Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2481/12.0BELS
Secção:CT
Data do Acordão:02/24/2022
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO
EFEITO DO RECURSO
QUESTÕES NOVAS
Sumário:I Em regra o dos recursos jurisdicionais em matéria tributária é meramente devolutivo, só assim não será nas condições de exclusão referidas no n.º 2 do artigo 286.º do CPPT, o mesmo é dizer que, excecionalmente poderá o efeito dos recursos ser suspensivo se tiver sido prestada garantia nos termos do CPPT e/ou, se o efeito devolutivo afetar o efeito útil dos recursos.

II Em matéria de recursos, constitui princípio básico e elementar o de que a impugnação de decisão judicial visa a modificação da mesma, por via do reexame da matéria nela apreciada, e não a criação de decisão sobre matéria nova, assim, estando o tribunal de recurso limitado nos seus poderes de cognição às questões que, tendo sido ou devendo ter sido objeto da decisão recorrida, sejam submetidas à sua apreciação .

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:1 – RELATÓRIO

M......, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que determinou a absolvição a Fazenda Publica da instância nos presentes Embargos de Terceiro deduzidos no âmbito dos processos de execução fiscal nº 422…., instaurados pelo Serviço de Finanças de Odivelas, contra a E......, LDA., para cobrança coerciva de dívidas de IVA de 2001, período 2000-07 2000-09, no montante de € 2.599,68, por considerar impróprio o meio processual utlizado.

Os Embargos dirigem-se à penhora da casa, que identifica como sendo morada de família e cuja venda eletrónica (n.º 42…..), se encontrava marcada para o dia 29/08/2012.

Apresentou alegações que terminou com o seguinte quadro conclusivo:

«1 - Em 1° lugar a A Recorrente vem levantar uma Questão Prévia, concretamente, quanto ao efeito devolutivo atribuído ao presente Recurso pelo Tribunal “a quo”, no Douto Despacho proferido no dia 8 de Abril de 2019.

2 - A Recorrente discorda dessa atribuição de efeito devolutivo, uma vez que se for mantido esse efeito ao Recurso, o mesmo pode perder o efeito útil na sua análise e discussão, nomeadamente, porque poderá vir a ser decidido pela realização da venda do imóvel penhorado, o qual é a Casa de Morada de Família da Recorrente e do seu marido, o Executado E......, bem como dos seus filhos e neta.

3 - A referida venda da Casa de Morada de Família, a realizar-se, violaria o Direito Constitucional à Habitação do referido Agregado Familiar da Recorrente, pois iria prejudicar e fazer perigar gravemente a estabilidade da sua habitação, sendo certo que não exista Decisão sobre o presente Recurso.

4 - Concluindo, requer-se a V.as Ex.as, Venerandos Desembargadores, que atribuam efeito suspensivo ao presente Recurso, revogando-lhe o efeito devolutivo atribuído pelo Tribunal “a quo”.

5 - Seguidamente a Recorrente alega que não se conforma com as decisões que foram proferidas contra si na Douta Sentença proferida em dia que se desconhece, pelo que vem recorrer da mesma.

6 - Primeiramente, a Recorrente discorda totalmente que se considere que a sua Citação para os autos de Execução Fiscal apenas tenha siso revogada na parte referente ao artigo 193° do CPPT, defendo-se na Sentença Recorrida que se manteve quanto aos efeitos previsto no artigo 239° do CPPT.

7 - Não se entende como é possível revogar o acto de Citação da ora Recorrente apenas quanto ao artigo 193° do CPPT, quando essa Citação integrava a comunicação dos efeitos previstos nos aludidos artigos 193° e 239°, ambos do CPPT, pelo que, deverão V.as Ex.as, Venerandos Desembargadores, considerar que a revogação da Citação da ora Recorrente abarcou os efeitos jurídicos previstos nos artigos 193° e 239°, ambos do CPPT e não apenas os efeitos previstos no artigo 193° desse diploma legal.

