Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2278/10.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IVA.
FACTURAS FALSAS.
Sumário:São indícios sérios da falsidade das facturas aqueles que comprovam a falta de um verdadeiro circuito económico, financeiro, documental subjacente às mesmas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão

I- Relatório

Companhia ……….. – C…………………, Lda. veio deduzir impugnação judicial, na sequência do indeferimento dos recursos hierárquicos interpostos das reclamações apresentadas contra as liquidações adicionais de IVA de 2005 e respectivos juros compensatórios, nomeadamente:
- Liquidação adicional n.º …………., relativa ao período de 2005/04, no valor de €4.161,91;
- Liquidação adicional n.º………….., relativa ao período de 2005/05, no valor de €19.588,09;
- Liquidação adicional n.º ………., relativa ao período de 2005/10, no valor de €8.003,93;
- Liquidação adicional n.º ………, relativa ao período de 2005/11, no valor de €3.154,42;
- Liquidação adicional n.º ……….., relativa ao período de 2005/12, no valor de €14.934,15.
- Liquidação JC n.º …………., relativa ao período de 2005/04, no valor de €635,35;
-Liquidação JC n.º …………, relativa ao período de 2005/05, no valor de €2.930,16;
- Liquidação JC n.º …………., relativa ao período de 2005/10, no valor de €1.062,22;
- Liquidação JC n.º ……………, relativa ao período de 2005/11, no valor de €408,61;
- Liquidação JC n.º …………., relativa ao período de 2005/12, no valor de €1.883,75.

O Tribunal Tributário de Lisboa por sentença proferida a fls. 200 e ss. (numeração do processo em SITAF), datada de 26/11/2020, decidiu julgar a presente impugnação procedente e anular as liquidações adicionais de IVA e Juros compensatórios identificadas, relativas ao exercício de 2005. A Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional contra a sentença. Nas alegações de recurso, formula as conclusões seguintes:
«A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida, e em consequência, determinou a anulação das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios relativas aos períodos de 2005/04, 2005/05, 2005/10, 2005/11 e 2005/12, por considerar que a presunção vertida no art. 75.º da LGT não foi ilidida pela AT, na fase inspetiva, padecendo assim as liquidações de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto.
B. Ora, salvo o devido respeito, a douta sentença incorre em erro de julgamento que resulta não só da incorreta valoração da prova produzida, como também da errónea interpretação e violação da lei.
C. Estando em causa a verificação da materialidade dos alegados serviços titulados pelas faturas emitidas à Impugnante pelas sociedades M …………., Lda., A ………….., Unipessoal, Lda. e F…….. - Sociedade …………. Lda., e se estas titulam ou não operações reais, a AT atuando no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, e tendo em conta a factualidade individualmente considerada e valorada, demonstrou a existência de indícios sérios e credíveis de que as faturas não consubstanciaram serviços efetivamente prestados, não se verificando assim os pressupostos de que depende o direito à dedução do IVA.
D. Legitimada a atuação da AT, o esforço probatório competiria ao sujeito passivo, no intuito de primeiramente afastar os indícios recolhidos pela IT e que recaem sobre a simulação das operações, e por outro lado demonstrar a efetividade da prestação de serviços, o que, contrariamente ao doutamente prolatado, não foi alcançado pela Impugnante.
E. Com efeito, o facto de as sociedades alegadamente emitentes das faturas não apresentarem uma adequada estrutura empresarial que lhes permitisse prestar os serviços em causa, não podia por si só ser desvalorizado pela douta sentença a quo, porquanto tal indício devia ter sido objeto de análise conjunta com os restantes factos índice evidenciados pelos serviços inspetivos no respetivo relatório.
F. Desde logo, não se concebe como pode dar-se como provada a materialidade dos serviços alegadamente prestados à Impugnante por aquelas sociedades, quando esta nem sequer logrou demonstrar a necessária correlação entre o circuito económico do dinheiro e os documentos traduzidos nas faturas e nos contratos com aquelas celebrados.
G. E nem poderia sê-lo, tendo presente, que a maioria dos alegados pagamentos foi efetuada em numerário; uma pequena parte mediante cheques posteriormente endossados e transferências bancárias, sendo que, neste último caso, nem em todos os casos foi possível através dos respetivos documentos identificar os destinatários de tais transferências.
H. E este circunstancialismo verificou-se quando a Impugnante bem sabia das obrigações legais a que estava adstrita por força do disposto no art.º 63º C da LGT, isto é, de os meios de pagamento utilizados permitirem a identificação do respetivo destinatário e de os pagamentos e recebimentos se mostrarem refletidos numa conta bancária, optando antes pelo incumprimento deste preceito, de acordo com o qual o pagamento de quantias avultadas deixou de poder ser feito em numerário, precisamente, também, para garantir a veracidade dos registos contabilísticos.
I. Sendo que no caso dos pagamentos efetuados por cheque, os mesmos não permitem a identificação dos destinatários dos pagamentos.
J. Deveria também concorrer para a assunção de um juízo de falta de materialidade das operações em causa, o fato de os extratos de conta das entidades prestadoras apresentarem saldos credores muito elevados, chegando a ser equivalentes aos montantes dos fornecimentos e prestações, o que denota que os serviços e fornecimentos não foram pagos, daqui decorrendo outro indício forte de que tais operações também não tiveram lugar.
K. Por fim importa referir que no que tange aos documentos que titulam as operações, verifica-se que as faturas emitidas pelas sociedades alegadamente prestadores dos serviços, não cumprem sequer os requisitos previstos no nº 5 do art.º 36º do CIVA, o que aliás foi um dos fundamentos em que assentaram as correções que originaram as liquidações em crise nos presentes autos, conforme resulta expressamente do ponto 3.1.3.1 do RIT.
