Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:164/15.9BEBJA
Secção:CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Data do Acordão:09/20/2018
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO
PUBLICAÇÃO EM JORNAL OFICIAL
EFICÁCIA DIFERIDA
Sumário:I - Subjacente à caducidade do direito de ação impugnatória está a regra lógica de que os atos administrativos só podem ser impugnados a partir do momento em que produzem efeitos. De onde se conclui que, enquanto um ato administrativo for ineficaz, não se coloca, contra o destinatário do ato, a questão da impugnabilidade ou da tempestividade do ato.

II – O pedido acessório ou secundário enquadrável nos artigos 4º/2-a), 5º e 37º/2-b) do CPTA é “apenas” o retirar consequências da ilegalidade do ato administrativo impugnado (cf. artigo 173º do CPTA). Neste caso vale o o prazo de 3 meses previsto no artigo 58º do CPTA.

III - A colocação em situação de requalificação (nº 2 do artigo 257º da Lei nº 35/2014) só é eficaz após publicação. É caso de eficácia diferida segundo o CPA.
IV - O CPA/1991 não admitia notificações por “email”.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Processo nº 164/15…
**
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO
F............, com os demais sinais nos autos, interpôs no T.A.C. de Beja a presente ação administrativa especial contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.
É Contrainteressada M……….. .
A pretensão formulada é cumulativa e foi a seguinte:
1- Anulação da deliberação do Conselho Diretivo do ISS, IP., que aprovou e mandou publicar a lista nominativa em que a A. foi colocada em situação de Requalificação;
2- Condenação da Entidade Demandada na recolocação da A., no respetivo posto de trabalho, com todos os direitos a tal inerentes e com efeitos reportados à data da sua colocação na situação de requalificação, reconstituindo a situação que existiria caso não tivesse sido emanada a deliberação impugnada, nomeadamente à restituição à A. dos valores que esta deixou de auferir em consequência da sua colocação em processo de requalificação, acrescido dos respetivos juros de mora.
Entretanto, a Entidade Demandada determinou a reintegração do A., com efeitos a 2016-02-01, termos em que veio requerer a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide: cfr. fls. 1089 a 1098.
O TAC decidiu que “a pretensão tal como a A. a delineou na petição inicial mostra-se, entretanto, satisfeita, na exata medida em que tendo a A. reiniciado funções nos serviços da Entidade Demanda, tal circunstância faz cessar, por força do disposto nos invocados art. 266º e 269º da Lei Trabalho em Funções Públicas -LTFP, a situação de requalificação do trabalhador, que a A. colocava em crise: cfr. fls. 1089 a 1098.” Mais decidiu que: “mostra-se manifesta a caducidade do direito de ação da A. quanto ao pedido condenatório, o que, neste segmento, acarreta a absolvição da instância: cfr. alínea A) a D) supra; cfr. art. 89º n.º 1 al. h), art. 88º n.º 2 e n.º 4 ex vi art. 89º n.º 4 todos do CPTA; e art. 3º n.º 3 e art. 6º do CPC ex vi art. 1º do CPTA.”; “Nestes termos, no que à deliberação em crise respeita, julgo extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e, no que concerne ao pedido condenatório absolvo da instância a Entidade Demandada.”
*
Inconformado com tal decisão, a autora interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
1) A Presente Reclamação tem por objeto a douta sentença proferida que considerou manifesta a caducidade do direito de ação da A. quanto ao pedido condenatório e absolveu da instância a Entidade Demandada.
2) Considerou a Meritíssima Juíza que quando a A. apresentou a presente ação se mostrava ultrapassado o prazo legal de três meses, pelo que precludira o seu direito de ação.
3) Atenta a data da entrada da P.1., é aplicável ao presente processo a Lei nº 15/2002, de 22 de fevereiro (CPTA) com a redação da Lei nº 63/2011, de 14 de dezembro.
