Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2441/15.OBELRS
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/19/2017
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM
PRAZO RAZOÁVEL
PESSOA COLECTIVA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
PRESUNÇÃO JUDICIAL
Sumário:I - Na aplicação da Convenção Europeu dos Direitos do Homem e na densificação dos respectivos conceitos, como é o caso do conceito de danos morais indemnizáveis, tem, necessariamente, de atender-se à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), a qual tem entendido que uma pessoa colectiva pode receber uma indemnização por tal tipo de danos.

II – De acordo com a jurisprudência do TEDH, os danos não patrimoniais de uma sociedade comercial podem incluir a respectiva reputação, a incerteza no planeamento da decisão, a ruptura na gestão da empresa e, por último, ainda que em menor grau, a ansiedade e incómodos causados aos membros da equipa de gestão.

III - Nos termos dessa mesma jurisprudência, os danos não patrimoniais que segundo o conhecimento comum sempre ocorrem em praticamente todos os casos de atraso excessivo na actuação da justiça merecem, em princípio, a tutela do direito, não sendo de minimizar na respectiva relevância, sem prejuízo de os mesmos poderem ser ilididos, ou seja, deve presumir-se que a duração excessiva de um processo causa nas partes um dano não patrimonial que estas não estão obrigadas a provar, abrangendo tal presunção danos distintos conforme se esteja perante pessoa singular (angústia, ansiedade, frustração, etc.) ou colectiva (incerteza no planeamento da decisão, ruptura na gestão da empresa, etc., conforme explicitado em II).

IV – A referida presunção de dano consubstancia-se numa presunção judicial e não num facto notório, razão pela qual o concreto dano em causa carece de ser alegado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
*
I - RELATÓRIO
R............ SGPS, SA, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a presente acção administrativa comum, sob a forma ordinária, contra o Estado Português, pedindo condenação deste no pagamento da quantia de € 40 000 - a título de indemnização por danos não patrimoniais, fundada em responsabilidade civil extracontratual por violação do direito a uma decisão em prazo razoável -, acrescida de juros de mora à taxa legal anual, ora de 4%, desde a data da citação e até efectivo pagamento.

Por sentença proferida em 31 de Março de 2017 pelo referido tribunal foi julgada improcedente a presente acção e, em consequência, absolvido o réu do pedido.

Inconformada, a autora interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul dessa sentença, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:
«1.° R............-SGPS, S.A., ora Recorrente, instaurou uma acção administrativa comum contra o ESTADO PORTUGUÊS, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, uma quantia não inferior a € 40.000,00 (quarenta mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal aplicável, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, com base no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas.
2.° Na referida acção de condenação, invocou a ora Recorrente, enquanto Autora, a violação, pelo Réu Estado Português, a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável (artigo 20.°, n°4, da CRP, e artigo 6° da CEDH).
3.° Por douta sentença proferida em 31 de Março de 2017, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou a acção apresentada pela Recorrente, totalmente improcedente e, em consequência, absolveu o então Réu do pedido, fixou à causa o valor de 40.000,00€ e condenou a Recorrente nas custas.
4.° O Tribunal a quo fundamentou a Sentença recorrida defendendo que "a Autora não alega, portanto, facto algum susceptível de ser reconduzido à classificação categorial de dano", considerando que "para nós, o juízo que conclui pela criação de um dano psicológico e moral comum na esfera de todos aqueles que se dirigem aos tribunais e não vêm as suas pretensões resolvidas por um acto final do processo é um juízo de experiência, chave do funcionamento de uma presunção judicial, a qual, ainda que baseada no senso comum, não se confunde com o instituto do facto notório", e, ainda, que "(...) a Autora não cumpriu o ónus, que era seu, de alegar factos susceptíveis de ser qualificados como dano; o ónus de substanciação da causa de pedir, o que importa a procedência do seu pedido".
5.° Desta decisão interpõe a ora Recorrente o presente Recurso, circunscrito à matéria de Direito.
6.° O instituto da responsabilidade civil extracontratual pressupõe a existência de um facto ilícito, de um dano, da verificação do nexo de causalidade entre aquele facto e o dano, e da culpa do agente (artigo 483°, n°1, CC, e Lei n°67/2007, de 31 de Dezembro), contudo, o douto Tribunal a quo, sem sequer se debruçar sobre a existência de um facto ilícito, invoca, desde logo, a suposta não alegação da existência de danos, por parte da ora Recorrente, então Autora, encerrando, assim, o litígio.
7.° Sucede que a verificação de danos decorrentes da violação do direito fundamental à decisão judicial num prazo razoável depende intrinsecamente da existência de tal violação.
8.º Decidiu o douto Tribunal a quo em clara contradição com o entendimento do STA, de acordo com o qual "a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, constitui, sem dúvida, violação do direito fundamental a uma tutela judicial efectiva, nos termos dos já citados artº 20, nº 4 da CRP e artº 6, nº 1 da CEDH, mas, em primeiro lugar há que demonstrar essa violação e, portanto, o facto ilícito e culposo, pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado aqui em causa, o que incumbe aos AA, nos termos do art°487°, n°1 do CC. Só depois de objectivamente provada essa violação, é que funciona a presunção natural ou judicial de dano moral, de que dessa violação resulta um dano moral para o interessado naquela decisão judicial, presunção que, todavia, pode ser ilidida por mera contra- prova" (Ac. STA de 9 de Outubro de 2008, disponível em www.dgsi.pt).
9.° Termos em que, conclui a Recorrente, o Tribunal a quo deveria, necessariamente, ter aferido da existência de um facto ilícito, antes de analisar os danos enquanto pressuposto da responsabilidade civil.
10.° Verificando-se, no caso sub judice, uma verdadeira omissão de pronúncia pelo Tribunal a quo, que desde já se invoca, e que determina a nulidade da douta Sentença recorrida, nos termos do artigo 615°, n°1, al. d), CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA.
11.º Por outro lado, a jurisprudência do TEDH admite uma verdadeira presunção de dano não patrimonial a favor do administrado que decorre de uma justiça morosa, considerando que a duração excessiva de um processo causa nas partes um dano não patrimonial que estas não estão obrigadas a provar, sendo tal dano uma "consequência normal da violação do direito a uma decisão em prazo razoável”.
12.° A Recorrente, enquanto Autora, pediu, precisamente, que o Recorrido, então Réu, fosse condenado a indemnizá-la por aquele dano geral, conforme resulta expressamente dos artigos 52° e 53° da Petição Inicial, não sendo, por isso, verdadeira a afirmação do Tribunal a quo segundo a qual a Recorrente, enquanto Autora, não alegou danos não patrimoniais.
13.° Ainda que assim não fosse, contrariamente à posição assumida na Sentença recorrida, os danos decorrentes da violação do direito fundamental a uma decisão judicial em prazo razoável devem ser considerados como um facto notório, o que dispensa o ónus de alegação, conforme decorre da jurisprudência nacional e do TEDH.
14.° Estando em causa a violação de um direito fundamental constitucionalmente consagrado e internacionalmente reconhecido, a mera violação daquele deve ser entendida como um dano per si.
15.° Sem prejuízo, importa chamar, ainda, à colação o disposto no artigo 350°, n°1, do Código Civil (adiante abreviadamente "CC"), nos termos do qual: "quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz", sendo que, na medida em que "o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem" (cfr. artigo 22° da CRP), conclui, a Recorrente, que a lei presume que acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício geram sempre e necessariamente responsabilidade civil, e, por isso, um dano.
16.° Não obstante, a sentença recorrida não conhece da verificação do dano não patrimonial transversal a todas as pessoas (singulares ou colectivas) que vêem violado o seu direito a uma decisão judicial em prazo razoável (artigo 20°, n°4, e artigo 22°, ambos da CRP).
17.° Mais vem o Tribunal a quo defender, que os danos não patrimoniais imputáveis a uma pessoa colectiva estarão relacionados com a reputação da empresa, a incerteza no planeamento da decisão, a perturbação na gestão da empresa e o inconveniente causado aos membros das equipas de gestão, e que, em suma, tais danos devem ser alegados e provados.
18.° Não assiste, contudo, e salvo o devido respeito, razão ao Tribunal a quo nesta matéria, na medida em que, de acordo com o princípio da universalidade, "as pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza", nos termos do artigo 12°, n°2, da CRP, sendo que, nos termos do artigo 18°, n°1 da CRP, "os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas". Daqui resulta que o direito a uma decisão judicial em prazo razoável é um direito que assiste, não só às pessoas singulares, como também às pessoas colectivas (públicas ou privadas).
19.° Assim, entende a Recorrente, na senda da doutrina e jurisprudência nacionais e do TEDH, também o dano não patrimonial específico decorrente da violação do direito fundamental em apreço pode ser imputado a pessoas singulares ou colectivas.
20.° Termos em que, entende a Recorrente, a sentença recorrida viola os princípios constitucionais consagrados nos artigos 12°, n°2, e 18°, n°1, ambos da CRP.
Nestes termos e sempre com o mui douto suprimento do Venerando Tribunal ad quem,
Deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, a douta sentença recorrida ser revogada e a acção ser julgada totalmente procedente, com o que se fará
JUSTIÇA»

O Ministério Público - em representação do Estado Português -, notificado, apresentou contra-alegação de recurso na qual pugnou pela manutenção da decisão recorrida.

Em 3.7.2017 foi proferido pelo TAC de Lisboa despacho de sustentação da sentença recorrida.
II - FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:
«1. No dia 7 de maio de 2007, foi distribuído, sob o número de processo 13504/07.5YYLSB, na 2ª Secção do 1° Juízo de Execução de Lisboa, requerimento executivo apresentado pela aqui Autora contra a sociedade D……….-Entreposto…………, Lda. [artigo (s) 1 da p.i. e 12 da contestação].
2. O referido requerimento executivo foi formulado com fundamento em sentença condenatória [artigo(s) 1 da p.i. e 12 da contestação].
3. No referido requerimento a Autora pede a cobrança da quantia global de 78.605,08€ [artigo(s) 1 da p.i. e 12 da contestação],
4. No dia 22 de Maio de 2007, foi aceite por solicitador de execução a nomeação como Agente de Execução no processo 13504/07.5YYLSB [artigo(s) 2 da p.i. e 12 da contestação].
5. No dia 5 de Junho de 2007, o Agente de Execução realizou a consulta do Registo Informático de Execuções [artigo(s) 3 da p.i. e 12 da contestação].
6. Por notificação de 6 de Junho de 2007, a secretaria da 2ª Secção do 1° Juízo de Execução de Lisboa notificou o Agente de Execução de que naqueles autos não havia lugar a citação prévia, devendo proceder à penhora dos bens da Executada [artigo(s) 4 da p.i. e 12 da contestação].
7. No dia 20 de Dezembro de 2007, o Agente de Execução informou o Tribunal das diligencias realizadas [artigo(s) 5 da p.i. e 12 da contestação].
8. No dia 16 de Janeiro de 2008 o Agente de Execução realizou buscas nas bases de dados do Registo Automóvel e da Segurança Social [artigo(s) 6 da p.i. e 12 da contestação].
9. No dia 16 de Janeiro de 2008 o Agente de Execução requereu o levantamento de sigilo fiscal [artigo(s) 7 da p.i. e 12 da contestação].
10. No dia 19 de Junho de 2008, o mandatário da Autora (então exequente) requereu ao Tribunal a notificação do Agente de Execução para que apresentasse «o relatório das diligências a que se refere o artigo 837° do Código de Processo Civil» [artigo(s) 8 da p.i. e 12 da contestação].
11. Em 17 de Dezembro de 2009 a Meritíssima Juiz de Direito proferiu os seguintes despachos:
«Notifique a exequente para, em 10 dias, demonstrar nos autos que a executada foi dissolvida/liquidada e, caso tal demonstre, para dizer se pretende fazer uso do mecanismo previsto no art°162º do Código das Sociedades Comerciais ou se requer a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide». «Atento o disposto nos art.°s 833° n°3 e 519°-A n° 2, ambos do Código de Processo Civil, e uma vez que se mostra necessário para o apuramento de bens penhoráveis e que tal facto se mostra justificado pelas diligências já efectuadas, autorizo o (a) Agente da Execução a aceder às declarações e outros elementos protegidos pelo sigilo fiscal junto da Direcção-Geral de Contribuições e Impostos e/ou do Serviço de Finanças competente respeitantes ao(s) executado(s), necessários e suficientes para os estritos fins e informações pretendidas no requerimento em apreço, informações essas que não poderão ser injustificadamente divulgadas, nem constituir objecto de ficheiro de informações nominativas» [artigo(s) 9 da p. i. e 12 da contestação].
12. Tais despachos foram notificados ao mandatário da Exequente e ao Agente de Execução por cartas de 22 de Dezembro de 2009 [artigo(s) 10 da p.i. e 12 da contestação].
13. Por requerimento de 8 de Janeiro de 2010, a Autora, então Exequente, declarou expressamente que pretendia fazer uso do mecanismo previsto no artigo 162° do Código das Sociedades Comerciais e que a execução prosseguisse contra os sócios da Executada [artigo(s) 11 da p.i. e 12 da contestação].
14. No dia 14 de Janeiro de 2010 a Meritíssima Juiz de Direito, exarou o seguinte despacho:
«Considerando que a sociedade executada foi extinta, conforme fls. 60, considera-se a mesma substituída pelos seus sócios, representados pelos liquidatários, não sendo necessária habilitação, ao abrigo do disposto no art.°162° n°s 1 e 2, do Código dos Sociedades Comerciais.
Pelo exposto, determino que os autos prossigam contra os sócios da executada, representados pelos liquidatários. Considerando que se desconhece a identificação e morada dos liquidatários da executada, notifique a exequente para, em 10 dias, fornecer tais dados aos autos» [artigo(s) 12 da p.i. e 12 e 15 da contestação].
15. Aquele despacho foi notificado ao mandatário da Autora, então Exequente, e ao Agente de Execução, por cartas elaboradas no dia 26 de Janeiro de 2010 [artigo(s) 13 da p.i. e 12 da contestação].
16. Por requerimento apresentado pela Autora, então Exequente, no dia 8 de Fevereiro de 2010, esta informou o Tribunal do seguinte: «pese embora os esforços empreendidos, não foi ainda possível obter os dados em falta, assim e de acordo com o Principio da cooperação, vem requerer que seja concedida a prorrogação do prazo por igual período de 10 dias para que a Exequente possa obter as informações necessárias» [artigo(s) 14 da p.i. e 12 da contestação].
17. No dia 11 de Fevereiro de 2010, a Autora, então Exequente, informou o Tribunal de que «o único sócio da Executada e portanto seu liquidatário é a seguinte pessoa:
- António …………………, solteiro, maior, residente no Edifício ……… n°12, esquerdo frente, da freguesia de S…………………., nos Açores» [artigo(s) 15 da p.i. e 12 e 16 da contestação].
18. No dia 19 de Agosto de 2010, o Agente de Execução efectuou nova busca à base de dados da Segurança Social [artigo(s) 16da p.i.] - cfr. o(s) documento(s) n°1 anexo(s) à p.i., reproduzido(s) a fls. 72 dos autos.
19. Com data de 23 de Setembro de 2010, o Tribunal notificou o Agente de Execução do teor do requerimento da Exequente de 11 de Fevereiro de 2010 [artigo(s) 17 da p.i.] - cfr. o(s). documento(s) n°1 anexo(s) à p.i., reproduzido(s) a fls. 73 dos autos.
20. No dia 26 de Outubro de 2010, o Agente de Execução requereu ao Tribunal que fosse ordenada a introdução no sistema informático, como executado, dos dados de António ……………………., com o fim de poder dar início às buscas necessárias para localização de bens penhoráveis [artigo(s) 18 da p.i.] - cfr. o(s) documento(s) n°1 anexo(s) à p.i., reproduzido(s) a fls. 74 dos autos.
21. No dia 11 de Novembro de 2010, o Agente de Execução elaborou o relatório das diligências efectuadas no processo, dirigido ao Juiz de Direito, do qual consta como último acto praticado a inserção de dados do liquidatário [artigo(s) 19 da p.i.] - cfr. o(s) documento(s) n.° 1 anexo(s) à p.i., reproduzido(s) a fls. 75 dos autos.
22. Nos anos de 2011 e de 2012 não foi praticado qualquer acto no processo [artigo(s) 20 da p.i.]
23. No dia 5 de Abril de 2013, o Agente de Execução apresentou novo pedido de que fosse ordenada a introdução no sistema informático, como executado, dos dados de António ……………………. [artigo(s) 21 da p.i.] - cfr. o(s) documento(s) n.° 1 anexo(s) à p.i., reproduzido(s) a fls. 76 dos autos.
24. No dia 19 de Março de 2014, o Agente de Execução informou o mandatário da Exequente de que «foi requerido ao Tribunal que procedesse à introdução no sistema dos sócios/liquidatários como partes, acto imprescindível ao prosseguimento dos autos, pois sem a introdução destes como parte, não podemos localizar bens. Sendo que não obtivemos resposta do Tribunal vamos insistir» [artigo(s) 22 da p.i. e 13 da contestação].
25. No dia 19 de Março de 2014, o Agente de Execução requereu a inserção na aplicação CITIUS, na qualidade de executado, dos dados de António ………………….. [artigo(s) 23 da p.i.] - cfr. o (s) documento(s) n°1 anexo(s) à p.i., reproduzido(s) a fls. 88 dos autos.
26. No dia 6 de Maio de 2014, o Escrivão Auxiliar lavrou cota consignando que «foi inserido no sistema Habilus, António ………………………, na qualidade de Executado nos presentes autos» [artigo(s) 24 da p.i. e 13 da contestação].
27. No dia 7 de Maio de 2014, o Escrivão Auxiliar abriu conclusão, informando o Tribunal de que, «consultado o histórico do processo no sistema Habilus, verifica-se que já consta o nome de António ……………… associado como legal Representante da Executada D………… - Entreposto Comercial, Lda. Mais se informa que, atento o solicitado, foi inserido o referido legal representante, na qualidade de executado nos presentes autos, pelo que V. Ex.ª ordenará o que tiver por conveniente» [artigo(s) 25 da p.i. e 13 e 17 da contestação].
28. Por despacho datado de 7 de Maio de 2014, foi proferido despacho judicial que consignou que «face ao exposto, nada há a ordenar» [artigo(s) 26 da p.i. e 13 da contestação].
29. No dia 28 de Maio de 2014, o Agente de Execução tentou efectuar nova busca na base de dados da Segurança Social, reportando a mesma que «não existem registos» [artigo(s) 27 da p.i.].
30. No dia 30 de Maio de 2014, o Agente de Execução, mediante requerimento dirigido ao Meritíssimo Juiz, informou e requereu o seguinte: «notificada do douto despacho de inclusão do sócio Gerente António ………………… como Executado, nos autos acima melhor identificados, vem requerer a V.Exa. se digne ordenar que seja facultada à ora a identificação civil e fiscal do mesmo uma vez que a mesma não consta do processo» [artigo(s) 28 da p.i. e 13 da contestação],
31. No dia de 9 de Fevereiro de 2015, o Agente de Execução solicitou ao Tribunal «que seja facultada a identificação civil e fiscal do Executado António ……………….» [artigo(s) 29 da p.i.].
32. No dia 17 de Abril de 2015, o Agente de Execução apresentou requerimento, formulado nos seguintes termos: «na sequência do requerimento anteriormente formulado vem renovar o pedido de inserção do Executado António ………………………. no sistema informático, afim de podermos proceder às diligências de localização de bens» [artigo(s) 30 da p.i. e 13 da contestação].
33. Por requerimento de 3 de Julho de 2015, o Agente de Execução requereu ao Meritíssimo Juiz de Direito «que confirme a recepção do N/Requerimento datado de 13-05-2015» [artigo(s) 31 da p.i.].
34. No dia 9 de Novembro de 2015, a presente ação deu entrada em juízo [facto complementar].
35. Entre os dias 18 de Abril de 2015 e o dia 9 de Novembro de 2015, não foi praticado no processo 13504/07.5YYLSB nenhum ato pela Secretaria ou por Magistrado Judicial [artigo(s) 32 da p.i.].
36. Para que o agente de execução pudesse proceder às diligências prévias à penhora, carecia do n° de informação fiscal de António ……………………...
37. O n° de identificação civil e o n° de informação fiscal de António ……………………. não eram de consulta acessível ao agente de execução [artigo(s) 19 da contestação]».
*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a sentença recorrida:
- é nula, por omissão de pronúncia;
- incorreu em erro na apreciação do requisito dano e, em caso afirmativo, se a acção deve ser julgado procedente.


Nulidade da sentença recorrida

Alega a recorrente que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º n.º 1, al. d), ex vi art. 1º, do CPTA, já que julgou improcedente a presente acção por suposta não alegação da existência de danos, não se debruçando sobre a existência de um facto ilícito, o que teria de ser necessariamente aferido antes de se analisar o dano enquanto pressuposto da responsabilidade civil.

Apreciando.

Dispõe o art. 615º n.º 1, do CPC de 2013, que:
“É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…)”.

A nulidade prevista na 1ª parte da al. d) do n.º 1 deste art. 615º, chamada de omissão de pronúncia, relaciona-se directamente com o estatuído no art. 608º n.º 2, do CPC de 2013, nos termos do qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; (…)”.

A propósito desta nulidade, ensina Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª Edição, 2003, págs. pág. 50, que, «À omissão de pronúncia alude a 1ª parte da alínea d) do n.° 1 do art. 668.°(1) e traduz-se na circunstância de o juiz se não pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ante o estatuído na 1.ª parte do n.° 2 do art. 660.°(2).
Trata-se da nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda.
Como nos diz Alberto dos Reis, não enferma da nulidade de omissão de pronúncia o acórdão que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por as reputar desnecessárias para a resolução do litígio. “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”».

A omissão de pronúncia só existe, portanto, quando o tribunal deixe, em absoluto, de apreciar e decidir a(s) questão(ões) que lhe é(são) colocada(s) pelas partes, isto é, o(s) problema(s) concreto(s) que haja sido chamado a resolver, e não quando deixe de apreciar razões, argumentos, considerações, teses, doutrinas ou raciocínios invocados pelas partes em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão da(s) questão(ões) colocada(s).

Ora, como acertadamente se referiu no despacho de sustentação proferido pelo TAC de Lisboa em 3.7.2017, “Sendo os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual – ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano – de verificação cumulativa e entendendo-se na sentença sob recurso que não se verifica o pressuposto dano, a não apreciação do pressuposto ilicitude não constitui causa de nulidade da sentença, prevista na alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, porquanto basta a não verificação de um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual para a improcedência da acção, não sendo a ordem de conhecimento dos referidos pressupostos, obrigatoriamente, a supra referida” (sublinhado nosso).

Assim sendo, tem de improceder a arguição de nulidade da sentença recorrida.


Erro da sentença recorrida na apreciação do requisito dano

Alega a recorrente, a este propósito e em síntese, que:
- não é verdadeira a afirmação constante da sentença recorrida de que não alegou danos não patrimoniais, conforme resulta expressamente dos artigos 52º e 53º, da petição inicial (cfr. conclusão 12ª, da alegação de recurso);
- ainda que não fosse correcta a afirmação antecedente, os danos decorrentes da violação do direito a uma decisão em prazo razoável devem ser considerados como um facto notório, o que dispensa o ónus de alegação, sendo um dano de per si (cfr. conclusões 13ª e 14ª, da alegação de recurso);
- de todo o modo, o dano em causa presume-se de acordo com a lei, nos termos do art. 350º n.º 1, do Código Civil (cfr. conclusão 15ª, da alegação de recurso);
- a sentença recorrida não conheceu da verificação do dano não patrimonial transversal a todas as pessoas (singulares ou colectivas) que vêem violado o seu direito a uma decisão em prazo razoável (cfr. conclusão 16ª, da alegação de recurso);
- a sentença recorrida violou os arts. 12º n.º 2 e 18º n.º 1, ambos da CRP, ao afirmar que os danos não patrimoniais imputáveis a uma pessoa colectiva - relacionados com a reputação da empresa, a incerteza no planeamento da decisão, a perturbação na gestão da empresa e o inconveniente causado aos membros das equipas de gestão - devem ser alegados e provados, pois o dano não patrimonial decorrente da violação do direito a uma decisão em prazo razoável pode ser imputado a pessoas singulares como às pessoas colectivas (cfr. conclusões 17ª a 20ª, da alegação de recurso).