L. Ora, não se tratando de faturas passadas em cumprimento dos ditames do referido art.º 36º do CIVA, não podem conferir o direito à dedução do IVA nelas mencionado, conforme o estabelecido no nº 2 do art.º 19º do CIVA
M. Pelo que, salvo o devido respeito, mal andou o douto tribunal ao determinar a anulação das liquidações em crise nos presentes autos, omitindo a devida pronúncia sobre um dos pressupostos que determinou a emissão das referidas liquidações, consubstanciado no facto das faturas não cumprirem com os requisitos legais para que confiram o direito à dedução do IVA, sendo consequentemente nula, nos termos do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e da alínea d) o n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, devendo ser revogada por V. Exas., nos termos e para os devidos efeitos legais.
N. Face ao exposto, salvo o devido respeito, entende esta RFP que a douta Sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enfermou de erro de apreciação da prova, de erro de interpretação de lei, violando o disposto nos art.ºs 74º e 75º da LGT, 19º, 20º e 36º/5 do CIVA e 125º do CPPT, pelo que não se pode manter na ordem jurídica.
Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada, JUSTIÇA!»

X

A recorrida, devidamente notificada para o efeito, não contra-alegou.
X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso interposto.
X
Com vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação.
2.1. De Facto.
A decisão recorrida considerou provados os factos seguintes.
« (…)
1. A Impugnante é uma sociedade comercial que tem por objeto “Outras atividades de consultoria para os negócios e a gestão”, a que corresponde o CAE 70220, encontrando-se enquadrada, no ano de 2005, no Regime Normal Mensal em sede de IVA - cfr. fls. 51 do processo administrativo apenso aos presentes autos.
2. Com data de 12/04/2005, a sociedade A …………. emitiu à Impugnante a fatura n.º 200…………, no valor total de € 75.000,00, com a seguinte descrição no campo "artigo": "Prest. Serv. ……………” - cfr. fls. 65 do processo administrativo apenso aos presentes autos.
3. Com data de 15/04/2005, a sociedade A ………. emitiu à Impugnante a fatura n.º 200………., no valor total de € 50.000,00, com a seguinte descrição no campo "artigo": “Prest. Serv. ………..” - cfr. fls. 66 do processo administrativo apenso aos presentes autos.
4. Com data de 01/10/2005, a sociedade M …….. emitiu à Impugnante a fatura n.º 01…….., no valor total de € 38.675,00, com a seguinte descrição no campo “designação”: “Execução de trabalhos na vossa obra, conforme o contrato” - cfr. fls. 69 do processo administrativo apenso aos presentes autos.
5. Com data de 01/10/ 2005, a sociedade F………… emitiu à Impugnante a fatura n.º 010…….., no valor total de € 27.013,25, com a seguinte descrição no campo "designação": "Execução de trabalhos na vossa obra, conforme o contrato” - cfr. fls. 68 do processo administrativo apenso aos presentes autos.
6. Com data de 20/12/2005, a sociedade F……. emitiu à Impugnante a fatura n.º 01……, no valor total de € 35.090,00, com a seguinte descrição no campo “designação”: "Execução de trabalhos na vossa obra, conforme o contrato” - cfr. fls. 68 do processo administrativo apenso aos presentes autos.
7. Com data de 30/12/2005, a sociedade F……. emitiu à Impugnante a fatura n.º 01….., no valor total de € 302,50, com a seguinte descrição no campo "designação": “Reparação de fluxómetro no WC, reparação de mola de pavimento na porta de entrada” - cfr. fls. 67 do processo administrativo apenso aos presentes autos.
8. Com data de 31/12/2005, a sociedade M………….. emitiu à Impugnante a fatura n.º 01…….., no valor total de € 41.140,00, com a seguinte descrição no campo “designação": "Execução de trabalho na vossa obra, conforme o contrato” - cfr. fls. 70 do processo administrativo apenso aos presentes autos.
9. Em 16/01/2006, a Impugnante emitiu um cheque à ordem da sociedade F……….., no valor de € 7.365,00 - cfr. cópia do cheque a fls. 224 do Processo administrativo apenso ao processo 1668/10.5BELRS.
10. Em 16/01/2006, a Impugnante emitiu um cheque à ordem da sociedade M……….., no valor de € 18.675,00, tendo o mesmo sido endossado -cfr. cópia do cheque a fls. 229 e 230 do Processo administrativo apenso ao processo 1668/10.5BELRS.
11. Em 03/03/2006, a Impugnante emitiu um cheque à ordem da sociedade F..........., no valor de € 5.000,00, tendo o mesmo sido endossado -cfr. cópia do cheque a fls. 225 do Processo administrativo apenso ao processo 1668/10.5BELRS.
12. Em 06/04/2006, a Impugnante emitiu um cheque à ordem da sociedade F..........., no valor de € 5.000,00, tendo o mesmo sido endossado - cfr. cópia do cheque a fls. 226 do Processo administrativo apenso ao processo 1668/10.5BELRS.
13. Em 29/05/2006, a Impugnante emitiu um cheque à ordem da sociedade A …………….., no valor de € 2.087,79 - cfr. cópia do cheque a fls. 217 do Processo administrativo apenso ao processo 1668/10.5BELRS.
14. Em 19/06/2006, a Impugnante emitiu um cheque à ordem da sociedade F..........., no valor de € 2.500,00, tendo o mesmo sido endossado - cfr. cópia do cheque a fls. 227 do Processo administrativo apenso ao processo 1668/10.5BELRS.
15. Em 18/08/2006, a Impugnante efetuou uma transferência bancária no valor de € 38.095, 24, para a conta bancária com o NIB ………… - cfr. fls. 214 do Processo administrativo apenso ao processo 1668/10.5BELRS.
16. Em 10/11/2006, a Impugnante emitiu um cheque à ordem da sociedade A ………………, no valor de € 980,10, tendo o mesmo sido depositado na conta daquela sociedade - cfr. fls. 216 do Processo administrativo apenso ao processo 1668/10.5BELRS.
