Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12225/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/25/2015
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA – FALTA DE LIGAÇÃO EFECTIVA À COMUNIDADE NACIONAL
Sumário:I – O efeito da aquisição da nacionalidade não se produz sem mais pela simples verificação do facto constitutivo que a lei refere – a manifestação de vontade do interessado.

II – Importa também que ocorra uma condição negativa, ou seja, que não haja sido deduzida pelo Ministério Público acção de oposição à aquisição da nacionalidade ou que, tendo-a sido, ela haja sido considerada judicialmente improcedente.

III – Cabe ao Ministério Público alegar e provar factualidade que demonstre que o requerido não tem uma ligação efectiva, material ou real à nação e sociedade portuguesas [artigo 9º da LN], desse modo impedindo que o requerente da aquisição da nacionalidade prossiga no exercício do direito que invoca [artigo 3º, nº 1 da LN]

IV – Se a vida social e familiar da ré tem sido feita em estreita ligação à comunidade portuguesa residente em Angola e na África do Sul, os factos dados como assentes afiguram-se suficientes para caracterizar uma ligação efectiva e estável, suficientemente caracterizada em relação ao Estado Português e à Comunidade Portuguesa por ele juridicamente conformada, para os fins da atribuição da nacionalidade portuguesa.

V – A ligação de pertença à comunidade nacional não significa o preenchimento cabal de todos os itens que usualmente são reconhecidos como medidores dessa pertença [conhecimento da língua, dos costumes, do hino, convívio com a comunidade nacional, residência em Portugal, etc...], nem requer que a cada um deles seja atribuído o mesmo relevo; o que se exige, para aferir, como decisivo e suficiente é uma visão de conjunto, que permita concluir que se encontra estruturada e arreigada no âmago do candidato a caminhada para adquirir a nacionalidade portuguesa
Votação:Maioria com 1 voto de vencido
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
A Digna Magistrada do Ministério Público junto do TAC de Lisboa veio interpor recurso jurisdicional da sentença daquele tribunal, datada de 17-12-2014, que julgou improcedente a acção especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, e ordenou o prosseguimento do processo pendente na Conservatória dos Registos Centrais com vista à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte da cidadã angolana Jandira …………………………….
Para tanto, formulou as seguintes conclusões:
1. O(A) requerido(a)/recorrido(a) contestou. Trata-se de uma acção de simples apreciação negativa. Trouxe ao processo os elementos que julgou necessários, mas insuficientes, para fundamentar o direito à aquisição da nacionalidade portuguesa, afirmado nas declarações que prestou na Conservatória do Registo Centrais;
2. Pelo que, tendo decidido como decidiu, a douta sentença reclamada/recorrida violou o disposto no artigo 9º, alínea a), da Lei nº 37/81, na redacção da Lei nº 2/2006, de 17 de Abril, artigo 56º, nº 2, alínea a), do Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro, e artigo 343º, nº 1, do Código Civil;
3. No regime da nossa lei, a aquisição da nacionalidade portuguesa pode ter lugar desde que o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português declare, na constância do casamento, que pretende adquirir esta nacionalidade;
4. A Lei ao exigir que a declaração do cônjuge seja proferida na constância do casamento é perfeitamente perceptível quanto à sua razão de ser, já que é em atenção a essa relação conjugal que se possibilita a aquisição do novo vínculo jurídico-político;
5. A intencionalidade deste instituto é clara, pois visa evitar a penetração indesejada de elementos que não reúnam os requisitos considerados, por lei, necessários para aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, ou seja, que o casamento não seja designadamente um simples meio para a aquisição da nacionalidade portuguesa;
6. À luz do artigo 4º, nº 1, e nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil, as acções de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa devem ser consideradas como acções de simples apreciação negativa, pois que são destinadas à demonstração [e consequente declaração judicial] da inexistência de ligação à comunidade nacional;
7. Consequentemente, e de harmonia com o disposto no artigo 343º, nº 1 do Código Civil, a prova os factos constitutivos do direito que se arroga, sempre competiria ao ora recorrido(a), e não à reclamante/recorrente;
8. Acrescendo, ainda, que pelo facto de estarmos face a uma acção que é consequência de uma pretensão inicialmente formulada junto da Conservatória dos Registos Centrais pelo interessado em obter a nacionalidade portuguesa, sempre lhe caberia, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, demonstrar os factos constitutivos de tal pretensão;
9. A redacção do artigo 3º da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, foi mantida pela Lei nº 2/2006, de 17 de Abril, assim continuando o (a) estrangeiro(a) casado com nacional português a poder adquirir, em determinadas circunstâncias, a nacionalidade portuguesa;
10. Todavia, enquanto o artigo 9º, na sua redacção anterior, estabelecia que constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, designadamente, a "não comprovação pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional", na sua redacção actual estabelece o mesmo normativo que constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, entre outros factores, a "inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional";
11. Estatuindo o nº 1 do artigo 57º do DL nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro, que "quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional sobre o disposto nas alíneas b) e e) do nº 2 do artigo anterior" [destaque e sublinhado nossos];
12. Pois que, por mais profunda que seja a ligação afectiva da recorrida que a liga ao nacional português com o qual contraiu casamento, tal ligação afectiva, em si mesma considerada, à luz dos diplomas legais que regem a aquisição da nacionalidade portuguesa, não é – não pode ser, como se entendeu na sentença, ora em reclamação/recurso – sinónimo de que o(a) requerido(a)/recorrido(a) tenha uma ligação efectiva à comunidade portuguesa;
13. Na realidade, e ao contrário do que expressamente resulta da lei, a decisão recorrida equipara a ligação afectiva que une o(a) requerido(a)/recorrido(a) a um(a) actual cidadã(o) detentor da nacionalidade portuguesa para de tal facto extrair uma pretensa e não demonstrada ligação efectiva [à] comunidade nacional portuguesa considerada na sua globalidade;
15. O facto de a Lei exigir que a declaração do cônjuge seja proferida na constância do casamento é perfeitamente perceptível quanto à sua razão de ser, já que é em atenção a essa relação conjugal que se possibilita a aquisição do novo vínculo jurídico-político;
16. A "ligação efectiva à comunidade nacional" é verificada através de algumas circunstâncias objectivas que revelam um sentimento de pertença a essa comunidade, entre outras, da língua portuguesa falada em família ou entre amigos, das relações de amizade e profissionais com portugueses, do domicílio, dos hábitos sociais, das apetências culturais, da inserção económica, ou interesse pela história ou pela realidade presente do País;
17. A nacionalidade portuguesa só deve ser concedida a quem tenha um sentimento de unidade com a comunidade nacional, em termos da comunhão da mesma consciência nacional, impondo a lei uma ligação efectiva, já existente, à comunidade nacional, que no caso concreto não se verifica, porquanto o(a) recorrido(a) e o seu cônjuge residem, sempre residiram em Angola e na África do Sul, num quadro que aponta, impõe-se afirmá­lo, para uma identificação tão só com a realidade angolana e não com a realidade portuguesa;
18. Com efeito, ao contrário do entendido na sentença recorrida, é nosso entendimento que os factos dados como provados na sentença, não evidenciam a existência de laços que corporizam um sentimento de pertença à comunidade nacional, pelo contrário evidenciam a inexistência da sua ligação efectiva à comunidade portuguesa;
19. Nem a mesma interpretação viola o disposto no artigo 36º, nº 3 da CRP pois não implica qualquer desigualdade entre os cônjuges [desde logo, porque, à partida, os cônjuges não estão em situação igual, uma vez que um tem uma ligação à comunidade portuguesa, por ser cidadão nacional e o outro não], nem viola o artigo 67º da CRP, porque o princípio da unidade familiar não sai beliscado pelo facto de se impor ao membro não nacional a demonstração da sua efectiva ligação à comunidade nacional, imposição que, como resulta de todo o exposto, nada tem de ilegítima;
20. Face ao exposto, deverá ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo Circulo de Lisboa que julgou improcedente a oposição deduzida pelo Ministério Público à aquisição da nacionalidade do(a) requerido(a)/recorrido(a) e ordenou o prosseguimento do processo conducente ao registo respectivo, devendo, por conseguinte, ser substituída por outra que declare a procedência da acção, devendo, para tanto, ser atendida a reclamação ou, caso contrário, ser dado provimento ao recurso, por violação do disposto nos artigos 342º e 343º, do Código Civil, e 9º da LN;
21. Tanto mais que "[…] VIII – Sendo a acção de oposição à aquisição de nacionalidade, de simples apreciação negativa, competiria ao recorrido fazer a prova da sua ligação efectiva à comunidade portuguesa [...] IX – A prova da ligação efectiva à comunidade nacional é necessariamente feita com base em factos pessoais. Logo, a prova tem de ser feita através de factos próprios do requerente do pedido de aquisição de nacionalidade, que foi quem invocou o direito à nacionalidade portuguesa. Ao Estado, caberá depois, apenas, a contraprova daqueles factos." [Neste sentido, acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo nº 10952/14, Secção: CA – 2º Juízo, de 2-4-2014, Relatora Sofia David];
22. Entende-se que há erro de julgamento, que deveria ter conduzido a uma decisão em sentido contrário da perfilhada.” [cfr. fls. 202/214 dos autos].
