Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1658/13.6BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:09/10/2020
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:CONCURSO;
ENTREVISTA;
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I – A fundamentação do acto administrativo consiste em descrever o iter cognoscitivo do raciocínio do decisor, para que o destinatário, colocado na posição de um declaratário normal, possa entender, por que razão o decisor decidiu naquele sentido e não noutro. Ou seja, a fundamentação representa o caminho a percorrer pelo decisor, de forma inteligível e coerente, até á decisão final.
II – Não constando da ficha individual do ora Recorrido o resumo dos temas concretamente abordados na Entrevista, sendo estes uniformes em todas as fichas dos candidatos, não se encontrando nestas registadas quaisquer anotações do que concretamente se passou, não se mostra possível conhecer o percurso cognitivo e valorativo seguido pelo júri para atribuir uma determinada classificação e não outra (no caso de 9,33 valores), bem como em cada um dos factores avaliados (EP, VAP e ACC), pelo que o acto não está fundamentado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DA UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA, Recorrente nos autos, notificada da decisão sumária proferida, não se conformando com o seu conteúdo, vem, ao abrigo do n.º 3 do artigo 652.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, requerer que sobre o recurso apresentado incida acórdão.

J...... respondeu à reclamação apresentada, pugnando pela manutenção do decidido.

A decisão sumária reclamada, negou provimento ao recurso e manteve o acórdão recorrido de 29.04.2015 do TAF de Sintra, onde havia sido decidido:

a) Julgar a presente acção procedente, anulando o Despacho de Homologação da lista unitária de ordenação final do procedimento concursal comum identificado nos autos, proferido pelo Director da Faculdade de Ciências Médicas da UNL de 27 de Agosto de 2013 e publicitado no Diário da República, 2ª Série nº 172, de 6 de Setembro de 2013.

b) Condenar a entidade demandada a refazer o procedimento, publicitando-o de acordo com as disposições conjugadas do DL nº 29/2001 e demais legislação aplicável ou, no caso de causa legítima de inexecução, a indemnizar o Autor nos termos legais e em montante a liquidar em execução de sentença”.

1.1. A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo art. 635º, n.º 4, do CPC CPC, mas não pode ampliar o seu objecto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do art. 636º, n.º 1 CPC, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final. A reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária.

Cumpre, pois, reapreciar as questões suscitadas pela Recorrente em sede de conclusões, fazendo retroagir o conhecimento do mérito do recurso ao momento anterior à decisão singular de mérito proferida.

1.2. Recapitulando as conclusões apresentadas no recurso interposto para este TCAS pela FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DA UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA:

A. O Acórdão recorrido está viciada pela violação dos artigos 90.º, n.º 2, do CPTA e artigo 4.º do CPC, por preterição da produção de prova requerida pela recorrente para contraprova de factos considerados provados apenas com prova documental, além do alcance do conteúdo de tais documentos, quando se revelava imprescindível a produção de prova testemunhal.

B. Consequentemente, o despacho saneador viola a disposição do n.º 2 do artigo 90.º do CPTA porque não fundamenta, de facto e de direito, a verificação da previsão legal que permite dispensar a produção de prova testemunhal;

C. Esta fundamentação é essencial para se poder controlar a correção da decisão judiciária porque inibe o recorrente de demonstrar a existência de erros sobre os pressupostos de facto e de direito na alegação do recorrido;

D. Ao declarar que a convicção resulta do processo administrativo e ao restringir a produção de prova que possa contrariar o sentido desse acervo documental, o Tribunal a quo introduz uma desigualdade processual que é vedada pelo artigo 4.º do CPC, nomeadamente ao preterir a valoração do despacho de indeferimento da pretensão do recorrido perante a Inspeção Geral da Educação e Ciência;

E. E pelos mesmos motivos evidencia-se uma inconstitucionalidade por adoção de uma interpretação destas normas que configura uma violação do n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa;

F. O Acórdão recorrido está viciado por erro nos pressupostos de facto relativamente à candidatura do recorrido, porquanto não está evidenciada a prévia constituição de uma relação jurídica de emprego público, que o recorrido tinha e tem, no Município de Loures, e que o inibia de invocar a tutela do Decreto Lei n.º 29/2001, de 3 de Fevereiro;