4) A P.I. foi apresentada em juízo, através da aplicação SITAF e por correio eletrónico (por dificuldades técnicas com a aplicação informática que não permitiram confirmar a receção), em 08 de maio de 2015, por enviado da conta de e-mail da mandatária da A. ivo............- 731 e@adv.oa.pt, com assinatura digital, para o endereço eletrónico deste douto Tribunal correio@be ja.taf.m j.pt. - doc. Nº 1.
5) Não foi apresentada em 11 de maio de 2015, como considerou a Meritíssima Juíza, mas sim em 08 de maio de 2015.
6) Aos presentes autos aplica-se, quanto aos prazos para impugnação do ato administrativo, o regime do CPTA na redação da Lei nº 63/2011, de 14 de dezembro.
7) O prazo de três meses a que se reporta a al. b) do nº 1 do artigo 58° do CPTA aplicável in casu conta-se em obediência ao regime aplicável aos prazos para a propositura de ações que se encontram previstos no Código de Processo Civil, conforme norma resultante do nº 3 do referido artigo 58° do CPTA.
8) Dispõe o art. 144° do Código de Processo Civil, no seu nº 4, que “os prazos para a propositura de ações previstos neste Código seguem o regime dos números anteriores".
9) O nº 1 do art. 144º do Código de Processo Civil estabelece que "o prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se trate de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes" .
10) O prazo de três meses de que a A. dispunha para o exercício do direito de ação era contínuo, mas suspendeu-se durante as férias judiciais que decorreram de 29 de março de 2015 a 06 de abril de 2015, inclusive (artigo 28° da Lei nº 62/2013, de 26/08).
11) Por outro lado, a douta sentença recorrida considera que a A. foi notificada do ato impugnado por via da presente ação em 28 de janeiro de 2015, pelas 17 horas e 06 minutos, por correio eletrónico.
12) Ora, com o devido respeito, nada nos autos e sequer os factos alegados a 54° a 56° da P.I. permitem a conclusão de que a A. deve considerar-se notificada do ato que se impugna na ação no dia 28 de janeiro de 2015 e que, em consequência o prazo para impugnação do ato em causa começou a correr a partir daquela data.
13) A entidade demandada enviou e-mail naquela data à A., ora reclamante, mas não que esta o recebeu ou leu naquela data, sendo certo que, atenta a hora a que foi enviado o referido e-mail, nunca o teria sido.
14) Acresce que a A. não se encontrava, à data, ao serviço, mas em gozo de período de férias, razão pela qual não acedeu à conta de correio eletrónico para a qual foi enviada o referido e-mail, conforme documento que se protesta juntar.
15) A entidade demandada, em contestação não invocou a caducidade do direito de ação da A., ora reclamante.
16) Dos autos não resulta qualquer documento de onde resulte que a A., ora reclamante, tomou, em 28 de janeiro de 2015, conhecimento do ato impugnado na ação.
17) Em 28 de janeiro de 2015 a lei não admitia aquela forma de notificação- por correio eletrónico.
18) Era aplicável ao procedimento administrativo o regime do Código do Procedimento Administrativo aprovado pelo Dec.-Lei nº 442/91 de 15 de novembro que, ao contrário do que prevê o novo Código do Procedimento Administrativo, não admitia a notificação por correio eletrónico.
19) Não pode, pois, considerar-se que a A. foi notificada do ato administrativo objeto da presente ação mediante um meio ou forma de notificação que não era legalmente admissível.
20) Nunca a A. consentiu na sua notificação por correio eletrónico.
21) Por fim, o prazo de três meses fixado na al. do artigo 57º do CPTA, conta-se in casu a partir da publicação em Diário da República do ato objeto da ação e não da data da alegada notificação por e-mail à A.
22) Por via da presente ação pediu a A. a anulação da deliberação do Conselho Diretivo do Instituto de Segurança Social, 1. P., de 26 de janeiro de 2015, que aprovou a Lista Nominativa dos trabalhadores a colocar em situação de requalificação da carreira/categoria de docente, da unidade desconcentrada do Instituto da Segurança Social, 1. P. - Centro Distrital de Évora.
23) Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 257° da Lei nº 35/2014, de 20 de junho, a colocação em situação de requalificação faz-se por lista nominativa que indique a categoria, escalão, índice ou posição e nível remuneratórios detidos pelos trabalhadores, aprovada por despacho do dirigente máximo do serviço responsável pelo processo de reorganização, a publicar na 2ª série do Diário da República.
24) A deliberação objeto da presente ação foi publicada na li Série do DR Nº 27, de 9 de fevereiro de 2015 (Aviso nº 1480/2015), que fez pública a Lista Nominativa dos trabalhadores a colocar em situação de requalificação da carreira/categoria de Professor do Ensino Básico e Secundário, da unidade desconcentrada do Instituto da Segurança Social, 1. P. - Centro Distrital de Évora, elaborada de acordo com o nº 2 do artigo 257º da mesma Lei e aprovada por deliberação do Conselho Diretivo de 26 de janeiro de 2015.
25) Nos termos do referido aviso nº 1480/2015 a colocação em situação de requalificação produziria efeitos no dia seguinte à data da publicação daquele aviso em 09 de fevereiro de 2015.
26) Os prazos de impugnação do ato administrativo só começam a correr a partir do momento em que se encontram preenchidos os requisitos de que depende a sua eficácia.
27) O artigo 54°/1 do CPTA na versão aplicável in casu (redação da Lei nº 63/2011, de 14 de dezembro) previa a impugnação de atos ineficazes como uma faculdade e não como um ónus sujeito a prazo.
28) Da conjugação deste preceito com o do artigo 59º do CPTA (na referida versão), conclui-se que a notificação, a publicação ou o conhecimento do ato ou da sua execução só determinam o início do decurso do prazo se implicarem o ónus de impugnar.
29) O ónus da impugnação constitui-se apenas quando o ato começa a produzir efeitos.
30) Ora, o ato que se impugnou pela presente ação, conforme resulta do aviso nº 1480/2015, publicado na II Série do DR Nº 27, de 9 de fevereiro de 2015 apenas produziu efeitos "no dia seguinte à data da publicação", ou seja, a partir de 9 de fevereiro de 2015.
31) Tanto basta para concluir que a P.I. que a A., ora reclamante, apresentou em 08 de maio de 2015 entrou tempestivamente.
32) Mesmo que tivesse sido apresentada na data indicada na sentença - 11 de maio de 2015 - o que se admite como mera hipótese de patrocínio, sempre teria sido apresentada tempestivamente, por, entre a data da publicação em DR - 09 de fevereiro de 2015 - e aquela data, se interpôs período de férias judiciais (entre 29 de março de 2015 e 06 de abril de 2015) que suspendera o decurso do prazo para a impugnação do ato administrativo objeto da ação.
33) A ação deve prosseguir para apreciação do pedido condenatório formulado pela A., ora reclamante, contra a Entidade Demandada.
*
O recorrido réu contra-alegou, concluindo assim:
1. Pelo presente recurso vem a Recorrente peticionar a procedência do recurso e a revogação da sentença recorrida;
2. Contudo, fá-lo sem indicar objetivamente (como o exige o art. 639º, nº 2, alíneas a) e b) do CPC), quais as normas jurídicas que a douta sentença recorrida violou, limitando-se apenas a dissertar sobre a interpretação que, no seu entender, deveria ter sido efetuada pelo Tribunal “a quo” das normas constantes dos artigos 58º nº2 alínea b), 59º do nº3, alíneas a), b) e c),do CPTA e dos arts. 130º e 131º do CPA, aplicáveis in casu.
3. Nem o poderia fazer, porque, pura e simplesmente, a sentença recorrida não violou nenhuma norma jurídica e porque o Tribunal “a quo” interpretou as normas que aplicou in casu, com estrita observância das regras estabelecidas no art. 9º do CC;
4. Na realidade, a douta decisão de que se recorre, além de se encontrar muito bem fundamentada, não merece qualquer reparo quando decide quer pela caducidade do direito de ação e consequente inutilidade da lide, quer pela absolvição do então réu. da instância no concernente ao pedido impugnatório;
5. Entendimento que a Recorrente não compartilha e pugna para que a sentença proferida seja anulada e substituída por outra que não confirme, nem a caducidade do direito de ação e consequente inutilidade da lide, nem a absolvição do recorrido do pedido condenatório.