8 - Sem prescindir, refira-se que a ora Recorrente pediu a suspensão da realização da venda da sua Casa de Morada de Família, sita na Rua Laura Aires, n.° ….., no lugar de Arroja, concelho de Odivelas, no mesmo Requerimento de Embargos de Terceiro que apresentou na presente Execução Fiscal a 24 de Agosto de 2012, pois tomou conhecimento da data designada para a realização da mesma, dia 29/08/2012, como reconhecido na Douta Sentença recorrida, concretamente, no último parágrafo do número 1 do Ponto I - Relatório, suspensão que veio a conseguir.

9 - A Recorrente e o seu marido E......, Executado por Reversão, já viviam na fracção autónoma quando a mesma lhes foi penhorada, continuando a destinar- se a ser a sua Casa de Morada de Família e, por conseguinte, é exclusivamente a sua residência própria e permanente, sendo que o Agregado Familiar integra ainda 3 filhos e uma neta, conforme Docs. n.° 1 a n.° 6 ora juntos.

10 - Dispõe o n.° 2, do artigo 244° do CPPT que: “Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim. ”, sendo que, ao dia 24/08/2012 esta disposição legal não se encontrava em vigor, no entanto, já nessa data a Recorrente pretendia travar a realização da venda da Casa de Morada de Família do seu Agregado Familiar.

11 - A referida norma - n.° 2, do artigo 244° do CPPT - foi introduzida no sistema jurídico Português pela Lei n.° 13/2016, de 23 de Maio, pretendendo o Legislador proteger a Casa de Morada de Família no âmbito de processos de Execução Fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do Executado, conforme previsto no artigo 1° dessa Lei.

12 - O impedimento previsto no n.° 2, do artigo 244° do CPPT, claramente, é a defesa e garantia do Direito Constitucional à Habitação, previsto no artigo 65° da CRP, sendo este um Direito superior em relação à tutela do crédito tributário, pretendida na Execução Fiscal.

13 - A Casa de Morada de Família, ou se se quiser, o domicílio familiar, corresponde, numa Dimensão Constitucional, ao espaço habitacional de acesso restrito ao agregado familiar que nele reside e ao qual o acesso de estranhos é vedado e onde, através da garantia da sua inviolabilidade, é possível o livre desenvolvimento da personalidade, e, consequentemente, da inviolabilidade de Reserva da Vida Privada, prevista no artigo 26.°, n.° 1, da CRP, conforme ensinam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra, Coimbra Ed.a, 4.a edição rev. 2007, p. 539 e Jorge Miranda - Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, Coimbra Ed.a, 2E edição, 2010, p. 759, visando-se proteger um Direito de toda a Família do Devedor, e não apenas um Direito individual do mesmo, conforme se constata pela conjugação dos artigos 65° e 67°, ambos da CRP.

14 - De primordial importância é a aplicação das alterações introduzidas pela Lei n.° 13/2016, de 23/05, a todas as Execuções Fiscais pendentes à data da entrada em vigor da mesma, como é o n.° 2, do artigo 244° do CPPT, conforme ao seu artigo 5°.

15 - Face a tudo o que supra foi alegado quanto à aplicação aos presentes autos do dispositivo legal previsto no n.° 2, do artigo 244° do CPPT, entende ainda a Recorrente que o Requerimento por si apresentado no dia 24 de Agosto de 2012, deveria ter sido convolado em Pedido para a não realização da venda da fracção autónoma penhorada, por esta ser a Casa de Morada de Família da Recorrente, do seu marido e Executado nos mesmos, bem como a sua e do seu Agregado Familiar, a qual é destinada exclusivamente a sua Habitação própria e permanente.

16 - Concluindo, a Casa de Morada de Família do Agregado Familiar da Recorrente e do seu marido, o Executado E......, apesar de Penhorada, por força da aplicação do disposto no n.° 2, do artigo 244° do CPPT aos presentes autos, está impedida de ser vendida nos presentes autos, por se destinar exclusivamente a habitação própria e permanente do Executado, da Recorrente e do respectivo Agregado Familiar.

