Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2298/12.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/14/2019
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:EXECUÇÃO
COIMAS
CADUCIDADE DO DTO À LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - O artigo 204º do CPPT, respeitante aos fundamentos da oposição à execução, estabelece um elenco fechado de fundamentos. O nº1, alínea e) de tal preceito prevê que a oposição possa ser deduzida com fundamento na “Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade”, determinante da inexigibilidade da dívida exequenda.
II - Como a própria norma indica, refere-se a mesma a tributos cuja liquidação está sujeita a prazo de caducidade.
III - O que está em causa são tributos e não coimas; é relativamente àqueles, e não a estas, que se pode falar, com acerto, em caducidade do direito à liquidação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

Sociedade H……, SA, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, na oposição por si deduzida contra a execução fiscal nº 3107……, instaurada pelo Serviço de Finanças de Lisboa 8, para cobrança coerciva de dívida de coima e custas, julgou improcedente a oposição, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formulou, para tanto, as seguintes conclusões:


*

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

*

A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*

Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência.

*

2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

“Com interesse para a decisão da causa, com base nos documentos existentes nos autos, consideramos assente a seguinte factualidade:

A) Por despacho decisório proferido pelo Tribunal Tributário de Lisboa a 31/03/2009, no âmbito do recurso de contra-ordenação nº 1297/08.3BELRS, em que foi Recorrente a ora Oponente, consideraram-se provados os seguintes factos: «1. Em 13 de Julho de 2007, foi levantado o auto de notícia (…) imputando-lhe a prática de uma infracção prevista e punida nos arts. 96º nº 1 a) CIRC e 114º nº 2, 5 f) e 26º nº 4 do RGIT (…) não entregou a declaração periódica de rendimentos referente a pagamento por conta de Julho de 2002, sendo o correspondente valor da prestação tributária em falta de Euros 273.689,14 (…). 2. O auto de notícia mencionado deu origem ao processo de contra-ordenação nº 3107….. (…) 5. Em 31 de Julho de 2002, a recorrente efectuou pagamento por conta relativo ao período de Julho de 2002 no montante de EUROS 132.117,04 (…). 7. Por despacho do chefe do serviço de finanças (…) foi proferida a decisão sob recurso (…) e na qual se lê, designadamente, o seguinte: (…) aplico ao arguido a coima de €28.314,42 (…) sendo ainda devidas custas (€48,00) (…)» - cf. despacho decisório a fls. 9 a 15 do PEF apenso aos autos;

B) O despacho decisório identificado em A) julgou o recurso de contra-ordenação improcedente, tendo mantido a decisão que aplicou a coima nos seus precisos termos e condenado a recorrente em custas – cf. despacho decisório a fls. 9 a 15 do PEF apenso aos autos;

C) A 01/02/2011 foi elaborada conta de custas do recurso de contra-ordenação nº 1297/08.3BELRS referente à liquidação n.º 959……. apurando o valor a pagar de € 28.362,00 da responsabilidade da Oponente respeitante a «Coimas e Custas do processo de contra-ordenação nº 3107…….» no valor de 28.314,00€ e a «Multas/Coimas – I.G.F.I.J.» no montante de 48,00€ - cf. conta de custas a fls. 7 do PEF apenso aos autos;

D) No âmbito do recurso de contra-ordenação n.º 1297/08.3BELRS foi extraída certidão de dívida para fins executivos da qual consta que: «(…) CERTIFICA que, neste Tribunal e Unidade Orgânica, correm termos uns autos de Recurso de Contra-Ordenação com o número acima indicado, em que são: Recorrente: Sociedade H…….., SA (…) Devedor: Sociedade H……., SA com o NIF 502……. (…) Certifica ainda que o(s) responsável (eis) pela (s) custa (s) foi (ram) devidamente notificados (…) no montante de 28.362,00 euros (…) Certifica ainda, que a dívida é proveniente da falta de pagamento de multa nos autos acima identificados e que é devida a quantia em dívida de €28.362,00, desde Setembro de 2011» - cf. certidão de dívida a fls. 4 do PEF apenso aos autos;

E) Em 31/05/2012 foi autuado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 8, o PEF nº 3107……, contra a ora Oponente, para cobrança coerciva da dívida identificada no ponto 4. - cf. autuação a fls. 1 do PEF apenso aos autos;

F) No dia 05/06/2012 foi assinado o aviso de recepção referente a «Citação» respeitante ao PEF n.º 31072……. e com o n.º de registo RC960683054PT por J……

– cf. ofício de citação e aviso de recepção a fls. 27 e 28 do PEF apenso aos autos;

G) A petição inicial da presente oposição foi entregue no Serviço de Finanças de Lisboa 8 em 5/7/2012 - cf. anotação aposta na petição inicial a fls. 10 dos autos.

*

Factos não provados

Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa.

Motivação da Decisão de Facto

O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos, nomeadamente do processo de execução fiscal apenso, identificados nos factos provados”.


*

2.2. De direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, lidas as conclusões da alegação recursória, dúvidas não restam que a questão a apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal a quo errou ao concluir que, in casu, “não se verifica o fundamento de oposição à execução previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, o que conduz à improcedência da presente oposição”.

Contra o assim decidido insurge-se a ora Recorrente, defendendo, em síntese útil, que: a aplicação da coima depende necessariamente do tributo; ora, a liquidação da dívida exequenda foi notificada fora do prazo de caducidade; sendo este prazo de 4 anos, a notificação da dívida teria que ser feita até 31/12/06, o que não sucedeu; sem a liquidação do tributo não é possível aplicar a coima.

