Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05287/09
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:10/22/2009
Relator:Fonseca da Paz
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
SINALIZAÇÃO DE VIA PÚBLICA
Sumário:I – O Município tem o dever legal de assegurar a vigilância e sinalização das vias municipais mesmo quando nestas estejam a ser executadas obras por terceiros.
II – Incumbindo-lhe esse dever de vigilância, responde pelos danos causados em consequência de acidente de viação, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua (art. 493º, nº 1, do C. Civil).
III – Estando provado que ao Município foi enviada uma comunicação a indicar o planeamento da realização das obras e não se provando quaisquer factos que permitam concluír pelo cumprimento do seu dever de vigilância, não se considera ilidida a referida presunção de culpa.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª. SECÇÃO, 2º. JUÍZO, DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL
1. O Município de Palmela, inconformado com a sentença do TAF de Almada que julgou parcialmente procedente a acção administrativa comum que contra ele e contra a “C..., Sociedade Construtora do Sul, Lda” foi intentada por Luís Miguel Espírito Santo Pinto Ferreira, dela recorreu para este Tribunal, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões:
“A) O acidente em causa nos autos de que resultaram os danos cujo ressarcimento o A. invoca ficou, objectivamente, a dever-se a uma deficiente sinalização do obstáculo existente na via resultante das obras de construção de uma rotunda ainda em curso e não acabadas;
B) A responsabilidade pela sinalização desse obstáculo recaia, nos termos do disposto no art. 5º. do C. da Estrada então em vigor, sobre a R. C... que era a empresa que estava a efectuar tal construção por sua conta e no cumprimento de uma obrigação inerente às obras de urbanização, a cuja realização, como promotora de um loteamento, estava adstrita;
C) A via onde ocorreu o acidente nunca esteve encerrada ao trânsito, que aí continuou a circular, mesmo nos momentos em que se estavam a efectuar as obras de construção da rotunda, sendo, em tais momentos, o tráfego controlado por guardas da GNR;
D) Não se verificou, assim, a abertura da rotunda ao trânsito nem qualquer recepção da mesma pelo Município que fizesse recair sobre ele o especial dever de vigilância e avaliação da adequação de sinalização colocada às exigências de segurança de circulação rodoviária;
E) Aliás, a obra da rotunda encontrava-se ainda, como resulta da matéria provada nos autos, inacabada, não tendo ainda sido colocada a sinalização definitiva que tinha sido definida pelo Município R., pelo que constituía ainda uma obra em curso qualificável como obstáculo ocasional, para efeitos da citada disposição do Código da Estrada;
F) O Município, logo que teve conhecimento do acidente, providenciou a presença de funcionários seus, o que ocorreu praticamente de imediato, que colocaram a sinalização provisória que a R. C... não havia, como era sua obrigação, colocado;
G) Tendo, no dia seguinte, exigido da R. C... uma conveniente sinalização da obra;
H) O Município só teve conhecimento da existência daquela deficiente sinalização, por força e aquando do acidente, não lhe sendo exigível que devesse ter tido anteriormente conhecimento daquela situação;
I) Assim, o R. Município actuou com a diligência que lhe era exigível, de acordo com os padrões médios de actuação de qualquer pessoa colectiva pública autárquica inserida nas mesmas situações, pelo que não lhe é imputável qualquer omissão das suas obrigações, nomeadamente em termos de sinalização rodoviária, passível da formulação de um juízo ético jurídico de censura, a título de negligência;
J) Pelo que nenhuma responsabilidade pode sobre ele recaír, nos termos do disposto no art. 483º. do C. Civil e nº 1 do art. 2º. e art. 4º. do D.L. nº. 48051, de 21/11/67;
K) Também não recai sobre o Município qualquer obrigação de indemnizar, a coberto da responsabilidade objectiva prevista no art. 493º. do C. Civil;
L) Desde logo porque, baseando-se tal responsabilidade numa presunção de culpa, como tal ilidivel, estando, no caso concreto, determinado de quem é a culpa na produção do sinistro, não poderia funcionar a referida presunção para fazer incidir sobre o Município qualquer responsabilidade objectiva;
M) Por outro lado, sendo a coisa causadora do acidente, não a via propriamente dita, mas a obra na rotunda que estava a ser efectuada e, sendo a R. C..., e não o Município, quem tinha poder sobre tal obra, a existir qualquer responsabilidade objectiva por presunção de culpa (o que, no caso, é desnecessário já que existe responsabilidade por culpa efectiva), a mesma incidiria, nos termos da citada disposição, também sobre a R. C... e não sobre o Município;
N) Assim, a douta sentença recorrida, ao condenar o Município solidariamente com a R. C..., a indemnizar a A. pelos danos sofridos em consequência do acidente, fez uma errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 483º. e 493º. do C. Civil, art. 5º. do C. da Estrada e arts. 2º., nº. 1 e 4º do D.L. nº. 48051, de 21/11/67, violando tais disposições legais”.
