Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04380/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/01/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRS. RENDAS. CATEGORIAS D E F. JUROS.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. As contrapartidas recebidas pelo uso e cedência de prédios rústicos são de qualificar como rendas, e como tal de rendimentos prediais, subsumíveis na categoria de rendimentos F desse imposto;
2. Contudo, tais rendimentos podem ser tributados pela categoria D do mesmo imposto, por conexão, quando o respectivo sujeito passivo tenha exercido directamente como actividade principal, uma actividade agrícola, silvícola ou pecuária;
3. Não tendo o sujeito passivo declarado na respectiva declaração de rendimentos entregue, os montantes recebidos donde resultou o imposto liquidado pela AT, o retardamento é-lhe imputável, na falta de qualquer causa da sua exclusão, sendo devidos juros compensatórios a favor da AT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A..., identificado nos autos, dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


I. A sentença Recorrida ao enquadrar estes rendimentos como rendimentos da Categoria F padece manifestamente do vício de violação de lei.
II. O Recorrente no ano de 1996 auferiu rendimentos globais no valor de 40.115,46€, sendo €14.382.51 da Categoria D e €12.333.78 da Categoria F, concluindo-se assim que exercia, de facto, a título principal uma actividade agrícola e que a cessão de exploração dos terrenos era uma actividade acessória.
III. Os rendimentos da Categoria D exercem uma força de atracção em relação aos rendimentos da Categoria F quando estes estejam relacionados com actividades agrícolas, silvícolas e/ou pecuárias.
IV. Isto significa que os rendimentos que normalmente seriam qualificados como rendimentos da Categoria F deverão ser qualificados como da Categoria D, por força dos artigos 4.º n.º 2 al. c) e 5.º n.º 2 do CIRS.
V. Esta é também a interpretação da Administração Fiscal na Circular n.º 13/93 de 19 de Maio que vincula a Administração Fiscal.
VI. Os rendimentos foram enquadrados de forma errada pela Administração Fiscal devendo ser considerados como rendimentos da Categoria D.
VII. Sem conceder no exposto, não houve um atraso na liquidação porque a entender-se que os rendimentos foram mal enquadrados não são devidos juros compensatórios uma vez que há culpa do lesado, ou seja, o erro que deu lugar à cobrança de juros compensatórios foi causado por uma informação errada da Administração Fiscal através da Circular n.º 13/93 de 19 de Maio