Para melhor enquadramento e decisão destas questões, passa-se a transcrever a fundamentação jurídica da sentença recorrida na parte relevante:
«O dano é, assim, elemento imprescindível da responsabilização civil: indemniza-se (ou compensa-se) danos, não a prática do ilícito em si. Sem dano não há, portanto, direito a indemnização.
(…)
Relativamente ao pressuposto dano, alega a Autora, unicamente, o seguinte [artigos 52.° e 53.° da p.i.]:
[O Estado está constituído] «no dever de indemnizar a Autora pelos danos que vem sofrendo em consequência daquela violação, nomeadamente os danos não patrimoniais decorrentes daquela tramitação que ultrapassou o razoável e todas as vicissitudes inerentes a um processo desta natureza, pelo que o seu ressarcimento encontra acolhimento no artigo 496°, n°1 do Código Civil».
A Autora não alega, portanto, facto algum susceptível de ser reconduzido à classificação categorial de dano. Diz, conclusivamente, que «vem sofrendo» danos, «nomeadamente (...) danos não patrimoniais», mas tal não constitui alegação factual:
«(...) [F]actos são as ocorrências da vida real, isto e, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens» (REIS, Alberto D.- Código de Processo Civil anotado. 3ª, ed., Coimbra, Coimbra Editora, vol. III, pág. 209.).
«A causa de pedir nada tem que ver com a qualificação jurídica do facto ou factos submetidos a apreciação do tribunal; a causa de pedir está no facto oferecido pela parte, e não na valoração jurídica que ela entenda atribuir-lhe» (Idem, ibidem, p. 127).
*
Nas suas alegações orais, a Autora alega que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, deve presumir-se a ocorrência de um dano não patrimonial comum a toda a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável. Chegou, ainda, a alegar que é evidente que a demora causa prejuízo a todos os administrados, sejam pessoas singulares ou coletivas.
A posição do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem quanto à presunção da verificação de danos não patrimoniais, por falta de decisão em prazo razoável, está sintetizada no ponto 94. do acórdão n°62361, de 29 de Marco de 2006 (caso Riccardi Pizzati c. Itália):
(i) O Tribunal considera que o dano não patrimonial é a consequência normal, ainda que não automática, da violação do direito a uma decisão em prazo razoável e presume-se como existente, sem necessidade de dele fazer prova, sempre que a violação tenha sido objectivamente constatada;
(ii) O Tribunal considera, também, que esta forte presunção é ilidível, havendo casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano moral mínimo ou, até, nenhum dano moral, sendo que, então o juiz nacional deverá justificar a sua decisão, motivando-a suficientemente.
É portanto, correta a alegação da Autora quanto ao reconhecimento pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem da presumibilidade da verificação de danos não patrimoniais como consequência da violação do direito a uma decisão em prazo razoável.
No entanto, tal entendimento do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não obsta à necessidade (ónus) de alegação, pela Autora, do essencial dos factos constitutivos (do direito à indemnização) que pretende ver beneficiários dessa presunção. Uma vez mais, há que recordar que o juízo probatório eventualmente beneficiário dessa presunção incide sobre factos concretos.
*
Não se ignora o teor do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido, no dia 09-10-2008, no processo n°0319/08, que, com um voto de vencido, considerou que existe um «dano psicológico e moral comum que sofrem todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não vêm as suas pretensões resolvidas por um acto final do processo» cuja existência «é um facto da vida, conhecido de todos».
Considerou, assim, o Supremo Tribunal Administrativo - com o referido voto de vencido - que tal dano psicológico e moral comum constitui um facto notório, como tal não carecendo, como vimos, de alegação (nem de prova) [CPC 5° n° 2, alínea c) e 412.°, n° 1].
O nosso julgamento diverge, no entanto, do do Douto Acórdão, seguindo antes a linha de entendimento expressa no voto de vencido nele vertido.
Para nós, o juízo que conclui pela criação de um dano psicológico e moral comum na esfera de todos aqueles que se dirigem aos tribunais e não vêm as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo é um juízo de experiência, chave do funcionamento de uma presunção judicial, a qual, ainda quando baseada no senso comum, não se confunde com o instituto do facto notório.
Factos notórios são, já deixámos escrito supra, os factos que são do conhecimento geral [cfr. o artigo 412.° do CPC], e não é do conhecimento geral - designadamente, não é do conhecimento deste Tribunal - que dano não patrimonial sofreu a Autora em consequência da alegada ultrapassagem do prazo razoável de decisão do processo de execução por ela intentado.
(…)
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no acórdão proferido no caso COMINGERSOLL S.A. v. PORTUGAL, reconheceu a uma pessoa coletiva de fins lucrativos o direito a uma indemnização por danos não patrimoniais causados pela violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável.
Fê-lo, considerando [35] que entre os danos não patrimoniais susceptíveis de serem sofridos por uma pessoa colectiva, deve-se ter em conta «a reputação da empresa, a incerteza no planeamento da decisão, a perturbação na gestão da empresa (para a qual não existe um método preciso de cálculo das consequências) e, por último, embora em menor grau, o inconveniente causado aos membros da equipa de gestão».
Contudo, não é do conhecimento geral que a Autora tenha sido lesada na sua reputação, nem o grau de eventual lesão; não é do conhecimento geral que a Autora tenha contado com incerteza no planeamento da decisão ou tido perturbações na gestão da empresa; não é do conhecimento geral que os membros da equipa de gestão da Autora tenham vivido «inconvenientes»; não é do conhecimento geral que alguma dessas coisas tenha acontecido em virtude da alegada demora judicial (nexo de causalidade entre o facto e o dano).
Eventuais dificuldades de gestão e o respetivo grau, assim como a sua imputabilidade ao facto alegadamente ilícito, dependerão de variados fatores [por exemplo, dimensão da Exequente e volume do crédito em cobrança, para que se possa aferir da importância relativa do crédito exequendo para a vida da exequente; grau de solvabilidade do executado e qualidade de conhecimento dessa solvabilidade pelos órgãos de gestão da Exequente, pois desse conhecimento poderia resultar reduzida ou nenhuma expetativa de cobrança do crédito posto a execução; etc.], o que impede que se assuma os mesmos como do conhecimento geral.
*
Não sendo do conhecimento geral tal factualidade, não pode o Tribunal valer-se dela, não só porque o Tribunal não tem a disponibilidade dos factos em que assenta a decisão - cfr. o já mencionado artigo 5° do CPC -, como também porque essa factualidade pode não ser do conhecimento do Réu e, por isso, teria de ser alegada para lhe poder ser contraposta. Caso contrário, poderia estar a impedir-se o Réu de conhecer os factos em que alegadamente consistiria o dano, e, desse modo, de os contraditar.
Assim, se tais danos, uma vez alegados, seriam de, acordo com as regras de experiência, de presumir, já não podem é ser qualificados como notórios, sob pena de, contra a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, conforme interpretada por aquele Tribunal, se transformar tais danos em necessários e automáticos, assim se transmutando a presunção de ilidível em inilidível, impedindo-se, desse modo a contraprova pelo Réu - violando-se, em suma, o direito deste a um processo equitativo, valor também caro à Convenção Europeia dos Direitos do Homem [cfr. o n.° 1 do seu artigo 6.°].
Conclui-se, nestes termos, que a Autora não cumpriu o ónus, que era seu, de alegar factos susceptíveis de ser qualificados como dano; o ónus de substanciação da causa de pedir, o que importa a improcedência do seu pedido.» (sombreados nossos).

Da fundamentação jurídica ora transcrita decorre que na sentença recorrida considerou-se que:
- o alegado nos artigos 52º e 53º, da petição inicial, reconduz-se a uma conclusão jurídica, não alegando a autora, ora recorrente, qualquer facto susceptível de ser reconduzido à classificação categorial de dano;
- o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) presume a verificação de danos não patrimoniais como consequência da violação do direito a uma decisão em prazo razoável, mas tal entendimento do TEDH não obsta à necessidade (ónus) de alegação pela recorrente do essencial dos factos constitutivos (do direito à indemnização) para beneficiar dessa presunção, pois o juízo probatório eventualmente beneficiário dessa presunção incide sobre factos concretos;
- o juízo que conclui pela criação de um dano psicológico e moral comum na esfera de todos aqueles que se dirigem aos tribunais e não vêm as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo é um juízo de experiência, chave do funcionamento de uma presunção judicial, a qual, ainda quando baseada no senso comum, não se confunde com o instituto do facto notório;
- os danos não patrimoniais susceptíveis de serem sofridos por uma pessoa colectiva são a reputação da empresa, a incerteza no planeamento da decisão, a perturbação na gestão da empresa e, por último, embora em menor grau, o inconveniente causado aos membros da equipa de gestão;
- se tais danos, uma vez alegados, seriam de, acordo com as regras de experiência, de presumir, já não podem é ser qualificados como notórios, sob pena de, contra a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), conforme interpretada pelo TEDH, se transformar tais danos em necessários e automáticos, impedindo-se, desse modo, a contraprova pelo ora recorrido, violando-se o direito deste a um processo equitativo.

Vejamos, então, se este entendimento se mostra (ou não) correcto e, portanto, se procedem (ou não) os erros de julgamento imputados pela recorrente à sentença recorrida (nas conclusões 12ª a 20ª) e supra sintetizados.

Na aplicação da CEDH (tendo presente que está em causa a violação do direito à decisão da causa em prazo razoável, consagrado nomeadamente no art. 6º n.º 1, desta Convenção) e na densificação dos respectivos conceitos, como é o caso do conceito de danos morais indemnizáveis, tem, necessariamente, de atender-se à jurisprudência do TEDH [neste sentido, Ac. do STA de 28.11.2007, proc. n.º 308/07 (“IV - O art. 13º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem consagra o princípio da subsidiariedade, segundo o qual compete às autoridades nacionais, em primeiro lugar, reparar as violações da mesma Convenção. V - Na densificação dos conceitos da Convenção, entre os quais os de prazo razoável de decisão, indemnização razoável e de danos morais indemnizáveis, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem desempenhará, seguramente, um papel de relevo.”)], a qual tem entendido que uma pessoa colectiva pode receber uma indemnização por tal tipo de danos.

