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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06897/13
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:06/18/2015
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO.
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO ENQUANTO FUNDAMENTO DE PROCESSO DE IMPUGNAÇÃO.
NATUREZA RECEPTÍCIA DO ACTO TRIBUTÁRIO.
NOTIFICAÇÃO COMO SIMPLES CONDIÇÃO DE EFICÁCIA DO ACTO TRIBUTÁRIO.
A NOTIFICAÇÃO RELEVANTE PARA EFEITOS DE OBSTAR À CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAÇÃO É A RELATIVA AO SUJEITO PASSIVO ORIGINÁRIO DO TRIBUTO.
PROVA DA NOTIFICAÇÃO AO SUJEITO PASSIVO ORIGINÁRIO DO TRIBUTO.
PRINCÍPIO DA INVESTIGAÇÃO.
DÉFICE INSTRUTÓRIO (CFR.ARTº.662, Nº.2, AL.C), DO C.P.CIVIL, NA REDACÇÃO DA LEI 41/2013, DE 26/6).
Sumário:
1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr.artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil).
2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma.
3. Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo período. O instituto da caducidade tem por fundamentos vectores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública constitui a razão explicativa para que o prazo de caducidade corra sem suspensões e interrupções e, em princípio, que só o exercício do direito durante o mesmo impeça que a caducidade opere.
4. No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, encontra actualmente consagração genérica no artº.45, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12, norma que vem consagrar um prazo de caducidade de quatro anos (cfr.anterior artº.33, nº.1, do C.P.Tributário, o qual consagrava o prazo de cinco anos). Face à redacção do aludido artº.45, da L. G. Tributária, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos.
5. A possibilidade de exame da caducidade do direito à liquidação pode verificar-se no âmbito do processo de impugnação, desde que estejamos perante situação que se reconduz à estruturação de liquidação fora do prazo de caducidade e, necessariamente, também a respectiva notificação foi efectuada fora do prazo. Mais se dirá que a conjuntura de caducidade sob exame por contender com a legalidade, que não com a exigibilidade da dívida, deve visualizar-se como fundamento típico do processo de impugnação judicial e não do processo de oposição à execução fiscal.
6. A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação.
7. No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.).
8. A notificação relevante para efeitos de obstar à caducidade do direito de liquidação (natureza receptícia do acto tributário) é a relativa ao contribuinte, o sujeito passivo originário do tributo, e não a dos outros responsáveis solidários ou subsidiários.
9. Nos presentes autos, importa indagar se foi efectuada a notificação ao sujeito passivo originário do tributo e na forma legal, dentro do prazo de caducidade das liquidações objecto do processo. Ora, do exame da factualidade provada não se retira que tenha sido levada em consideração, pelo Tribunal "a quo", tal matéria. Por outro lado, da análise do processado igualmente se conclui que não foi produzida prova sobre a mesma factualidade.
10. Nestes termos, recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos constitutivos, modificativos e/ou extintivos de direitos, a actividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, o qual, atento o disposto nos artºs.13, do C.P.P.Tributário, e 99, da L.G.Tributária, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, assim se afirmando, sem margem para dúvidas, o princípio da investigação do Tribunal Tributário no domínio do processo judicial tributário.