Em conclusão, afigura-se-nos, assim, que houve uma errónea interpretação das normas aplicáveis ao caso em apreço, designadamente, ao não ter sido convolado o processado e ao não ter sido aplicado o n.° 2, do artigo 244° do CPPT ao presente caso, violando-se ainda o Direito Constitucional à Habitação, previsto no artigo 65° da CRP.

ASSIM DECIDINDO V.AS EX.AS, ILUSTRES DESEMBARGADORES, FARÃO A TÃO DESEJADA JUSTIÇA.»


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A recorrida, devidamente notificado para o efeito, não apresentou contra-alegações.

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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, veio, nos termos do artigo 289.º n. º1 do CPPT, oferecer o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Com dispensa de vistos legais vem os autos à conferência.

2 - OBJETO DO RECURSO

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente a partir das alegações que definem, o objeto dos recursos que vêm submetidos e consequentemente o âmbito de intervenção do Tribunal “ad quem”, com ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua apreciação (cfr. artigos 639.º, do CPC e 282.º, do CPPT).

Na situação sub judice a questão que nos vem colocada como objeto do recurso consiste em errónea interpretação das normas aplicáveis ao caso em apreço, designadamente, quanto aos efeitos da citação, face à revogação parcial da mesma e á aplicação do n.º 2, do artigo 244° do CPPT ao presente caso, com eventuais repercussões na violação do Direito Constitucional à Habitação, previsto no artigo 65° da CRP.

Todavia, antes de qualquer pronuncia quanto às questões levantadas no salvatério que, adiante-se desde já, não foram apreciadas na sentença sob recurso, cabe apreciar a questão que nos vem posta quanto à fixação dos efeitos do recurso pelo TT de Lisboa, pretendendo o oponente que seja fixado efeito suspensivo.


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3 – FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«4.1.

FACTOS PROVADOS

a) Em 10/12/2011, o serviço de finanças de Odivelas instaurou à sociedade E...... Unipessoal Ld.a, com sede em Odivelas, o processo de execução fiscal n.° 42….., para cobrança coerciva de uma dívida de IVA, relativa ao ano de 2001, no montante de € 2.599,68 (dois mil, quinhentos e noventa e nove euros e sessenta e oito cêntimos) – autuação do PEF e certidão de dívida, junta a fls. 2 do PEF, apenso aos autos, cujos conteúdos aqui se dão por reproduzidos, para todos os legais efeitos.

b) Posteriormente, foram apensados ao PEF, identificado na alínea antecedente, outros processos de execução fiscal, sendo que, em 21/04/2009 - data em que foi revertida a dívida exequenda contra o devedor subsidiário E......, a dívida ascendia a € 30.623,40 - despacho de reverão junto a fls. 16 do PEF, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.

c) Em 08/09/2009, em sede do PEF, identificado nas alíneas antecedentes, foi penhorado a fracção autónoma, designada pela letra C, do prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo urbano 1….., da freguesia de Odivelas, e sito na rua Laura Aires, lote ……., na Arroja, a qual se encontra registada em nome de E......(aquisição em 09/07/1997), constando uma actualização do registo em 13/03/2016, do seguinte teor: “O titular é actualmente casado com M......, na comunhão de adquiridos” - certidão de registo predial, junta a fls. 14 e segs. dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

d) Em 21/09/2010 foi M......, ora embargante, regularmente citada na qualidade de executada, nos termos do disposto no artigo 193.° do CPPT, bem como regularmente citada da penhora efectuada e para querendo, requerer a separação judicial de bens, nos termos do disposto no artigos 239.° e 220.° do CPPT - ofício de citação e demais expediente de notificação, junto a fls. 83 e segs. dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, para todos os legais efeitos.