O recorrido, contraalegou, concluindo pela improcedência do recurso.
O digno Magistrado do M.P. emitiu parecer, onde concluíu que o recurso não merecia provimento.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
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2.1. A matéria de facto pertinente é a que foi considerada provada na sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos do nº. 6 do art. 713º. do C.P. Civil.
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2.2. O recorrido Luís Ferreira intentou acção administrativa comum, para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, contra o ora recorrente e contra a “C...”, alegando que, em 17/1/2005, fora vítima de um acidente de viação, na Estrada Municipal nº. 1029, em Pinhal Novo, Concelho de Palmela, que se devera ao facto de a R. “C...” estar a efectuar uma obra de construção de uma rotunda sem que existisse qualquer sinalização e iluminação.
A sentença recorrida, considerando que o Município deveria ter sinalizado as obras efectuadas numa estrada que estava sob a sua jurisdição e que era obrigado a fiscalizar e que sobre a “C...” também impendia esse dever de sinalização não cumprido, condenou os R.R. a, solidariamente, indemnizarem o A.
No presente recurso jurisdicional, o recorrente apenas contesta que tivesse o dever de sinalização, por considerar que, encontrando-se a obra em curso, era sobre a empresa que a efectuava que recaía aquele dever, desconhecendo ele a deficiente sinalização do local que não lhe poderia ser imputada, nem sequer a título de culpa presumida.
Vejamos se lhe assiste razão.
Tem sido jurisprudência uniforme do STA (cfr. v.g. os Acs. de 9/2/95 Rec. nº. 34825, de 21/10/98 Rec. nº. 40184, de 18/12/2002 Rec. nº. 1683/02, de 19/10/2004 in Ant. de Acs. do STA e do TCA, Ano VIII, nº. 1, págs. 154157 e de 3/10/2006 Rec. nº. 760/05) que o dever de sinalização temporária de trabalhos, obras e obstáculos ocasionais existentes nas estradas municipais não cessa nem se suspende durante a execução das obras adjudicadas pela Câmara, pois a sinalização da via pública é um acto de gestão pública que compete, em termos da lei, à entidade pública.
Porque essa competência definida por lei é, nos termos previstos no art. 29º. do C.P.A., irrenunciável e inalienável, não pode ser transferida para uma entidade particular, sem prejuízo, claro, da eventual responsabilidade contratual desta perante a entidade pública a efectivar em acção de regresso.
Ainda que se entenda, como a sentença recorrida, que do nº. 2 do art. 5º. do C. da Estrada resultava o dever de a empresa “C...” sinalizar as obras, nunca esta obrigação afastava a do recorrente que “tinha o dever legal de assegurar a vigilância e fiscalização da via onde o acidente ocorreu, obrigação que se mantinha ainda que nela estivessem a ser levadas a cabo obras de iniciativa e execução por terceiros”, cabendo-lhe, por isso, assegurar que a sinalização ali colocada não sofria de qualquer tipo de problema (cfr. Ac. do STA de 14/6/2007 Rec. nº. 1238/06).
Assim, tendo o recorrente o dever de vigilância, responde pelos danos causados ao ora recorrido em consequência do acidente, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua (cfr. nº. 1 do art. 493º. do C. Civil).
Ora, estando provado que a “C...”, em 20/12/04, enviou ao recorrente comunicação onde indicava o planeamento de realização da obra e não se tendo provado quaisquer factos que permitam concluir que o Município cumpriu o seu dever de vigilância e fiscalização, não se pode considerar ilidida a referida presunção de culpa.
Refira-se, finalmente, que a responsabilidade do recorrente a título de culpa presumida só poderia ser afastada mediante a demonstração da culpa efectiva do lesado na produção do acidente, o que no caso não ocorreu, por nada se ter provado susceptível de lhe imputar algum comportamento culposo.
Portanto, a sentença recorrida, ao condenar o recorrente, não merece a censura que este lhe dirige, devendo, por isso, ser confirmada.
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3. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
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Entrelinhei: que
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Lisboa, 22 de Outubro de 2009
as.) José Francisco Fonseca da Paz (Relator)
Rui Fernando Belfo Pereira
Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa