Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11328/14
Secção:CA - 2º. JUÍZO
Data do Acordão:11/06/2014
Relator:ANTÓNIO VASCONCELOS
Descritores:CONCURSO PÚBLICO.
DIRECTIVA MÁQUINAS 2006/42/CE.
EXCLUSÃO DE PROPOSTA.
Sumário:A exclusão de uma proposta ao concurso da qual consta que o modelo examinado está em conformidade com os requisitos essenciais de segurança e de sanidade e que constam da Directiva Máquinas 2006/42/CE, sem referência à norma EN1501-1 (norma harmonizada), prevista no Programa do Concurso, viola os princípios da transparência e da igualdade na medida em que nos termos do anexo IX nº 4 do Decreto – Lei nº 103/2008, de 24 de Junho, não é exigível constar expressamente a menção às normas harmonizadas aplicáveis.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:


O Município de Elvas inconformado com o Acórdão do TAF de Castelo Branco, de 2 de Maio de 2014, que julgou procedente a acção de contencioso pré-contratual instaurada pela Autora – B…… – M…… S.A., - e consequentemente anulou a deliberação que excluiu a Autora do concurso público publicitado através do anúncio nº 3427/2013, datado de 8 de Julho de 2013, publicado no DR, II Série nº 129, e adjudicou à Contra – interessada A…… o contrato de fornecimento de duas viaturas de resíduos sólidos urbanos, com retoma de outra viatura, bem como a condenou a adjudicar à Autora o referido contrato, dele recorreu e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões:

“ 1. No artigo 27 do Programa de Concurso, subordinado ao título “Documentos que instruem a proposta” é expressamente exigido que as propostas


sejam instruídas com “Certificado CE de cumprimento da Norma 1501-1.” (n.º 1, alínea d).

2. A própria Autora reconhece que o certificado que apresentou apenas referia do cumprimento das disposições relevantes da Directiva n.º 2006/42/CE (artigo 16 da p.i.).

3. Não colhe, contudo, o argumento aduzido pela Autora quando defende que o certificado por si apresentado de cumprimento da disposições relevantes da Directiva n.º 2006/42/CE está obrigatoriamente a declarar que cumpre a Norma 1501-1, para daí concluir que cumpriu o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 27 do Programa de Concurso, e isto porque …

4. Desde logo porque não é de admitir que os concursos públicos sejam instruídos com documentos contendo alegadas declarações implícitas.

5. E, também, desde logo, porque o Programa de Concurso não prevê essa alegada declaração implícita, obrigando a uma declaração expressa de cumprimento da Norma 1501-1.

6. Aliás, o próprio Decreto – Lei 103/2008, de 24 de Junho, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2006/42/CE, no seu Anexo II, estabelece a distinção entre a declaração expressa de que a máquina satisfaz todas as disposições relevantes da Directiva n.º 2006/42/CE e a referência às normas harmonizadas utilizadas, resultando claro que aquela declaração não contém, sequer de forma implícita, qualquer referência a normas harmonizadas.



7. Na verdade, de acordo com o seu anexo II, 1 (Conteúdo), A (Declaração CE de conformidade para uma máquina), a declaração CE de conformidade deve incluir, entre outros, os seguintes elementos:
- Declaração expressa de que a máquina satisfaz todas as disposições relevantes da Directiva n.º 2006/42/CE e, se for caso disso, declaração análoga quanto à conformidade com outras directivas e ou disposições relevantes a que a máquina dê cumprimento. Estas referências devem ser as dos textos publicados no Jornal Oficial da União Europeia; (ponto 4)
- Sendo caso disso, referência `as normas harmonizadas utilizadas, referidas no n.º 2 do artigo 6.º (“ Presume-se que uma máquina fabricada de acordo com uma norma harmonizada, cujas referências tenham sido publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, é conforme com os requisitos essenciais de saúde e de segurança abrangidos por essa norma harmonizada.”); (ponto 7)
- Sendo caso disso, referência a outras normas e especificações técnicas que tiverem sido utilizadas; (ponto 8).

8. Ora, como é bom de ver, é o próprio legislador que considera que a referência ao cumprimento das disposições relevantes da Directiva n.º 2006/42/CE não tem o alcance de se considerar assim mencionadas as normas harmonizadas utilizadas.

9. Assim, quando no artigo 27 do Programa do Concurso, subordinado ao título “Documentos que instruem a proposta” se diz que a proposta será instruída com os seguintes documentos: “e) Certificado CE de cumprimento da Norma 1501-1” não poderá deixar de entender-se que se exigia uma referência expressa àquela concreta norma harmonizada o que, repita-se, não equivale a uma referência genérica ao cumprimento das disposições relevantes da Directiva n.º 2006/42/CE.



