Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2958/10.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/03/2018
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:OPOSIÇÃO, ÓNUS DA PROVA, ART. 8.º DO RGIT
Sumário:O artigo 8.º do RGIT não consagra uma presunção de culpa e, por isso, recai sobre o autor do despacho de reversão o ónus de alegar a culpa do gerente pela insuficiência do património social e, sempre que essa alegação seja contestada em sede de oposição, recai sobre a Fazenda Pública o ónus de a provar, em conformidade com o disposto no artigo 74.º n.º 1 da LGT, sob pena de ilegitimidade do oponente para a execução.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

PROCESSO N.º 2958/10.2BELRS

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, vem recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Tributário (TT) de Lisboa que julgou parcialmente procedente a oposição judicial que F. A. G. C., deduziu à execução fiscal nº1597200501…. e apensos, contra si revertida para cobrança de dívidas provenientes de processos de contra-ordenação instaurados à sociedade “X. P., P, de C. C, Lda”, bem como de IRS [retenção na fonte] dos anos de 2004 e 2005, de IRC do exercício de 2006 e de IVA do ano de 2005, sentença que restringiu a procedência da oposição à responsabilidade do oponente pelo pagamento das dívidas proveniente de coimas fiscais, julgando-a improcedente quanto ao demais.

A Recorrente FAZENDA PÚBLICA apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES:
A. Entendeu-se na sentença recorrida que "de acordo com o artigo 8° do RGIT, supra transcrito, a imputabilidade da falta de pagamento das coimas não se presume, não sendo a pessoa, que exerce a administração da sociedade, que se encontra onerada com a prova de que a insuficiência do património da sociedade ou com a prova de que a falta de pagamento das coimas não lhe é imputável".

B. Salvo devido por entendimento diverso, considera a Fazenda Pública que, enquanto gerente, competia à oponente verificar se as obrigações fiscais estavam a ser pontualmente cumpridas.

C. Nos termos do art.64°, n°1, al. a) do CSC, os gerentes ou administradores da sociedade devem observar "deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado".

D. Donde resulta que o oponente, primando pela gestão omissiva, não pretendeu acautelar os interesses quer dos credores da sociedade, quer da própria sociedade.

E. Como se refere no Ac. do TCAN de 24/02/2005, Processo 00078/04:
- "A diligência do gerente tem, pois, de ser aferida em face do grau de esforço que é exigível a um administrador normalmente diligente colocado nas mesmas circunstâncias, tendo em conta a referência à diligência de um gestor criterioso contida no art.64° do Código das Sociedade Comerciais. Isto porque, no exercício das suas funções, os gerentes têm o dever de administrar a empresa de modo a que esta subsista e cresça, devendo cumprir os contratos celebrados, pagar as dívidas da sociedade, cobrar os seus créditos e satisfazer as restantes prescrições legais, sempre de molde a evitar que o património social não se tome insuficiente para satisfação das dívidas da empresa. E se houver risco do património social se tomar insuficiente para pagamento do passivo da sociedade, têm obrigação de pedir em juízo a convocação dos credores sociais para que estes e o Tribunal decidam o destino da empresa (Cfr. arts.171° a 177° do Cod. Comercial, 17° a 25° do DL 49381, de 15/11/19Q9, 71° a 84° e 252° a 262° do CSC, 1140° do CPC e T do DL 177/86 de 2/7)".

F. Pelo que andou bem o Serviço de Finanças ao reverter as dívidas tributárias em causa contra o ora oponente.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO
A COSTUMADA JUSTIÇA»


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O Recorrido apresentou contra-alegações, tendo aí formulado as seguintes conclusões:

«Conclusões:

A. O Tribunal a quo decidiu em conformidade com a lei, ao determinar que, de acordo com o artigo 8° do RGIT, na redacção aplicável, a imputabilidade da falta de pagamento das coimas não se presume e não é a pessoa que exerce a administração da sociedade que se encontra onerada com a prova de que a insuficiência do património da sociedade ou com a prova de que a falta de pagamento das coimas não lhe é imputável.

B. O Oponente, tal como reiteradamente referido, designadamente, perante o órgão de execução fiscal, no caso Serviço de Finanças, era gerente de direito, mas não gerente de facto, sendo a gerência da sociedade devedora composta por 3 sócios, mas bastando a assinatura de 2 para vincular a sociedade.

C. No âmbito do regime instituído pelo RGIT, é à Fazenda Pública que cabe fazer a prova da culpa dos devedores subsidiários, na falta do pagamento das coimas, o que, no caso em apreço não fez, designadamente no que concerne ao ora Oponente.