11. Arrematando, verifica-se uma situação de défice instrutório que demanda o exercício de poderes cassatórios por parte deste Tribunal nos termos do artº.662, nº.2, al.c), do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, devendo ordenar-se a baixa dos autos, com vista a que seja estruturada a instrução do processo pelo Tribunal de 1ª. Instância.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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JOÃO………………………………….., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.68 a 74 do presente processo que julgou improcedente a impugnação pelo recorrente intentada, visando liquidações de I.R.C., relativas aos anos de 2006, 2007 e 2008 e no valor total de € 33.096,26.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.89 a 92 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A douta sentença reconhece a inexistência de participação do administrado na formação da decisão de reclamação graciosa e recurso hierárquico sobre os actos de liquidação;
2-Contudo, não conclui pela revogação das decisões administrativas;
3-O pedido final da p.i. de impugnação expressamente refere "decidindo a douta decisão por revogar a decisão proferida em sede de recurso hierárquico... ";
4-Não obteve, no entanto, qualquer pronúncia sobre o pedido formulado, embora as referências normativas que perpassam ao longo da douta sentença, aparentem concordar com a motivação do impugnante;
5-Face à decisão final de improcedência da impugnação e omissão quanto a pedido formulado expressamente a final da p.i., entende o recorrente, que a douta sentença enferma de nulidade nos termos do artigo 668 n° 1 alínea d) do CPC;
6-Declarada nula a douta sentença do Tribunal a quo, deve o processado regressar à autoridade administrativa, sob pena de perpassar uma mensagem à AT de aceitação e irrelevância perante uma violação de um direito com consagração constitucional;
7-As alegações do impugnante quanto aos elementos essenciais da liquidação e notificação do devedor originário não foram, ao que se presume, compreendidas na totalidade;
8-O que é arguível em requerimento dirigido ao órgão de execução visando a nulidade da citação são os vícios da citação e não da liquidação;
9-Resulta da própria lei, que a citação do responsável subsidiário deve ser acompanhada dos elementos essenciais da liquidação;
10-A motivação em sede da p.i. é a de que a liquidação é ilegal pois não produz efeitos, em termos de legalidade em sentido lato, nem na esfera jurídica do devedor originário nem na esfera do revertido;
11-Donde, não pode produzir efeitos quer a nível de legalidade quer a nível de exigibilidade na esfera do responsável subsidiário;
12-Não faz sentido notificar um qualquer revertido de uma liquidação se ainda não notificou o devedor originário para o mesmo efeito;
13-O responsável subsidiário tem o direito de exigir prova de que o acto de liquidação foi validamente notificado ao devedor originário, prova que, até ao momento não lhe foi feita e que incontornavelmente contende com a sua legalidade;
14-Reconhecendo, quanto à matéria da exigibilidade do tributo o sentido destas alegações em sede executiva, mantém-se a convicção quanto a questões de legalidade da liquidação em sentido estrito e lato a potencial alegação em sede de impugnação judicial;
15-Termos em que nos melhores de Direito devem as presentes alegações ser recebidas por estarem em tempo, concedendo-se provimento ao recurso, por provado, decidindo a douta decisão do Tribunal ad quem, pela revogação da decisão proferida em 1.ª Instância, anulando assim o acto de liquidação de que se recorre.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de se negar provimento do presente recurso (cfr.fls.105 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.108 do processo), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.69 a 71 dos autos - numeração nossa):
1-Em 30/05/2007, a sociedade "…………………….., Lda." procedeu à entrega da declaração periódica de rendimentos (Modelo 22) referente ao exercício de 2006 (cfr. informação exarada a fls.42 a 49 do processo administrativo apenso);
2-Em 29/06/2008, a sociedade "……………………….., Lda." procedeu à entrega da declaração periódica de rendimentos (Modelo 22) referente ao exercício de 2007 (cfr. informação exarada a fls.42 a 49 do processo administrativo apenso);
3-Em 16/05/2009, a sociedade "……………………, Lda." procedeu à entrega da declaração periódica de rendimentos (Modelo 22) referente ao exercício de 2008 (cfr. informação exarada a fls.42 a 49 do processo administrativo apenso);