Com efeito, e como a este propósito se escreveu no Ac. deste TCA Sul de 22.5.2014, proc. n.º 7822/11 (relatado pela mesma relatora do presente acórdão e em que foi 1º adjunto o 2º adjunto do presente acórdão), «no caso Comingersoll, SA, contra Portugal, o TEDH – acórdão proferido em 6.4.2000, no âmbito da petição n.º 35 382/97, em que a referida sociedade comercial (Comingersoll, SA) se queixava do atraso ocorrido na acção que instaurara e em que reclamava de outra sociedade comercial o pagamento de mais de 6 milhões de escudos – referiu nomeadamente o seguinte:
- não se pode considerar que as pessoas colectivas estão excluídas de receber uma indemnização por danos não patrimoniais, tudo dependendo das circunstância do caso, ou seja, a possibilidade de uma pessoa colectiva receber uma indemnização por tal tipo de danos não pode ser descartada;
- a CEDH deve ser interpretada e aplicada de forma a garantir que os direitos são efectivos; uma vez que na mesma a principal forma de reparação é a compensação pecuniária, deverá ser possível, a fim de garantir que o direito a um processo judicial em prazo razoável é efectivo, atribuir uma compensação pecuniária às sociedades comerciais por danos não patrimoniais;
- os danos não patrimoniais sofridos pelas sociedades comerciais podem incluir a respectiva reputação, a incerteza no planeamento da decisão, a ruptura na gestão da empresa e, por último, ainda que em menor grau, a ansiedade e incómodos causados aos membros da equipa de gestão.
E no caso Sociedade Agrícola do Peral, SA, e outra contra Portugal, o TEDH – acórdão proferido em 31.7.2003, no âmbito da petição n.º 55 340/00, em que as referidas sociedades comerciais (Sociedade Agrícola do Peral, SA, e Sociedade Agrícola de Cortiças Flocor, SA) se queixavam do atraso ocorrido nas acções que instauraram e em que reclamavam do Estado Português uma indemnização por prejuízos decorrentes das expropriações que tiveram lugar em 1975 – atribuiu às requerentes uma indemnização por danos não patrimoniais, com o fundamento de que, a duração do processo para além do prazo razoável, terá causado às mesmas, seus directores e associados, incómodos consideráveis e incerteza prolongada na condução dos assuntos correntes das sociedades.
Em casos mais recentes o TEDH tem reiterado a ideia de que uma compensação por danos não patrimoniais pode ser concedida a sociedades comerciais – cfr., entre outros, caso Centro Europa 7 SRL e Di Stefano contra Itália (acórdão proferido em 7.6.2012, no âmbito da petição n.º 38 433/09), e caso East/Wet Alliance Limited contra Ucrânia (acórdão proferido em 23.1.2014, no âmbito da petição n.º 19 336/04).».

Conclui-se, assim, que é correcto o entendimento explanado na sentença recorrida de que, de acordo com a jurisprudência do TEDH, uma sociedade comercial pode receber uma indemnização por danos não patrimoniais, os quais podem incluir a respectiva reputação, a incerteza no planeamento da decisão, a ruptura na gestão da empresa e, por último, ainda que em menor grau, a ansiedade e incómodos causados aos membros da equipa de gestão.

Aliás, neste preciso sentido se pronunciou Ricardo Pedro, Contributo para o Estudo da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado por Violação do Direito a uma Decisão em Prazo Razoável ou sem Dilações Indevidas, 2011, o qual, nas págs. 153 a 155, refere o seguinte:
Chegados aqui (…) sempre se terá que esclarecer que para a matéria da responsabilidade do Estado por violação do direito a uma decisão em prazo razoável ou sem dilações indevidas, se deverá ter em conta a jurisprudência do TEDH. Seja porque a CEDH tem valor supra legal, seja por que se verifica um princípio do primado da coisa interpretada, seja porque, na prática, se terá de reconhecer um efeito indirecto vertical daquela jurisprudência ou simplesmente porque se terá de considerar a jurisprudência do TEDH, sob pena de mais tarde vir a ser condenado pela Corte de Estrasburgo (394 Neste sentido, Acórdão do STA, de 28 de Novembro de 2007, processo n.º 308/07). Em suma, o Estado/Tribunais está tão só a dar cumprimento à obrigação de resultados que o Estado português se comprometeu em interpretar a CEDH e aplicar o direito daí (do TEDH) emanado - law in books e law in action - de modo a garantir que os direitos ali plasmados são efectivos e eficazes. Ao que se disse só falta acrescentar que o TEDH tem vindo a admitir a compensação dos danos não patrimoniais a pessoas colectivas. Vejamos em que medida.
No ano de 2000 Portugal foi condenado, no âmbito do acórdão Comingersoll S.A. c. Portugal (395 Acórdão do TEDH, de 6 de Abril de 2000, caso Comingersoll S.A. c. Portugal, (com voto de vencido do Sr. Juiz C. L. Rozakis). O processo “viajou” por várias instâncias portuguesas durante 17 anos e 6 meses estando ainda pendente (“estacionado”), sem trânsito em julgado, à data em que o TEDH proferiu esta decisão), pelo TEDH por violação do direito a uma decisão em prazo razoável ao pagamento de €7.500,00 por danos não patrimoniais causados a uma sociedade comercial e desde então outras condenações (396 Entre outros, Acórdãos do TEDH, de 18 de Maio de 2000, caso Fertiladour S.A. c. Portugal; de 27 de Fevereiro de 2003, caso Têxtil Traders c. Portugal e de 31 de Julho de 2003, caso Sociedade Agrícola do Peral S.A. c. Portugal. Antes de 2000, vale a pena esclarecer que o Comité de Ministros já tinha aprovado várias Resoluções de condenação do Estado português por danos não patrimoniais a sociedades comerciais e o governo nunca as contestou – vd. Resolução DH (96) 604, de 15 de Novembro de 1996, caso de Dias & Costa, Lda. e Resolução DH (99) 708, de 3 de Dezembro de 1999, caso de Biscoiteria, Lda.) se seguiram, remetendo para a argumentação desenvolvida neste aresto. Vejamos as linhas essenciais que brotam desta jurisprudência.
(…) A Corte de Estrasburgo esclarece que não pode ser feita uma abordagem geral e abstracta ao problema da ressarcibilidade de danos não patrimoniais das pessoas colectivas, no sentido da sua negação ou da sua admissão (397 Acórdão do TEDH, de 6 de Abril de 2000, caso Comingersoll S.A. c. Portugal, considerando n.º 32, 2§.). Só casuisticamente se poderá encontrar uma solução ajustada, o que desde logo revela que o TEDH não encontra qualquer obstáculo dogmático ou teórico na admissão da ressarcibilidade, apenas as circunstâncias do caso concreto a podem afastar. O TEDH deixa claro que tendo em conta a prática dos Estados “europeus” e “à luz da sua própria jurisprudência e prática que, o Tribunal não pode, portanto, excluir a possibilidade de a uma sociedade comercial poder ser atribuída uma indemnização por danos não patrimoniais” (399 Acórdão do TEDH, de 6 de Abril de 2000, caso Comingersoll S.A. c. Portugal, considerando n.º 35).
Perante ao argumento - da confusão ou duplicação de danos - o TEDH esclarece que “os danos não patrimoniais sofridos pelas sociedades comerciais podem incluir questões que podem ser "objectivas" ou "subjectivas". Entre estas, deve ser tida em conta a reputação da empresa, a incerteza na tomada de decisões, planeamento, desorganização na gestão da empresa (para os quais não existe método preciso de calcular as consequências) e, por último, apesar de em menor grau, a ansiedade e inconveniente causado aos membros da equipa de gestão”. (…)
Ora, tendo presente a necessária consideração daquela jurisprudência e a não menos necessária consideração do mandamento de uniformização da jurisprudência nacional face aos casos similares decididos pelo TEDH, só resta à judicatura nacional considerá-la na “norma de decisão” que formular para o caso concreto, sob pena de fazer incorrer o Estado português em responsabilidade internacional e obrigando o TEDH à reparação razoável em falta.” (sublinhados nossos).

