Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:742/19.7BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:02/10/2022
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:CONTRAORDENAÇÃO;
NULIDADE INSUPRÍVEL;
NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO
Sumário:I – Foi enviada à arguida notificação da decisão de aplicação de coima onde consta que lhe foi aplicada uma coima, os quantitativos a pagar e respetivos prazos, e onde se pode ler que os factos apurados, bem como as normas infringidas e punitivas podem ser consultados via internet no Portal das Finanças.

II - No presente caso, a Autoridade Tributária e Aduaneira não provou ter efetuado a notificação completa dos termos da decisão. Ora, não contendo a notificação efeituada ao arguido todos os elementos que fazem parte da decisão de aplicação da coima, referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 79.º RGIT, tal omissão constitui nulidade insuprível do processo de contraordenação, como resulta expressamente da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º RGIT, e que é do conhecimento oficioso (artigo 63.º, n.º 5 RGIT).

III - No entanto, a referida nulidade não impede nova notificação nos termos da lei, que poderá concretizar-se pela transcrição integral dos elementos mencionados em falta ou pela anexação de cópia da decisão de aplicação de coima (da qual constam todos os elementos que contribuíram para a fixação da mesma), após a devolução dos autos ao Serviço de Finanças.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
***


Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou procedente o recurso de contraordenação deduzido contra a decisão do Chefe de Finanças de Albufeira que no processo de contraordenação nº 1… aplicou à arguida B…, Lda., a coima de € 3 757,25, por infração prevista e punida nos artigos 104/1.a) CIRC e 114/2.5f) e 26/4 RGIT, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

I. Decidiu o Meritíssimo Juiz “a quo” pela procedência dos autos de Recurso, por considerar que “a decisão administrativa de aplicação de coima em discussão nos presentes autos viola o disposto no artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do Regime Geral das Infrações Tributárias, consubstanciando uma nulidade insuprível consagrada no artigo 63.º, n.ºs 1, alínea d), 3 e 5, do mesmo diploma, o que impõe a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente.”;
II. O Mmº Juiz a quo considerou que a decisão de aplicação de coima “nos moldes em que foi levada ao conhecimento da Recorrente, não descreve absolutamente nada, nenhum facto, para preenchimento do requisito legal da decisão de aplicação de coima no que à descrição dos factos se refere, impondo-lhe ao invés à Arguida, caso queira, porventura, tomar conhecimento dos factos que sustentam a coima aplicada, que assuma uma atitude pró-activa”.
III. Salvo melhor e douta opinião, não pode a FP concordar com tal conclusão;
IV. Com efeito, afigura-se-nos que a sentença recorrida incorreu em erro de apreciação no que concerne à invocada nulidade insuprível por falta do requisito enunciado no art.º 79.º, n.º 1, al. b) do RGIT;
V. Desde logo, porque as exigências daquele preceito deverão considerar-se satisfeitas dado que da notificação da decisão de aplicação da coima enviada à arguida, consta em anexo o despacho decisório do Chefe do Serviço de Finanças;
VI. E, verifica-se que a decisão condenatória proferida pela AT, constante do probatório, encontra-se bem fundamentada, de harmonia com o disposto no art.º 79.º n.º 1, alínea b) do RGIT, e com o disposto no artigo 58.º n.º 1, alínea b), do RGCO;
VII. Face ao que antecede, considera a FP que o recurso deve ser admitido, nos termos do artigo 83º, n.º1 do RGIT;

Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida como é de inteira JUSTIÇA.


A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou resposta.


O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo:

I. Alega a Recorrente, em síntese, que o Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação e aplicação do preceito normativo contemplado no art. 79º, n.º1, al. b) do RGIT, ao considerar que a decisão que aplicou a coima deve conter a descrição sumária dos factos.
II. Desde logo, porque as exigências daquele preceito deverão considerar-se satisfeitas dado que da notificação da decisão de aplicação da coima enviada à arguida, consta em anexo o despacho decisório do Chefe do Serviço de Finanças.
III. Ora, nenhuma censura se faz à sentença, com a qual se concorda, por se entender que o Tribunal “a quo” fez uma correta interpretação dos mencionados preceitos legais, uma vez que estamos perante um ato que afeta direitos e interesses legítimos dos contribuintes, pelo que a decisão deve sempre conter a descrição, ainda que sumária, dos factos que justificaram a aplicação da coima.
IV. Não podendo considerar-se cumprido o requisito contemplado no art. 79º, al. b) do RGIT com a mera remissão para um auto de notícia ou para qualquer outro documento.
V. Considera-se deste modo, que agiu o Meritíssimo Juiz corretamente ao considerar que os factos em apreço consubstanciam uma nulidade insuprível do processo de contraordenação, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do Regime Geral das Infrações Tributárias.

Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado improcedente.
Vossas Excelências, no entanto, melhor apreciarão e decidirão como for de Justiça!


O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido que deve ser julgada verificada a excepção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia.


Notificados deste parecer para se pronunciarem querendo, Recorrente e Recorrido nada disseram.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso [artigo 411º do Código de Processo Penal (CPP) aplicável ex vi artigo 41/1, do RGCO, por sua vez aplicável ex vi artigo 3.b) do RGIT].

Nos presentes autos importa em primeiro lugar apreciar e decidir a questão relativa à competência deste Tribunal Central Administrativo Sul em razão da hierarquia.

Depois, em caso de resposta afirmativa, se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, ao decretar a procedência do recurso por ter concluído existir nulidade insuprível do processo de contraordenação, decorrente da circunstância de o documento enviado à Recorrente (notificação da decisão de aplicação de coima) não conter a indicação dos elementos que terão contribuído para a fixação da coima.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

1. - Em 16 de Outubro de 2019, no Serviço de Finanças de Albufeira, foi autuado contra a Arguida B…, Lda., o processo de contra-ordenação n.º 1…, por infracção ao artigo 104.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC: “falta de entrega de pagamento por conta” – cfr. fls. 1 dos autos;

2. - O processo de contra-ordenação referido no ponto anterior teve por base o Auto de Notícia n.º C…, de 15 de Outubro de 2019, no qual consta, designadamente, o seguinte:


- cfr. fls. 1-v dos autos;

1. - No dia 15 de Novembro de 2019, o Chefe do Serviço de Finanças de Albufeira proferiu decisão de aplicação de coima à Arguida, – a qual se dá aqui por integralmente reproduzida -, e na qual consta, designadamente, o seguinte:




- cfr. fls. 14 e 15 dos autos;

1. - Com data de 15 de Novembro de 2019 foi enviada, à Arguida, notificação da decisão de aplicação da coima, melhor identificada no ponto anterior, da qual se extrai o seguinte extracto:



- cfr. fls. 16 dos autos.


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

Inexistem quaisquer factos, com interesse para a decisão da causa, que importe dar como não provados.


E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:

O Tribunal considera provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base nos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados pelas partes, nem existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade.


II.2 Do Direito

Tendo o Ministério Público suscitado a questão da incompetência deste Tribunal Central Administrativo, em razão da hierarquia, para conhecer do objeto do recurso por o mesmo versar exclusivamente matéria de direito, importa, pois, antes do mais, decidir esta questão.

Nos termos do disposto nos artigos 26.b) e 38.a), ambos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), a Secção do Contencioso Tributário do STA conhece em segundo grau de jurisdição dos recursos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito; e a Secção do Contencioso Tributário do TCA conhece em segundo grau de jurisdição dos recursos de decisões dos tribunais tributários que não tenham como fundamento exclusivo matéria de direito.

Ora, como é consabido, a infração às regras da competência em razão da hierarquia, determina a incompetência absoluta do tribunal, é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final [cf. artigo 32º CPP, aplicável artigo 3.b) RGIT e artigo 41/1 RGCO].

Nos termos do artigo 83º RGIT, das decisões dos Tribunais Tributários de 1ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que o recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

É jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, que o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos factos provados e não provados, face às ilações retiradas pelo Tribunal "a quo" (cfr. Acórdãos da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal proferidos no processo n.º 738/09, de 16 de Dezembro de 2009, e no processo n.º 189/10, de 21 de Abril de 2010, disponíveis em www.dgsi.pt).

O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso (Extrato do Ac. STA, 2ª Seção, de 2020.06.03, Proc. nº 0251/10.0BELRS, disponível em www.dgsi.pt).

No caso em análise, nas conclusões das alegações de recurso apresentadas, verifica-se que a Recorrente, nomeadamente nas conclusões II e IV, insurge-se contra a decisão recorrida por divergência sobre as ilações de facto que se devem retirar dos factos provados.

Assim se concluindo, ao contrário do defendido pelo Ministério Público no parecer, que os fundamentos do presente recurso não versam exclusivamente matéria de direito.

Termos em que improcede a questão prévia de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia, suscitada pela Recorrida; há agora, pois, que conhecer do objeto do recurso.


A Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que anulou a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima e os termos subsequentes do processo que dela dependam.