6. Não se nos afigura, porém, que assista qualquer razão à Recorrente.
7. Na verdade, lida e relida a douta sentença recorrida, não se nos descortina onde, ou de que forma, terá aquela errado na determinação da caducidade do direito de ação, e, consequentemente, na declaração da inutilidade da lide em face do pedido de anulação da deliberação de 26 de janeiro de 2015 e na absolvição do Recorrido do pedido no concernente ao pedido de condenação ao pagamento das diferenças salariais e correspondentes juros à taxa legal relativas ao período, compreendido entre 09/02/2015 e 31/01/2016, em que se encontrou na situação de requalificação;
8. Igualmente não se compreende como terá incorrido a sentença em erro no julgamento da prova constante dos autos e, muito menos, como terá errado na aplicação do direito aos factos que considerou relevantes para a decisão da causa; Nem a recorrente o demonstra ou sequer específica.
9. Para além de que, também, não se nos afigura que o Tribunal a quo tenha caído em equívoco na interpretação da prova daqueles factos. Aliás, muito pelo contrário.,
10. A recorrente alega que ação que interpôs é tempestiva e que a sentença recorrida erra quando considera que a deliberação impugnada (de 26 de janeiro de 2015) lhe foi notificada pelo Recorrido, via correio eletrónico, em 28 de janeiro de 2015; erra porque a recorrente se encontrava de férias nesse dia (28 de janeiro de 2015) e não poderia ler o e- mail que lhe fora enviado a notificar a deliberação de 26 de janeiro de 2015.
11. Como tal, entende a Recorrente que o tribunal apenas poderia considerá-la notificada daquela deliberação em 09 de fevereiro de 2015, data em que foi que publicada em Diário da República “a lista nominativa dos trabalhadores a colocar em situação de requalificação da carreira/categoria de docente, da unidade desconcentrada do Instituto de segurança social I.P,- Centro Distrital de Évora”; e
12. Assim sendo, a ação - à data da sua propositura em 08 de maio de 2015 e não em 11 de maio de 2015 como refere a sentença -, era tempestiva;
13. Ora, não podemos concordar com o raciocínio expendido pela Recorrente em prol da tempestividade da propositura da ação;
14. Desde logo, e embora se conceda em face da prova documental ora junta pela Recorrente com recurso aos documentos nº1-A e nº1-B, que a ação foi enviada via correio eletrónico ao Tribunal em 08 de maio de 2015, não pode o Recorrido compactuar com as afirmações falaciosas e não comprovadas avançadas pela Recorrente numa tentativa de se arrogar junto do Tribunal de um direito que não lhe assiste;
15. E não lhe assiste porquê? Porque na realidade a Recorrente foi notificada da deliberação impugnada em 28 de janeiro de 2015 e o recorrido tem prova disso (documento nº1 junto com as presentes alegações aos autos);
16. Pelo que não é difícil concluir que a argumentação invocada pela Recorrente não corresponde à verdade;
17. A realidade é que a Recorrente leu o e-mail que lhe foi enviado em 28 de janeiro de 2015 pelo Recorrido, e ficou, ao lê-lo, notificada do teor da deliberação posta em crise com a ação proposta em 08 de maio de 2015;
18. Constitui, pois, uma inverdade a alegação onde tenta convencer o tribunal de que apenas tomou conhecimento do teor daquela deliberação em 09 de fevereiro de 2015;
19. Cumprindo, a propósito, ressalvar que a Recorrente se limita a alegar que se encontrava de férias no dia 28 de janeiro de 2015 e a protestar juntar comprovativo desse presuntivo facto, mas tal não pode acontecer, pois não é verdade; e a prova é que leu o e-mail, em que lhe era notificada a deliberação sindicada na p.i., enviado nessa data pelo Recorrido.