4-A sociedade "……………………., Lda." não procedeu ao pagamento dos valores apurados nas declarações periódicas de rendimentos a que aludem os nºs.1, 2 e 3 do probatório (cfr.informação exarada a fls.42 a 49 do processo administrativo apenso);
5-Tendo por base a matéria colectável constante nas declarações periódicas entregues pela sociedade "……………………., Lda." e identificadas nos nºs.1, 2 e 3 supra, a A. Fiscal emitiu as seguintes liquidações:
a) ………………., de 20/07/2007 (exercício de 2006), no montante de € 6.652.06;
b) ………………. de 03/07/2008 (exercício de 2007), no montante de € 22.459,03;
c) ………………. de 16/06/2009 (exercício de 2008), no montante de € 3.9395,17 (cfr. informação exarada a fls.36 a 38 do processo administrativo apenso; documentos juntos a fls.9, 12 e 15 do processo de reclamação graciosa apenso);
6-O 3º. Serviço de Finanças de Sintra instaurou contra "…………………., Lda." o processos de execução fiscal nº………………… e apensos, visando a cobrança dos valores a que alude o nº.5 do probatório, no âmbito dos quais foi proferido despacho de reversão contra o responsável subsidiário, aqui impugnante (cfr.documentos juntos a fls.33 e 34 do processo administrativo apenso);
7-Em Abril de 2010, o impugnante foi citado em reversão tendo deduzido oposição fiscal (cfr.documentos juntos a fls.33 e 34 do processo administrativo apenso);
8-Na sequência de requerimento apresentado pelo impugnante em 23/04/2010, o 3º. Serviço de Finanças de Sintra, emitiu para os efeitos do artº.22, nº.4, da L.G.T., as certidões juntas a fls.33 e 34 do processo administrativo apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
9-Em 27/08/2010, o impugnante deduziu reclamação graciosa contra as liquidações de I.R.C. a que alude o nº.5 do probatório (cfr.documentos juntos a fls.2 a 5 do processo de reclamação graciosa em apenso);
10-No âmbito do processo gracioso a que alude o nº.9 do probatório foi emitida informação da qual se destaca :"... É dispensada a audição prévia pois a Administração Fiscal se limitou a fazer a interpretação das normas legais aplicáveis ao caso, e nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 60 as liquidações reclamadas terem sido efectuadas com base na declaração do contribuinte." (cfr.informação exarada a fls.23 a 25 do processo de reclamação graciosa apenso);
11-Em 17/09/2010, o Chefe do 3º. Serviço de Finanças de Sintra exarou na informação a que alude o nº.10 do probatório o seguinte despacho: "Concordo, pelo que tendo em atenção a informação prestada e o parecer que antecedem é o pedido indeferido, nos termos e com os fundamentos propostos." (cfr.documento junto a fls.22 do processo de reclamação graciosa apenso);
12-Em 29/9/2010, o impugnante foi notificado da decisão a que alude o nº.11 do probatório (cfr.documentos juntos a fls.27 e 28 do processo de reclamação graciosa apenso);
13-Em 25/10/2010, o impugnante interpôs recurso hierárquico contra a decisão de indeferimento expresso a que alude o nº.12 do probatório, invocando, preterição de formalidade legal do procedimento de reclamação graciosa por falta de notificação para o exercício de audição prévia (cfr.documento junto a fls.2 e 3 do processo de recurso hierárquico apenso);
14-No âmbito do recurso hierárquico a que alude o nº.13 do probatório foi emitida informação, da qual se extrai designadamente o seguinte: "Nos termos do n.°2 do art. 60° da LGT é dispensado o direito de audição prévia quando as liquidações se efectuem com base na declaração do contribuinte o que ficou provado no processo de reclamação graciosa junta aos autos. Assim sou de parecer ser manter o despacho de indeferimento, remetendo-se os autos ao Director de Finanças de Lisboa nos termos e para os efeitos previstos no n°3 do art. 66 do CPPT." (cfr.informação exarada a fls.24 a 25 do processo de recurso hierárquico em apenso);
15-Em 31/03/2011, mediante despacho proferido pela Diretora de Serviços do Imposto Sobre o Rendimento de Pessoas Singulares o recurso hierárquico a que alude o nº.13 do probatório foi indeferido, nos termos que aqui se dão como integralmente reproduzidos, destacando-se, porém, a seguinte passagem:
"IV- DIREITO DE AUDIÇÃO
Considerando que em sede de recurso hierárquico, os serviços se limitaram a fazer a interpretação das normas legais aplicáveis, deverá nesta fase do procedimento ser dispensada a audição, face ao disposto na alínea a), do n.°3, da Circular 13/99, de 08 de Julho (...)."