D. Pelo que, bem decidiu o tribunal a quo, ao julgar procedente a oposição, quanto ao fundamento da ilegitimidade do oponente, relativamente às dívidas provenientes de coimas, e determinou que as mesmas fossem todas anuladas.

TERMOS EM QUE NOS MELHORES DE DIREITO E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXA. NÃO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO RECURSO APRESENTADO PELA FAZENDA PÚBLICA, MANTENDO-SE A DECISÃO DO TRIBUNAL A QUO, NO SEUS PRECISOS TERMOS, QUANDO JULGA PROCEDENTE A OPOSIÇÃO, QUANTO AO FUNDAMENTO DA ILEGITIMIDADE DO OPONENTE, RELATIVAMENTE ÀS DÍVIDAS PROVENIENTES DE COIMAS, E DETERMINOU QUE AS MESMAS FOSSEM TODAS ANULADAS.

ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA»


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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito porquanto entende que é ao Oponente, enquanto gerente, a quem cabe verificar que as obrigações estavam a ser cumpridas nos termos do disposto no art. 64.º, n.º 1, al. a) do CSC não tendo acautelado os interesses da sociedade [conclusões A a F].

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«a) Os serviços de finanças de Vila Franca de Xira-1 instauraram o PEF nº159720100…. e apensos contra a sociedade X. – P. de C. C. Ld.ª, para cobrança coerciva de créditos de IRS, relativos aos anos de 2004 e 2005, nos montantes de € 4.421,42 e € 6.743,20; de créditos de IRC, relativos ao ano de 2006, no montante de € 135,07 e de créditos de IVA, relativos ao ano de 2005, no montante de € 8.708,17, ao ano de 2006, no montante de € 12.458,28 e ao ano de 2007, no montante de € 1.496,40; bem como créditos provenientes de coimas fiscais relativos aos anos de 2004 a 2009 inclusive, perfazendo a quantia exequenda o montante global de €57.112,11 (cinquenta e sete mil, cento e doze euros e onze cêntimos) - informação de fls. 97 e segs. dos autos e certidões de dívidas juntas ao PEF, nesta parte não numerado, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.

b) Em cada um dos títulos executivos/certidões de dívidas juntos aos autos constam as seguintes menções: a menção da entidade emissora ou promotora da execução, a assinatura da entidade promotora da execução, a data em que os títulos foram emitidos, o nome e o domicílio do devedor originário e a natureza e proveniência da dívida, bem como a indicação, por extenso, do respectivo montante - citadas certidões de dívida.

c) Por despacho, datado de 20/12/2010, o chefe de finanças de Vila Franca de Xira-1 ordenou a reversão da execução contra o ora oponente F. A. G. C., nos termos e com fundamentos que constam do despacho de reversão - despacho junto a fls. 49 e 50 do PEF, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

d) No referido despacho de reversão constata-se, nomeadamente, a inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis, por parte da devedora originária e na rubrica designada por “fundamentos da reversão” exara-se o seguinte:
“Fundamento da reversão - Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas (…) por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (art.24/n.º1b)LGT) - citado despacho de reversão de fls. 49 e 50 do PEF, já dado por reproduzido.

e) O ora oponente tornou-se sócios e assumiu funções como gerente da sociedade X., P. de C. C. Ld.ª em 15/02/2000, tendo mantido essas qualidades jurídicas pelo menos até 29/07/2010, data em que foi consultada a certidão permanente de registo comercial da sociedade - certidão de registo comercial, junta de fls. 30 e segs. dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.


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FACTOS NÃO PROVADOS

Que a insuficiência do património da devedora originária, relativamente à dívida exequenda constituída por coimas teve origem na actuação culposa do ora oponente.

4.5.

Resultou a convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, da análise dos documentos juntos aos autos e ao PEF, supra ids., cujo conteúdo não foi impugnado por qualquer das partes.

Quanto aos factos não provados, a convicção do Tribunal resultou de nenhuma prova ter sido feita sobre os mesmos pela Fazenda Pública, sendo certo que recaía sobre ela o ónus da prova, como adiante se verá.»


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Com base na matéria de facto supra transcrita a Meritíssima Juíza do TT de Lisboa julgou procedente a Oposição relativamente a parte dos processos de execução fiscal por coimas e que foram revertidos contra o Oponente, entendendo, em síntese, que cabe à Fazenda Pública o ónus da prova da culpa dos devedores subsidiários (art. 8.º do RGIT), o que não logrou fazer.