Além disso, também é correcto o entendimento perfilhado na sentença recorrida de que, de acordo com a jurisprudência do TEDH, os danos não patrimoniais que segundo o conhecimento comum sempre ocorrem em praticamente todos os casos de atraso excessivo na actuação da justiça merecem, em princípio, a tutela do direito, não sendo de minimizar na respectiva relevância, sem prejuízo de os mesmos poderem ser ilididos, ocorrendo, portanto, uma presunção de dano não patrimonial, ou seja, deve presumir-se que a duração excessiva de um processo causa nas partes um dano não patrimonial que estas não estão obrigadas a provar, abrangendo tal presunção danos distintos conforme se esteja perante pessoa singular (angústia, ansiedade, frustração, etc.) ou colectiva (incerteza no planeamento da decisão, ruptura na gestão da empresa, etc., conforme supra explicitado), pois, como explicam Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, pág. 113, em anotação ao art. 12º n.º 2 [“As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza”], “Não se trata de uma equiparação. Pelo contrário, trata-se de uma limitação: as pessoas colectivas têm os direitos compatíveis com a sua natureza, ao passo que as pessoas singulares têm todos os direitos (3), salvo os especificamente concedidos apenas a pessoas colectivas ou a instituições (v.g. o direito de antena). E, como nota o Tribunal Constitucional, tem de reconhecer-se que, ainda quando certo direito fundamental seja compatível com a sua natureza e, portanto, susceptível de titularidade “colectiva” (hoc sensu) daí não se segue que a sua aplicabilidade nesse domínio se vá operar exactamente nos mesmos termos e com a mesma amplitude com que decorre relativamente às pessoas singulares” (sublinhados e sombreado nossos).

De forma esclarecedora Ricardo Pedro, cit., págs. 135 a 137, explica a este propósito o seguinte:
Em relação à presunção de dano propriamente dita, o TEDH vem concluindo que, por vezes, a duração excessiva de um processo causa ao requerente um prejuízo não patrimonial, cujo montante não é obrigado a provar (340 Acórdão do TEDH, de 22 de Junho de 2004, caso Bartl c. Republica Checa), criando, deste modo, uma presunção de dano não patrimonial a favor de requerente (341 Acórdão do TEDH, de 29 de Março de 2006, caso Riccardi Pizzati c. Itália). (…)
De acordo com esta jurisprudência aplicada recentemente a Portugal no caso Martins Castro e Alves Correia de Castro c. Portugal e que já tinha sido integralmente recebida pelos nossos tribunais superiores, pelo menos, no Acórdão do STA, de 28 de Novembro de 2007, processo n.º 0308/07, considera-se que o dano moral é uma consequência normal, ainda que não automática, da violação do direito a uma decisão em prazo razoável e presume-se como existente, sem necessidade de fazer prova deste, sempre que a violação tenha sido objectivamente constatada. “Trata-se de uma presunção sólida, ainda que elidível, que em alguns casos não produz senão um dano mínimo, ou mesmo nenhum dano, sendo que, então o Juiz nacional deverá justificar a sua decisão, motivando-a suficientemente” (343 Acórdãos do TEDH, 10 de Junho de 2008, caso Martins Castro e Alves Correia de Castro C. Portugal, considerando n.º 54 e de 29 de Março de 2006, caso Riccardi Pizzati c. Itália, considerando n.º 94). À luz desta jurisprudência, estas nuances à presunção de dano moral exigem uma fundamentação acrescida que deverá aumentar na medida em que o juiz do processo a pretenda afastar. Se, em regra, todos os processos que padecem de dilações indevidas causam danos não patrimoniais aos requerentes, tal regra comporta excepções e, em sede de excepções, o julgador terá a obrigatoriedade de fundamentar a decisão de não verificação da presunção de dano não patrimonial.
No que tange ao dano presumido, importa, desde já, fazer a delimitação do dano não patrimonial que estamos a considerar. Assim, de acordo com a delimitação positiva, pode dizer-se que a presunção que aqui se defende é a presunção de um dano não patrimonial que presuntivamente sofrem todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não vêm as suas pretensões resolvidas num prazo razoável ou sem dilações indevidas. Não se trata de todo e qualquer dano não patrimonial, mas de um dano típico resultante da demora irrazoável na administração da justiça. Trata-se da existência de um dano que é um facto presumido da vida, conhecido de todos (344 A nosso ver andou bem o tribunal ao decidir neste sentido – desde que se considere que em causa está uma presunção judicial – Acórdão do STA, de 9 de Outubro de 2008, processo n.º 319/08), que deve ter repercussão em sede de indemnização. Trata-se, portanto, de um dano não patrimonial comum (“general damage”) que, em regra, de acordo com a experiência da vida em sociedade todos os cidadãos sofrem. Quanto à delimitação negativa esclareça-se que esta presunção judicial não deve abranger todos os danos, nomeadamente os danos não patrimoniais especiais ou específicos, que vão além do dano moral comum resultante da demora irrazoável na administração da justiça (entre danos não patrimoniais especiais ou específicos pode situar-se o dano não patrimonial resultante de uma situação de depressão psicológica que provoque desalento, mal estar físico, incapacidade generalizada e desinteresse pela vida), que o administrado tenha sofrido em virtude da demora (346 Veja-se a este propósito e a título de exemplo os danos não patrimoniais “específicos” alegados e provados e que por isso não beneficiaram (nem deveriam beneficiar) da presunção judicial, Acórdão do STA, de 28 de Novembro de 2007, processo n.º 308/07). Estes danos devem, obviamente ser objecto de protecção indemnizatória, mas para tal exige-se a prova dos mesmos. Logo todo o dano não patrimonial (produzido por dilações injustificadas) superior ao comum deve ser provado, não devendo beneficiar da presunção judicial que se deve considerar circunscrita ao dano não patrimonial comum que resulta do atraso injustificado na administração da justiça.
Este presumido dano não patrimonial comum produzido pela demora irrazoável da administração da justiça espelha-se numa “captura” da liberdade da pessoa ou na suspensão da autodeterminação da pessoa singular ou colectiva, que vai para além do razoável que é permitido ao Estado para a administração da justiça num prazo razoável. Com efeito, a demora irrazoável da administração da justiça limita a actuação no planeamento da vida, ao mesmo tempo que, em regra, provoca angústia, ansiedade, frustração, muito incómodo ou incerteza na pessoa singular. Assim como, limita a actuação da actividade comercial e provoca a ruptura do bom funcionamento da pessoa colectiva.” (sublinhados e sombreados nossos)

Assim, tem de concluir-se no sentido da improcedência do invocado na conclusão 16ª, da alegação de recurso, bem como da violação alegada nas conclusões 17ª a 20ª.