17. Em 20/12/2006, a Impugnante emitiu um cheque à ordem de A …………….., no valor de € 2.505,62, tendo o mesmo sido endossado - cfr fls. 215 do Processo administrativo apenso ao processo 1668/10.5BELRS.
18. Em 18/01/2007, a Impugnante emitiu um cheque à ordem da sociedade F..........., no valor de € 15.192,25, tendo o mesmo sido endossado - cfr. fls. 228 do Processo administrativo apenso ao processo 1668/10.5BELRS.
19. No Anexo P da Declaração Anual do exercício de 2005, a Impugnante declarou, com interesse para os presentes autos, os seguintes valores, referentes a "compras":
• M........... Construções Lda., NIF ……..- € 87.936,00;
• F………… Sociedade ………….. Lda., NIF ……….. € 62.405,00;
• A ………….. Unipessoal Lda., NIF ………… - € 148.750,00
- facto não controvertido;
20. Em 28/03/2008 foi emitida a Ordem de Serviço n.º OI200……….., que deu origem a ação inspetiva interna, à Impugnante, referente ao exercício de 2005 - cfr. fls. 48 do Processo Administrativo apenso aos presentes autos.
21. No âmbito do procedimento inspetivo, referido no ponto anterior foi elaborado o Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, o qual foi notificado à Impugnante através do ofício n.º 016284, de 02/03/2009 - cfr. fls. 46 do Processo Administrativo apenso aos presentes autos.
22. Em 25/03/2009, a Impugnante exerceu o direito de audição, juntando 70 documentos, entre os quais, cópias de fotografias, comprovativos de transferências bancárias, cópias de cheques, cópias dos contratos e comprovativo de ação judicial intentada contra a sociedade M........... - cfr. fls. 50 a 145 do Processo administrativo apenso ao processo 1668/10.5BELRS.
23. Em 13/04/2009, foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária (RIT), tendo sido corrigido o “IVA indevidamente deduzido, por se apresentar suportado por faturas de favor” no montante de €49.842,50 -cfr. fls 53 do Processo Administrativo apenso aos presentes autos.
24. Do referido Relatório de Inspeção Tributária, na parte com relevo para a decisão, resulta a seguinte fundamentação:
" (…) // II - Objetivos, Âmbito e Extensão da Ação Inspetiva
2.1 - Introdução
Em cumprimento do disposto na Ordem de Serviço n.º OI200…………, emitida com data de 28-03-2008, e com o despacho datado de 19.05.2008, nos termos do disposto nos art.º 20 n.ºs 1 e 2 al. a) e 120, nº1 ambos do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), foi ordenada ação inspetiva interna, referente ao exercício de 2005, ao sujeito passivo “Companhia …………………. Lda.”., tendo por objetivo averiguar o cumprimento das obrigações tributárias e no sentido de se proceder às correções que se mostrarem devidas, como utilizador de faturas, indiciadas como falsas, emitidas em nome de M........... C……. Lda., com o NUIPC …………...
2.2 - Motivo da ação inspetiva
A referida ação inspetiva, com enquadramento no Código de atividade 12121000, teve origem na sequência da ação de inspeção externa realizada por esta Direção de Finanças - Divisão de Inspeção Tributária, relativamente ao sujeito passivo M..........., Lda., que concluiu pela existência de indícios fortes de emissão de facturas falsas quer por parte do sujeito passivo, quer por terceiros alheios à sociedade, na qual, o sujeito passivo em análise, é indicado como utilizador das referidas faturas, razão pela qual foi proposta a abertura de Ordem de Serviço para o apuramento dos factos que, ao longo do presente relatório, se dão como reproduzidos.
2.3 - No decurso da análise desenvolvida na ação de inspeção interna efetuada à empresa “Companhia ……….., Lda.” constatámos que se trata de um sujeito passivo cumpridor das obrigações fiscais declarativas e de pagamento, que possui uma estrutura empresarial adequada ao exercício da atividade e, que possui contabilidade, por imposição legal, nos termos do disposto no artigo 115º, nº1 do CIRC.
Todavia, tem como fornecedores algumas “pseudoempresas”, isto é, empresas sem estrutura empresarial que não possuem contabilidade, ou se a possuem não têm credibilidade e, inclusive, são também não declarantes das obrigações fiscais e não entregam nos cofres do Estado os montantes do IVA, ainda que indevidamente liquidados nas faturas que emitem, ou emitidas por outrem, ainda que em seu nome. (...)
2.7 - MEIOS DE PAGAMENTO DOS SERVIÇOS FATURADOS
2.7.1 - Todos os fornecimentos e/ou serviços prestados pelas entidades mencionadas no ponto 2.5 têm em comum, o facto de terem sido pagos em numerário. Esta situação, ainda que por um lado seja estranha, pelo facto da empresa, normalmente, efetuar os pagamentos por meio de cheque, por outro lado, é procedimento normal quando se trata de faturas falsas, de favor, ou relativas a serviços que efetivamente não foram prestados ou cujas faturas têm como objeto a diminuição de proveitos e/ou a não entrega aos cofres do Estado, dos impostos repercutidos a terceiros.
2.7.2 - Por sua vez, todos os extratos de contas correntes dos referidos fornecedores apresentam saldos credores muito elevados, chegando a ser iguais ao montante dos fornecimentos e/ou serviços prestados, o que indicia que os serviços/fornecimentos não foram efetuados, uma vez que não foram pagos.
2.7.3 - Inclusive, quanto ao fornecedor "M...........", o sócio gerente da mesma confirmou a não prestação dos serviços, conforme declarações prestadas pelo sócio gerente "B …………" aquando do procedimento de inspeção efetuado à empresa.