G. O Acórdão recorrido viola a Portaria n.º 83-A/2009, de 22 de Janeiro, ao identificar no anúncio a preterição de uma formalidade que não vem consagrada neste diploma; a menção à reserva de recrutamento para portadores de deficiência no ingresso decorre diretamente da Lei e a sua omissão não prejudica a aplicação das normas que a consagram;

H. O Acórdão viola o artigo 8.º do Decreto Lei n.º 29/2001, de 3 de Fevereiro, ao identificar a obrigatoriedade de constituir uma reserva de recrutamento para pessoas portadoras de deficiência, num momento do procedimento que a lei não impõe.

I. O Acórdão viola o artigo 13.º da Portaria n.º 83-A/2009, de 22 de Janeiro, ao julgar como injuntivos conteúdos na ficha da entrevista profissional de seleção que a lei não institui; outrossim, o Acórdão erra ao considerar não fundamentados juízos que estão evidentes e justificados em tais documentos;

J. O Acórdão erra na apreciação da prova documental, e nas regras da prova material, ao considerar provado que foi vedado o acesso do recorrido ao processo de concurso;

K. O Acórdão erra, igualmente, ao considerar julgada a existência de uma alteração dos métodos de seleção, a partir de uma errada apreciação da entrevista profissional de seleção efetivamente conduzida pelo júri;

L. Por fim, o Acórdão viola o artigo 50.º da Portaria n.º 83-A/2009, de 22 de Janeiro ao não estipular uma solução que salvaguarde o provimento já concretizado a partir da bolsa de recrutamento, adicionando apenas um lugar para satisfazer a pretensão do recorrido, caso a mesma se concretize.

O Recorrido apresentou contra-alegações de recurso, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção do decidido.



2. Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.



3. Com dispensa de vistos, conhecendo do recurso, vem o processo agora à conferência para apreciação da reclamação deduzida.

4. Dá-se por reproduzida, nos termos do disposto no art. 663.º, n.º 6, do CPC, a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, a qual não é sujeita a impugnação.


5. A questão objecto do presente recurso, nos termos em que foi colocada pela Recorrente no presente recurso jurisdicional, tal como identificado na decisão sumária reclamada, consiste em saber:

- Se o tribunal a quo incorreu numa nulidade processual ao não ter proferido despacho fundamentado de dispensa da prova requerida;

- Se o acórdão recorrido está viciado por erro nos pressupostos de facto relativamente à candidatura do recorrido, porquanto não está evidenciada a prévia constituição de uma relação jurídica de emprego público, que o recorrido tinha e tem, no Município de Loures, e que o inibia de invocar a tutela do Decreto-Lei n.º 29/2001, de 3 de Fevereiro;

- Se o acórdão recorrido errou no julgamento de direito ao considerar como invalidante a falta de menção, no Aviso de Abertura do Concurso, do número de lugares a preencher por pessoa com deficiência, bem como a ocorrência da falta de fundamentação da prova de entrevista do Autor; e

- Se o tribunal a quo errou ao não ter admitido a possibilidade de uma solução que salvaguarde o provimento já concretizado a partir da bolsa de recrutamento, adicionando apenas um lugar para satisfazer a pretensão do Recorrido.



6. Apreciando, temos que a Recorrente e ora Reclamante vem reclamar da decisão sumária do relator de 23.06.2020 que conclui pela manutenção da sentença recorrida e que havia julgado improcedente a presente acção administrativa especial, onde se impugnava o despacho de homologação da lista unitária de ordenação final do procedimento concursal comum para o preenchimento de três postos de trabalho na carreira e categoria de Técnico superior, publicitado no Diário da República pelo Aviso n° 13147/2012, proferida por despacho do Director da Faculdade de Ciências Médicas da UNL de 27 de Agosto de 2013 e publicitado no Diário da República, 2ª Série nº 172, de 6 de Setembro de 2013.

A decisão em causa do relator, na sua parte relevante, é do seguinte teor:

(…)

Em face da definição do objecto do recurso supra efectuada, impõe-se conhecer do mérito do mesmo, começando por verificar da nulidade processual suscitada.