e) Concretamente, o teor do ofício é o seguinte:
“Fica por este meio, devidamente notificado, na qualidade de cônjuge do executado de que se encontram penhorados a favor da Fazenda Nacional, o bem designado em folha que se junta fotocópia, para garantia das dívidas referentes aos processos de execução fiscal acima indicados.
Fica igualmente citada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 193.° do CPPT, de que dispõe do prazo de 30 dias, a contar da recepção da presente citação, para proceder ao pagamento da dívida ou requerer o pagamento em prestações, deduzir oposição (...).
Assim, nos termos do artigo 220.° do CPPT, poderá requerer a separação judicial de bens, prosseguindo a execução sobre os bens se a separação não for requerida no prazo de 30 dias ou se se suspender a instância por inércia ou negligência do requerente em promover os seus termos processuais (....) - ” citado oficio junto a fls. 83 dos autos.

f) Em 11/11/2010 M...... juntou ao processo de execução fiscal comprovativo da entrega, no Tribunal de Família e Menores da comarca de Loures de acção de inventário para separação de bens comuns do casal, tendo sido proferido despacho de suspensão da execução em 29/10/2010 - facto admitido por acordo das partes e informação junta a fls. 92 e 93 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

g) A referida acção, a que coube o n.°7957/10.1 TCLRS, do 2.° Juízo do Tribunal de Família e Menores da comarca de Loures foi objecto de despacho de indeferimento liminar, por incompetência absoluta do Tribunal, não havendo notícia até à presente data, que a ora embargante tenha requerido a remessa da referida acção para o tribunal materialmente competente - sentença junta a fls. 68 e segs. dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzida.

h) Em 03/02/2011, o chefe do serviço de finanças, constatando que o chamamento à execução de M...... através da citação efectuada nos termos do artigo 193.° do CPPT (citação como executada), havia sido ilegal, “revogou o acto de citação, efectuada nos termos do artigo 193.° do CPPT", mantendo-se, no entanto, a citação para efeitos do exercício do direito previsto no artigo 239.° do CPPT (separação de bens) - despacho junto a fls. 93 dos autos e ofício de notificação, junto a fls. 94 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

i) Atento o desfecho da acção de separação de bens, movida pela ora embargante, o processo de execução fiscal prosseguiu os seus termos e, em 15/06/2012, foi determinada a venda, por leilão electrónico, do prédio penhorado nos autos - despacho junto a fls. 69 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

j) Em 24/08/2012, deu entrada no serviço de finanças de Odivelas a petição inicial dos presentes embargos - carimbo, aposto a fls. 5 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

4.2.

FACTOS NÃO PROVADOS

Não há factos não provados com relevância para a excepção, a apreciar.

4.3.

Resultou a convicção do tribunal da análise dos documentos juntos aos autos e ao PEF, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes.

Com relevo para os autos, deu-se como provado que o chefe do serviço de finanças revogou apenas e tão só o despacho de citação, proferido nos termos do artigo 193.° do CPPT, após análise e leitura crítica do despacho, identificado em 4.1.e), bem como do despacho, identificado em 4.1.h), concatenados com a informação prestada a fls. 92 e 93 dos autos.


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De direito

Conforme deixamos autonomizado no âmbito da delimitação do objeto do recurso, importa antes de mais, a título de questão prévia, proceder à apreciação da questão formulada quanto ao efeito do recurso, já que conforme se determina no Código de Processo Civil (CPC) (n.º 5 do art.º 641.º) a decisão que admita o recurso e determine o seu efeito não vincula o tribunal superior.

Na parte final do salvatério o recorrente vem dizer que “… se for mantido esse efeito ao Recurso, o mesmo pode perder o efeito útil na sua análise e discussão, nomeadamente, porque poderá vir a ser decidido pela realização da venda do imóvel penhorado, o qual é a Casa de Morada de Família da Recorrente e do seu marido, o Executado E......, bem como dos seus filhos e neta.” – concl. 1. a 4.

Apreciando, constatamos o TT de Lisboa aquando da admissão do recurso fixou o efeito meramente devolutivo, nos termos do n.º 2 do artigo 286.º, do CPPT (fls. 127 dos autos), que nos diz que: “[O]os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do presente Código ou o efeito devolutivo afetar o efeito útil dos recursos”.