Nas conclusões das alegações de recurso imputa à sentença recorrida erro de julgamento, ao julgar procedente o recurso por ter se verificar, na notificação à Arguida da decisão de aplicação de coima, o não preenchimento da exigência da descrição sumária dos factos, com a consequente nulidade insuprível de harmonia com o disposto no artigo 63/1.d), do RGIT, com referência ao artigo 79/1.b), do mesmo diploma, estando, assim, em causa os direitos de defesa da Arguida.

A Recorrente não se conforma com decisão que considerou que a decisão de aplicação de coima “nos moldes em que foi levada ao conhecimento da Recorrente, não descreve absolutamente nada, nenhum facto, para preenchimento do requisito legal da decisão de aplicação de coima no que à descrição dos factos se refere, impondo-lhe ao invés à Arguida, caso queira, porventura, tomar conhecimento dos factos que sustentam a coima aplicada, que assuma uma atitude pró-activa” – cf. conclusão II

Vejamos:

Conforme o provado no nº 4 dos factos assentes, por ofício datado de 15 de novembro de 2019 foi enviado à Arguida notificação da decisão de aplicação de uma coima, os montantes a pagar e respetivos prazos, bem como que a Arguida: pode consultar os elementos do processo e a legislação citada na Internet, utilizando a sua senha de acesso, no endereço http://www.portaldasfinancas.gov.pt ou no serviço de finanças instrutor do processo.

Diz o artigo 63º, nº 1, al. d) e 3 do RGIT:

1 - Constituem nulidades insupríveis no processo de contraordenação tributário:
(…)
d) A falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas, incluindo a notificação do arguido.
(…)
3 - As nulidades dos actos referidos no n.º 1 têm por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, devendo, porém, aproveitar-se as peças úteis ao apuramento dos factos.

E o artigo 79º do RGIT, sob a epígrafe Requisitos da decisão que aplica a coima:

1 - A decisão que aplica a coima contém:
a) A identificação do infrator e eventuais comparticipantes;
b) A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;
c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
d) A indicação de que vigora o princípio da proibição da reformatio in pejus, sem prejuízo da possibilidade de agravamento da coima, sempre que a situação económica e financeira do infrator tiver entretanto melhorado de forma sensível;
e) A indicação do destino das mercadorias apreendidas;
f) A condenação em custas.
2 - A notificação da decisão que aplicou a coima contém, além dos termos da decisão e do montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de 20 dias, o infrator deve efetuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva.
3 - A notificação referida no número anterior é sempre da competência do serviço tributário referido no artigo 67

Notemos, em primeiro lugar, que a sentença recorrida não anulou a decisão de aplicação da coima, tendo decidido que a notificação que foi efetuada à arguida não contém os elementos (exigidos pelo n.º 2 do art.º 79º RGIT) e por isso é nula (a notificação) por força do art.º 63º n.º 1 alínea d) do RGIT.

Assim, a decisão recorrida não versa sobre a nulidade da decisão, mas sim sobre nulidade da notificação dessa decisão.

Questão idêntica já foi decidida nos Tribunais Superiores, nomeadamente no recente acórdão deste TCAS de 2021.01.14, Proc nº 902/17.5BEALM, pelo que iremos também seguir de perto o decidido no recente Acórdão do TCAN de 2020.09.10, Proc. 00913/16.8BEAVR, disponíveis em www.dgsi.pt, com os quais concordamos e que acolhemos por não vermos razão para decidir de modo diferente, onde se escreveu (excerto):

