Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:568/16.0BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:02/23/2017
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:EFEITO DE SUSPENSÃO DA DECISÃO RECLAMADA
ARTIGO 278.º/1 E 3, DO CPPT
Sumário:1) Os actos que ofendam o efeito de suspensão da decisão reclamada são ilegais e o reclamante pode contra eles deduzir nova reclamação.
2) A ilegalidade ou ineficácia do acto não decorrerá do prosseguimento da execução em si mesmo mas do facto de os actos de execução concretamente praticados ofenderem o efeito de suspensão da decisão reclamada.
3) No caso, o prosseguimento da execução fiscal, através do decretamento de novas penhoras, depois de instaurada a reclamação judicial, cujo objecto reside no levantamento das penhoras efectuadas, com base na asserção da ocorrência de prejuízo irreparável para a executada, consubstanciado na sua paralisação, contende com o efeito suspensivo associado à interposição da referida reclamação.
4) Considerando o objecto social da executada (colocação e reparação de máquinas de diversão em estabelecimentos comerciais da zona de Lisboa), antevê-se como provável que os sucessivos actos de penhora que venham a ser praticados, em relação aos demais bens que integram o estabelecimento comercial da executada, conduzam à paragem ou à suspensão da sua actividade, com a consequente asfixia económica da mesma, o que, no limite, tornará inútil ou impossível o objecto da reclamação judicial, cuja tutela é acautelada através do efeito suspensivo em apreciação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I – Relatório

A Fazenda Pública interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 210/226, que julgou procedente a reclamação deduzida por “R... – Exploração de Máquinas de Diversão e recreativas, Lda.” contra o despacho, proferido em 16.03.2016, pelo Chefe do Serviço de Finanças do ..., que indeferiu o pedido formulado no sentido de dar sem efeito a penhora referida em 7), do probatório.

Nas alegações de recurso de fls. 232/248, a recorrente apresenta as conclusões seguintes:

A) Não se conforma a Representação da Fazenda pública com a, aliás, douta Sentença emitida nos presentes Autos, a qual decidiu pela procedência da Reclamação apresentada, e consequente anulação do ato praticado em 17.03.2016, pelo Chefe do Serviço de Finanças, o qual se consubstancia em Despacho (emitido no seguimento de Requerimento apresentado no seguimento de penhora de estabelecimento comercial pela executada), com o seguinte conteúdo: "As reclamações apresentadas nos termos do art.º 276.º do CPPT têm a ver com a penhora e venda de viaturas, que não suspendem os autos. Quanto às impugnações pendentes os processos que lhe estão subjacentes também não se encontram garantidos. Atendendo ao valor actual em dívida de 470.268,90, e para salvaguarda da cobrança da dívida executiva a penhora deverá prosseguir.";

B) De referir, desde logo, constar na fundamentação da Sentença Parecer elaborado pela Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, no sentido de procedência da Reclamação. Tal Parecer não foi notificado às partes, tendo a Fazenda apenas sido notificada de um outro Parecer, emitido por diferente magistrado do Ministério Público, no qual consta: "Concordando-se com a fundamentada posição da sra. RFP em resposta, e em ambos os níveis (A) e (B), deverá ser desatendida a pretensão da reclamante, assim improcedendo o pedido da presente reclamação";

C) Ainda que dispondo o n.º 2 do art.º 122.º do CPPT que "se o Ministério Público suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido, serão ouvidos o impugnante e o representante da Fazenda Pública", tal não poderá também deixar de ocorrer quando emitido e notificado um primeiro Parecer em sentido favorável à Fazenda, venha depois a ser emitido um outro, em sentido totalmente inverso. "A omissão de audição das partes, quando é obrigatória, constitui nulidade processual, enquadrável no art.º 201.º, n.º 1, do CPC, com o regime de arguição previsto no art.º 205.º do mesmo Código", como refere Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado - vol. II, 6.- Edição 2011, Áreas Editora, pág. 301 (atuais art.s 195.º e 199.º do CPC) e ficou decidido por Acórdão do TCA Norte, de 13.03.2014, proc.s 00429/11.9BEPNF que "A falta de notificação do recorrente para se pronunciar sobre questão nova, suscitada pelo MP em parecer emitido imediatamente antes de ser proferida a sentença, configura nulidade secundária a arguir em recurso jurisdicional a interpor desta sentença." - entende-se que o mesmo regime terá de ser aplicado in casu, sob pena de violação do princípio do contraditório;

D) Não se concorda com o Tribunal recorrido quando refere que o "o ato que satisfaz a pretensão da reclamante, segundo a Representante da Fazenda Pública, surge na sequência do requerimento expresso em 12) da fundamentação de facto.", mediante o qual a reclamante solicitou a suspensão de todos os processos de execução, o que foi deferido pelo órgão de execução fiscal, mas que "o cerne do presente litígio assenta todavia, na apreciação do despacho de 17 de março de 2016" e o assim mencionado permite desde logo ao Tribunal "declarar improcedente a invocada exceção";

E) Isto porque, no requerimento constante do ponto 12 da matéria de facto, datado de 04.04.2016 - e nesta medida posterior ao Despacho reclamado - vem a R... solicitar a suspensão de todos os processos de execução fiscal contra si instaurados e a dispensa de entrega de garantia, pois todo o património da empresa foi penhorado em 09.03.2016, o que foi concedido pela Exma. Sra. Diretora de Finanças de Setúbal, em 21.04.2016, pelo que, a fixação de tal factualidade, deveria necessariamente ter conduzido à decisão por inutilidade superveniente da lide, por ter sido já determinada a requerida suspensão dos Autos, atendendo ao facto de esta decisão ser posterior à data do despacho reclamado;

F) O que a Reclamante, aliás, veio a solicitar no processo de Reclamação de Atos do Órgão de Execução Fiscal com o n.º …/16.1 BEALM, através de requerimento de 08.07.2016, assim como no processo de Reclamação n.º …/15.0 BEALM, com requerimento de 30.06.2016 - em ambos, como se conclui da, aliás Douta Sentença, o Despacho a ordenar a suspensão é de data posterior àquela em que foram praticados os atos Reclamados e ali como aqui, são iguais as razões para que seja decretada a inutilidade superveniente da lide, por entender a Reclamante estar já satisfeita a sua pretensão;

G) Também não se concorda com a decisão de que o despacho proferido padece de violação de lei por não ter considerado o efeito suspensivo, nos termos do art.º 278.º n.º 3, pois no seguimento do Aresto do STA, de 05.08.2015, proc.º 0990/15, ao qual o Tribunal "a quo" recorre, o que está dito é que "l - Decorre da nova redacção que ao artº 278º do CPPT foi dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31/12 e bem assim que à al. n) do nº l do arte 97º do CPPT foi dada pela Lei 66-B/2012, que a reclamação das decisões do órgão da execução fiscal, com subida imediata, não tem efeito suspensivo da execução no seu todo.", mas "- Não obstante, tal não significa que o órgão de execução fiscal possa praticar actos de execução da decisão reclamada, pois esta fica suspensa com a reclamação com subida imediata”;

H) E no caso em análise não praticou o Órgão de Execução Fiscal qualquer ato de execução da decisão Reclamada, pois transpondo o Acórdão em que o Tribunal "a quo" se fundamenta para os presentes Autos, há que afirmar que a decisão reclamada que o Tribunal entende levar à suspensão dos autos é aquela que deu origem ao processo de Reclamação de Atos ao qual foi atribuído o n.º …/15.0 BEALM - está identificado, na fundamentação de direito, como ato ali reclamado o "despacho de indeferimento do pedido de anulação das penhoras constituídas em 2 de setembro de 2015, sobre os veículos com as matrículas (...), comunicada em 19 de setembro de 2015, pelo ofício n.º 9443.";

I) A ser assim - e a decisão de que se recorre entende que é - então, não podem existir quaisquer dúvidas que a Autoridade Tributária não praticou quaisquer atos de execução da decisão Reclamada, os quais seriam sempre os constantes do art.s 239.º e seguintes do CPPT (citação de credores, verificação, graduação, venda);

J) Como a Douta Sentença afirma, "Uma vez que a reclamação com subida imediata é autuada por apenso, decorre dessa alteração legislativa que o legislador não pretendeu, em tais casos, que a execução subisse com a reclamação e que fosse suspensa, por essa via". Ou seja, apenas a decisão Reclamada está suspensa (veja-se também o Acórdão do STA, de 29.09.2016, proc.2 0983/16, ou do TCA Sul, de 14.04.2016, proc.2 9417/16);

K) Ou seja, apenas a decisão reclamada está suspensa, não ficando o Órgão de Execução Fiscal inibido de praticar outros Autos no processo de execução fiscal, não estando nomeadamente inibido de, como na situação em análise, proceder a penhora do estabelecimento comercial da executada, pois tal atuação não apenas não configura qualquer execução do ato reclamado como, quando muito, até acarreta a sua revogação quanto aos bens anteriormente já penhorados - assim perdendo objeto a Reclamação anteriormente apresentada;

L) Este é precisamente o entendimento da Reclamante - a qual veio já - no âmbito do identificado processo de Reclamação de Atos com o n.s .../15.0 BEALM que serve de suporte à presente decisão, solicitar a extinção dos mesmos, por inutilidade superveniente da lide. O que fez no seguimento de Requerimento que ela própria apresentou junto do Órgão de Execução Fiscal - cfr. fls. 172 do Pef Apenso, não apenas aceitando a legalidade da penhora do estabelecimento de 09.03.2016, o que faz em data posterior à da interposição da presente Reclamação, mas procurando extrair da mesma diversas consequências;

M) Ainda que tendo na sua fundamentação de facto e de direito, recorrido ao processo de Reclamação de Atos com o n.º .../15.0 BEALM, ignorou, no entanto, a Douta Sentença, ter já ali sido requerida a extinção dos Autos por inutilidade superveniente da lide pela Reclamante, factualidade que, pela sua relevância, deveria constar na Fundamentação da Douta Sentença de que se recorre - e sempre teria de levar a diferente sentido decisório;

N) E ainda que assim se não entendesse, em comum na Reclamação de Atos à qual foi atribuído o n.º .../10.0 BEALM e a penhora do estabelecimento, estariam apenas os veículos cuja anterior penhora estava em Reclamação, pelo que apenas quanto a estes estaria a Autoridade Tributária inibida de praticar quaisquer atos (e seriam sempre atos de execução, repita-se), já não quanto a quaisquer outros;

O) Assim, incorreu o Tribunal em erro de julgamento de facto, por ter omitido factualidade relevante (pedido de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide no processo com o n.º .../10.0 BEALM), e por errada apreciação da factualidade que ele próprio fixou;

P) Assim como fez errada aplicação do Direito (erro de julgamento de Direito), tendo violado o disposto nos art.ºs 97.º e 278.º do CPPT.

Não foram proferidas contra-alegações.


X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer, no qual se pronuncia no sentido da recusa de provimento ao presente recurso jurisdicional.

X

II – Fundamentação

2.1. De facto

Dos elementos constantes dos autos e da posição processual das partes resultam provados os factos seguintes:

1) Em 17 de janeiro de 2012, o Serviço de Finanças de ..., instaurou contra a R... - Exploração de Máquinas de Diversão e Recreativas, Lda., o processo de execução fiscal n.º ..., no valor de € 7.104,60, respeitante a IRC, juros compensatórios e juros de mora (fls. l a 3 do processo executivo).

2) Ao processo supramencionado foram apensados os processos n.º ... e n.º ..., referentes a impostos englobados na conta corrente em sede de IRC, totalizando o valor global de € 273.189,66 (fls. 137 -1 - do processo executivo).

3) Em 3 de setembro de 2015, a R... - Exploração de Máquinas de Diversão e Recreativas, Lda., apresentou reclamação solicitando que se desse "sem efeito" as notificações das penhoras constituídas sobre as viaturas com as matrículas n.ºs ... (fls. 130 e 131 do processo executivo).

4) Pelo ofício n.º 9443, de 17 de setembro de 2015, foi levado ao conhecimento da R... - Exploração de Máquinas de Diversão e Recreativas, Lda., a decisão de indeferimento proferida pela Chefe Adjunta do Serviço de Finanças do ... (fls. 135 do processo executivo).

5) Com base no despacho mencionado em 4), a R... -Exploração de Máquinas de Diversão e Recreativas, Lda., apresentou o processo de reclamação que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada com o número n.º .../15.0BEALM, a qual foi apresentada no âmbito do processo de execução n.º ... e apensos, cuja petição inicial encontra-se reproduzidas a fls. 164 a 190 dos autos.

6) No âmbito da reclamação com o n.º .../15.0BEALM ainda não foi proferida sentença (teor da certidão de fls. 163 dos autos).

7) Em 9 de março de 2016, o Chefe do Serviço de Finanças de ..., emanou mandado de penhora, relativamente aos processos de execução fiscal n.º ... e apensos, n.º ... e apensos e n.º ... (fls. 137 - l, 2 e 3 do processo executivo).

8) Na sequência dos mandados de penhora em 7) foram penhorados os bens existentes no estabelecimento da R... - Exploração de Máquinas de Diversão e Recreativas, Lda., nomeadamente as viaturas melhor identificadas a fls. 137 - 11 a 13 e 21 - do processo executivo.

9) Em 16 de março de 2016, a R... - Exploração de Máquinas de Diversão e Recreativas, Lda., pediu ao Chefe de Finanças de ..., que se considerasse sem efeito o mandado de penhora especificado em 7) (fls. 138 e 141 do processo executivo).

10) Em 17 de março de 2016, a Chefe de Finanças de ..., proferiu o seguinte despacho:

"As reclamações apresentadas nos termos do artº 276º do CPPT têm a ver com a penhora e venda de viaturas, que não suspendem os autos.

Quanto às impugnações pendentes os processos que lhes estão subjacentes também não se encontram garantidos.

Atendendo ao valor actual da dívida de € 470.268,90 € e para salvaguarda da cobrança de dívida executiva a penhora deverá prosseguir." (fls. 143 do processo executivo).

11) O despacho em 10), foi levado ao conhecimento da R... -Exploração de Máquinas de Diversão e Recreativas, Lda., através do ofício n.º 2914, de 17 de março de 2016 (fls. 144 e 144 verso do processo executivo).

12) Em 4 de abril de 2016, a R... - Exploração de Máquinas de Diversão e Recreativas, Lda., solicitou a suspensão de todos os processo de execução fiscal contra si instaurados e a dispensa de entrega de garantia, uma vez que "todo o património da empresa (foi) penhorado, (...) em nove de março do ano de 2016" (fls. do processo executivo).

13) Em 21 de abril de 2016, a Diretora da Direçao de Finanças de Setúbal decidiu deferir o requerimento em 12), com base no facto de a penhora mencionada em 8) ter sido considerada idónea e suficiente para garantir os processos de execução n.ºs ... e apensos e processo  n.º ... e apenso (fls. 186 e 190 do processo executivo).

14) Corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada o processo de reclamação n.º .../16.1BEALM, o qual foi apresentado pela R... - Exploração de Máquinas de Diversão e Recreativas, Lda., no âmbito de processo de execução n.º ... e apensos, cuja petição inicial encontra-se reproduzida a fls. 135 a 162 dos autos.

15) A atividade da R... - Exploração de Máquinas de Diversão e Recreativas, Lda., consiste na colocação à exploração de máquinas de diversão e respetiva reparação, em estabelecimentos comerciais na zona de Lisboa (ponto 52º da petição inicial).

X
Em sede de fundamentação da matéria consignou-se o seguinte:

«A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos constantes do processo administrativo apenso e nos autos, os quais se encontram especificamente referidos.

O Tribunal considerou o ponto 52º da petição inicial para fixar a matéria em 15), considerando que não foi objeto de impugnação específica pela Fazenda Pública.


X

2.2. De direito.

2.2.1. Nos presentes autos, vem sindicada sentença proferida a fls. 210/226, que julgou procedente a reclamação deduzida por “R... – Exploração de Máquinas de Diversão e recreativas, Lda.” contra o despacho, proferido em 16.03.2016, pelo Chefe do Serviço de Finanças do ..., que indeferiu o pedido formulado no sentido de dar sem efeito a penhora referida em 7), do probatório.

2.2.2. A recorrente censura a sentença recorrida por ter incorrido em nulidade processual, ao omitir a notificação do parecer proferido pelo Magistrado do Ministério Público (i), por não ter decretado a inutilidade superveniente da presente lide (ii), por erro de julgamento quando ao direito aplicável (iii).

2.2.3. Por seu turno, a sentença recorrida julgou procedente a presente reclamação, com base, em síntese, na fundamentação seguinte:

«Apreciando o mérito da questão submetida, a qual se cifra, como se disse, em saber se se verifica o efeito suspensivo do processo de execução n.º ... e apensos, por efeito de uma reclamação anteriormente apresentada no âmbito do mesmo processo de execução. // (…) // [C]omo bem assinala a Digna Magistrada do Ministério Público, no processo de reclamação que corre termos com o n.º .../15.0BEALM, foi apresentada em virtude da penhora das viaturas discriminadas no ponto 2º da petição inicial, designadamente a penhora das viaturas com as matrículas n.ºs .... No ponto 82º da petição inicial respeitante a esse processo foi invocado o prejuízo irreparável por causa de tal ato, pelo que a reclamação tem efeito suspensivo da decisão reclamada e inibe o órgão de execução fiscal de praticar atos de execução, efeito que se mantém em virtude de não haver transitado em julgado a sentença que componha o litígio. As viaturas mencionadas foram, porém, objeto de nova penhora, desta feita ao abrigo do ato mencionado em 7) e 8) da fundamentação de facto, malgrado o efeito suspensivo da reclamação anteriormente apresentada.

Como se disse, e este é justamente o caso, o prosseguimento da execução fiscal estando pendente recurso de ato do órgão de execução fiscal com efeito suspensivo pode provocar prejuízo irreparável para a reclamante, devendo entender-se que há efeito suspensivo da execução também nessa parte. E a não atribuição do efeito suspensivo acarreta para a reclamante prejuízo irreparável porquanto as penhoras constituídas sobre as viaturas podem implicar a total paralisação da reclamante, atendendo ao ramo ou atividade a que se dedica (cfr. 15) da fundamentação de facto). // Assim, a reclamação deve ser julgada procedente na medida em que, tal como afirmado anteriormente, as penhoras efetuadas provocam prejuízo irreparável, tendo as respetivas reclamações dos atos efeito suspensivo (artigo 278.º, n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário)».

2.2.4. A recorrente argui nulidade processual, por falta de notificação do parecer pré-sentencial emitido pelo Magistrado do Ministério Público.

Vejamos.

A vista ao Ministério Público está consagrada nos preceitos dos artigos 14.º/2 e 151.º/1, do CPPT. A recorrente considera que o parecer do Ministério Público, referido na sentença devia ter sido notificado às partes.

A norma em causa determina o seguinte:

Artigo 121.º (“Vista do Ministério Público”) do CPPT:

«2. Se o Ministério Público suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido, serão ouvidos o impugnante e o representante da Fazenda Pública». Trata-se de um afloramento do princípio do contraditório (artigo 3.º/3, do CPC). Pelo que, seja nos casos em que no parecer em apreço é suscitada questão prévia que obste ao conhecimento de mérito, seja nos casos em que no parecer é suscitada questão nova sobre a qual as partes não tiverem oportunidade de se pronunciar, as mesmas devem ser ouvidas, através da notificação do parecer[1].

Salvo o devido respeito pela opinião contrária, a situação dos autos não se reconduz às hipóteses identificadas, dado que da análise do teor do parecer em causa resulta que o mesmo incide sobre as questões correspondentes ao pedido e causa de pedir que resultam da petição inicial da presente reclamação judicial. Ou seja, as questões dirimidas no parecer são do conhecimento das partes, tendo sido objecto de pronúncia das mesmas através dos seus articulados. Pelo que do princípio do contraditório, ínsito às normas em presença, não se extrai a necessidade da audição suplementar das partes, a qual já teve lugar, na fase dos articulados.

Em face do exposto, a apontada nulidade processual não se comprova nos autos.

Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.

2.2.5. Contra o veredicto que fez vencimento na instância, a recorrente alega nos termos seguintes.

O órgão de execução fiscal/OEF não praticou qualquer acto de execução da decisão reclamada, porquanto a decisão reclamada que o tribunal entende levar à suspensão dos autos é aquela que deu origem ao processo de reclamação a que foi atribuído o n.º .../15.0BEALM; tal decisão corresponde ao despacho de indeferimento do pedido de anulação das penhoras constituídas em 2 de Setembro de 2015, sobre os veículos com as matrículas (…), comunicado em 19.09.2015, pelo ofício n.º 9943; ou seja, apenas a decisão reclamada está suspensa, não ficando o órgão de execução fiscal inibido de, como na situação em análise, proceder à penhora do estabelecimento comercial da executada, pois tal actuação não configura qualquer execução do acto reclamado.