10. Não tendo a proposta sido instruída com o documento requerido, impunha-se a sua exclusão, como aconteceu.

11. Pelo exposto, o acto impugnado é totalmente válido, não se encontrando ferido de qualquer vício, designadamente o de violação de lei.”

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Não foram apresentadas contra – alegações.

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Sem vistos foi o processo submetido à conferência para julgamento.

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A matéria de facto pertinente é a constante do Acórdão recorrido, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663º nº 6 do Cód. Proc. Civil.

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Tudo visto cumpre decidir.

Veio o presente recurso jurisdicional interposto do Acórdão do TAF de Castelo Branco, que julgou procedente a acção de contencioso pré-contratual instaurada pela Autora – B…… – M……. S.A., - e consequentemente anulou a

deliberação que excluiu a Autora do concurso público publicitado através do anúncio nº 3427/2013, datado de 8 de Julho de 2013, publicado no DR, II Série nº 129, e adjudicou à Contra – interessada A…… o contrato de fornecimento de duas viaturas de resíduos sólidos urbanos, com retoma de outra viatura, bem como a condenou a adjudicar à Autora o referido contrato.

No essencial, o Acórdão em crise entendeu que o ora Recorrente violou os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência ao excluir a proposta da Autora instruída com um documento designado por “Certificato d´Esame CE di tipo 10DM4MD17”, do qual consta que o modelo examinado está em conformidade com os requisitos essenciais de segurança e saúde que lhe são aplicáveis e que constam da Directiva Máquinas 2006/42/CE, certificado esse tão válido como o da adjudicatária do concurso que instruiu a sua proposta com o documento designado por “ Certificado de Exame de Tipo CE”, do qual consta a referência à norma EN 1501-1 e ainda que o exemplar sujeito a testes cumpre os requisitos essenciais de segurança e de sanidade previstos na Directiva 2006/42/CE.

Insurge-se contra este entendimento a ora Recorrente ao afirmar que a ausência da menção à norma EN 1501-1 no documento que a Autora entregou para instruir a sua proposta é fundamento de exclusão, pois tal menção é exigida pelo artigo 27º nº 1 al. d) do Programa do Concurso.

Analisemos a questão.



Resulta do artigo 27º do Programa do Concurso, subordinado ao título “ Documentos que instruem a proposta”, que as propostas devem ser instruídas com “Certificado CE de cumprimento da norma 1501-1” (cfr. nº 1 al. d).
A questão a dilucidar prende-se em saber se o certificado apresentado pela Autora de cumprimento das disposições relevantes da Directiva nº 2006/42/CE está obrigatoriamente a declarar que cumpre a Norma 1501-1, podendo daí extrair-se a conclusão de que foi cumprido o disposto na al. d) do nº 1 do artigo 27º do Programa do Concurso.
No caso sub judice importa ponderar que a Autora juntou, em sede de audiência prévia, o relatório subjacente à emissão do certificado que apresentou com a proposta, do qual consta a referência expressa à norma harmonizada 1501-1 (cfr. artigo 19 da factualidade dada como assente), o que se nos afigura que deveria ter sido considerado pelo ora Recorrente, tanto mais que não é um aspecto submetido à concorrência pelo Caderno de Encargos (artigos 72º nº 2, 70º nº 2 al. a) e 57º nº 1 al. b), todos do CCP).
Ora, quer o princípio da transparência quer o princípio da igualdade afastam a interpretação de uma norma do Programa do Concurso no sentido de exigir que o certificado CE contenha um requisito formal que não é exigido pelo regime jurídico que regula a emissão e teor do referido certificado.
Na verdade, quanto ao princípio da igualdade RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA in OS PRINCÍPIOS GERAIS DA CONTRATAÇÃO PÚBLICA, in ESTUDOS DA CONTRATAÇÃO PÚBLICA, Coimbra Editora, 2008, pag. 53, defende que “ (…) impõe à entidade adjudicante uma conduta estritamente igual para com todos os concorrentes e candidatos impedindo-a de adoptar medidas (directas