TERMOS EM QUE DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, DEVERÁ SER ANULADA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, EM FACE DO QUE SE ALEGA, DEVENDO, EM CONSEQUÊNCIA SER ANULADA A CORRECÇÃO À MATÉRIA TRIBUTÁVEL FEITA PELA ADMINISTRAÇÃO FISCAL ORDENANDO-SE A RESTITUIÇÃO AO RECORRENTE DA TOTALIDADE QUANTIA INDEVIDAMENTE PAGA EM VIRTUDE DE TAL CORRECÇÃO, BEM COMO DOS RESPECTIVOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido parcial provimento ao recurso, ou seja no concernente à liquidação dos juros compensatórios, os quais devem ser anulados pelo vício de falta da sua fundamentação, mantendo-se no demais a sentença recorrida, por os proventos obtidos pelo mesmo deverem ser enquadrados na categoria F do IRS.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se os rendimentos provenientes das rendas recebidas pelo recorrente relativas à cedência do uso e utilização de prédios rústicos que havia arrendado, devem ser enquadradas na categoria D do IRS, por conexão; E se houve retardamento da liquidação por facto não imputável ao sujeito passivo.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
a) O ora Impugnante, A..., encontra-se enquadrado na Categoria D de rendimentos, sem escrita regularmente organizada, com a actividade de "Actividades dos Serviços Relacionados com a Agricultura", com o CAE 01410- Cfr. documento a fls. 30;
b) Em 1 de Janeiro de 1989 o Impugnante, na qualidade de inquilino, celebrou com B... "Contrato de Arrendamento Rural", pelo prazo de dez anos, relativo ao prédio rústico denominado "C...", descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim sob o nº 00336, da freguesia de Benfica do Ribatejo e inscrito na respectiva matriz sob o nº5 F - Cfr. documento a fls. 8, junto pelo Impugnante;
c) No ano de 1996 a renda anual paga pelo Impugnante no âmbito do contrato referido na alínea antecedente foi de Esc. 320.000$00- Cfr. documentos a fls. 8 e 30;
d) Consta dos autos cópia de documento intitulado "Contrato de Cessão de Exploração Agrícola", no qual figuram como outorgantes o Impugnante, na qualidade de cedente, e D..., na qualidade de cessionário, mediante o qual acordam na cessão da exploração agrícola de uma área de aproximadamente 7 hectares do prédio rústico denominado "C...", descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim sob o n° 00336, da freguesia de Benfica do Ribatejo e inscrito na respectiva matriz sob o nº5 F, pelo período de duração de uma campanha agrícola para a cultura de tomate e melão, com início em 1 de Março de 1996 e termo em 30 de Setembro de 1996, pelo preço de Esc. 1.500.000$00- Cfr. documento a fls. 10 e 11, não impugnado;
e) Consta dos autos cópia de documento intitulado "Contrato de Cessão de Exploração Agrícola", no qual figuram como outorgantes o Impugnante, na qualidade de cedente, e E..., na qualidade de cessionário, mediante o qual acordam na cessão da exploração agrícola de uma área de aproximadamente 1,863 hectares do prédio rústico denominado "C...", descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim sob o n° 00336, da freguesia de Benfica do Ribatejo e inscrito na respectiva matriz sob o n° 5 F, pelo período de duração de uma campanha agrícola para a cultura de tomate e melão, com início em 1 de Março de 1996 e termo em 30 de Setembro de 1996, pelo preço de Esc. 465.750$00 - Cfr. documento a fls. 12 e 13, não impugnado;
f) Consta dos autos cópia de documento intitulado "Contrato de Cessão de Exploração Agrícola", no qual figuram como outorgantes o Impugnante, na qualidade de cedente, e E..., na qualidade de cessionário, mediante o qual acordam na cessão da exploração agrícola de uma área de aproximadamente 1,0320 hectares do prédio rústico denominado "C...", descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim sob o n° 00336, da freguesia de Benfica do Ribatejo e inscrito na respectiva matriz sob o n° 5 F, pelo período de duração de uma campanha agrícola para a cultura de tomate e melão, com início em 1 de Março de 1996 e termo em 30 de Setembro de 1996, pelo preço de Esc. 180.600$00- Cfr. documento a fls. 14 e 15, não impugnado;
g) Em 22 de Março de 2001, na sequência de acção inspectiva, os serviços da Administração Fiscal elaboraram Relatório de Inspecção, onde consta, nomeadamente, o seguinte:
"(...) Não exerceu qualquer actividade agrícola no referido prédio, tendo simplesmente procedido ao seu subarrendamento, contabilizando essas rendas como se de "Vendas de Mercadorias" se tratassem.
O valor das rendas é o referido no quadro do ponto 1.1 deste capítulo, sob a rubrica "Venda de Mercadorias" e têm como documentos de suporte à sua contabilização os constantes do anexo I a este relatório.
Segundo o artº 9° do Código do I.R.S. e circular 12/94, de 3 de Junho, este tipo de operações enquadram-se na Categoria F, sendo o rendimento determinado pela diferença auferida pelo sublocador, entre a renda recebida do subarrendatário e a paga ao senhorio. (...)" - Cfr. Relatório de Inspecção a fls. 38 a 48, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
h) Em 22 de Setembro de 2001 foi efectuada a Liquidação Oficiosa de IRS relativo ao ano de 1996, da qual resultou o valor a pagar de € 6.344,89- Cfr. documento a fls. 7, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido;
i) Em 28 de Dezembro de 2001 deu entrada a presente Impugnação Judicial- Cfr. carimbo aposto na p.i. a fls. 1.
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Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa.
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A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados, e das informações oficiais constantes dos autos, conforme referido no probatório.


4. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que as importâncias recebidas pelo ora recorrente a título de rendas como contrapartida pela cedência dos prédios rústicos de que era arrendatário se subsumem na categoria F do IRS, como rendas, noção abrangente e ampla que abarca qualquer importância recebida ou colocada à disposição relativa à cedência de prédios e que a liquidação de juros compensatórios também é devida, por o retardamento lhe ser imputável, já que não entregou a respectiva declaração de rendimentos em devido tempo com tais rendimentos.

Para o impugnante e ora recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra esta fundamentação que se vem a insurgir, por continuar a entender que tais importâncias antes devem ser sujeitas a tributação pela categoria D, por constituírem uma actividade acessória da actividade agrícola, que exercia a título principal, o que a AT também assim qualificou na Circular n.º 13/93, de 19 de Maio, não sendo também devidos os juros compensatórios por, seguindo a orientação da AT, nessa Circular, o retardamento lhe não poder ser imputável.

Vejamos então.
Nos termos do actual Código do Imposto Sobre os Rendimentos das Pessoas Singulares (CIRS), aprovado pelo art.º 1.º do Dec-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, com entrada em vigor em 1-1-1989 – cfr. seu art.º 2.º - este veio abolir diversos impostos sobre o rendimento até então existentes, parcelares, elencados no art.º 3.º do mesmo Dec-Lei preambular, e que os veio a substituir, tendo como inovação, como se pode ler do seu preâmbulo, ...na substituição do actual sistema misto, com preponderância dos elementos cedulares, pela fórmula da tributação unitária, atingindo globalmente os rendimentos individuais, enformadora do modelo ora adoptado para a tributação das pessoas singulares.

Nos termos do disposto no art.º 1.º do citado Código (redacção de então e a aplicável), o imposto encontrava-se dividido por diversas categorias, desde a A à I, de acordo com a origem dos rendimentos subjacentes (tendo, na reforma introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, sido eliminada esta última categoria, a I), sendo que os da categoria D se reportam a rendimentos agrícolas e os da categoria F a rendimentos prediais.

Para efeitos deste imposto, qualifica a lei como rendimentos agrícolas, os lucros das actividades agrícolas, silvícolas ou pecuárias, incluindo:
As comerciais ou industriais, meramente acessórias ou complementares daquelas, que utilizem, de forma exclusiva, os produtos das próprias explorações agrícolas, silvícolas ou pecuárias;
...
Consideram-se ainda rendimentos agrícolas os referidos nas alíneas c), d) e e) do n.º2 do artigo anterior, quando imputáveis a uma actividade agrícola, silvícola ou pecuária – seu art.º 5.º, alínea a) e n.º2.

Já para efeitos de rendimentos da categoria F, consideram-se como rendimentos prediais as rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respectivos titulares – n.º1 do seu art.º 9.º - sendo que o seu n.º2 fornece um elenco das situações em que são havidas como rendas, para efeito da sua tributação nesta categoria, desde logo na sua alínea a), em que nela se incluem as importâncias relativas à cedência do uso dos prédios ou de parte dele e aos serviços relacionados com aquela cedência.

Da leitura e interpretação das citadas normas, facilmente se pode concluir que as importâncias auferidas pelo ora recorrente, no ano de 1996, como contrapartida do uso e cedência das diversas parcelas dos prédios rústicos que este havia tomado de arrendamento, não podem deixar de se subsumir no conceito de rendimentos prediais, enquanto rendas (noção ampla como bem refere a M. juiz do Tribunal “a quo”, na sentença recorrida, tendo em conta as situações elencadas nas várias alíneas do n.º1, do art.º 9.º) recebidas como contrapartida do uso e utilização que a outrém permitiu, dos prédios rústicos por si arrendados, pelo que tais rendimentos são de enquadrar em rendimentos da categoria F do IRS.