«É, portanto, pacífico que a notificação remetida à Recorrente não foi acompanhada de qualquer outro elemento para além do documento aludido nos pontos 4 e 5 da decisão da matéria de facto e que não contém indicação de parte dos elementos que contribuíram para a determinação da medida da coima.
Assim, a notificação que foi junta com a petição de recurso judicial de aplicação de coima como documento n.º 1 não contém a decisão de aplicação da coima nem todo o seu conteúdo.
Realmente, quanto ao conteúdo da notificação, dispõe o artigo 79.º, n.º 2, do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias) que “[a] notificação da decisão que aplicou a coima contém, além dos termos da decisão e do montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de 20 dias, o infractor deve efectuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva”.
Não havendo na fase decisória do processo contra-ordenacional que corre pelas autoridades administrativas a intervenção de qualquer outra entidade que não sejam o arguido e a entidade administrativa que aplica a coima, os requisitos previstos neste artigo [79.º do RGIT] para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão.
Por isso, as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.
Reflexamente, a exigência de fundamentação da decisão, com indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, impõe à autoridade administrativa uma maior ponderação, ínsita na necessidade de racionalização do processo lógico e valorativo que conduziu a essa fixação, e assegura a transparência da actuação administrativa, para além de facilitar o controlo judicial, se a decisão for impugnada.
Porém, é a necessidade de conhecimento daqueles elementos para a defesa do arguido e o carácter de direito fundamental que o direito à defesa assume (artigo 32.º, n.º 10 da CRP) que justificam que se faça derivar da sua falta uma nulidade insuprível, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, alínea d) do RGIT.
À face da alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º, é exigida a própria indicação na decisão dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, pelo que não basta uma indicação de um documento distinto dela em que eles eventualmente sejam indicados. O que se pretende com a inclusão na decisão de todos os elementos relevantes para a aplicação da coima é que o destinatário possa aperceber-se facilmente de todos os elementos necessários para a sua defesa, sem necessidade de se deslocar aos serviços da administração tributária para examinar o processo, o que está em sintonia com o direito constitucional à notificação de actos lesivos e à respectiva fundamentação expressa e acessível (artigo 268.º, n.º 3 da CRP) e com a garantia do direito à defesa (artigo 32.º, n.º 10 da CRP), que reclama que haja a certeza de que ao arguido foram disponibilizados todos os elementos necessários para o concretizar. Por isso, não é relevante em matéria contra-ordenacional a fundamentação por remissão, como o STA tem vindo a entender – cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in Regime Geral das Infracções Tributárias, Anotado, 3.ª Edição, 2008, Áreas Editora, páginas 527 e 528.
A decisão que aplica coima, como acto administrativo que é, está sujeita a notificação ao arguido (artigo 268.º, n.º 3 da CRP), sem a qual a decisão é ineficaz.
Mas note-se que o artigo 79.º do RGIT distingue claramente o conteúdo da decisão a notificar (cfr. n.º 1) do conteúdo da notificação a efectuar (cfr. n.º 2).
Este último preceito consagra a exigência de que seja dado conhecimento efectivo ao arguido dos termos da decisão, de modo a que possa compreender os motivos e fundamentos da mesma e decidir se deve conformar-se ou defender-se; do montante das custas; do prazo de 20 dias para proceder ao pagamento da coima e custas ou para recorrer judicialmente da decisão; da consequência resultante da violação daquele prazo, em concreto, a cobrança coerciva dos valores em causa.
A falta de qualquer desses elementos constitui nulidade insanável, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT, que é de conhecimento oficioso - cfr. artigo 63.º, n.º 5 do RGIT.
Esta norma, contendo a referência à notificação na mesma alínea d) que alude à falta dos requisitos legais da decisão de aplicação de coima, previstos no n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, refere-se, também quanto à notificação, aos requisitos legais a que a mesma deve obedecer, previstos no n.º 2 do mesmo artigo 79.º.
O que se prevê no referido artigo 79.º, porém, são requisitos relativos ao conteúdo da decisão de aplicação de coima e relativos ao conteúdo da notificação e não os requisitos formais das mesmas.
Sendo assim, no que concerne à notificação, o que constitui nulidade insuprível para efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º é a falta de requisitos relativos ao conteúdo da notificação (é o que se exige naquele n.º 2 do artigo 79.º) e não os requisitos formais da mesma - cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in Regime Geral das Infracções Tributárias, Anotado, 3.ª Edição, 2008, Áreas Editora, página 452.
Nestes termos, a notificação da decisão deve conter a globalidade da decisão (“os termos da decisão”), sendo, contudo, manifesto que a lei não impõe que a notificação seja necessariamente acompanhada da cópia da decisão de fixação da coima ou de documento que a transcreva integralmente. Nada obsta que a notificação (acto de comunicação do acto notificado) opte por fazer a transcrição total ou parcial do documento, desde que tal comunicação contenha todos os elementos informativos referidos expressamente no artigo 79.º, n.º 2, do RGIT.
No caso dos autos, analisando o conteúdo da notificação remetida à Recorrente, constata-se, de modo inequívoco, que a mesma contém a indicação dos prazos para pagamento e recurso e, bem assim, a advertência de que, decorridos os respectivos prazos, sem que seja efectuado o pagamento ou interposto recurso, se procederia à cobrança coerciva da coima e custas fixadas.
Vejamos, então, se também contém a globalidade da decisão (“os termos da decisão”):
Ora, verifica-se que o documento de notificação contém uma descrição sumária dos factos que consubstanciam a infracção imputada à Recorrente, a indicação das normas violadas e punitivas, o montante da coima e das custas processuais, a possibilidade e os termos do pagamento voluntário da coima e consequente redução da mesma e a indicação de que vigora o princípio da proibição da reformatio in pejus.
Assim sendo, e tendo por referência os requisitos da decisão de aplicação da coima elencados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, verifica-se que a notificação revela incompletude, pois omite a indicação da totalidade dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, designadamente que lhe foi imputada a prática “frequente” de infracções idênticas, que não tinha obrigação de não cometer a infracção, que a “situação económica e financeira” é baixa, ou que o “tempo decorrido desde a prática da infracção” foi de “3 a 6 meses”.
A falta de indicação da totalidade dos elementos que contribuíram para a fixação da coima contende com os “termos da decisão” a que alude o artigo 79.º, n.º 2, do RGIT.
Verifica-se que a notificação contém uma parte desses “termos”, mas omitiu outra parte importante, considerada essencial pelo próprio artigo 79.º, n.º 2, do RGIT.
Pelo que tem de se concluir que a notificação não cumpriu integralmente o disposto na lei aplicável.
Efectivamente, de acordo com os n.ºs 1 e 2 artigo 79.º do RGIT, a notificação deve conter os termos da decisão - referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1-, o montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de vinte dias, o infractor deve efectuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva.
Mas a verdade é que a AT não provou ter efectuado a notificação completa dos termos da decisão. Ora, não contendo a notificação efectuada à arguida todos os elementos que fazem parte da decisão de aplicação da coima, referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 79.º RGIT, tal omissão constitui nulidade insuprível do processo de contra ordenação, como resulta expressamente da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º RGIT, e que é do conhecimento oficioso (artigo 63.º, n.º 5 RGIT) – cfr. no mesmo sentido o Acórdão do TCA Sul, de 28/11/2019, proferido no âmbito do processo n.º 2477/17.6BELRS.
Nulidade que não impede nova notificação nos termos da lei, que poderá concretizar-se pela transcrição integral dos elementos mencionados em falta ou pela anexação de cópia da decisão de aplicação de coima (da qual constam todos os elementos que contribuíram para a fixação da mesma), após devolução dos autos ao Serviço de Finanças.»