A Fazenda Pública insurge-se contra a sentença recorrida na parte em que julgou procedente a Oposição, designadamente, quanto a coimas, entendendo, também em síntese, que a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito porquanto o Oponente, enquanto gerente, cabia verificar que as obrigações estavam a ser cumpridas nos termos do disposto no art. 64.º, n.º1, al. a) do CSC, pelo que não acautelou os interesses da sociedade.


Mais detalhadamente, nas suas alegações de recurso, a Recorrente desenvolve a questão suscitada nas conclusões, argumentando, também em síntese, que o comportamento do gestor indicia ser censurável por estarmos perante falta de entrega de IVA e retenções na fonte de IRS. Por outro lado, argumenta ainda, que o gestor violou o dever de diligência ao não ter apresentado a sociedade executada originária à insolvência. Por fim, invoca que não foram apresentadas pelo Oponente quaisquer provas de recuperação da sociedade executada originária.

Portanto, a Recorrente Fazenda Pública insurge-se contra a sentença recorrida que entendeu que não foi feita prova da culpa do responsável subsidiário na insuficiência do património da sociedade para o pagamento da coima, por entender, em súmula, que das obrigações dos gestores e dos impostos subjacentes às infracções que originaram as coimas, resulta essa culpa.

Porém, não lhe assiste razão, senão, vejamos.

A jurisprudência do STA é uniforme e pacifica quanto à interpretação do art. 8.º do RGIT, no sentido de que este preceito legal não consagra uma presunção de culpa do gerente pela insuficiência do património social (cfr. nesse sentido, entre outros, acórdão do STA de 27/09/2017, proc. n.º 0377/17, de 24/02/2016, proc. n.º 0611/15, de 30/04/2013, proc. n.º 0175/13).

“O artigo 8º do RGIT não consagra uma presunção de culpa e, por isso, recai sobre o autor do despacho de reversão o ónus de alegar a culpa do gerente pela insuficiência do património social e, sempre que essa alegação seja contestada em sede de oposição, recai sobre a Fazenda Pública o ónus de a provar, em conformidade com o disposto no artigo 74º nº 1 da LGT, sob pena de ilegitimidade do oponente para a execução.” - acórdão do STA de 27/09/2017, proc. n.º 0377/17.

Com efeito, cabe ao órgão de execução fiscal instruir o processo de execução fiscal com os meios de prova adequados e suficientes para fundamentar, no despacho de reversão, a culpa do responsável subsidiário na insuficiência do património da sociedade para o pagamento da coima, de modo a poder responsabilizar subsidiariamente os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam de facto as funções de administração nos termos do art. 8.º do RGIT.

Em suma, o ónus da prova da culpa da culpa na insuficiência do património da sociedade para o pagamento da coima não recai sobre o Oponente, mas sobre a Fazenda Pública, e assim sendo, é manifesta a falta de razão à Recorrente quando alega que não foram apresentadas pelo Oponente quaisquer provas de recuperação da sociedade executada originária, pois, efectivamente não foram apresentadas quaisquer provas, e nem tinham de ser, face às regras de distribuição do ónus da prova aplicáveis. Por outras palavras, não cabendo ao Oponente o ónus da prova, este não tem de a fazer.

Importa ainda sublinhar que a prova que importava fazer é a da culpa do revertido na insuficiência do património da sociedade para o pagamento da coima, e deste modo, não se vê como o facto de a infracção subjacente à coima dizer respeito à falta de entrega de IVA e retenções na fonte de IRS poderia conduzir à prova daquela culpa.

É que, para efeitos do art. 8.º do RIGIT não releva, pelo menos de per se, a censurabilidade da actuação do gerente quanto ao não pagamento do imposto subjacente à infracção, mas antes, a sua actuação como um todo na gestão da sociedade executada originária, aferindo se as suas decisões foram causa provável e adequada da insuficiência patrimonial da sociedade executada originária para o pagamento da coima.

Neste contexto, não se nega a relevância que poderá ter o facto de o gerente não ter apresentado a sociedade executada originária à insolvência, mas de per se, desacompanhado de quaisquer outros factos, como sucede no caso dos autos, é manifestamente insuficiente, não se podendo extrair automaticamente, com base nesse facto, a culpa do responsável subsidiário na insuficiência do património da sociedade para o pagamento da coima.

Pelo exposto, e em suma, improcedem todos os fundamentos do recurso, devendo, portanto, ser confirmada a sentença recorrida.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 03 de Maio de 2018.

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Cristina Flora

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Ana Pinhol

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Anabela Russo