A não ser que, como pretende o ora recorrente, aliás desde a sua petição inicial, tais rendas recebidas tenham um carácter meramente acessório ou complementar das actividades agrícolas, silvícolas ou pecuárias, susceptíveis de, por conexão, serem incluídas na categoria D, e que o mesmo, então, tenha efectivamente exercido, o que como tal articula – cfr. art.º 6.º da sua petição de impugnação, “O impugnante tem desenvolvido a sua actividade agrícola nesse prédio...”, e agora mantém na matéria da sua conclusão II, mas que a matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida, designadamente na da sua alínea g), baseada no relatório de exame à escrita, por completo refutam, e em que nenhuma prova veio a apresentar ou a produzir, no sentido de ter exercido directamente quaisquer uma daquelas actividades, sendo certo também que, não veio colocar em causa aquela matéria de facto por seu errado julgamento nos termos do disposto no art.º 690.º-A do Código de Processo Civil (CPC) (então vigente e aplicável), e nem dos autos se vislumbra que a mesma, oficiosamente, deva ser alterada, nos termos do n.º1 do art.º 712.º do mesmo CPC.

Assim, não se provando que o ora recorrente no ano em causa de 1996, tenha exercido efectivamente qualquer uma daquelas actividades subsumíveis na categoria D do IRS, a título principal, os rendimentos por si auferidos a título de rendas, não podem por conexão, também aqui serem subsumidas, mas sim constituem por si, rendimentos da categoria F, na ausência da dita conexão, pelo que a liquidação efectuada, bem como a sentença recorrida, que também assim entenderam, não são passíveis da apontada censura, sendo de manter, aliás, na senda do parecer do Exmo RMP, junto deste Tribunal, que também assim se pronunciou.

Também a Circular n.º 13/93 – SAIR, cuja cópia consta a fls 49 dos autos, traduz qualquer elemento para arrimo da tese do ora recorrente, já que a mesma qualifica os rendimentos que refere no âmbito desses contratos de bens móveis futuros, no âmbito de uma exploração silvícola, como enquadráveis na categoria F que não na categoria D, como este ora pretende, parecendo ser mesmo abusivo referir, como faz o recorrente, que a doutrina de tal circular cauciona a tese que a mesma pretende ver consagrada no seu caso, quando a mesma antes aponta para um sentido oposto, para já nem falar do valor legal de tais circulares, fora do âmbito interno da administração, em que estas nasceram.


No concernente à liquidação de juros compensatórios, também os mesmos são devidos, como igualmente bem se decidiu na sentença recorrida, já que tal liquidação de imposto foi retardada por tais rendimentos não haverem sido declarados na respectiva declaração de rendimentos entregue, e na ausência de qualquer causa de exclusão da culpa desse retardamento por banda do ora recorrente, que a doutrina da citada Circular n.º 13/93, não acoberta, como acima se viu, nos termos do disposto nos art.ºs 83.º do CIRS e 83.º do CPT (não sendo aplicável a correspondente norma da LGT, como se fez na sentença recorrida, por então ainda não se encontrar em vigor, ainda que o resultado fosse o mesmo), aqui divergindo do parecer do Exmo RMP, junto deste Tribunal, quando aponta para a falta de fundamentação (formal) de tais juros como causa da sua anulação, quando esse foi um vício que o mesmo jamais apontou a tal liquidação, desde logo na sua petição inicial de impugnação, e que também não sendo de conhecimento oficioso, encontra-se por isso defeso o seu conhecimento por este Tribunal.


Improcede assim, a matéria de todas as conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.


Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em sete UCs.


Lisboa,01/06/2011

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
LUCAS MARTINS