Na esteira do decidido no Acórdão supra transcrito, também no presente caso a AT não provou ter efectuado a notificação completa dos termos da decisão. Ora, não contendo a notificação efectuada ao arguido todos os elementos que fazem parte da decisão de aplicação da coima, referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 79.º RGIT, tal omissão constitui nulidade insuprível do processo de contraordenação, como resulta expressamente da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º RGIT, e que é do conhecimento oficioso (artigo 63.º, n.º 5 RGIT).

No entanto, a referida nulidade não impede nova notificação nos termos da lei, que poderá concretizar-se pela transcrição integral dos elementos mencionados em falta ou pela anexação de cópia da decisão de aplicação de coima (da qual constam todos os elementos que contribuíram para a fixação da mesma), após a devolução dos autos ao Serviço de Finanças.

Face ao exposto, transpondo para caso subjudice a jurisprudência citada concluímos que a sentença recorrida ao julgar que a decisão recorrida padecia de nulidade insuprível, nos termos previstos no artigo 63.º n.º 1 alínea d), por incumprimento do requisito a que se alude no artigo 79.º n.º 1 alínea c) do Regime Geral das Infrações Tributárias, não merece censura e é de confirmar.


Sumário/Conclusões:

I – Foi enviada à arguida notificação da decisão de aplicação de coima onde consta que lhe foi aplicada uma coima, os quantitativos a pagar e respetivos prazos, e onde se pode ler que os factos apurados, bem como as normas infringidas e punitivas podem ser consultados via internet no Portal das Finanças.
II - No presente caso, a Autoridade Tributária e Aduaneira não provou ter efetuado a notificação completa dos termos da decisão. Ora, não contendo a notificação efeituada ao arguido todos os elementos que fazem parte da decisão de aplicação da coima, referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 79.º RGIT, tal omissão constitui nulidade insuprível do processo de contraordenação, como resulta expressamente da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º RGIT, e que é do conhecimento oficioso (artigo 63.º, n.º 5 RGIT).
III - No entanto, a referida nulidade não impede nova notificação nos termos da lei, que poderá concretizar-se pela transcrição integral dos elementos mencionados em falta ou pela anexação de cópia da decisão de aplicação de coima (da qual constam todos os elementos que contribuíram para a fixação da mesma), após a devolução dos autos ao Serviço de Finanças.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida, devendo o processo baixar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé para que este o remeta à Autoridade Tributária que aplicou a coima, com vista a eventual repetição do ato de notificação afetado, se a tal nada mais obstar.

Sem Custas.

Lisboa, 10 de fevereiro de 2022

Susana Barreto

Tânia Meireles da Cunha

Cristina Flora