A ré apresentou contra-alegações, nas quais conclui que o recurso não merece provimento [cfr. fls. 221/236 dos autos].
Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida considerou provada, com base nos documentos juntos aos autos, a seguinte factualidade:
A. Jandira ……………… nasceu na freguesia de Sagrada Família, M……….., em Luanda, Angola, no dia 29 de Novembro de 1979 – cfr. documentos de folhas 15 e 23 dos autos;
B. Jandira ……………………… tem nacionalidade angolana – cfr. documento de folhas 23 dos autos;
C. Jandira ……………. reside no Bairro ………, Zona Cinco, Rua Comandante ……………, 40 A, em Luanda, Angola – cfr. documento de folhas 23 dos autos;
D. Jandira ………………. casou na 2ª Conservatória do Registo Civil de Luanda, Angola, com Hélder …………., em 26 de Junho de 2008 – cfr. documento de folhas 17 dos autos;
E. Hélder ……………………… nasceu em 15 de Agosto de 1979 em Luanda, Angola e tem nacionalidade portuguesa – cfr. documento de folhas 18 dos autos;
F. Jandira ………….………… é funcionária sob contrato por tempo indeterminado da companhia BP E……………. Angola, Limited, desde 13 de Outubro de 2008, exercendo a função de Analista de Compras, auferindo um salário base de USD 3808,33 – cfr. documento de folhas 27 dos autos;

G. Jandira …………………. e Hélder ……………… são pais de Djanira ………………, nascida a 25 de Outubro de 2008, em Luanda, Angola – cfr. documento de folhas 37 dos autos;
H. Djanira ……………….. tem nacionalidade portuguesa – cfr. documento de folhas 37 dos autos;
I. Jandira ………………….. e Hélder …………… são pais de Camila …………….., nascida a 25 de Maio de 2012, em Luanda, Angola – cfr. documento de folhas 39 dos autos;
J. Camila …………….. tem nacionalidade portuguesa – cfr. documento de folhas 39 dos autos;
K. Jandira …………. conhece [e] é amiga da cidadã portuguesa Dinamene …………… há cerca de 10 anos, desde o tempo em que ambas estudaram na África do Sul – cfr. documentos de folhas 103 e 104 dos autos;
L. Jandira …………….. foi colega de trabalho e amiga do cidadão português António ………………….. – cfr. documentos de folhas 105 e 106 dos autos;
M. Jandira ……………….. conhece e é amiga da cidadã portuguesa Ivone ....... …………….., que foi sua tutora durante três anos, quando estudou na África do Sul, em Pretória – cfr. documento de folhas 107 e 108 dos autos;
N. Jandira ……………… é amiga da cidadã de nacionalidade portuguesa Weza …………………, com quem convive com frequência – cfr. documentos de folhas 109 e 110 dos autos;
O. Jandira …………………. esteve em Portugal pela primeira vez em Junho de 2014, durante cerca de 10 dias – cfr. depoimento da testemunha Marcelo …………………..;
P. Naquela ocasião ………………. foi ao casamento da sua amiga de nacionalidade portuguesa Dinamene ……………….., que teve lugar em Mafra – cfr. depoimento da testemunha Marcelo ………… e de folhas 141 dos autos;
Q. No período que esteve em Portugal Jandira ……………….. conheceu e visitou a família do marido residente em Oeiras e no Barreiro – cfr. depoimento da testemunha Marcelo …………;
R. E visitou designadamente a Torre de Belém e o Mosteiro dos Jerónimos em Lisboa, Portugal – cfr. depoimento da testemunha Marcelo ……;