Sustenta a Recorrente que o tribunal a quo incorreu numa nulidade processual ao não ter proferido despacho fundamentado de dispensa da prova requerida, impedindo-o de concretizar o seu direito à produção de prova.

Ora, certo é que no despacho saneador proferido foi afirmado que «[a] questão a decidir é tão só de direito, não emergindo dos articulados questões que obstem ao conhecimento do processo, nem ao seu prosseguimento, sendo que a entidade demandada veio juntar o processo administrativo em suporte digital». E nessa sequência determinou a notificação das Partes para alegações sucessivas, uma vez que delas não haviam prescindido.

Ou seja, o tribunal recorrido entendeu que sendo a questão exclusivamente de direito, os autos não careciam de ulterior instrução atendendo aos elementos de prova constantes do processo administrativo. Por outras palavras, julgou suficiente a prova existente e assim, implicitamente, dispensou a produção de prova requerida. É isso que decorre da aplicação ao caso da invocada al. b) do nº 1 do art. 87.º do CPTA (na redacção aqui aplicável): «(…) estado do processo permita, sem necessidade de mais indagações, a apreciação dos pedidos ou de algum dos pedidos deduzidos, (…).»

E, aliás, a ora Recorrente nas alegações escritas pré-sentenciais que apresentou nenhum reparo faz à conclusão alcançada pelo tribunal a quo e nenhuma reserva efectuou na sua apresentação. Em síntese, lidas as suas alegações, discute a matéria de direito tida por relevante e nada refere quanto à necessidade de ser produzida prova.

De resto, já resultava da contestação, quer por ter havido acordo, quer pela natureza da matéria de facto invocada em sua defesa, que a ora Recorrente tenha invocado quaisquer factos que carecessem de prova testemunhal. E, apenas, relativamente ao procedimento de seleção e entrevistas os poderia alegar, pois que quanto ao aviso do concurso a prova só podia ser documental. E não resultam dos articulados quaisquer factos que não os constantes ou resultantes dos documentos.

E com isto não decorre qualquer violação do princípio da igualdade das partes, a qual vem apenas conclusiva e genericamente alegada.

Assim, nenhuma nulidade secundária se verifica; poderá existir erro de julgamento sobre a suficiência da prova existente, mas tal não se insere no domínio das invalidades da sentença.

Continuando, vejamos se o tribunal a quo errou na fixação da matéria de facto.

Neste ponto, para além do acabado de afirmar, certo é que a matéria de facto não vem impugnada – ónus a cargo da Recorrente - pelo que o probatório fixado no tribunal recorrido se tem por devidamente estabilizado. É que a alínea b) do nº 1 do art. 640.º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal. O que manifestamente não foi feito.

Improcede o recurso, também, nesta parte.

Perante a matéria fixada, vejamos então se o acórdão recorrido errou na sua valoração e aplicação do Direito.

O acórdão proferido pelo TAF de Sintra julgou procedente a acção proposta, por entender que o acto impugnado se encontrava viciado por violação da lei logo no próprio aviso (omissão de quota para pessoas portadoras de deficiência), assim como as deliberações do júri (para além do mais, devido a falta de fundamentação da entrevista do Autor), tendo mandado repetir o mesmo de conformidade com a lei.

Ora, a pronúncia do Ministério Público nesta instância dá resposta integral às questões objecto do recurso. Assim, aderindo à fundamentação constante dessa pronúncia, a qual responde à questão que vem colocada no recurso a este propósito, transcrever-se-á a mesma, na sua parte relevante. Assim:

«(…)

A questão que vem colocada pelo recorrente reporta-se à relevância jurídica decorrente da circunstância de não ter sido dado cumprimento ao DL n.2 29/2001, de 3/02 no aviso do concurso, e qual a interpretação do regime jurídico relativo ao preenchimento da quota reservada aos candidatos portadores de deficiência.

O art. 32 do Dec. Lei 29/2001, de 3 de Fevereiro, tem a seguinte redação:


Quota de emprego

1- Em todos os concursos externos de ingresso na função pública em que o número de lugares postos a concurso seja igual ou superior a 10, é obrigatoriamente fixada uma quota de 5% do total do número de lugares, com arredondamento para a unidade, a preencher por pessoas com deficiência.

2- Nos concursos em que o número de lugares a preencher seja inferior a 10 e igual ou superior a três, é garantida a reserva de um lugar para candidatos com deficiência.

3- Nos concursos em que o número de lugares a preencher seja de um ou dois, o candidato com deficiência tem preferência em igualdade de classificação, a qual prevalece sobre qualquer outra preferência legal.

4- O disposto no presente artigo não se aplica aos concursos de ingresso nas carreiras com funções de natureza policial das forças e serviços de segurança e do Corpo da Guarda Prisional.

Como decorre da lei, a menção desta quota é obrigatória, nos casos em que se deva aplicar.

Porém, tal como alega o recorrente, esta norma só tem aplicação nos concursos externos e não era aplicável ao concurso em questão, por entender que o mesmo não visava preencher vagas com candidatos não detentores de vínculo à função pública, tendo o Autor uma relação de emprego público com o Município de Loures.

Ora, como resulta do anúncio do concurso, as vagas muito embora pudessem ser preenchidas prioritariamente com candidatos detentores de uma relação de trabalho por tempo indeterminado, e em seguida por candidatos detentores de uma relação de trabalho por tempo determinado, poderiam, também, vir a ser preenchidas por indivíduos sem qualquer relação jurídica de emprego público previamente estabelecido.

Portanto, não se pode considerar que o concurso seja exclusivamente interno, tratando-se de um «concurso misto».

O ora Recorrido/Autor candidatou-se ao referido mesmo, invocando ser portador de deficiência e ser candidato beneficiário de quota de emprego, por via dessa deficiência.

E, apesar de ter invocado a deficiência, foi admitido ao procedimento do concurso, pelo que a existência da invocada deficiência não foi posta em causa, nomeadamente para se considerar que não podia preencher as funções ou que não tinha capacidade para a atividade a que se destinava o concurso.

Em todos os concursos de ingresso na função pública, de recrutamento e seleção de pessoal para o estabelecimento de relações jurídicas de emprego público, em que o número de lugares postos a concurso seja igual ou superior a 10 é obrigatório mencionar a reserva de quota para eventuais candidatos portadores de deficiência igual ou superior a 60% (art.s 1.º a 3.º, do citado DL nº 29/2001), aplicável em todos os serviços e organismos da administração central, regional autónoma e local.

E, sendo inferior a 10, e igual a 3 o número de vagas no concurso em apreço, deveria ter sido reservado, pelo menos, um lugar para portadores de deficiência, nos termos do n.º 2, do citado art. 3.º, atrás transcrito, menção que deveria constar do próprio aviso.

Portanto, não se encontrava expressamente garantida e prevista no aviso do concurso em apreço, como o admite o próprio Recorrente, a reserva de cativação obrigatória duma quota do total do número de lugares a concurso, quota essa a ser preenchida por pessoas portadoras de deficiência (art. 47.º, nº 2, da CRP).

Assim, parece-me inexistir reparo a fazer ao Acórdão em apreço, porquanto tendo o anúncio do concurso ofendido as normas do citado DL n.º 29/2001, de 3 de Fevereiro, é, por isso, de considerar correta a procedência do vício de violação de lei do ato em apreço, o que implicava a sua anulação.

Este diploma regula situações especiais, pelo que tratando-se de normas especiais, não podem ser revogadas por lei geral, a menos que a lei o refira expressamente (art. 7.º do C. Civil).

Por outro lado, a Portaria invocada não pode revogar um Decreto-Lei. Uma Portaria, enquanto ato meramente regulamentar emanado do Governo, ocupa na hierarquia das fontes normativas uma posição inferior ao decreto-lei, sendo dele mero complemento, a si, necessariamente subalternizado, subordinado e vinculado, nunca, pois, a respetiva disciplina o podendo contrariar ou revogar, como claramente resulta das disposições ínsitas sob os nºs. 1, 6 e 7 do art. 112.º da Constituição (cfr. Inocêncio Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, Vol. I, 10.ª edição, págs. 81/84, e Jorge Miranda - Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, págs. 256/278).

Pelo que também não é válido este argumento da Recorrente.