2.8 - OBJETO SOCIAL E ENQUADRAMENTO FISCAL DA ATIVIDADE EXERCIDA
(...)
2.9 - Estrutura empresarial do sujeito passivo
A empresa possui contabilidade e estrutura empresarial adequada ao exercício da atividade económica declarada - Tem pessoal, cumpre com as obrigações declarativas e de pagamento e apura, inclusivamente, imposto sobre o rendimento, bem como IVA liquidado superior ao por si deduzido. // (...)
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
3.1 ANÁLISE NO ÂMBITO DO IRC/IVA
De referir também que a empresa não vem cumprindo o disposto no artigo 63-C da LGT, porquanto dispõe de, pelo menos uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida, no entanto, não fez passar por essa conta os fornecimentos postos em causa.
Os pagamentos respeitantes a faturas ou documentos equivalentes de valor igual ou superior a 20 vezes a retribuição mensal mínima devem ser efetuados através de meios de pagamento que permitam a identificação do respetivo destinatário, designadamente, transferência bancária, cheque nominativo ou débito direto.
3.1.1 - Cumprimento formal das obrigações fiscais
Quando da consulta do sistema informático da DGSI, confirmamos que o sujeito passivo objeto de análise, face à atividade exercida "Outras atividades de consultoria", e ao disposto legalmente, cumpriu as suas obrigações declarativas:
- Em sede de IRC, relativamente aos exercícios de 2005;
- Em sede de IVA, relativamente aos exercícios de 2005;
Nos termos do disposto no(s): Art.ºs 109.º, 112.º e 113º, todos do CIRC; Art.ºs 26º, 28.º e 40.º do CIVA.
3.1.2. O sujeito passivo remeteu os elementos solicitados e colaborou, no entanto, ficou fortemente evidenciado a existência de faturação cujos serviços não foram efetivamente prestados pelos fornecedores identificados nas respetivas faturas, nem pagos, nomeadamente através da análise às respetivas contas correntes, relativamente aos sujeitos passivos; - F.............. Sociedade ……………….. Lda., A ……………. Lda. e M........... Construções Lda. (...)"- cfr. fls 48 a 61 do Processo Administrativo apenso aos presentes autos.
25. Na decorrência e com base nas conclusões do relatório, referido no ponto anterior, foram emitidas pelos serviços da Administração Tributária as seguintes liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios:
«Texto no original»

- cfr. fls 41 e 42 do processo administrativo apenso aos presentes autos.
26. Em 31/07/2009 foram instauradas no Serviço de Finanças de Lisboa 10, cinco reclamações Graciosas, a que foi atribuído os n.ºs: ………….; …………..; …………….; ……………; …………., tendo obtido despacho de indeferimento a 28/12/2009 - cfr. fls 28 a 32 do Processo Administrativo apenso aos presentes autos.
27. Em virtude do indeferimento das Reclamações Graciosas, referidas no ponto anterior, em 05/01/2010, foram instaurados cinco Recursos Hierárquicos, que culminaram com uma decisão de indeferimento proferida em 21/05/2010 - cfr. fls. 76 do Processo Administrativo apenso aos presentes autos.
*
IV. 2- DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.
IV. 3 - MOTIVAÇÃO MATÉRIA FACTO
A decisão da matéria de facto, teve em conta os documentos e informações constantes dos autos, no processo administrativo, apenso aos presentes autos e, ainda, nos apensos ao processo de Impugnação Judicial a correr termos neste tribunal sob o n.º 1668/10.5BELRS. // No que concerne à prova testemunhal, aquela foi produzida no âmbito do processo 1668/10.5BELRS, e aqui aproveitada ao abrigo do Princípio da Economia Processual, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.
Relativamente ao depoimento da testemunha, Sr. C ………………., o mesmo não abordou, no seu depoimento, a factualidade relativa à prestação dos serviços a que se referem as faturas emitidas pelas sociedades A ……… e M............ Quanto à sociedade F.............., esta testemunha também não logrou concretizar, no tempo, os serviços que alegadamente terá prestado à Impugnante, pelo que o seu depoimento não foi considerado esclarecedor por falta de conhecimento direto dos factos (cfr. minutos 45:00 da gravação).»
X
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

28. Do R elatório Inspectivo (ponto 2.5. de II- Objectivos âmbito e extensão da acção inspectiva) consta o seguinte:
«2.5.-Da análise à informação constante do sistema informático, relativamente aos “fornecedores F.............. Sociedade ………………. Ld.a, NIPC ………, A …………., Ld.a, NIPC. ……………… e M........... Construções, Lda, NIPC. ………., tudo indica tratar-se de entidades “mistas". Ainda que, alguns deles, possuam estrutura empresarial adequada ao exercício de uma actividade económica (lícita), dedicam-se, igualmente, à emissão de facturas falsas, face às divergências existentes quando da análise ao “Cruzamento da declaração anual Anexos O/P”, como também ao facto de se encontrarem na situação de não declarantes e não entregadores de impostos repercutidos a terceiros (IVA)».
29. «Objecto Social e enquadramento fiscal da actividade exercida // - Em sede de IRC: // O sujeito passivo com início de actividade declarada em 03-07-2001, exerce a actividade de “Outras Actividades de Consultoria”, CAE : 70220 e no exercício em análise, encontra-se enquadrado no Regime Geral de tributação nos exercícios em análise, // - Em sede de IVA // Em sede deste imposto, o sujeito passivo, com enquadramento à data de 28-01-2000, está sujeito a imposto, encontrando-se abrangido pelo regime normal, periodicidade mensal no exercício de 2005» - ponto 2.8. do Relatório Inspectivo.