S. Enquanto permaneceu em Pretória, na África do Sul, a estudar, Jandira …………………. manteve contacto com a comunidade portuguesa aí residente – cfr. depoimento da testemunha Marcelo …………..[que referiu designadamente que no bairro em Pretória onde a requerida viveu havia muitas mercearias de cidadão portugueses naturais da Madeira, que os angolanos habitualmente frequentavam, e que foi em Pretória que a requerida conheceu o cidadão português que é hoje o seu marido] e depoimento de folhas 142 dos autos;
T. Jandira …………… tem domínio sobre a língua portuguesa nas suas vertentes escrita e oral, sendo designadamente a língua que utiliza para falar com o marido – cfr. depoimento da testemunha Marcelo ……….. e de folhas 143 e 148 dos autos;
U. Jandira …………… relaciona-se profissional e socialmente com vários colegas de trabalho de nacionalidade portuguesa – cfr. depoimento de folhas 154 e 160 e 161 dos autos;
V. Jandira ………………. prestou em 10 de Agosto de 2012 junto do Consulado Geral de Portugal em Luanda, Angola, declaração para a aquisição da nacionalidade portuguesa, com fundamento no facto de ser casada com cidadão de nacionalidade portuguesa há mais de 3 anos, tendo declarado designadamente que “tem ligação efectiva à comunidade portuguesa porque é casada há mais de três anos com cidadão português e de quem tem dois filhos, fala e escreve correctamente a língua portuguesa, nasceu numa ex-colónia portuguesa.”cfr. documento de folhas 11 e 12 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido;
W. Na sequência daquela declaração na Conservatória dos Registos Centrais onde foi iniciado o procedimento nº 31752/12 NACA, no qual foi em 21 de Junho de 2013 proferido despacho no sentido da remessa do processo ao Exmº Procurador da República junto do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa – cfr. despacho de folhas 68 a 70 dos autos.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O objecto do recurso dirigido a este TCA Sul prende-se com a análise de duas questões: a primeira, consistente em determinar a quem cabe o ónus da prova neste tipo de acções, sustentando a Digna Magistrada recorrente que deve competir ao réu a prova dos factos constitutivos de que emerge o direito – a aquisição da nacionalidade portuguesa – que se arroga; a segunda, conexa com a primeira, consiste em determinar se os factos que foram dados como provados na sentença, são suficientes para evidenciar a existência de laços que corporizam um sentimento de pertença à comunidade nacional ou, pelo contrário, evidenciam a inexistência de uma ligação efectiva à comunidade portuguesa por parte da ré, tese que é defendida pela Digna Magistrada recorrente.
Vejamos, pois.
A primeira questão obteve resposta no recente acórdão do STA, datado de 28-5-2015, proferido no âmbito do processo nº 01548/14, nos seguintes termos:
I – O efeito da aquisição da nacionalidade não se produz sem mais pela simples verificação do facto constitutivo que a lei refere – a manifestação de vontade do interessado.
II – Importa também que ocorra uma condição negativa, ou seja, que não haja sido deduzida pelo Ministério Público acção de oposição à aquisição da nacionalidade ou que, tendo-a sido, ela haja sido considerada judicialmente improcedente.
III – Cabe ao Ministério Público alegar e provar factualidade que demonstre que o requerido não tem uma ligação efectiva, material ou real à nação e sociedade portuguesas [artigo 9º da LN], desse modo impedindo que o requerente da aquisição da nacionalidade prossiga no exercício do direito que invoca [artigo 3º, nº 1 da LN]”.