Deste modo, no que concerne à aplicação da quota obrigatória para portadores de deficiência, a preferência indicada é constituída em função da classificação obtida no concurso, após admissão, e tem em vista a aplicação da mesma apenas aos casos de igualdade de classificação, prevalecendo sobre qualquer outra preferência legal (cfr. Paulo Veiga e Moura refere que a igualdade a observar no acesso é "uma igualdade de chances e não de resultados", não se assegurando que todos os cidadãos tenham um direito de acesso à Função Pública mas, apenas, que aquele acesso se pautará pelo respeito do princípio da igualdade entre esses mesmos cidadãos, em "Relação Jurídica de Emprego Público: Movimentos Fractais - Diferença e Repetição", p. 150).

Uma vez que foi preterida uma formalidade essencial no procedimento concursal em apreço, ficou inquinado todo o procedimento, e também o ato de homologação da respetiva lista de ordenação final ferido de ilegalidade, conforme foi decidido.

Do acesso aos critérios de classificação dos candidatos:

Quanto aos critérios de apreciação e ponderação da prova de conhecimentos, só quando existem erros grosseiros ou ostensivos que não têm tanto a ver com a avaliação em si mas com violação de regras fundamentais a que essa avaliação deve obedecer, é que é possível censurar a atuação do júri que detém conhecimentos científicos e técnicos que lhes permitem avaliar das capacidades de uma pessoa para o exercício duma função específica, detendo a administração discricionariedade técnica nessa área.

E só os erros de apreciação suscetíveis de alterar a classificação obtida num determinado item, é que são relevantes em termos de possibilitar uma alteração da lista de classificação de candidatos já que, como resulta das regras do concurso, e da legislação citada, o júri dispõe de uma quase total margem de liberdade para pontuar numericamente as entrevistas, as provas de avaliação e os currículos dos candidatos dentro do limite preestabelecido para cada item.

Já no que respeita aos critérios de apreciação e ponderação da prova de conhecimentos e da entrevista profissional dos candidatos, bem como o sistema de classificação final, por parte do júri, incluindo a respetiva fórmula classificativa, na seleção de pessoal para os quadros da Administração Pública, estando em causa neste caso os fundamentos de facto que se reportam à demonstração da aplicação de tais fórmulas e critérios, a devida fundamentação da classificação final deve indicar os aspetos negativos e os aspetos positivos na prestação do candidato, sendo de considerar omissão relevante a falta desta apreciação (o Ac. deste TCA Sul, de 29.09.2011, proferido no processo n.º 03776/11, do qual decorre haver que realizar o registo das razões das classificações parciais atribuídas em cada fator e a «análise crítica das diferenças de pontuação atribuídas aos vários candidatos»), exigência que não invade a esfera de discricionariedade técnica da Administração (vd. também Acórdão do Plenário do STA, de 08.07.1987, processo n.º 78/86).

Como ensinava Marcello Caetano, citado no referido Ac. do Pleno do STA "a fundamentação exerce no ato resultante do exercício de poderes vinculados o mesmo papel que na sentença: mostra como os factos provados justificam a aplicação de certa norma e a dedução de determinada conclusão, esclarecendo o objeto do ato...Mas, se o poder exercido é discricionário, tem ainda maior importância, pois vem revelar as razões que levaram 0 órgão a escolher uma solução, em vez de outra, de entre as que lhes estavam facultadas.»

E, como ficou demonstrado pelo Autor foi esta a situação verificada».

Como se disse no acórdão recorrido a propósito da (falta) de fundamentação:

«Conforme tem vindo a ser decidido pela melhor jurisprudência, a fundamentação do acto administrativo consiste em descrever o iter cognoscitivo do raciocínio do decisor, para que o destinatário, colocado na posição de um declaratário normal, possa entender, por que razão o decisor decidiu naquele sentido e não noutro. Ou seja, a fundamentação representa o caminho a percorrer pelo decisor, de forma inteligível e coerente, até á decisão final.