20. Ora, tendo sido notificada em 28 de janeiro de 2015, dispunha de três meses, nos termos da alínea b) do artigo 58º do CPTA, para propor ação, ou seja até 07 de maio de 2015 (excluindo-se da contagem as férias judiciais de 29 de março de 2015); No entanto só o fez em 08 de maio de 2015 (conforme documentos nºs 1-A e nº1-B ora juntos aos autos pela Recorrente).
21. Não assiste, pois, qualquer razão à Recorrente quando afirma que intentou a ação tempestivamente, improcedendo o erro de julgamento que tenta neste recurso infligir à sentença;
22. Desde logo, porque o Tribunal não poderia valorar um facto inexistente, por não provado nos autos, como foi o caso da alegada não notificação da deliberação impugnada em 28 de janeiro de 2015, via e - mail, pelo Recorrido à recorrente;
23. E, muito mesmo, considerá-lo como determinar a tempestividade do direito de ação como é pretensão da Recorrente.
24. Pelo que não se nos afigura que o Tribunal a quo tenha caído em equívoco na interpretação e julgamento dos factos dados por provados nos autos quanto à notificação da deliberação impugnada à recorrente; nem que assista qualquer razão à Recorrente, pois que como já referido, não comprova que não tenha sido notificada em 28 de janeiro de 2015 pelo Recorrido, optando por alegar inverdades.
25. De resto, verificando-se a caducidade do direito de ação, concorda-se também com a sentença quando declara a consequente inutilidade da lide em face do pedido de anulação da deliberação de 26 de janeiro de 2015 e a absolvição do Recorrido do pedido no concernente ao pedido de condenação ao pagamento das diferenças salariais e correspondentes juros à taxa legal relativas ao período, compreendido entre 09/02/2015 e 31/01/2016, em que se encontrou na situação de requalificação;
26. Entendendo o Recorrido, em face do exposto, que deve ser integralmente mantida a douta sentença ora recorrida, por justa, legal e fundamentada.
*
Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.
*
DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:
Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cf. artigos 144º/2 e 146/4 do CPTA, artigos 5º, 608º/2, 635º/4/5, e 639º do CPC/2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas. Sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo (cf. artigos 73º/4, 141º/2/3, 143º e 146º/1/3 do CPTA).
Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule - isto no sentido muito amplo utilizado no CPC, deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e condições legalmente exigidos para o efeito.
Assim, as questões a resolver neste recurso - contra a decisão recorrida – são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – FACTOS PROVADOS
1. Deliberação impugnada: Em 2015-01-26, o Conselho Diretivo da Entidade Demandada, deliberou aprovar e mandar publicar a lista nominativa em que a A. foi colocada em situação de Requalificação: cfr. Doc. 30 junto com a Petição Inicial – PI e art. 54º a 56º da PI;
2. Em 2015-01-28, pelas 17horas e 06 minutos, por correio eletrónico, a Entidade Demandada notificou a A. do teor da informação onde foi exarada a deliberação do Conselho Diretivo da Demandada e bem assim, da lista nominativa ora impugnada: cfr. Doc. 30 junto com a Petição Inicial – PI e art. 54º a 56º da PI;
3. Em 2015-05-08, a A. intentou, neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja a presente ação: cfr. fls. 1 dos autos; (FACTO RETIFICADO POR ESTE TRIBUNAL, tendo presente que resulta do SITAF que a p.i. foi enviada por correio eletrónico no dia 08-05-2015; cf. artigo 662º/1 do CPC)
4. Em 2015-02-01, a A. reiniciou funções na Entidade Demandada, tendo sido afeta ao Centro Distrital de Évora: cfr. fls. 1089 a 1098.
FACTO ADITADO AO ABRIGO DO ARTIGO 662º/1 DO C.P.C.:
5. A lista referida foi publicada no D.R.-2ª Série de 09-02-2015 (Aviso nº 1480/2015).
*
II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO
Passemos, agora, à análise do recurso de apelação.