Porém, no caso do presente recurso, a questão do ónus da prova perde relevância porquanto o foco da discordância da Digna Magistrada recorrente relativamente ao decidido se prende antes com a suficiência [na sua perspectiva, insuficiência] da matéria de facto que foi dada como assente para suportar a conclusão alcançada na sentença de que a pretendente à aquisição da nacionalidade portuguesa tem ligação efectiva à comunidade nacional.
Importa, por isso, traçar o quadro normativo de referência, começando pelo artigo 3º, nº 1 da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro – na redacção dada pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril –, onde se prevê o seguinte:
1 – O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio.”.
Por outro lado, no artigo 9º da mesma lei prevê-se o seguinte:
Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:
a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.”.
No artigo 56º, nº 2 do actual Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro, prevê-se o seguinte:
2 – Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adopção:
a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igualou superior a três anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.”.
Finalmente, no artigo 57º, nº 1 do referido Regulamento, dispõe-se o seguinte:
Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do nº 2 do artigo anterior.”.
Traçado que está o quadro normativo aplicável, importa agora proceder à densificação do conceito “de ligação efectiva à comunidade nacional”, já que a falta dessa ligação constitui pressuposto fundamentador da acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa.
Como observa Rui Moura Ramos, emerge da análise dos normativos transcritos, que o legislador de 2006 adoptou uma posição intermédia; por um lado, repôs “…o entendimento tradicional quanto ao ónus da prova”, legitimando, assim, uma posição menos restritiva quanto à aquisição da nacionalidade; e, por outro, deixou de ser tão exigente na caracterização da inexistência, abandonando, para efeitos de desencadear a oposição a manifesta carência de ligação efectiva à comunidade nacional [cfr. “Do Direito Português da Nacionalidade”, 1992, a págs. 118 e segs.].
De qualquer forma, continua o interessado a ter necessidade de “pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional”.
Ou seja, e em síntese, incumbe ao estrangeiro, casado com um cidadão nacional há mais de três anos, que pretenda adquirir a nacionalidade portuguesa, expressar essa vontade na constância do matrimónio [conforme nº 1 do artigo 3º da Lei nº 31/87, com a alteração introduzida pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4], e demonstrar que se encontra inserido na comunidade nacional [artigo 57º, nº 1 do DL nº 237-A/2006, de 14/12].
A enunciação casuística da factualidade a que se deve atender para considerar se existe [ou inexiste] uma ligação efectiva do pretendente à aquisição da nacionalidade portuguesa à respectiva comunidade tem vindo a ser construída pela jurisprudência, nomeadamente da Relação de Lisboa e deste TCA Sul.
A exemplo do que se afirma, importa reter o que a propósito se escreveu no acórdão deste TCA Sul, de 29-1-2015, proferido no âmbito do recurso nº 10.708/13:
A jurisprudência tem vindo, ao longo dos anos, a defender que a ligação efectiva à comunidade nacional há-de ser aferida por todo um conjunto de factores, inter alia, como o domicílio, a língua, as relações familiares e de amizade, a integração social e económico-profissional, um conhecimento mínimo da História e da Geografia do País, ou seja, de tudo aquilo em que se possa radicar um sentimento de pertença. Isto em ordem a expressar um sentimento de pertença perene à Comunidade Portuguesa [neste sentido o acórdão deste TCAS de 13-11-2008, processo nº 3697/08]. Exige-se, entendemos nós, a verificação de elos consistentes de natureza económica, profissional, social e cultural, de modo a corporizarem um sentimento de pertença efectiva à comunidade portuguesa, manifestados de forma mais ou menos prolongada e não através de actos isolados ou escassos”.
Também com especial aplicação no caso em apreço, especificou já o STJ, no acórdão de 14-12-2006, proferido no âmbito do processo nº 06B4329, o seguinte:
Não resulta da lei, para os casos de pretensão de aquisição da cidadania portuguesa por filho menor de quem a adquiriu, a desvinculação de algumas das suas exigências.