30. «As facturas que lhe estão subjacentes apresentam-se relacionadas no mapa de apoio que se junta como Anexo I (3 Fls) - por infracção ao disposto no Artº 20º nº 1 do CIVA, em conjugação com o Artº 19º nº 3 do mesmo diploma e ainda por as mesmas não respeitarem os requisitos estabelecidos no artigo 36.º (artigo 35.º à data dos factos) n.º 5, nomeadamente nas alíneas b) e f) do CIVA» - ponto 3.1.3. do Relatório Inspectivo.
31. Em sede de “audição prévia” do Relatório Inspectivo consignou-se, designadamente, o seguinte:
«Convém referir também que, relativamente a ambos os fornecedores e aos anos de 2005 e 2006, não foram cumpridas quaisquer obrigações fiscais declarativas e de pagamento de impostos. No entanto, a empresa Companhia de Ideias Anónimas, Ld.a, não solicitou aos referidos fornecedores quaisquer documentos comprovativos das obrigações fiscais, nomeadamente, declarações de rendimentos modelo 22 e declarações periódicas de IVA, acabando por reconhecer que “...desconhece a respectiva identidade.”, tal afirmação, conjugada com o referido anteriormente, indicia que era do conhecimento do sujeito passivo que os emitentes das facturas não iriam entregar nos cofres do Estado os devidos impostos, tornando-se por isso os utilizadores, responsáveis solidários e subsidiários, nos termos do artigo 79º do CIVA (Anterior 72.º) e do Artigo 22 da LGT. Desta forma, reiteramos que não confere o direito à dedução do IVA, conforme o disposto no Artigo 19º nº 4, do CIVA. // Os referidos factos, sustentam a existência de fortes indícios de estarmos perante uma situação de negócio jurídico simulado. // Refere-se também que, somos do parecer que as obras existem, mas, os trabalhos documentados pelas facturas em causa, nunca poderiam ter sido realizados pelas empresas “A d…………, Lda, F ………, Ld.a e “M...........", uma vez que estas não têm estrutura empresarial para a sua realização, como já foi demonstrado no presente projecto de relatório. // Porventura foi colocado pessoal nas obras, mas, esse pessoal nunca foi identificado pelo sujeito passivo, nem efectuada a relação destes com os emitentes das facturas, esclarecimento esse pedido no n/ Ofício n.º 7053, de 29-01-2009. // Os contratos, orçamentos, adjudicações, autos medição, também existem “em papel” e estão assinados, mas, a assinatura é apresentada de formas diversas, como se pode constatar por comparação dos mesmos documentos, nomeadamente no verso dos cheques e contrato de prestação de serviços de M........... Ld.a, pressupostamente ambos assinados pelo sócio gerente da dita empresa, Sr. …………... // Acresce o facto dos cheques emitidos a M........... Ld.a, serem de imediato endossados a terceiros, facto que só pode constituir prova de que os serviços foram prestados por terceiros e que a “M........... Ld.a” agiu como angariador, na medida em que numa relação económica normal e lícita, a sociedade M........... estaria obrigada a cumprir com o disposto no artigo 63º- C, da Lei Geral Tributária(LGT), segundo o qual, os pagamentos e recebimentos respeitantes a facturas ou documentos equivalentes e outros movimentos, devem ser efectuados através de meio de pagamento que permita a identificação do respectivo destinatário, designadamente cheque nominativo, transferência bancária ou débito directo. // As facturas não contêm quaisquer elementos escritos que as relacione com os documentos atrás referidos e também contem uma assinatura diferente da constante nos mesmos.
Quanto ao alegado no parágrafo D), relativamente à efectiva prestação dos serviços e seu pagamento, convém referir o seguinte: // - Não faz prova das transferências bancárias que alega ter efectuado a A …………….. Ld.a; na medida em que o documento que junta, emitido Banco ……………….. - Quinta ……………. - Porto ……….., não identifica os titulares das contas bancárias de destino dos movimentos // - As fotocópias dos duplicados dos cheques que alega ter emitido à ordem de A ………………Unipessoal Ld.a, para além de rasurados, foram também endossados a terceiros, facto que só pode constituir prova de que os serviços foram prestados por terceiros e que A ……………. Unipessoal Ld.a agiu como angariador, na medida em que numa relação económica normal e licita, a sociedade estaria obrigada a cumprir com o disposto no artigo 63-C, da Lei Geral Tributária(LGT), já referido; // - Por outro lado, não é possível estabelecer uma relação entre as importâncias constantes dos cheques e os serviços facturados, uma vez que aqueles não fazem referência às facturas e as importâncias não estão semelhantes; // - Apenas o cheque n.º ………., da conta …………, do ……………….., da importância de € 980,00, foi, em princípio, depositado na conta da Sociedade A ……………. Unipessoal, Lda, no entanto, também neste caso a assinatura tem formas diversas, quer nos cheques, quer nos contratos de empreitada; // - Quanto aos pagamentos efectuados em dinheiro, reafirma-se a sua ilicitude, nos termos do disposto no artigo 63-C, da já referida LGT, apesar da declaração expressa e assinada de A ………, residente na Rua dos ………, 14-2.º Dtº - ………..