Temos presente tudo o que já expusemos, bem como: (1º) que o Direito – tendo uma dimensão real-social e uma dimensão ideal de justiça - é uma ciência social da decisão que se refere a um conjunto de regras e princípios jurídicos, ordenado em função de um ou mais pontos de vista (sistema), sendo o ordenamento jurídico um sistema social (no sentido do jurista e sociólogo N. Luhmann[1] um sistema da sociedade moderna, funcionalmente diferenciado, autopoiético, coerente e racional, cuja função é manter estáveis as expectativas socio-normativas independentemente da sua eventual violação), mas um sistema aberto e alterável, nomeadamente, através de novos objetivos políticos e do acoplamento estrutural entre sistemas sociais; (2º) que há uma correta metodologia jurídica para decidir processos jurisdicionais (cf. artigos 1º a 3º, 9º, 110º/1, 112º, 202º/1/2, 203º e 204º da CRP e artigos 10º, 342º e 343º do CC); (3º) que são nucleares o princípio estruturante da dignidade da pessoa humana (cf. artigo 1º da CRP), o princípio estruturante do Estado democrático e social de Direito (cf. artigo 2º da CRP), o princípio formal da segurança jurídica (cf. artigos 1º e 2º da CRP), o princípio jurídico geral e máxima metódica da igualdade sujeita ao dever de fundamentação dos argumento racionais (cf. artigo 13º da CRP) e a máxima metódica da proporcionalidade fora das vinculações jurídicas estritas, sujeita ao dever de fundamentação dos argumentos racionais[2] cf. artigos 1º, 2º e 18º/2 da CRP); destaca-se ainda, nesta Jurisdição, o princípio jurídico geral da prossecução do interesse coletivo (bem comum) por parte das atividades de administração pública (cf. artigos 266º e 268º/3/4 da CRP)[3].
Cabe-nos aferir se o TAC errou quanto à caducidade do direito de ação.
Ora, o presente caso rege-se, i.a., pelo CPA/1996 (artigos 66º ss, 127º, 129º e 130º), pelo CPTA/2003 (artigos 54º, 58º e 59º), pelo CPC/2013 (artigo 138º) e pelo artigo 257º da Lei nº 35/2014.
Vejamos, sendo que se trata aqui de matéria muitas vezes tida como implicitamente conhecida, apesar de delicada e nem sempre linear.
Subjacente à caducidade do direito de ação impugnatória está a regra lógica de que os atos administrativos só podem ser impugnados a partir do momento em que produzem efeitos. De onde se conclui que, enquanto um ato administrativo for ineficaz, não se coloca, contra o destinatário do ato, a questão da impugnabilidade ou da tempestividade do ato.
Mas, no caso presente, ao contrário do entendido pelo TAC com referência ao artigo 69º do CPTA/2003, está mesmo em causa uma ação administrativa especial impugnatória (cf. artigos 50º ss, maxime artigos 58º e 59º, e artigo 5º do CPTA/2003). Não se configura uma situação abrangida pelos artigos 66º ss do CPTA/2003.
Aqui, pedir a condenação da Entidade Demandada na recolocação da A., no respetivo posto de trabalho, com todos os direitos a tal inerentes e com efeitos reportados à data da sua colocação na situação de requalificação, reconstituindo a situação que existiria caso não tivesse sido emanada a deliberação impugnada, nomeadamente à restituição à A. dos valores que esta deixou de auferir em consequência da sua colocação em processo de requalificação, acrescido dos respetivos juros de mora, é “apenas” o retirar consequências da ilegalidade do ato administrativo impugnado (cf. artigos 4º/2-a), 37º/2-b) e 173º do CPTA/2003).
Por isso, aqui valem mesmo os artigos 50º ss e o artigo 5º do CPTA/2003 e não os artigos 66º ss.
Aliás, como decorre da nossa referência ao artigo 37º/2-b) do CPTA/2003, o TAC, ao se centrar no artigo 69º/2 do CPTA, também errou por ignorar o artigo 41º do CPTA/2003: “Sem prejuízo do disposto na lei substantiva, a ação administrativa comum pode ser proposta a todo o tempo”. Isto caso fosse de ignorar, como fez o TAC, o artigo 5º do CPTA.