Donde se depreende que a regra é o efeito meramente devolutivo dos recursos, só assim não será nas condições de exclusão referidas na norma citada, o mesmo é dizer que, excecionalmente poderá o efeito dos recursos ser suspensivo se tiver sido prestada garantia nos termos do CPPT e/ou, se o efeito devolutivo afetar o efeito útil dos recursos.

Ora, o efeito devolutivo do recurso afeta o seu efeito útil nas situações em que se prevê que a execução imediata da decisão possa provocar uma situação irreparável, o que acontece nas situações em que não se possa vir reconstituir a situação existente, no caso de provimento do recurso.

Na situação em análise o recorrente não especifica em que medida é que o efeito fixado ao recurso pode, ou poderá vir a provocar uma situação irreparável, e o tribunal também não o vislumbra.

A este respeito, acolhemos os ensinamentos de Jorge Lopes de Sousa no sentido de que “… o que está em causa, na atribuição de efeito devolutivo ou suspensivo e na apreciação do efeito útil do recurso, é a própria suspensão de efeitos da decisão recorrida e não do processo em que ela foi proferida. O efeito suspensivo do recurso também não implica suspensão do processo de execução fiscal que esteja pendente para cobrança da dívida cuja legalidade esteja a ser discutida no processo em que o recurso for interposto”, já que a suspensão da execução fiscal só tem lugar nos casos previstos na lei, concretamente no artigo 52º da LGT e 169º e 170º do CPPT. Quer isto dizer, pois, como salienta o mesmo autor, que “pelo facto de ser atribuído efeito suspensivo a um recurso jurisdicional, por se entender que a atribuição de efeito devolutivo afecta o seu efeito útil, o processo de execução fiscal não fica suspenso, se não se verificarem os requisitos de que depende a sua suspensão”- fim de citação

Nestes termos e regressando á questão que nos vem colocada damos conta que os argumentos da impugnante se espraiam, todos eles, na possibilidade de venda do imóvel e na violação do Direito Constitucional à Habitação do referido Agregado Familiar da Recorrente, consequência que a verificar-se aconteceria na decorrência do próprio processo executivo, situação que, como vimos, extravasa os efeitos da decisão proferida nos autos objeto deste recurso.

Contudo, a latere, sempre se acrescenta que, como ressalta do ponto m) do probatório por nós aditado que o processo executivo onde foi decretada a penhora foi suspenso por despacho do respetivo OEF, aquando da remessa destes Embargos ao TT de Lisboa.

Assim, não tendo a recorrente logrado qualquer outra materializar adversa ao efeito fixado, consideramos prejudicada a pronuncia jurisdicional, nesta instância quanto a esta questão.

Dito isto, prosseguimos

No âmbito da apreciação de mérito, urge clarificar que, como deixamos aflorado na delimitação do objeto do recurso, que em momento algum do salvatério a recorrente manifesta qualquer tipo de discordância com a decisão de que recorre.

Por seu lado, em sede de aplicação do direito a sentença recorrida decidiu, em síntese, absolver a Fazenda Publica da instância, concedendo provimento às exceções que lhe foram suscitadas pela Fazenda Pública e pelo Ministério Público de impropriedade do meio processual utilizado.

Com efeito, a Mma. Juíza a quo convocando o disposto no artigo do 237.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT) conconatado com o 1285.º do Código Civil (CC), vem dizer que face ao novo regime dos embargos, nada impede que, neste incidente, se defenda o direito de propriedade ou qualquer outro direito real menor que seja violado, ou cujo exercício fique perturbado, com a manutenção da penhora. Porém, conclui que, sendo a embargante, parte na execução fiscal, não pode assumir simultaneamente a qualidade de terceiro, pelo que o processo adequado a sindicar a sua posse é a referida acção de separação de bens, e bem assim que, caso se pretendesse sindicar o ato de penhora efectuada, o processo adequado seria o processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal, uma vez que aqui, detem os mesmos poderes processuais que o executado.

Para assim entender alicerçou o seguinte discurso fundamentador:

«(…) a embargante, foi regularmente notificada, em 21/09/2010, da penhora efectuada e para, querendo, requerer a separação judicial de bens, nos termos do disposto no artigos 239.° e 220.° do CPPT, citação que, nessa parte não foi revogada e, cujo conteúdo bem compreendeu, pois que, efectivamente a embargante requereu a separação judicial de bens.