Relativamente aos pagamentos, em dinheiro, cheques e transferência bancária, que alega ter efectuado à sociedade F.............. Lda, só a última reúne os requisitos impostos legalmente, no montante de €4.370,00, no entanto, não é possível estabelecer nenhuma relação com as facturas emitidas nem identificar e quantificar os serviços efectivamente prestados, por outro lado as referidas facturas, não respeitam todos os requisitos do artigo 35.º do CIVA. // Relativamente aos pagamentos, em dinheiro, cheques e transferência bancária, que alega ter efectuado à sociedade “M........... Construções, Lda, a situação é a mesma que a referida para as outras 2 sociedades, acrescida do facto de sermos de parecer que o cheque referido na petição, não foi levantado pelo sr. ………….. mas sim, endossado por este a um terceiro, como se pode constatar no verso do mesmo. // No caso da correcção em sede de IRC e IVA, ter por fundamento o não reconhecimento dos custos e correspondente dedução de imposto (Iva) declarado pelo contribuinte, compete à Administração Fiscal, apenas, fazer prova, de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação através de factos objectivos e materialmente fundamentados, competindo ao contribuinte o ónus de provar a existência dos factos tributários que alegou, quando do exercício do direito de audição. // Logo, para além de ter declarado que os serviços foram efectivamente prestados, deveria ter comprovado mediante a apresentação de documentos fidedignos a efectiva prestação dos mesmos. // Por outro lado, o sujeito passivo declara ter realizado os pagamentos “ora em numerário ora em cheque. // Relativamente aos pagamentos em numerário, constituíam um procedimento normalmente utilizado na actividade em causa. Todavia, para o exercício de 2005, já era imposta por lei a emissão de cheques nominais ou a realização de transferências bancárias, no entanto, é do conhecimento geral que, para efectuar pagamentos de montante elevado, o procedimento normal adoptado é o de emissão de cheques, sendo que a posição do sujeito passivo, seria mais facilmente defensável, nesta situação. O facto da grande maioria dos “presumíveis” pagamentos terem sido realizados em numerário, como normalmente acontece quando estamos perante casos de utilização de facturação falsa, não permite confirmar o efectivo pagamento dos serviços, nem se o montante dos pagamentos coincide com os valores facturados. // Quanto aos cheques que diz ter emitido, estes não foram lançados na conta corrente do fornecedor e, torna-se necessário comprovar o efectivo beneficiários dos mesmos, já que, a sua grande maioria foram endossados a terceiros. // Em conclusão, não se pode aceitar o alegado pelo sujeito passivo, uma vez que os elementos apresentados ao processo, a ter em conta na fundamentação da decisão não são susceptíveis de alteração da mesma, pelo que se mantêm as correcções inicialmente propostas, cujo resumo se apresenta nas primeiras páginas deste Relatório».

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida, no que respeita à asserção de que a Administração Tributária não logrou reunir indícios sérios e consistentes da falsidade das facturas.
2.2.2. A sentença julgou procedente a impugnação, determinando a anulação das liquidações de IVA de 2006 (e juros compensatórios) impugnadas. Estruturou, para tanto, a argumentação seguinte:
«Vejamos os indícios apontados pela AT de forma individualizada. // O primeiro, de que as sociedades emitentes das faturas elencadas nos pontos 2 a 8 do probatório, não possuírem estrutura adequada à prestação dos serviços faturados, consiste numa mera alegação genérica e conclusiva apresentada pela A.T., na medida que que não prova a motivação de tal afirmação, explanando as premissas para tais conclusões, designadamente, se as sociedades possuíam, por exemplo, instalações, máquinas, número de trabalhadores ao seu serviço, entre outros, devendo ter juntado relatório com as conclusões das ações inspetivas que efetuou a essas empresas. // Além disso, na atividade de construção civil, é comum existirem empresas que funcionam, na base da intermediação e subcontratação e com uma estrutura empresarial bastante reduzida, não implicando tal realidade, necessariamente, o recurso à designada prática de faturação falsa. // Quanto ao segundo indício, de que as referidas sociedades não possuíam contabilidade organizada e, não cumpriram as suas obrigações declarativas e de pagamento, sempre se dirá que, não se pode exigir à Impugnante a verificação da situação contributiva de cada fornecedor, no desenvolver das suas relações comerciais, pois tal exigência é excessiva e desprovida de fundamento legal. // Relativamente à consideração de que, os saldos credores muito elevados de alguns fornecedores e pagamentos em numerário constituem um procedimento normal quando se trata de faturas falsas, sempre se dirá que tal circunstância não tem como consequência direta a desconsideração dos pagamentos efetuados, dado que dos autos resulta que ocorreram pagamentos em cheque (cfr. pontos 9 a 18 do probatório). // Mais de diga que, os serviços da Inspeção Tributária podem recorrer a elementos obtidos junto de outros contribuintes, a designada fiscalização cruzada, porquanto os indícios não têm necessariamente, e exclusivamente, que advir de elementos do próprio contribuinte inspecionado (,,,), o que não foi feito no caso em análise. E, mesmo que tal tivesse ocorrido a A.T. não se encontrava desonerada do dever de evidenciar no RIT, de forma clara, os meios probatórios recolhidos no processo inspetivo realizado - neste caso concreto à sociedade M........... Lda., o que não decorre do procedimento inspetivo efetuado à aqui impugnante».

2.2.2. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Imputa-lhe erro de julgamento quanto ao direito aplicável. Invoca que: «Estando em causa a verificação da materialidade dos alegados serviços titulados pelas faturas emitidas à Impugnante pelas sociedades M....................., Lda; A……….., Unipessoal, Lda e F.............. - ……………. Unipessoal Lda, e se estas titulam ou não operações reais, a AT atuando no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, e tendo em conta a factualidade individualmente considerada e valorada, demonstrou a existência de indícios sérios e credíveis de que as faturas não consubstanciaram serviços efetivamente prestados, não se verificando assim os pressupostos de que depende o direito à dedução do IVA.
Apreciação.
Sobre a matéria em exame constitui jurisprudência fiscal assente a seguinte:
i) «Em primeira linha compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, terá que demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na fatura foi simulada. // Em segunda linha, e após feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito deduzir os custos declarados na determinação da respetiva matéria tributável nos termos que decorrem do artigo 23.º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade» (1).
ii Os indícios de facturação falsa postulam, normalmente, a realização de fiscalização cruzada, seja no emitente, seja no utilizador, por forma a descaracterizar o circuito económico e financeiro subjacente às facturas invocadas.
iii) A desconsideração da declaração tributária é determinada pela Administração Fiscal em nome de uma interpretação mais ajustada à realidade do rendimento, isto é, da capacidade contributiva efectiva daquele contribuinte. O afastamento da presunção de veracidade da declaração exige a recolha de indícios sérios, consistentes e credíveis de que é outra a realidade do rendimento.
iv) «A ATA não tem o encargo de provar a falsidade das facturas; basta-lhe demonstrar os indícios de falsidade e que estes são consistentes, sérios e reveladores de uma alta probabilidade de que as facturas são «falsas» para cumprir o seu ónus da prova (art.º 74º/1 e 75º/2,a) LGT). Demonstrados estes indícios, a lei faz cessar a presunção de boa fé creditada às declarações e contabilidade do contribuinte e devolve-lhe o encargo de provar a veracidade das operações subjacentes à facturação indiciada» (2).
v) «A AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo, invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada da(s) operação(ões) referida(s) na(s) factura(s) ser(em) simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT» (3).
No caso, em exame, estão em causa as facturas emitidas pelas sociedades A ………..Unipessoal, Lda., M ……………. Lda., F.............. ………….. Unipessoal, Lda, referidas nos pontos 2 a 8 do probatório.
Os indícios recolhidos pela AT que depõem no sentido da falsidade das facturas são os seguintes:
1. Da análise à informação constante do sistema informático, relativamente aos “fornecedores F.............. ………….. Unipessoal Ld.a, NIPC………………, A……………..Unipessoal, Ld.a, NIPC………… e M........... ……….., Lda, NIPC. ……….., tudo indica tratar-se de entidades “mistas". Ainda que, alguns deles, possuam estrutura empresarial adequada ao exercício de uma actividade económica (lícita), dedicam-se, igualmente, à emissão de facturas falsas, face às divergências existentes quando da análise ao “Cruzamento da declaração anual Anexos O/P”, como também ao facto de se encontrarem na situação de não declarantes e não entregadores de impostos repercutidos a terceiros (IVA)» (4).
2. «Todos os fornecimentos e/ou serviços prestados pelas entidades mencionadas no ponto 2.5 têm em comum, o facto de terem sido pagos em numerário. Esta situação, ainda que por um lado seja estranha, pelo facto da empresa, normalmente, efetuar os pagamentos por meio de cheque, por outro lado, é procedimento normal quando se trata de faturas falsas, de favor, ou relativas a serviços que efetivamente não foram prestados ou cujas faturas têm como objeto a diminuição de proveitos e/ou a não entrega aos cofres do Estado, dos impostos repercutidos a terceiros.
3. Por sua vez, todos os extratos de contas correntes dos referidos fornecedores apresentam saldos credores muito elevados, chegando a ser iguais ao montante dos fornecimentos e/ou serviços prestados, o que indicia que os serviços/fornecimentos não foram efetuados, uma vez que não foram pagos.
4. Inclusive, quanto ao fornecedor "M...........", o sócio gerente da mesma confirmou a não prestação dos serviços, conforme declarações prestadas pelo sócio gerente "B…………….." aquando do procedimento de inspeção efetuado à empresa» (5).
5. «De referir também que a empresa não vem cumprindo o disposto no artigo 63-C da LGT, porquanto dispõe de, pelo menos uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida, no entanto, não fez passar por essa conta os fornecimentos postos em causa» (6).
6. Os pagamentos respeitantes a faturas ou documentos equivalentes de valor igual ou superior a 20 vezes a retribuição mensal mínima devem ser efetuados através de meios de pagamento que permitam a identificação do respetivo destinatário, designadamente, transferência bancária, cheque nominativo ou débito direto» (7).
7. «Convém referir também que, relativamente a ambos os fornecedores e aos anos de 2005 e 2006, não foram cumpridas quaisquer obrigações fiscais declarativas e de pagamento de impostos. No entanto, a empresa Companhia …………………, Ld.a, não solicitou aos referidos fornecedores quaisquer documentos comprovativos das obrigações fiscais, nomeadamente, declarações de rendimentos modelo 22 e declarações periódicas de IVA, acabando por reconhecer que “...desconhece a respectiva identidade.”, tal afirmação, conjugada com o referido anteriormente, indicia que era do conhecimento do sujeito passivo que os emitentes das facturas não iriam entregar nos cofres do Estado os devidos impostos, tornando-se por isso os utilizadores, responsáveis solidários e subsidiários, nos termos do artigo 79º do CIVA (Anterior 72.º) e do Artigo 22 da LGT» (8).
8. «Refere-se também que, somos do parecer que as obras existem, mas, os trabalhos documentados pelas facturas em causa, nunca poderiam ter sido realizados pelas empresas “A ……………, Lda, F…….……… Ld.a e “M...........", uma vez que estas não têm estrutura empresarial para a sua realização, como já foi demonstrado no presente projecto de relatório. // Porventura foi colocado pessoal nas obras, mas, esse pessoal nunca foi identificado pelo sujeito passivo, nem efectuada a relação destes com os emitentes das facturas, esclarecimento esse pedido no n/ Ofício n.º 7053, de 29-01-2009. // Os contratos, orçamentos, adjudicações, autos medição, também existem “em papel” e estão assinados, mas, a assinatura é apresentada de formas diversas, como se pode constatar por comparação dos mesmos documentos, nomeadamente no verso dos cheques e contrato de prestação de serviços de M........... Ld.a, pressupostamente ambos assinados pelo sócio gerente da dita empresa, Sr. …………» (9).
