Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11903/15
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:07/09/2015
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:PRAZOS, CADUCIDADE, PUBLICAÇÃO OBRIGATÓRIA
Sumário:A divulgação de ato administrativo, prevista no artigo 24º da Portaria Nº 1430/2007, não é a publicação obrigatória a que se refere o nº 1 e a al. b) do nº 3 do artigo 59º do CPTA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

· ……………………………………….., UNIPESSOAL, Lda. ("Farmácia ………………"), com os demais sinais nos autos, intentou no T.A.C. de Loulé

Ação administrativa especial contra

· INFARMED e Contrainteressada …………………………., Lda..

Pediu o seguinte: anulação do despacho do Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., de 09/03/2011, que considerou “apto, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º1 do artigo 24.º da Portaria n.º1430/2007, de 2 de Novembro, no que se refere ao local, ao espaço e ao quadro farmacêutico, o pedido de transferência da Farmácia…………………, sita na ………………, freguesia de Alcantarilha, concelho de Silves, distrito de Faro, para a Urbanização……………………..,………, Loja …., freguesia de Armação de Pêra, concelho de Silves, distrito de Faro”.

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Por acórdão de 23-6-14, o referido tribunal decidiu julgar procedente a exceção de caducidade do direito de ação e, em consequência, absolver a entidade demandada e a contrainteressada da instância.

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Inconformada, a a. recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

A. O acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento por ter equiparado os efeitos de uma divulgação de um ato administrativo, prevista em portaria, a uma publicação de um ato administrativo, prevista em lei.

B. Uma portaria não pode estabelecer um critério diferente do da lei para a contagem do prazo de impugnação judicial.

C. Se a lei não atribui relevo a uma divulgação do ato num sítio da internet - mas apenas à publicação, à notificação e ao conhecimento efetivo do ato (art. 59º do CPTA) -, não pode uma portaria estabelecer, em matéria de direitos, liberdades e garantias, que também conta para o efeito de impugnação judicial uma divulgação num sítio da internet (como se isso correspondesse a uma publicação ou a um conhecimento presumido), sob pena de a mesma ser inconstitucional, por violação do art. 165.º/1, alínea b), e do artigo 268°, nºs 3 e 4, da CRP.

D. O acórdão recorrido, ao entender que a divulgação "online" de um ato administrativo, prevista na Portaria 1430/2007, faz começar a contar o prazo de impugnação judicial desse ato incorre em erro de julgamento de direito, com ofensa do regime da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 268°/4 da CRP.

E. O relevo conferido pelo Tribunal a quo à divulgação prevista no artigo 24.º da Portaria 1430/2007 viola ainda o regime dos artigos 130.º e 131.º do CPA, uma vez que tal divulgação não é uma publicação, nos termos e com os efeitos legais previstos no CPA, e muito menos uma publicação obrigatória.

F. O artigo 59.º/3 do CPTA refere-se a expressamente a ''publicação", o que significa que o facto relevante para o início da contagem do prazo deve corresponder a uma publicação nos termos legais ou legalmente prevista, ainda que não obrigatória, não uma divulgação do ato num sítio da internet.

G. Ao contrário do que é defendido no acórdão recorrido, o que tem lugar nos termos do artigo 24.º/2 da Portaria 1430/2007 não é uma publicação juridicamente relevante para efeitos da publicação constante do artigo 59.º/3 do CPTA, mas uma mera divulgação do ato no portal da internet do Infarmed.

H. A circunstância de a divulgação da decisão de aptidão, no portal da internet do Infarmed (i) não ser uma publicação, (ii) não ser obrigatória por determinação de lei e (ii) não observar os termos previstos no artigo 131.º do CPA, impede que ela seja vista como estabelecendo o início da contagem do prazo de impugnação contenciosa da decisão por parte de terceiros.

I. Como não houve publicação, o prazo para a Recorrente impugnar o ato apenas teve início na data do conhecimento do ato, o que apenas ocorreu a 2/05/2011, quando a aqui Recorrente e a Farmácia ……………….. procederam à consulta do processo administrativo de transferência da Farmácia…………….. (cfr. ponto g) da matéria de facto assente).

J. Se é assim, o prazo apenas terminaria a 19/09/2011, considerando a suspensão do prazo de 3 meses no período de férias judiciais [art. 58.º/ 3 do CPTA], sem "descontar" sequer a suspensão de prazo resultante da apresentação da reclamação administrativa de 18/05/2011.

K. Tendo a ora Recorrente e a Farmácia……………… apresentado a 18/05/2011 requerimento que configura uma reclamação administrativa, no qual eram invocados os vícios de ilegalidade da decisão de aptidão, e tendo o mesmo sido tempestivo -considerando a data do conhecimento do ato (2/05/2011) -, o acórdão recorrido incorre ainda em erro de julgamento por violação (do efeito suspensivo da reclamação constante) do artigo 59.º/4 do CPTA.

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O recorrido contra-alegou, concluindo como o tribunal recorrido.

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O Ministério Público foi notificado para se pronunciar como previsto na lei de processo.

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

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Os recursos, que devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido (ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas).

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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FACTOS PROVADOS segundo o tribunal recorrido




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Continuemos.

II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

Aqui chegados, há melhores condições para se compreender o recurso e para, de modo facilmente sindicável, apreciarmos o seu mérito.

Vejamos, pois.

A questão a resolver é o eventual erro de direito quanto à caducidade do direito de ação, com referência ao prazo de 3 meses como está previsto nos arts. 58º e 59º CPTA.

O tribunal a quo considerou

-que houve uma publicação em 11-3-2011 do ato administrativo impugnado de 9-3-201, relativo a transferência da localização de farmácia (emitido ao abrigo do art. 24º da Portaria 1430/2007 (1) ) e

-que a p.i. deu entrada no TAC depois daquele prazo de 3 meses (8-8-2011).

A autora contrapõe que só conheceu o ato administrativo em 2-5-2011, que apresentou reclamação administrativa em 18-5-2011, que o ato não está legalmente sujeito a publicação, estando por tudo isso errada a decisão judicial recorrida.

Ora, a autora não foi a interessada direta no procedimento administrativo em que o ato administrativo de 9-3-2011 foi emitido. A ora autora não se inclui, pois, nas pessoas referidas nos arts. 53º/1 e 66º do CPA/91.

Cf., sobre estas matérias, Mário Esteves de Oliveira et al., C.P.A. Comentado, 2ª ed., nas notas aos arts. 53º e 66º.

Por outro lado, ao contrário do entendido na 1ª instância, o ato administrativo impugnado não está sujeito a publicação. Nenhuma lei o prevê (cf. art. 130º do CPA). A divulgação do mesmo, prevista na cit. Portaria, não é um ato de publicação (previsto na lei).

Do exposto deve-se concluir que o prazo de 3 meses previsto no art. 58º/2-c)/3 do CPTA teve início, no caso concreto, no dia em que a autora tomou conhecimento do ato administrativo, como manda o art. 59º/3-c) do CPTA (cf. também o art. 144º CPC).

Além disso, a carta apresentada à entidade administrativa em 18-5-2011 (cf. DOC. 6), onde se pede que o pedido feito pela C-I “volte a ser analisado” e “indeferido”, constitui claramente uma reclamação, como previsto nos arts. 161º ss do CPA/91. Daqui resulta que o prazo de 3 meses iniciado em 2-5-2011 se suspendeu em 18-5-2011 (cf. art. 59º/4 CPTA) até ao dia 2-6-2011 (cf. art. 165º CPA/91).

Pelo que, descontado o período das férias judiciais, os cits. 3 meses (iniciados em 2-5-2011 e suspensos de 18-5-2011 a 18-6-2011) ainda não tinham chegado ao fim no dia da interposição da presente ação (8-8-11). A ação é, pois, tempestiva.

Cf., sobre estas matérias, Mário Esteves de Oliveira et al., C.P.A. Comentado, 2ª ed., p. 412; Mário Aroso de Almeida/C.C., Comentário ao C.P.T.A., 3ª ed., notas aos arts. 58º e 59º.

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III. DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os Juizes do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrido.

Lisboa, 9-7-2015

(Paulo H. Pereira Gouveia - relator)

(Nuno Coutinho)

(Carlos Araújo)


(1) Artigo 24.º Decisão de aptidão
1 - O INFARMED, I. P., analisa os documentos referidos no artigo anterior, decide, no prazo de 30 dias a contar da respetiva apresentação, sobre a aptidão ou inaptidão do local, do espaço e do quadro farmacêutico para a abertura ao público da nova farmácia e notifica, em 10 dias, o proprietário da farmácia.
2 - O INFARMED, I. P., na mesma data da notificação, divulga no seu sítio da Internet a decisão sobre a aptidão do local, do espaço e do quadro farmacêutico referida no número anterior.