In casu, mostram os factos que a classificação da entrevista do Autor não se mostra inteligível e de acordo com o caminho de raciocínio percorrido – isto é, por que razão a classificação foi aquela e não outra, comparativamente com outros candidatos – cf. nº 16 do probatório e doc. nº 19

E, com efeito, como provado em 5., 6. e 7., da ficha individual do ora Recorrido não consta o resumo dos temas concretamente abordados na Entrevista, sendo estes uniformes em todas as fichas dos candidatos, não se encontrando nestas registadas quaisquer anotações do que concretamente se passou, donde não ser possível conhecer o percurso cognitivo e valorativo seguido pelo júri para atribuir uma determinada classificação e não outra (no caso de 9,33 valores), bem como em cada um dos factores avaliados (EP, VAP e ACC).

Dito isto, da respectiva ficha, não se extrai uma indicação sucinta dos assuntos abordados, os parâmetros de avaliação relevantes, a classificação atribuída nem o critério de notação que concretiza - concretizou - o desempenho individual do entrevistado (cfr., nesta matéria, entre outros o ac. do STA de 26.04.2018, proc. nº 287/17).

Por fim, conclui a Recorrente que «o Acórdão viola o artigo 50.º da Portaria n.º 83-A/2009, de 22 de Janeiro ao não estipular uma solução que salvaguarde o provimento já concretizado a partir da bolsa de recrutamento, adicionando apenas um lugar para satisfazer a pretensão do recorrido, caso a mesma se concretize» (conclusão L.).

Sucede que tal questão – da efectiva (ou não) aplicação no caso da previsão do art. 50.º da citada Portaria – não só não foi peticionada na petição inicial (o que foi peticionado foi a anulação do acto e a repetição do procedimento concursal), como lida a contestação nada vem mencionado a esse propósito.

Trata-se, portanto, de matéria que não integra a alegação constante da contestação e que não foi, portanto, resolvida pelo tribunal a quo.

Ora, sendo os recursos jurisdicionais meios de impugnação de decisões judiciais, não devem ser utilizados como meio de julgamento de questões que não tenham sido oportunamente invocadas (e, portanto, debatidas e decididas). Significa isto que depois de proferida a decisão em primeira instância não pode ser apreciada, designadamente em sede de recurso jurisdicional, qualquer questão nova.

Como se concluiu, entre muitos outros, no acórdão do STA de 27.04.2016, proc. n.º 288/15: «[o]s recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre» (v., também, i.a., o ac. deste TCAS de 22.09.2016, proc. nº 13594/16, por nós relatado).

Assim, por a enunciada questão constituir questão nova, está dela este tribunal de recurso impedido de conhecer.

Mas mesmo se assim não se entendesse, sempre o recurso não poderia proceder igualmente neste ponto. Com efeito, a decisão recorrida assentou o seu dispositivo na determinação da repetição do procedimento por vícios próprios do Aviso, condenando a R. a publicitá-lo de acordo com as disposições conjugadas do Decreto-Lei n.º 29/2001 e demais legislação aplicável. O que geraria a invalidade dos actos subsequentes, com a impossibilidade do seu aproveitamento.

Donde, tudo visto, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a decisão recorrida.

A decisão proferida pelo relator sobre o mérito da causa é de manter integralmente, nos exactos termos da sua fundamentação que aqui se reitera.

Pelo que, nada mais importando apreciar, na improcedência da presente reclamação, terá que manter-se a decisão do relator.



7. Sumariando:

I – A fundamentação do acto administrativo consiste em descrever o iter cognoscitivo do raciocínio do decisor, para que o destinatário, colocado na posição de um declaratário normal, possa entender, por que razão o decisor decidiu naquele sentido e não noutro. Ou seja, a fundamentação representa o caminho a percorrer pelo decisor, de forma inteligível e coerente, até á decisão final.

II – Não constando da ficha individual do ora Recorrido o resumo dos temas concretamente abordados na Entrevista, sendo estes uniformes em todas as fichas dos candidatos, não se encontrando nestas registadas quaisquer anotações do que concretamente se passou, não se mostra possível conhecer o percurso cognitivo e valorativo seguido pelo júri para atribuir uma determinada classificação e não outra (no caso de 9,33 valores), bem como em cada um dos factores avaliados (EP, VAP e ACC), pelo que o acto não está fundamentado.



8. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em indeferir a reclamação apresentada, confirmando-se a decisão sumária do relator.

Custas pela Recorrente/Reclamante.

Lisboa, 10 de Setembro de 2020



Pedro Marchão Marques

Alda Nunes

Lina Costa