9. «Acresce o facto dos cheques emitidos a M........... Ld.a, serem de imediato endossados a terceiros, facto que só pode constituir prova de que os serviços foram prestados por terceiros e que a “M........... Ld.a” agiu como angariador, na medida em que numa relação económica normal e lícita, a sociedade M........... estaria obrigada a cumprir com o disposto no artigo 63- C, da Lei Geral Tributária(LGT), segundo o qual, os pagamentos e recebimentos respeitantes a facturas ou documentos equivalentes e outros movimentos, devem ser efectuados através de meio de pagamento que permita a identificação do respectivo destinatário, designadamente cheque nominativo, transferência bancária ou débito directo. // As facturas não contêm quaisquer elementos escritos que as relacione com os documentos atrás referidos e também contem uma assinatura diferente da constante nos mesmos» (10).
10. «Não faz prova das transferências bancárias que alega ter efectuado a A ……………. Ld.a; na medida em que o documento que junta, emitido Banco …………. - Quinta …….. - ……….., não identifica os titulares das contas bancárias de destino dos movimentos // - As fotocópias dos duplicados dos cheques que alega ter emitido à ordem de A ………………..Unipessoal Ld.a, para além de rasurados, foram também endossados a terceiros, facto que só pode constituir prova de que os serviços foram prestados por terceiros e que Adalberto de Jesus Almeida Unipessoal Ld.a agiu como angariador, na medida em que numa relação económica normal e licita, a sociedade estaria obrigada a cumprir com o disposto no artigo 63-C, da Lei Geral Tributária(LGT), já referido; // - Por outro lado, não é possível estabelecer uma relação entre as importâncias constantes dos cheques e os serviços facturados, uma vez que aqueles não fazem referência às facturas e as importâncias não estão semelhantes; // - Apenas o cheque n.º ……….., da conta ………., do ………., da importância de € 980,00, foi, em princípio, depositado na conta da Sociedade A ……………. Unipessoal, Lda, no entanto, também neste caso a assinatura tem formas diversas, quer nos cheques, quer nos contratos de empreitada; // - Quanto aos pagamentos efectuados em dinheiro, reafirma-se a sua ilicitude, nos termos do disposto no artigo 63-C, da já referida LGT, apesar da declaração expressa e assinada de A ………, residente na Rua ………, 14-2.º Dtº - ……» (11).
11. «Relativamente aos pagamentos, em dinheiro, cheques e transferência bancária, que alega ter efectuado à sociedade F.............. Lda, só a última reúne os requisitos impostos legalmente, no montante de €4.370,00, no entanto, não é possível estabelecer nenhuma relação com as facturas emitidas nem identificar e quantificar os serviços efectivamente prestados, por outro lado as referidas facturas, não respeitam todos os requisitos do artigo 35.º do CIVA. // Relativamente aos pagamentos, em dinheiro, cheques e transferência bancária, que alega ter efectuado à sociedade “M........... ……., Lda, a situação é a mesma que a referida para as outras 2 sociedades, acrescida do facto de sermos de parecer que o cheque referido na petição, não foi levantado pelo sr. ………. mas sim, endossado por este a um terceiro, como se pode constatar no verso do mesmo» (12).
12. «As facturas que lhe estão subjacentes apresentam-se relacionadas no mapa de apoio que se junta como Anexo I (3 Fls) - por infracção ao disposto no Artº 20º nº 1 do CIVA, em conjugação com o Artº 19º nº 3 do mesmo diploma e ainda por as mesmas não respeitarem os requisitos estabelecidos no artigo 36.º(artigo 35.º à data dos factos) n.º 5, nomeadamente nas alíneas b) e f) do CIVA» (13).
Dos elementos coligidos nos autos, impõe-se concluir que, pese embora a fundamentação do acto tributário em apreço pudesse assumir forma mais circunstanciada, ainda assim foram recolhidos indícios sérios sobre a falsidade das facturas. O circuito económico, financeiro, documental das facturas em apreço mostra-se desprovido de suporte factual: não há correspondência entre os montantes facturados e os montantes pagos; as facturas e os autos de medição não identificam com a precisão mínima os trabalhos em causa (n.os 2 a 8, do probatório); existem documentos rasurados, como sejam cópias de cheques; cheques endossados a terceiros; pagamentos em numerário quando a lei impõe a transferência bancária (artigo 63.º-C da LGT, versão vigente); o sócio-gerente da M………………. confessou a não prestação de serviços; as empresas ditas fornecedoras não têm estrutura empresarial, nem cumprem as suas obrigações declarativas ou contributivas; os extratos de contas correntes dos referidos fornecedores apresentam saldos credores muito elevados, chegando a ser iguais ao montante dos fornecimentos e/ou serviços prestados. Não existe justificação económica e documental para os saldos credores em relação aos fornecedores em causa (n.º 19, do probatório).
Em face do exposto, verifica-se que existem indícios sérios e consistentes da falsidade das facturas, os quais não foram contrariados pela alegação e prova da recorrida realizada nos autos.
Ao julgar em sentido discrepante, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue improcedente a impugnação.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação improcedente.
Custas pela recorrida.
Registe e Notifique.


O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Hélia Silva e Ana Cristina Carvalho.

(Jorge Cortês - Relator)


(1) Acórdão do TCAN, de 02.02.2017, P. 00355/10.9BEPRT; Acórdão do TCAS, de 24-11-2017, P. 09956/16.
(2) Acórdão do TCAN, de 26.02.2015; P. 03276/09.4BEPRT.
(3) Acórdão do TCAS, de 23.03.2017, P. 665/09.8BELRS.
(4) RIT (Relatório da Inspecção Tributária), ponto 2.5.
(5) RIT, 2.7. Meios de pagamento dos serviços facturados.
(6) RIT, 3.1.
(7) RIT, ponto 3.1. Análise no âmbito do IRC/IVA.
(8) RIT, ponto 8.2. Audição prévia.
(9) RIT, ponto 8.2. Audição prévia.
(10) RIT, ponto 8.2. Audição prévia.
(11) RIT, ponto 8.2. Audição prévia.
(12) RIT, ponto 8.2. Audição prévia.
(13) RIT, ponto 3.1.3.