Apesar do interesse da família nuclear da unidade de nacionalidade de pais e filhos, a lei não o arvorou em elemento suficiente ou particularmente relevante para a aquisição da nacionalidade por estrangeiros filhos de quem tenha adquirido a cidadania portuguesa.
Não define a lei o que deve entender-se por ligação efectiva à comunidade nacional. Mas ela tem a ver com a identificação, por parte do interessado, com a comunidade nacional, como realidade complexa em que se incluem factores objectivos de coesão social”.
Por outro lado, os aspectos nucleares da ligação efectiva à comunidade portuguesa estão bem sintetizados no acórdão do STJ, de 6-7-2006, proferido no âmbito do processo nº 06-B/1740, cuja passagem se transcreve:
[…] Para que o cidadão estrangeiro adquira a nacionalidade portuguesa, não basta a prova do casamento com cidadão português há mais de três anos e a declaração da vontade de aquisição da nacionalidade do cônjuge, sendo conforme o artigo 9º, alínea a) da Lei da Nacionalidade [...] indispensável existência de uma ligação efectiva do interessado à comunidade nacional, que lhe incumbe prova como estabelecido no artigo 22º do RN [...]. A conclusão pela existência ou não de ligação efectiva ou pertença a comunidade nacional terá de resultar da ponderarão de um conjunto de circunstâncias, como é o caso do domicílio, da estabilidade da fixação, da família, relevando a nacionalidade portuguesa do cônjuge e dos filhos, da actividade económica ou profissional, do conhecimento da língua falada ou escrita, dos usos, costumes e tradições, da história, da geografia, do convívio e integração nas comunidades portuguesas, das relações sociais, humanas, de integração cultural, da participação na vida comunitária portuguesa, designadamente, em associações culturais, recreativas, desportivas, humanitárias e de apoio, isto é, de todos os aspectos familiares, sociais, económico-profissionais, culturais e de amizade reveladores de um sentimento de pertença à comunidade portuguesa em Portugal ou no estrangeiro, relevando para tanto todos os elementos ou factores susceptíveis de revelar a efectiva inserção do interessado na cultura e no meio social nacional que no caso concorram – ou deixem de concorrer […]”.

No mesmo sentido se pronunciaram, entre muitos, os acórdãos deste TCA Sul, proferidos nos processos nºs 03697/08 e 05367/09, dos quais resulta que o aspecto relevante e decisivo da ligação efectiva à comunidade portuguesa, demonstrativa de um sentimento de unidade e de pertença, não pode derivar apenas de um casamento, devendo basear-se ainda no domicílio, na língua e em aspectos de ordem cultural, familiar, de amizade, sócio profissional e outros, demonstrativos de integração na sociedade portuguesa.
No caso dos autos, com base nos documentos autênticos juntos ao processo que corre termos na Conservatória dos Registos Centrais e nos depoimentos escritos enviados pelas testemunhas da ré, a factualidade que o tribunal atendeu para concluir pela ligação efectiva daquela à comunidade nacional parece-nos ser suficiente para o fim em vista, ou seja, a demonstração da ligação efectiva da ré à comunidade nacional.