ou indirectas) de descriminação (jurídica ou fáctica) que possa beneficiar ou prejudicar ilegitimamente (é dizer sem justificação suficiente) qualquer ou quaisquer delas.
Em suma, nos procedimentos administrativos adjudicatórios devem proporcionar-se e garantir-se iguais condições de acesso e de participação dos interessados, não podendo ser feita qualquer descriminação ilegítima entre interessados, nem se admitindo desvios ao dever de interpretação e aplicação iguais das normas e juízos procedimentais (…)”.
Do mesmo modo, o mesmo autor ob. cit. pag. 101,quanto ao princípio da transparência, salienta que este impõe “uma publicação das regras de cada procedimento, que devem ser claras e postas no documento normativo adequado para evitar surpresas aos operadores económicos (…)“ e por outro lado “ exige uma definição calar e precisa das regras das principais decisões procedimentais, designadamente, os requisitos de acesso”.
Ora, a interpretação literal do artigo 27º nº 1 al. d) do PC adoptada pelo aqui Recorrente favoreceu a contra – interessada A…… sem que possa concluir-se que houve uma diferença material entre os certificados apresentados de forma a justificar a diferença de tratamento, na medida em que o certificado apresentado pela adjudicatária A…… atesta a conformidade dos veículos com a Directiva Máquinas, tal como refere o certificado apresentado pela Autora – cfr. artigos 6º e 7º da factualidade dada como assente.
De igual modo essa mesma interpretação – no sentido de que o artigo 27º nº 1 al. d) do PC exige que do certificado CE conste a menção à norma harmonizada 1501-01- não traz qualquer acréscimo quanto à possibilidade de, ainda em sede de adjudicação controlar a conformidade com a norma harmonizada 1501 – 01.
Aliás, quer o Programa do Concurso quer o Caderno de Encargos referem-se a certificado de conformidade, o qual se encontra regulado no

Anexo IX nº 4 do Decreto – Lei nº 103/2008, de 24 de Junho, e onde não é exigido constar expressamente a menção às normas harmonizadas aplicáveis (cfr. artigos 2º e 3º da factualidade dada como assente).
Destarte, foi introduzido pelo aqui Recorrente um óbice à admissão das propostas , sem qualquer justificação, porquanto de tal referência não é possível extrair que o emissor do certificado pretende atestar a conformidade dos veículos com a norma harmonizada.
Para além da argumentação aduzida existe um outro argumento que afasta a tese do aqui Recorrente, o qual se extrai do artigo 49º nº 4 e nº 9 do CCP, que passamos a citar: “ 4 – Não podem ser excluídas propostas com fundamento em desconformidade dos respectivos bens ou serviços com as especificações técnicas de referencia, fixadas de acordo com o disposto nas als. a) ou b) do nº 2, desde que o concorrente demonstre, de forma adequada e suficiente, que as soluções apresentadas na sua proposta satisfazem de forma equivalente, as exigências definidas por aquelas especificações.
(…)
9- Para efeito do disposto nos números 4, 6 e 8, o concorrente pode apresentar um dossier técnico do fabricante ou um relatório de ensaio de um organismo reconhecidos. ”
É certo que o artigo 49º nº 4 do CCP não é directamente aplicável ao caso na medida em que a ora Recorrente não invoca a desconformidade dos bens a fornecer pela Autora com as especificações técnicas de referencia que constam do Programa do Concurso.
Não obstante, a exclusão da proposta baseou-se no facto do documento apresentado pela Autora não fazer constar a referência à citada norma harmonizada 1501-1.
Assim sendo, não pondo a ora Recorrente em causa a conformidade dos bens que a Autora se propõe fornecer com as

especificações técnicas, não pode excluir a proposta com a mera invocação de que no documento que a instruiu não consta a menção à norma harmonizada, mas apenas faz referência à Directiva 2006/42/CE.
Concluímos do exposto, nas palavras do Acórdão em crise, de que “a interpretação da entidade demandada no sentido d que a única maneira de cumprir com o disposto no artigo 27º nº 1 al. d) do PC, é apresentar um certificado do qual conste expressamente a menção à norma harmonizada 1501-1, além de desconforme com o elemento sistemático da interpretação jurídica e com os princípios da contratação pública invocados na sentença, é também desconforme com a teleologia subjacente à solução do artigo 49º do CCP.”
Em conformidade, e em sintonia com a argumentação expendida no Acórdão recorrido, improcedem todas as conclusões da alegação do Recorrente, sendo de negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar na integra esse mesmo Acórdão, com as legais consequências.

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Acordam, pois, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo, deste TCAS, em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar o Acórdão, com as legais consequências.

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Custas pelo Recorrente em ambas as instâncias.


Lisboa, 6 de Novembro de 2014

António Vasconcelos
Catarina Jarmela
Conceição Silvestre