O pedido nº 2, cit., é pois, um pedido acessório, acessorial ou secundário (cf. assim ANSELMO DE CASTRO, Lições…, 1964, 1º, p. 273, e DPCD, I, 1981, p. 161: pedido formulado para o caso de o pedido principal proceder), que, neste caso específico, até nem deveria configurar uma situação de verdadeira cumulação se nos ativéssemos à lógica do CPC. Mas é-o no CPTA/2003 (cf. artigos 4º/2-a), 5º e 37º/2-b)).
Assim, em janeiro de 2015, aquando da emissão do cit. ato administrativo, o quadro legal aqui relevante era o seguinte:

CPA/1996:
Artigo 70.º- Forma das notificações
1 - As notificações podem ser feitas:
a) Por via postal, desde que exista distribuição domiciliária na localidade de residência ou sede do notificando;
b) Pessoalmente, se esta forma de notificação não prejudicar a celeridade do procedimento ou se for inviável a notificação por via postal;
c) Por telegrama, telefone, telex ou telefax, se a urgência do caso recomendar o uso de tais meios;
d) Por edital a afixar nos locais do estilo, ou anúncio a publicar no Diário da República, no boletim municipal ou em dois jornais mais lidos da localidade da residência ou sede dos notificandos, se os interessados forem desconhecidos ou em tal número que torne inconveniente outra forma de notificação.
2 - Sempre que a notificação seja feita por telefone, será a mesma confirmada nos termos das alíneas a) e b) do número anterior, consoante os casos, no dia útil imediato, sem prejuízo de a notificação se considerar feita na data da primeira comunicação.
Artigo 127º - Regra geral
1 — O ato administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado, salvo nos casos em que a lei ou o próprio ato lhe atribuam eficácia retroativa ou diferida.
….
Artigo 129º - Eficácia diferida
O ato administrativo tem eficácia diferida:
a) Quando estiver sujeito a aprovação ou a referendo;
b) Quando os seus efeitos ficarem dependentes de condição ou termo suspensivos;
c) Quando os seus efeitos, pela natureza do ato ou por disposição legal, dependerem da verificação de qualquer requisito que não respeite à validade do próprio ato.
Artigo 130º - Publicidade obrigatória
1 — A publicidade dos atos administrativos só é obrigatória quando exigida por lei.
2 — A falta de publicidade do ato, quando legalmente exigida, implica a sua ineficácia.

CPTA/2003:
Artigo 58º
1 - A impugnação de atos nulos ou inexistentes não está sujeita a prazo.
2 - Salvo disposição em contrário, a impugnação de atos anuláveis tem lugar no prazo de:
a) Um ano, se promovida pelo Ministério Público;
b) Três meses, nos restantes casos.
3 - A contagem dos prazos referidos no número anterior obedece ao regime aplicável aos prazos para a propositura de ações que se encontram previstos no Código de Processo Civil.

Artigo 59º
1 - O prazo para a impugnação pelos destinatários a quem o ato administrativo deva ser notificado só corre a partir da data da notificação, ainda que o ato tenha sido objeto de publicação obrigatória.
2 - O disposto no número anterior não impede a impugnação, se a execução do ato for desencadeada sem que a notificação tenha tido lugar.


CPC/2013:
Artigo 138º
1 - O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes.
2 - Quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se encerrados os tribunais quando for concedida tolerância de ponto.
4 - Os prazos para a propositura de ações previstos neste Código seguem o regime dos números anteriores.

Lei nº 35/2014:
Artigo 257º - Colocação dos trabalhadores não reafetos em situação de requalificação
1 - Os trabalhadores não reafetos são colocados em situação de requalificação.
2 - A colocação em situação de requalificação faz-se por lista nominativa que indique a categoria, escalão, índice ou posição e nível remuneratórios detidos pelos trabalhadores, aprovada por despacho do dirigente máximo responsável pelo processo de reorganização, a publicar na 2.ª série do Diário da República.