(cfr.documento junto a fls.30 a 38 do processo de recurso hierárquico em apenso);
16-Em 26/04/2011, o impugnante foi notificado da decisão de indeferimento a que alude o nº.15 do probatório (cfr.documentos juntos a fls.39 a 41 do processo de recurso hierárquico em apenso).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos e do p.a. em apenso, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório...”.

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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente improcedente a impugnação que originou os presentes autos em virtude do que confirmou as liquidações que lhe são objecto (cfr.nº.5 do probatório),
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o apelante, em primeiro lugar, que a decisão recorrida reconhece a inexistência de participação do administrado na formação da decisão de reclamação graciosa e recurso hierárquico incidentes sobre os actos de liquidação. Que no final da p.i. expressamente refere "decidindo a douta decisão por revogar a decisão proferida em sede de recurso hierárquico... ". Que não obteve qualquer pronúncia sobre o pedido formulado. Que face à decisão final de improcedência da impugnação e omissão quanto ao pedido formulado expressamente a final da p.i. se verifica a nulidade nos termos do artº.668, nº.1, al.d), do C.P.C. (cfr.conclusões 1 a 5 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, se bem percebemos, concretizar uma nulidade da sentença recorrida devido a omissão de pronúncia.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.615, do C.P.Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.7029/13).
A sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).
Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P. Tributário).
Ainda, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.577 e 578, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº.133, nº.2, do C.P.Administrativo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac. T.C.A.Sul-2.ªSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365).

Revertendo ao caso dos autos, do exame da decisão recorrida, conclui-se que esta examinou a questão da falta de audição do impugnante/recorrente antes da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, enquanto eventual preterição de formalidade legal prevista no artº.60, da L.G.T., embora conclua pela improcedência de tal esteio da impugnação, devido à impossibilidade de tal vício projectar efeitos invalidantes sobre um acto tributário que o antecede (cfr.fls.72 e 73 dos autos), assim não ocorrendo qualquer falta de pronúncia sobre questões alegadas pelo recorrente, tudo ressalvando-se a eventual existência de erro de julgamento, matéria que não cumpre apreciar nesta sede.

Em suma, não se vê que a decisão recorrida tenha omitido pronúncia e, nestes termos, improcedendo este alicerce do recurso.
Alega o recorrente, igualmente e em síntese, que o responsável subsidiário tem o direito de exigir prova de que o acto de liquidação foi validamente notificado ao devedor originário, prova que, até ao momento, não lhe foi feita e que incontornavelmente contende com a sua legalidade. Que tal matéria é passível de alegação em sede de impugnação judicial. Que não faz sentido notificar um qualquer revertido de uma liquidação se ainda não se notificou o devedor originário para o mesmo efeito (cfr.conclusões 6 a 14 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Se bem percebemos, o recorrente chama à colação a caducidade do direito à liquidação, fundamento que já havia aduzido na p.i. (cfr.artºs.7 a 18 da p.i.).
Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo período. O instituto da caducidade tem por fundamentos vectores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública constitui a razão explicativa para que o prazo de caducidade corra sem suspensões e interrupções e, em princípio, que só o exercício do direito durante o mesmo impeça que a caducidade opere. A necessária brevidade da relação jurídica que comporta um direito caducável determina que o não exercício do mesmo no prazo legal ou convencionalmente definido acarreta a sua extinção. Refira-se, ainda, que a caducidade, determinando a extinção do direito e da correspondente vinculação sem mais, não gera o consequente aparecimento de uma obrigação natural, contrariamente ao que acontece com o instituto da prescrição. Por último, a caducidade deve consubstanciar-se como uma excepção peremptória passível de apreciação oficiosa pelo Tribunal (cfr.artºs.328, 331 e 333, todos do C.Civil; artº.496, do C.P.Civil; Luis A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, A.A.F.D.L., 1983, pág. 567 e seg.; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª.edição, Coimbra Editora, 1989, pág.372 e seg.; Aníbal de Castro, A Caducidade na doutrina, na lei e na jurisprudência, 3ª.edição, 1984, pág.29 e seg.).
