, rec.26248; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/11/2000, rec.25214).
Voltando à situação concreta em exame nos autos, deve concluir-se, com o Tribunal “a quo”, que a irregularidade consubstanciada por não ser assegurado o exercício do direito de audiência prévio à liquidação não se degradou em preterição de formalidade não essencial, quando não se demonstra que essa falta não podia ter influenciado o acto final do procedimento. Par que tal tese fosse de aceitar, necessário se tornava que a decisão a proferir fosse, sem controvérsia, aquela que a A. Fiscal tomou, portanto a liquidação estruturada em 17/09/1996. Ora, que o acto tributário praticado pela Fazenda Pública é tudo menos incontroverso resulta claramente dos autos, nomeadamente, do articulado na p.i., tal como da matéria de facto provada na decisão recorrida e supra exarada.
No âmbito do recurso deduzido, chama a Fazenda Pública igualmente à colação o princípio do aproveitamento do acto administrativo, como vector fundamentador da manutenção na ordem jurídica do acto de liquidação impugnado.
O princípio do aproveitamento do acto administrativo não tem expressão legal própria na nossa ordem jurídica, mas tem sido acolhido pela doutrina e pela jurisprudência, por razões de economia processual, assim consubstanciando uma das dimensões da eficiência indispensável à realização do interesse público. Trata-se, pois, de reconhecer ao Tribunal o poder de não anular um acto inválido quando for seguro que a decisão administrativa não podia ser outra, uma vez que em execução do efeito repristinatório da sentença não existe “alternativa juridicamente válida” que não seja a de renovar o acto inválido, embora sem o vício que determinou a anulação. Pergunta-se, pois, para quê anular um acto se o novo acto não iria introduzir nenhuma modificação significativa na situação existente e se, no essencial, tudo iria ficar na mesma ?
No domínio dos actos praticados no exercício de poderes vinculados (como é o acto tributário por excelência, a liquidação) o Juiz só poderá aplicar o princípio do aproveitamento dos actos administrativos quando lhe seja possível concluir, sem margem para dúvidas, que o acto em causa não poderia ter outro conteúdo decisório. Nestes casos, somente se pode aplicar o referido princípio do aproveitamento do acto, quando se estiver perante uma situação de solução legal evidente e em que não se vislumbra qualquer possibilidade de a omitida audição do sujeito passivo, antes do acto de liquidação, poder influenciar o conteúdo desta. É o caso, por exemplo, de liquidação que se limita a aplicar uma taxa legal a determinado valor patrimonial tributário (liquidação de I.M.I.), não sendo acompanhada de liquidação de juros compensatórios, dado que esta já envolve um juízo de culpa sobre o sujeito passivo (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/2/2007, rec.1071/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 30/3/2011, rec.877/09; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/6/2012, rec.1013/11; José Manuel Santos Botelho e Outros, C.P.A. anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2000, pág.742).
“In casu”, não nos encontramos perante tal espécie de acto tributário (que se limite a aplicar uma taxa legal a determinado facto tributário pré-existente), assim não se podendo concluir, sem margem para dúvidas, que a liquidação em causa não podia ter figurino diferente após a omitida audição prévia do sujeito passivo de imposto, tudo conforme, de resto, já supra se mencionou.
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao recurso deduzido pela Fazenda Pública e confirma-se a decisão recorrida neste segmento, embora com a presente fundamentação, ao que se procederá na parte dispositiva do acórdão.
X
Passemos ao exame, necessário, do recurso interposto pelo Digno Magistrado do Ministério Público.
Aduz, em síntese, o Ministério Público junto do T.A.F. de Sintra que recorre da sentença proferida nos autos, no segmento da mesma em que a Mmª. Juíza “a quo” reconheceu que assistia à firma impugnante, “Bento ......... - Construções, Lda.”, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do disposto no artº.24, do C.P.T. (actualmente artº.43, da L.G.T.), e condenou a Administração Fiscal no respectivo pagamento. Sucede que a acção de impugnação judicial foi julgada procedente em função da verificação de um vício de natureza procedimental, o da preterição da formalidade do direito de audição prévia, nela se julgando prejudicada a apreciação dos demais vícios anulatórios invocados pela firma impugnante. Ora, o direito a juros indemnizatórios, que resulta da disposição do artº.24, do C.P.T., e presentemente do artº.43, da L.G.T., tem como pressuposto a existência de um “erro imputável aos serviços”, e tal não se reconduz à verificação de um qualquer vício pois que os vícios de forma estão excluídos desse conceito de erro, que deve por isso ter uma interpretação mais restritiva. Com efeito, a anulação fundada em vício procedimental não permite fazer qualquer juízo sobre o carácter devido ou indevido do imposto que fora pago pelo contribuinte, e neste sentido se tem pronunciado a jurisprudência do S.T.A. Assim sendo, a sentença recorrida fez uma errada interpretação e aplicação das referidas normas do artº.24, do C.P.T., e do artº.43, da L.G.T., devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a fixação de juros indemnizatórios em favor da firma impugnante (cfr.conclusões 1 a 6 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida padece de tal vício.
Nos termos do actual artº.100, da L. G. Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução da decisão.
Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética (cfr.Diogo Freitas do Amaral, A execução das sentenças dos Tribunais Administrativos, 2ª. edição, Almedina, 1997, pág.70; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 3ª.edição, 2003, pág.519).