Vejamos, então, o que se nos oferece dizer a este propósito.

Para tanto, comecemos por deixar devida nota daquele que foi o discurso fundamentador seguido pela Mma. Juíza a quo, o qual sustentou a decisão de improcedência da oposição deduzida pela ora Recorrente.

Assim, lê-se na sentença (no que para aqui releva) o seguinte:

“(…) Conforme estipulado no artigo 204.º n.º 1 alínea e) do CPPT, constitui fundamento de oposição à execução fiscal a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade.

Esta disposição legal aplica-se a situações em que a notificação do acto de liquidação é intempestiva, isto é, aplica-se a situações em que foi instaurada uma execução fiscal e foi efectuada a notificação do acto de liquidação, mas a notificação apenas se verifica depois do decurso do prazo de caducidade previsto no artigo 45.º da LGT.

O PEF nº 3107……, aqui em causa, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa - 8, por dívidas de coima e de custas constantes da conta de custas elaborada no recurso de contra-ordenação n.º 1297/08.3BELRS que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa, no montante total de € 28.491,69 (cf. alínea E) dos factos provados).

A dívida exequenda e que se pretende cobrar no presente processo de execução fiscal não corresponde, assim, ao valor resultante da liquidação do pagamento por conta devido.

O processo de execução fiscal aqui em causa foi precedido de uma fase administrativa, o procedimento de contra-ordenação n.º 3107……., e de uma fase judicial, o recurso de contra-ordenação n.º 1297/08.3BELRS.

A decisão de aplicação de coima está sujeita a dois prazos de prescrição distintos: a do respectivo procedimento (artigo 33.º do RGIT) e a da coima (artigo 34.º do RGIT), não estando sujeita ao prazo de caducidade previsto no artigo 45.º da LGT.

O artigo 33.º n.º 2 do RGIT ao referir que o prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação, apenas tem por efeito a redução do prazo de 5 anos previsto no n.º 1 do mesmo artigo 33.º para o prazo de caducidade do direito à liquidação aplicável.

Da referida norma legal não resulta que a decisão de aplicação de coima passe a estar sujeita a um prazo de caducidade de liquidação, continuando a estar em causa um prazo de prescrição do procedimento de contra-ordenação, e não um prazo de caducidade.

No presente caso, o prazo de caducidade de 4 anos previsto no artigo 45.º da LGT aplicar-se-á apenas à liquidação do pagamento por contra do IRC de Julho de 2002 devido, pelo que a falta da respectiva notificação no prazo de caducidade poderá constituir fundamento de oposição ao processo de execução fiscal que seja instaurado para cobrar essa dívida.

Termos em que, o fundamento referente à falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade e que determina a inexigibilidade da dívida exequenda, conforme estabelecido no artigo 204.º n.º 1 alínea e) do CPPT, não se aplica às dívidas de coimas, uma vez que as mesmas não estão sujeitas aos prazos de caducidade previstos no artigo 45.º da LGT, mas apenas aos prazos de prescrição consagrados nos artigos 33.º e 34.º do RGIT”.

Desde já se adianta que a conclusão a que chegou o TT de Lisboa não merece censura.

Vejamos.

O artigo 204º do CPPT, respeitante aos fundamentos da oposição à execução, estabelece um elenco fechado de fundamentos.

O nº1, alínea e), de tal preceito, prevê que a oposição possa ser deduzida com fundamento na “Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade”, determinante da inexigibilidade da dívida exequenda.

Como a própria norma indica, refere-se a mesma a tributos, cuja liquidação está sujeita a prazo de caducidade.

Ora, nos termos do artigo 45º da LGT, que estabelece a caducidade do direito de liquidação, em regra, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro (cfr. nº1).

Como se percebe, o que está em causa são tributos e não coimas. É relativamente àqueles, e não a estas, que se pode falar, com acerto, em caducidade do direito à liquidação.

Nos presentes autos de execução fiscal, e como não sofre dúvidas, a dívida exequenda é relativa a coimas e não a impostos, pelo que não se coloca qualquer questão relativa à falta de notificação das coimas no prazo de caducidade.

É que, como está bem de ver, se a Recorrente entende que a liquidação do imposto em si mesmo [no caso, o IRC de 2002, cfr. alínea A) dos factos provados] não observou o prazo de caducidade legalmente previsto ou se não houve notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, então é relativamente a essa liquidação de imposto ou relativamente à cobrança coerciva da correspondente dívida que deve reagir. Contudo, tal não se confunde, como aqui sucede, com a exigência do pagamento de um montante correspondente a uma coima (ainda que relacionada com o não pagamento do imposto).

Não pode a Recorrente, como é óbvio, pretender ver analisado o fundamento previsto na alínea e) do artigo 204º do CPPT relativamente a uma liquidação de imposto que claramente não se inclui na dívida exequenda exigida dos presentes autos de execução fiscal.

Por conseguinte, e sem necessidade de maiores considerandos, deve reiterar-se o entendimento vertido na sentença e concluir, como ali, pela improcedência da oposição, por não se verificar o vício correspondente à citada alínea e) do nº1 do artigo 204º do CPPT.

*

3 - DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e em manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 14/02/19


__________________________

(Catarina Almeida e Sousa)

_________________________

(Lurdes Toscano)

_________________________

(Joaquim Condesso)