3 - A lista nominativa produz efeitos à data da reafetação dos restantes trabalhadores ao serviço integrador.
4 - Concluído o processo de extinção, o membro do Governo responsável pela área da Administração Pública aprova, por despacho publicado na 2.ª série do Diário da República, a lista nominativa dos trabalhadores que, não tendo obtido colocação durante o período de mobilidade voluntária, nem se encontrando em situação transitória, são colocados em situação de requalificação.
5 - A lista a que se refere o número anterior produz efeitos, sem prejuízo das situações de licença sem remuneração, à data da conclusão do processo.
6 - A colocação em situação de requalificação não abrange os trabalhadores referidos no n.º 2 do artigo 2.º

Portanto, como resulta dos preceitos do CPA/1996 acima transcritos e do também acima transcrito nº 2 do artigo 257º da Lei nº 35/2014, a colocação da A. em situação de requalificação (a decisão administrativa impugnada) só foi juridicamente eficaz desde 10-02-2015, dia seguinte à cit. publicação. E não desde 28-01-2015, data em que a ED enviou o “email” à autora-recorrente para esta ser notificada do ato publicado em 09-02-2015.
Tratou-se daquilo a que o CPA chama de eficácia diferida, por causa de publicação imposta por lei.
Além disso, sublinhemos que o artigo 70º do CPA/1996 não admitia notificações por “email”. Pelo que é irrelevante que a ora recorrente tenha ou não tenha lido o “email”, o que, aliás, não se prova com um mero documento particular junto no recurso. Veja-se hoje o cuidado e rigor postos no artigo 112º/1-c)/2 e no artigo 113º/5/6 do CPA/2015, pois está sempre em causa, por imperativo constitucional, um conhecimento efetivo da decisão administrativa.
Mas isto – referente à importância da notificação - não afasta que uma publicidade legalmente imposta (caso do artigo 257º cit.) seja um efetivo requisito de eficácia do ato administrativo (vd. artigo 130º CPA/1996).
Pelo que, antes de tal publicação, o ato administrativo impugnado na p.i. – cuja ilegalidade é a base do pedido acessório autorizado pelos artigos 173º/1 e 37º/2-b) do CPTA/2003 - não era eficaz. Não sendo eficaz antes de tal publicação exigida na lei, não se coloca até esse momento a questão da tempestividade da ação.
Em síntese, o prazo de 3 meses previsto no artigo 58º/1-b) do CPTA/2003 começou a correr em 10-02-2015.
A ação foi interposta em 08-05-2015.
Tendo em conta o cit. artigo 58º/3 do CPTA/2003 e o cit. artigo 138º do CPC/2013, bem como as férias judiciais da Páscoa de 2015, logo se constata que o prazo de 3 meses cit. foi respeitado pela autora.
Nestes termos se conclui que o TAC errou, (i) por violar as citadas disposições legais (maxime as do CPA/1996 e o artigo 58º/2-b) do CPTA/2003) e (ii) por desconsiderar a natureza acessória específica do pedido condenatório formulado na p.i. resultante dos artigos 4º/2-a), 37º/2-b) e 173º do CPTA/2003.
*
III - DECISÃO
Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida.
Custas a cargo do contra-alegante.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 20-09-2018


Paulo H. Pereira Gouveia – Relator


J. Gomes Correia


Nuno Coutinho

[1]Das Recht der Gesellschaft, Frankfurt, Suhrkamp, 1993, ou Law as a Social System, Oxford, Oxford University Press, 2004. Rechtssoziologie, 2ª edição, Opladen, Westdeutscher Verlag, 1983.
[2] Ou seja, (i) aptidão finalística da medida ou decisão pública: adequação; (ii) indispensabilidade dessa medida ou decisão pública: necessidade; e (iii) equilíbrio, racionalidade e razoabilidade da decisão pública, ou “justa medida”: proporcionalidade em sentido estrito.
[3]Isto, porém, num contexto em que uma pluralidade não harmonizada de preceitos normativos sobre a mesma matéria é cada vez mais frequente, em detrimento da segurança jurídica.