A A. Fiscal está, assim, obrigada a reconstituir a situação legal que hipoteticamente existiria se não houvera sido objecto de um acto lesivo ou de uma ofensa por si cometida contra os direitos e interesses protegidos dos administrados. Tal constitui uma simples explicitação do princípio geral de direito que nos diz que devem ser apagados todos os efeitos jurídico-práticos consequentes de um acto ilícito (cfr.artº.562, do C.Civil).
A reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido (cfr.artº.100, da L.G.Tributária; artº.61, nº.3, do C.P.P. Tributário; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/2/2009, rec.1003/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/7/2006, proc.1258/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/1/2007, proc.205/04; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 3ª.edição, 2003, pág.520).
Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
A norma constitucional remete para o instituto da responsabilidade civil, pelo que serão aplicáveis as respectivas regras.
A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal e sendo tal matéria regulada pela lei em vigor à data do facto gerador da responsabilidade (cfr.artº.12, do C.Civil). Assim, a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual.
Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária (cfr.artº.43, da L.G.T.; Jorge Lopes de Sousa, Juros nas relações tributárias, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.155 e seg.).
Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no artº.43, nº.1, da L.G.Tributária, são os seguintes:
1-Que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;
2-Que o erro seja imputável aos serviços;
3-Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
4-Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (cfr.Jorge Lopes de Sousa, ob.cit., pág.158; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.472).
Embora não se refira expressamente, no artº.43, nº.1, da L.G.Tributária, que o acto viciado por erro deve ser um acto de liquidação, são os actos deste tipo os que provocam directamente o pagamento de uma dívida tributária e, por isso, terá de ser a actos de liquidação que se reporta esta disposição.
A utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros indemnizatórios, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão “erro” têm um âmbito mais restrito do que a expressão “vício”.
Na verdade, a existência de vícios de forma ou incompetência significa que houve uma violação de direitos procedimentais dos administrados e, por isso, justifica-se a anulação do acto por estar afectado de ilegalidade. Mas o reconhecimento judicial de um vício de forma ou incompetência não implica a existência de qualquer pecha na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela administração tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.
Trata-se de uma solução equilibrada, inclusivamente no domínio processual. Na verdade, perante o simples reconhecimento judicial de um vício de forma ou de incompetência fica-se na dúvida sobre se estavam reunidos os pressupostos de facto e de direito de que a lei faz depender o pagamento de uma prestação tributária. Se essa dúvida é um motivo suficiente para não exigir uma deslocação patrimonial do contribuinte para a Fazenda Pública (justificando a restituição da quantia paga) também, por identidade de razão, será suporte bastante para não impor uma deslocação patrimonial efectiva em sentido inverso (pagamento de uma indemnização).
No sentido acabado de mencionar vai a jurisprudência mais recente do S.T.A.-2ª.Secção (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 5/5/1999, rec.5557-A; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/9/2009, rec.369/09; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/1/2010, rec.942/09).
Especificamente, quanto à aplicação da exposta teoria ao regime previsto no artº.24, nº.1, do C.P.Tributário, norma em que igualmente se consagra a expressão “erro imputável aos serviços”, mais se enquadrando na matéria de responsabilidade civil extracontratual e tendo guarida constitucional no artº.22, da C.R.P., também se pode citar a jurisprudência mais recente do S.T.A.-2ª.Secção (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 17/11/2004, rec.772/04; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/1/2009, rec.945/08; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/2/2009, rec.766/08).
“In casu”, a ilegalidade do acto de liquidação anulado deriva da existência de vício de forma, por preterição do direito de audição, pelo que não se apura a existência de erro imputável aos serviços sobre os pressupostos de facto e de direito do acto de liquidação, assim não sendo devidos juros indemnizatórios.
O acabado de referir não impede que a sociedade impugnante possa efectuar pedido de indemnização a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado, não só pela Constituição da República (artº.22), como pela lei ordinária (Lei 67/2007, de 31/12 - Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado), mas em processo próprio.
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, concede-se provimento ao recurso deduzido pelo Ministério Público e revoga-se a decisão recorrida neste segmento, embora com a presente fundamentação, ao que se procederá na parte dispositiva do acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul ACORDAM:
1-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DEDUZIDO PELA FAZENDA PÚBLICA e, em consequência, manter a decisão recorrida e julgar procedente a impugnação objecto dos presentes autos, excepto quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios;
2-CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO DEDUZIDO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO e, em consequência, revogar a decisão recorrida no segmento em que condena a Fazenda Pública no pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da sociedade impugnante.
X
Condena-se a sociedade impugnante em custas, em 1ª. Instância e na proporção do decaimento, quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 23 de Outubro de 2012

(Joaquim Condesso - Relator)

(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)

(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)