Atentemos nesses factos:
– Jandira ………………. nasceu na freguesia de Sagrada Família, Ma……….., em Luanda, Angola, no dia 29 de Novembro de 1979, e tem nacionalidade angolana;
– Casou na 2ª Conservatória do Registo Civil de Luanda, Angola, com o cidadão português Hélder ……………, em 26 de Junho de 2008;
– Jandira ……….. é funcionária sob contrato por tempo indeterminado da companhia “BP E…………… Angola, Limited”, desde 13 de Outubro de 2008, exercendo a função de analista de compras;
– Jandira ………….. e o marido são pais de Djanira ……………….., nascida a 25 de Outubro de 2008, em Luanda, Angola, e de Camila ……………., nascida a 25 de Maio de 2012, em Luanda, Angola, tendo ambas a nacionalidade portuguesa;
– Jandira …………… conhece e é amiga da cidadã portuguesa Dinamene ……………… há cerca de 10 anos, desde o tempo em que ambas estudaram na África do Sul;
– E foi colega de trabalho e amiga do cidadão português António …………………….;
– Jandira ………………. conhece e é amiga da cidadã portuguesa Ivone …………………, que foi sua tutora durante três anos, quando estudou na África do Sul, em Pretória;
– É amiga da cidadã de nacionalidade portuguesa Weza ……………………………, com quem convive com frequência;
– Jandira ……………………… esteve em Portugal pela primeira vez em Junho de 2014, durante cerca de 10 dias. Nessa ocasião, foi ao casamento da sua amiga de nacionalidade portuguesa Dinamene …………., que teve lugar em Mafra. Naquele período que esteve em Portugal Jandira ……………. conheceu e visitou a família do marido residente em Oeiras e o Barreiro;
– E visitou designadamente a Torre de Belém e o Mosteiro dos Jerónimos em Lisboa;
– Enquanto permaneceu em Pretória, na África do Sul, a estudar, Jandira ………………… manteve contacto com a comunidade portuguesa aí residente;
– Jandira ………………… tem domínio sobre a língua portuguesa nas suas vertentes escrita e oral, sendo designadamente a língua que utiliza para falar com o marido;
– Jandira ……………………. relaciona-se profissional e socialmente com vários colegas de trabalho de nacionalidade portuguesa.
Ou seja, tal como considerou a decisão recorrida, a vida social e familiar da ré tem sido feita em estreita ligação à comunidade portuguesa residente em Angola e na África do Sul, pelo que os factos dados como assentes se afiguram suficientes para caracterizar uma ligação efectiva e estável, suficientemente caracterizada em relação ao Estado Português e à Comunidade Portuguesa por ele juridicamente conformada, para os fins da atribuição da nacionalidade portuguesa.
Porém, como acima se referiu, a prova de que tal não era suficiente para se poder concluir pela existência dessa ligação efectiva à comunidade nacional competia à entidade a quem a lei cometeu a tarefa de propor a acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, ou seja, ao Ministério Público.
Dito por outras palavras, incumbia ao Ministério Público, como autor da acção de oposição, o ónus de provar a existência de factos que tornassem impeditivo o direito à aquisição da nacionalidade portuguesa que o interessado quis fazer valer [artigo 342º, nº 2 do Cód. Civil].
Ora, “in casu” não pode considerar-se satisfeito o ónus probatório que recaía sobre o Ministério Público, ou seja, não se pode afirmar que aquele conseguiu refutar a prova que a ré fez da sua ligação à comunidade nacional.
Com efeito, como se decidiu no Acórdão deste TCA Sul, de 13-11-2008, proferido no âmbito do recurso nº 03697/08, “a ligação de pertença à comunidade nacional não significa o preenchimento cabal de todos os itens que usualmente são reconhecidos como medidores dessa pertença [conhecimento da língua, dos costumes, do hino, convívio com a comunidade nacional, residência em Portugal, etc...], nem requer que a cada um deles seja atribuído o mesmo relevo; o que se exige, para aferir, como decisivo e suficiente é uma visão de conjunto, que permita concluir que se encontra estruturada e arreigada no âmago do candidato a caminhada para adquirir a nacionalidade portuguesa”.
Destarte, improcedem todas as conclusões da alegação da Digna Magistrada do Ministério Público, razão pela qual o recurso não merece provimento.

IV. DECISÃO
Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em negar provimento ao recurso, mantendo na ordem jurídica a decisão recorrida.
Sem custas.
Lisboa, 25 de Junho de 2015
[Rui Belfo Pereira – Relator]
[Helena Canelas]
[Pedro Marchão Marques]
(Declaração de voto)
(Não acompanho a tese que logrou vencimento quanto ao ónus da prova neste tipo de acção (cfr. i.a. o ac. de 14.05.2015, proc. n.º 12171/15, relatado pelo signatário).
Concederia provimento ao recurso e julgaria procedente a oposição deduzida pelo Ministério Público, uma vez que considero que perante a matéria de facto fixada não é possível concluir-se pela existência, neste momento, de ligação efectiva da interessada à comunidade nacional portuguesa.
Pedro Marchão Marques)