Igualmente é acertado o entendimento expresso na sentença recorrida de que a referida presunção de dano se consubstancia numa presunção judicial (cfr. art. 351º, do Cód. Civil) [pelo que pode ser ilidida por contraprova (art. 346º, do Cód. Civil), ou seja, a parte contrária não tem de alegar e provar factos que contrariem o facto presumido, como aconteceria se se tratasse de uma presunção legal em que se opera uma inversão do ónus da prova (cfr. art. 350º, do Cód. Civil), bastando criar fundada dúvida sobre o concreto dano em causa] e não num facto notório (que é aquele que é do conhecimento geral e, por isso, não carece de alegação, nem de prova – cfr. art. 412º n.º 1, do CPC de 2013 -, sendo, em consequência, insusceptível de prova em contrário), razão pela qual o concreto dano em causa carece de ser alegado.

Com efeito, e como esclarece Ricardo Pedro, cit., págs. 138 a 140:
Atendendo a que a CEDH não prevê qualquer regulamentação sobre a admissibilidade de meios de prova ou da sua avaliação somos obrigados a procurar no nosso ordenamento jurídico um instituto que cumpra a função da presunção desenvolvida pelo TEDH. Essa procura deve ser orientada pelo regime que este tribunal vem configurando para aquela presunção. Regime, que nos seus traços essenciais, se resume a um facto presumido (na medida em que é, de acordo com a experiência da vida, uma consequência normal da violação do direito a uma decisão em prazo razoável - mas que não é um dano automático), e que, por isso, não tem de ser provado, mas que pode ser afastado (elidível) e que carece de ser alegado. (…)
A jurisprudência nacional não é peremptória na identificação do instituto correspondente àquela presunção no nosso ordenamento, variando entre a presunção judicial e o facto notório ou identificando-a com as duas em simultâneo sem distinguir (350 Acórdão do STA, de 9 de Outubro de 2008, processo n.º 319/08). Da nossa parte, salvo melhor opinião, a resposta deve encontrar-se em sede de direito probatório material. Do que se trata é, dada a dificuldade ou impossibilidade de produzir uma prova segura ou plena dos factos, da lei permitir presunções simples, naturais, do homem, de facto, da experiência ou judiciais, que são aquelas que não são estabelecidas pela lei, baseando-se na experiência da vida, as quais são livremente apreciadas pelo juiz (351 Que, no caso dos danos não patrimoniais derivados de violação do direito a uma decisão em prazo razoável, devem estar balizadas pela jurisprudência do TEDH relativa a casos semelhantes), pelo que a sua força pode ser afastada por contraprova. Por via destas presunções está admitida a prova de primeira aparência, que é, afinal, a derivada do curso normal das coisas ou da experiência da vida, sem a qual não seria por vezes fazer prova dos factos. Permite-se uma facilitação da prova por via da presunção judicial de danos não patrimoniais decorrente da existência de dilações injustificadas. (…)
Do recorte da jurisprudência do TEDH, parece estarmos perante um facto presumido que apela ao regime das presunções judiciais e não perante um facto notório. Por facto notório deve entender-se o facto concreto do conhecimento geral, sendo indiscutível a sua verificação, o facto em si não carece de prova e é insusceptível de prova em contrário. Já por facto presumido ou presunção judicial deve entender-se que o mesmo resulta do raciocínio dedutivo que reveste natureza geral. Trata-se de máximas de experiência de que o juiz se serve nas operações de prova, dado o carácter indirecto que normalmente reveste. Como é fácil de ver, os dois tipos de factos (notório e presumido) excluem-se entre si, pelo que se tem de concordar, se estamos perante factos notórios, que, por definição, são indiscutíveis para a sua verificação não será necessário presumi-los. Assim, não pode ser qualificado como facto notório aquela que não passa de uma presunção natural ou “ad hominem” a que se chega através de juízos baseados na experiência comum.”(sublinhados e sombreados nossos).

Ora, face ao teor dos artigos 52º [“Constituindo o Estado no dever de indemnizar a Autora pelos danos que vem sofrendo em consequência daquela violação.” (sublinhado nosso)] e 53º [“Nomeadamente os danos não patrimoniais decorrentes daquela tramitação que ultrapassou o razoável e todas as vicissitudes inerentes a um processo desta natureza, pelo que o seu ressarcimento encontra acolhimento no artigo 496º, nº 1, do Código Civil.” (sublinhado nosso)], da petição inicial, tem de concluir-se que é correcta a afirmação constante da sentença recorrida de que a autora, ora recorrente, e no que respeita ao pressuposto relativo ao dano, não alegou qualquer facto concreto – apesar de sobre si recair o ónus de alegação (cfr. art. 5º n.º 1, do CPC de 2013) -, pois limitou-se à invocação de puros conceitos normativos [“danos”; “danos não patrimoniais”], sendo certo que juízos meramente conclusivos não equivalem, de todo, à articulação de factos concretos.

Assim sendo, improcede o invocado nas conclusões 12ª a 15ª, da alegação de recurso.

Conclui-se, assim, que a sentença recorrida não incorreu em erro ao ter julgado improcedente a presente acção, por falta de preenchimento do requisito relativo ao dano, razão pela qual deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional.
*
Uma vez que a recorrente ficou vencida, deverá suportar as custas do presente recurso jurisdicional (cfr. art. 527º n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA).
III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul o seguinte:
I – Negar provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, manter a sentença recorrida.
II – Condenar a recorrente nas custas do presente recurso jurisdicional.
III – Registe e notifique.
*
Lisboa, 19 de Dezembro de 2017



(Catarina Gonçalves Jarmela - relatora)



(Conceição Silvestre – 1ª adjunta)



(Carlos Araújo – 2º adjunto)

(1) Que corresponde à 1ª parte da al. d) do n.º 1 do art. 615º, do CPC de 2013.
(2) Que corresponde à 1ª parte do n.º 2 do art. 608º, do CPC de 2013.
(3) Ou seja, o princípio da universalidade, e ao contrário do alegado pela recorrente, vale apenas para as pessoas singulares (cfr. art. 12º n.º 1, da CRP) e não também para as pessoas colectivas.