No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, encontra actualmente consagração genérica no artº.45, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12, norma que vem consagrar um prazo de caducidade de quatro anos (cfr.anterior artº.33, nº.1, do C.P.Tributário, o qual consagrava o prazo de cinco anos). Face à redacção do aludido artº.45, da L. G. Tributária, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/10/2012, proc.5792/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.7031/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/10/2014, proc.7773/14; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e Anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4ª. Edição, 2012, pág.359 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.259 e seg.; Joaquim Casimiro Gonçalves, A caducidade face ao direito tributário, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, 1999, pág.225 e seg.).
A Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela Lei Constitucional nº.1/82, de 30/9, prevê no seu artº.268, nº.3, que os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei (lei ordinária), assim impondo à Administração um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, do teor dos actos praticados, comunicação essa que deve incluir também a própria fundamentação do acto que do mesmo faz parte integrante (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª. Edição revista, II volume, Coimbra Editora, 2010, pág.824 e seg.).
A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.239 a 242; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.94 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.309 a 311).
No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.5673/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12).
Mais se dirá que a conjuntura de caducidade sob exame por contender com a legalidade, que não com a exigibilidade da dívida, deve visualizar-se como fundamento típico do processo de impugnação judicial e não do processo de oposição à execução fiscal (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção,12/10/2005,rec.633/05;ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2012, proc.5594/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.7031/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/04/2015, proc.8399/15).
Por último, deve vincar-se que, tanto à face do anterior C.P.T., como da actual L.G.T., o facto que obsta à caducidade do direito à liquidação e consequente inexigibilidade da dívida exequenda é a notificação do contribuinte ou sujeito passivo originário do tributo no prazo determinado na lei e cujo marco inicial se verifica, nos impostos periódicos como é o I.R.C., no termo do ano em que se verificou o facto tributário (cfr.artº.33, nº.1, do C.P.T.; artº.45, nºs.1 e 4, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/01/2014, proc.7016/13; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 1/10/2014, proc.7773/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.491 e seg.).
No caso vertente, o que importa, pois, é indagar se foi efectuada a notificação ao sujeito passivo originário do tributo e na forma legal (a sociedade ".................................., Lda."), dentro do prazo de caducidade das liquidações objecto do processo.
Ora, do exame da factualidade provada não se retira que tenha sido levada em consideração, pelo Tribunal "a quo", tal matéria. Por outro lado, da análise do processado igualmente se conclui que não foi produzida prova sobre a mesma factualidade.
Nestes termos, recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos constitutivos, modificativos e/ou extintivos de direitos, a actividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, o qual, atento o disposto nos artºs.13, do C.P.P.Tributário, e 99, da L.G.Tributária, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, assim se afirmando, sem margem para dúvidas, o princípio da investigação do Tribunal Tributário no domínio do processo judicial tributário (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.859; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.173 e seg.).
Arrematando, verifica-se uma situação de défice instrutório que demanda o exercício de poderes cassatórios por parte deste Tribunal nos termos do artº.662, nº.2, al.c), do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, devendo ordenar-se a baixa dos autos, com vista a que seja estruturada a instrução do processo pelo Tribunal de 1ª. Instância de acordo com os trâmites mencionados supra, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em ANULAR A SENTENÇA RECORRIDA E ORDENAR A BAIXA DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE 1ª. INSTÂNCIA, cumprindo-se em conformidade com as diligências de instrução que se reputem úteis e necessárias à discussão da matéria de facto para os fins acima precisados, após o que se deverá proferir nova sentença que leve em consideração a factualidade entretanto apurada.
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Sem custas.
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Registe.
Notifique.

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Lisboa, 18 de Junho de 2015



(Joaquim Condesso - Relator)




(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Jorge Cortês - 2º. Adjunto)