Foi, igualmente, a ora embargante, regularmente advertida, nos termos do disposto no artigo 220.° do CPPT, de que “caso a instância de separação de bens não fosse requerida no prazo de 30 dias ou se suspendesse, por inércia ou negligência da requerente em promover os seus termos processuais, o processo de execução fiscal prosseguiria.”

E, foi o que sucedeu, porquanto não obstante M...... ter intentado a competente acção de inventário para separação de bens comuns do casal, nada fez para impulsionar aqueles autos, quando o Tribunal se julgou materialmente incompetente para julgar aquela causa, designadamente requerendo a remessa dos autos ao Tribunal competente.

Assim e, perante a inércia da ora embargante, ao serviço de finanças nada mais restava que prosseguir com a marcha do processo de execução fiscal.

Contudo, a acção de separação de bens era o meio processual de que a ora embargante dispunha para defender a sua “posse”, pois que, tendo a ora embargante sido citada nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 239.° e 220.° do CPPT, assume a posição de co-executada e, consequentemente, não é terceira, não podendo deduzir embargos.

Neste sentido se pronunciou o STA em acórdão proferido a 23/04/2013, em sede do processo n.° 010/13 “O cônjuge do executado, em execução fiscal em que foi penhorado um imóvel, e nesta, citado, nos termos do artigo 239.°, n. °1, do CPPT, que lhe confere os direitos de defesa do executado, está impedido de defender a sua posse mediante a dedução de embargos de terceiro.”

Bem como no acórdão proferido a 14/06/2012, em sede do processo n.° 0939/10: A obrigatoriedade da citação do cônjuge do executado/devedor que consta do título executivo nos casos de penhora de bens imóveis ou móveis sujeitos a registo na execução fiscal, com a subsequente atribuição ao cônjuge da posição de parte no processo executivo (detendo, a partir daí, a possibilidade de exercer todos os direitos processuais atribuídos ao executado), implica que ele não tenha a possibilidade de embargar de terceiro, por não deter a qualidade de “terceiro”, devendo reagir contra actos ilegais que afectem os seus direitos através dos meios processuais concedidos ao executado”.

E, ainda neste sentido se pronunciou Jorge Lopes de Sousa, (em “CPPT Anotado e Comentado”, Áreas Editora, 6.a Ed.a, Vol III., pag. 173), referindo: “(...) No processo de execução fiscal, a citação do cônjuge como co-executado ocorre em maior número de casos do que na execução comum, designadamente em todos em que a penhora incide sobre imóveis ou móveis sujeitos a registo (artigo 239.°, n.°1 do CPPT).

Com esta citação, o cônjuge passa a ter no processo todos os direitos conferidos ao executado, como se infere do preceituado no artigo 864.- A do CPC.

Nestes casos, não podendo o processo prosseguir sem a citação do cônjuge (artigo 239.°, n.°1 do CPPT), seria incompreensível que se admitisse o cônjuge a deduzir embargos de terceiro, por ter a qualidade de terceiro (por não ter sido ainda citado), para, depois de constatada a falta da sua obrigatória citação, ter de a efectuar, retirando-lhe a qualidade de terceiro, com a consequente ilegitimidade superveniente, mas atribuindo-lhe os muito mais vastos poderes de intervenção processual, que são concedidos ao próprio executado originário (...)

(....) Por isso, no processo de execução fiscal, em todos os casos em que tem de ser efectuada a citação referida no artigo 239.°, n.°1 do CPPT (isto é, sempre que forem penhorados bens imóveis ou móveis sujeitos a registo), aquela regra do n.°2 do artigo 97.° da LGT; impõe a conclusão de que não será permitido ao cônjuge a dedução de embargos de terceiro, mesmo enquanto não tiver sido citado, devendo a defesa dos seus direitos ser efectuada através da arguição da nulidade por falta de citação, com a consequente possibilidade de exercício de todos os direitos processuais, em que se inclui o de oposição à penhora, nos termos dos artigos 276.° e 278.° do CPPT.”»