Recordem-se os normativos relevantes.

«Artigo 278.º do CPPT (“Subida da reclamação. Resposta da Fazenda Pública”)
1 - O tribunal só conhecerá das reclamações quando, depois de realizadas a penhora e a venda, o processo lhe for remetido a final. // (…)
3 - O disposto no n.º 1 não se aplica quando a reclamação se fundamentar em prejuízo irreparável causado por qualquer das seguintes ilegalidades:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada; // (…)
4 - No caso previsto no número anterior, caso não se verificar a circunstância dos n.os 2 e 3 do artigo 277.º, o órgão da execução fiscal fará subir a reclamação no prazo de oito dias.
5 - A cópia do processo executivo que acompanha a subida imediata da reclamação deve ser autenticada pela administração tributária. (Redação da Lei n.º 82-B/2014, de 31/12)».

«O processo judicial tributário compreende: // (…) n) O recurso dos actos praticados na execução fiscal, no próprio processo ou, nos casos de subida imediata, por apenso» - artigo 97.º/1, (“Processo judicial tributário”) do CPPT (versão vigente).

Da jurisprudência colhem-se os ensinamentos seguintes: «I- Decorre da nova redacção que ao artº 278º do CPPT foi dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31/12 e bem assim que à al. n) do nº 1 do artº 97º do CPPT foi dada pela Lei 66-B/2012, que a reclamação das decisões do órgão da execução fiscal, com subida imediata, não tem efeito suspensivo da execução no seu todo. // II - Não obstante, tal não significa que o órgão de execução fiscal possa praticar actos de execução da decisão reclamada, pois esta fica suspensa com a reclamação com subida imediata. // III - Ademais esse efeito suspensivo é imprescindível para assegurar a tutela judicial efectiva dos direitos ou interesses do reclamante afectados por actos da Administração Tributária e, por isso, é também exigido pelos arts. 204, nº 1, e 268 nº 4, da CRP»[2].

«E muito embora a reclamação ao abrigo do artigo 276 do CPPT não suspenda o processo de execução fiscal e o efeito suspensivo decorrente desta reclamação esteja confinado aos casos em que a continuação do Processo Executivo e a consequente execução seja susceptível de causar prejuízo irreparável o certo é que verificado esse pressuposto o efeito jurídico do recebimento e subida imediata deste meio judicial tem de manter-se enquanto não houver decisão transitada em julgado a negar provimento a essa reclamação sendo que o seu provimento conduz a que a Administração Tributária tenha de respeitar a decisão não podendo agir em contrário por força do disposto no artigo 205/2 da CRP»[3].
«A lei não esclarece o que sucede se a administração tributária der seguimento à execução e estiver pendente a reclamação com subida imediata, mas parece seguro que os atos que ofendam o efeito de suspensão da decisão reclamada são ilegais e o reclamante pode contra eles deduzir nova reclamação. // (…) // Em todo o caso, a ilegalidade ou ineficácia do ato não decorrerá do prosseguimento da execução em si mesmo mas do facto de os atos de execução concretamente praticados ofenderem o efeito de suspensão da decisão reclamada. O que significa que o reclamante não pode ser dispensado de indicar (na reclamação ou no incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, conforme o caso) os atos concretos praticados e a razão por que ofendem aquele efeito suspensivo. Até porque sem tal alegação não está devidamente concretizado o objeto da reclamação ou do incidente»[4].

No caso em exame, está em causa o despacho do OEF, de 17.03.2016, que indeferiu o pedido da reclamante, de 16.03.2016, no sentido de dar sem efeito o mandado de penhora identificado no ponto 7) do probatório.

A recorrente defende que o efeito suspensivo, associado à interposição da reclamação judicial que corre termos no TAF de Almada, com o n.º .../15.0BEALM, relativa ao pedido de levantamento das penhoras incidentes sobre as viaturas discriminadas no n.º 3 do probatório, apenas incide sobre as penhoras referidas e a decisão do OEF que as manteve; pelo que, estando em causa a penhora do estabelecimento comercial da reclamante e os bens existentes no mesmo (pontos 7) e 8), do probatório), o efeito suspensivo em exame não afectaria as penhoras em causa nos autos, porquanto o referido efeito suspensivo apenas se estende aos bens anteriormente penhorados e cuja decisão de manutenção foi contestada pela executada através da reclamação judicial n.º .../15.0BEALM.

Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão. Na petição inicial da presente reclamação, a reclamante/recorrida invoca que a execução do mandado de penhora questionado nos autos, dado incidir sobre bens essenciais à sua actividade comercial, implica a sua total paralisia. Asserção que é corroborada pelos elementos coligidos no probatório[5].

Ou seja, o prosseguimento da execução fiscal, através do decretamento de novas penhoras, depois de instaurada a reclamação n.º .../15.0BEALM, cujo objecto reside no levantamento das penhoras efectuadas, com base na asserção da ocorrência prejuízo irreparável para a executada, consubstanciado na sua paralisação, a qual se encontra pendente, na presente data, contende com o efeito suspensivo associado à sua interposição (artigo 278.º/1 e 3/a), do CPPT), porquanto, considerando o objecto social da executada (colocação e reparação de máquinas de diversão em estabelecimentos comerciais da zona de Lisboa), antevê-se como provável que os sucessivos actos de penhora que venham a ser praticados, em relação aos demais bens que integram o estabelecimento comercial da executada, conduzam à paragem ou à suspensão da sua actividade, com a consequente asfixia económica da mesma, o que, no limite, tornará inútil ou impossível o objecto da reclamação judicial, cuja tutela é acautelada através do efeito suspensivo em apreciação nos presentes autos.

Por outras palavras, o efeito suspensivo da execução, associado à instauração da reclamação n.º .../15.0BEALM, não implica apenas suspensão (ou declaração de ineficácia) das penhoras, em causa nos mencionados autos da reclamação judicial, mas também a suspensão dos actos de penhora subsequentes, como os que estão em causa nos presentes autos (n.ºs 7) e 8), do probatório), na medida em que a necessidade do efeito suspensivo se mantém e se comprova, também, em relação às referidas penhoras; é que, dado o carácter de bens indispensáveis ao giro comercial da executada, a sua apreensão, implicará, a breve trecho, o seu encerramento. De outro modo, a tutela judicial assegurada pela reclamação n.º .../15.0BEALM perderia objecto e sentido.

Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece censura, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.

Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.6. A recorrente sustenta o alegado erro de julgamento em que terá incorrido a sentença sob recurso com base na asserção de que a presente instância deve ser extinta por inutilidade superveniente da lide. Afirma que a suspensão da execução foi determinada pela Directora de Finanças de Setúbal, em 21.04.2016 e que a executada solicitou a extinção da instância de reclamação judicial n.º .../15.0BEALM, por inutilidade superveniente da lide.

Existe inutilidade superveniente da lide quando a pretensão deduzida em juízo obtém satisfação através de forma alternativa ao processo ou a possibilidade da sua concretização é afectada, de forma grave e inexorável, por facto que ocorre na pendência da causa.

Salvo o devido respeito, o circunstancialismo alegado não ocorre com a presente reclamação judicial. Por um lado, a recorrente não impugna o facto elevado ao n.º 6 do probatório, do qual resulta que a reclamação judicial n.º .../15.0BEALM encontra-se pendente na presente data; por outro lado, a invocação da suspensão da execução, decretada pela Direcção de Finanças de Setúbal, em 21.04.2016, em nada contende com o objecto dos presentes autos relativo à remoção dos actos de penhora identificados nos n.ºs 7 e 8, na medida em que os mesmos contendem com efeito suspensivo da reclamação judicial n.º .../15.0BEALM.

Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece censura, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.

Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(Cristina Flora - 1º. Adjunto)

(Cremilde Miranda - 2º. Adjunto)



[1] Neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado, Vol. II, 6.º Ed., pp. 300/301.
[2] Acórdão do STA, de 05.08.2015, P. 0990/15.
[3] Acórdão do STA, de 17.09.2014, P. 0909/14.
[4] Acórdão do TCAS de 30.04.2014, P. 00913/13.0BEBRG.
[5] Alíneas 7), 8) e 15), do probatório.