Diga-se, desde logo, que não nos cumpre sindicar a decisão recorrida porque não constitui objeto do recurso, sendo certo que, como dissemos, a recorrente também não a contesta e assim sendo a mesma terá transitado em julgado.

Neste sentido, acolhemos, com a devida vénia, o que se disse, no acórdão do STA proferido em 14/01/2015 no processo n.º 0973/13, que aqui, parcialmente transcrevemos “… a parte da sentença que não seja recorrida transita em julgado, como resulta do disposto no art. 628.º do CPC («A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação».) – com os efeitos previstos no n.º 1 do art. 619.º do CPC («1. Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º».) – e o afirma expressamente o n.º 5 do citado art. 835.º do CPC («5. Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo».)”. – fim de citação

Ora, não tendo sido, como vimos que não foi, questionada a sentença que unicamente se pronunciou quanto á exceção dilatória de impropriedade do meio processual utilizado e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância, esta mantém-se válida na ordem jurídica quanto ao decidido.

Por fim, importa ainda referir que, como já dissemos, damos conta de que as questões levantadas no salvatério se reportam á:
ü possibilidade de se proceder à revogação do ato de citação apenas quanto ao artigo 193° do CPPT, mantendo-se a validade da restante comunicação. – concl. 6. e 7. , e

ü á impossibilidade de venda do imóvel por força do n.º 2 do artigo 244° do CPPT e violação do Direito Constitucional à Habitação, previsto no artigo 65° da CRP referido na conclusão 8 e seguintes,

Tratam-se de questões que não foram suscitadas no decurso dos autos e, consequentemente, a sentença não se pronunciou nem tinha que se pronunciar

De facto, decorre do n.º 2 do artigo 608.º do CPC que “[O]o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.]”

Por outro lado, preceitua ainda o artigo 627.º, n.º 1, do CPC, que as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos e neste sentido constituem os meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para pronuncia sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre. – o destacado é nosso

Com efeito os recursos jurisdicionais são, assim, um meio processual específico de impugnação de decisões judiciais e, como tal, o tribunal de recurso está impedido de apreciar questões novas, com exceção daquelas que sejam de conhecimento oficioso ou suscitadas pela própria decisão recorrida, sob pena de se produzirem decisões em primeiro grau de jurisdição sobre matérias não conhecidas pelas decisões recorridas.

Neste sentido, é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na jurisprudência que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, exceto se forem do conhecimento oficioso do Tribunal.

Acolhemos neste sentido o acórdão do STJ proferido em 29/11/2006, de cujo sumário, com a devida vénia se retira que “[C]constitui princípio básico e elementar em matéria de recursos o de que a impugnação de decisão judicial visa a modificação da mesma, por via do reexame da matéria nela apreciada, e não a criação de decisão sobre matéria nova, estando o tribunal de recurso limitado nos seus poderes de cognição às questões que, tendo sido ou devendo ter sido objecto da decisão recorrida, sejam submetidas à sua apreciação, isto é, constituam objecto da impugnação, o qual em processo penal se define e delimita através das conclusões formuladas na motivação de recurso.”

Dito isto, mais não resta do que considerar prejudicado a apreciação do alegado nas conclusões finais a que nos vimos referindo.

Termos em que, sem mais, improcedem in totum as conclusões recursivas sendo de confirmar a senteça recorrida, ao que se provirá na parte do dispositivo do presente aresto.

4 - DECISÃO

Em face do exposto, acordam, os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul não tomar conhecimento do recurso, mantendo-se, em consequência a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente

Lisboa, 24 de fevereiro de 2022


Hélia Gameiro Silva - Relatora

Ana Cristina Carvalho - 1.ª Adjunta

Lurdes Toscano 2.ª Adjunta

(Assinado digitalmente)


Vide, neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e Comentado, Volume IV, Àreas Editora, 2011 , pág. 446/447