Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2236/11.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/13/2022
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:ILEGITIMIDADE
GERÊNCIA DE FACTO
ACTO ISOLADO
Sumário:I. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros.

Um acto isolado, produzido em data anterior aos períodos a que se reportam as dívidas exequendas (cfr. alíneas A), B) e j) do probatório), não é representativo duma actividade continuada e efectiva na gerência da primitiva devedora

Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

1. M. C. C. A. L. F., deduziu oposição à execução fiscal n.º 3247200501123912 e apensos, que corre termos no Serviço de Finanças Lisboa – 2, inicialmente instaurada contra a sociedade “M. M., S. M. I., Lda.”, e que contra si reverteu na qualidade de responsável subsidiária, para cobrança coerciva de dívidas de IRC (2006) e IVA (2003 a 2009), no valor global de € 13.486,71.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida em 19 de Março de 2018, julgou procedente a oposição à execução fiscal e, consequentemente, julgou a Oponente M. C. C. A. L. F. parte ilegítima no processo executivo n.º 3247200501123912, absolvendo-a do pedido executivo.

2. Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA, doravante Recorrente, interpôs o presente recurso, aí concluindo nos seguintes termos:

I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a oposição à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que o oponente não praticou actos de gerência, sendo parte ilegítima.

II – Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em determinar se o oponente havia ou não exercido a gerência de facto da sociedade devedora originária e se foi por sua culpa que o património da sociedade se delapidou.

III – A oponente foi gerente da sociedade uma vez que a mesma se obrigava com a assinatura de qualquer dos gerentes nomeados, sendo um deles, a ora oponente, não tendo logrado provar que nunca exerceu a gerência até porque assinou contratos, sendo que o seu nome, enquanto gerente, vinculava a sociedade devedora originária perante a O., ou seja, perante terceiros, pelo que a AT provou que o oponente era gerente desde 22/06/1999 até 26/10/2011.

IV – A sociedade devedora originária era gerida por duas sócias cada uma com o seu pelouro, E. M. C. tinha a vertente das vendas e, a oponente tinha a vertente de angariar imóveis devido aos conhecimentos e contactos que tinha.

V - Ora, a oponente ao angariar imóveis para a sociedade tinha um interesse directo, ter produto para vender, tal como apelidou a segunda testemunha, não sendo curial que o faça em seu nome próprio mas, sim, em nome da sociedade, daí estar disponível e contactável por telefone, acompanhando o seu funcionamento, tal como mencionado pela primeira testemunha.

VI - Então, a ser assim, a oponente praticou actos de gerência ao contratar ou angariar imóveis para a sociedade.

VII – Contudo, a oponente foi revertida por ter sido gerente e no período da sua gerência ter sido posto a pagamento a dívida exequenda, nos termos do art.º 24.º, n.º 1, al. b) da LGT, isto é, entre 2005 e 2010, pelo que é parte legítima.

VIII - Por outro lado, também, não conseguiu provar que a insuficiência do património não foi por culpa sua, uma vez que a sua actuação não foi diligente, tendo desprotegido os credores.

IX – Mas, ainda que se admitisse que a oponente, actuou esporadicamente na sua condição de gerente, tal não seria suficiente para a eximir da responsabilidade porque “a jurisprudência tem vindo também a entender que a lei não exige, para a responsabilização dos gerentes pelas dívidas fiscais das sociedades, que estes exerçam uma administração continuada, nem em todas as áreas por que se desenvolve a actividade da sociedade, bastando que pratiquem actos exteriorizadores da vontade e que vinculem a sociedade”. – vide Ac. do TCAN, de 06/07/2006, proferido no proc. n.º 00129/98

X – Em sede de oposição, é ao responsável subsidiário que incumbe o ónus da prova de que não exerceu a administração de facto.

XI – Por outro lado, a oponente não provou a inexistência da prática de actos de gerência tais como as fichas bancárias em que se ateste a impossibilidade da oponente ter acesso a dados de contas bancárias e legitimidade na sua movimentação, nem outros quaisquer documentos que comprovassem que não exerceu a gerência bem pelo contrário, pois ao assinar contrato com a operadora O. e angariar imoveis, o que implica a negociação e o estabelecimento de diversas condições de venda, incluindo o preço do imóvel, as comissões pela sua venda, são actos que vinculam a sociedade perante terceiros, com a sua assinatura.

XII - A actuação do oponente como gerente da sociedade, fez, assim, crer a terceiros que era responsável pelas obrigações que advinham em resultado do exercício da actividade da sociedade.

XIII - “Quanto à responsabilidade dos oponentes, não podendo esquecer que o regime é o do art.º 24.º da LGT, para ilidir a culpa o oponente teria que fazer uma prova positiva de que não existiu qualquer relação causal entre a sua actuação e a insuficiência patrimonial da empresa que geriu. E tal só será alcançado se o oponente alegar factos, por exemplo, respeitantes à situação financeira económica da empresa, à sua actuação concreta para alcançar os objectivos para que a sociedade se constituiu. Quais sejam esses factos em concreto, apenas cada gerente o poderá saber pois dependem das particularidades de cada sociedade, da actividade que desenvolvida, da conjuntura em que laboraram. Certo é que nada valem para aquele efeito as afirmações de foi um gerente rigoroso ou sóbrio, ou criterioso, ou diligente ou cumpridor”. – vide Ac. do TCAN de 07/12/2005, rec. 0086/01.

XIV - Ora, a oponente não logrou fazer esta prova, não se podendo concluir que não tenha agido com culpa quanto ao facto de o património social se ter revelado inexistente quando a dívida exequenda foi instaurada.

XV - Na verdade, não pode a Fazenda corroborar com a posição assumida pelo Tribunal a quo quando considera que o oponente é parte ilegítima.

XVI - Neste desiderato, não pode ser considerado o oponente como parte ilegítima da execução fiscal, pelo que a douta sentença deverá ser substituída por uma outra que considera o oponente como parte legítima da execução fiscal.

XVII - Assim, a responsabilidade do oponente, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, “nada tem que ver com o facto constitutivo da obrigação tributária não cumprida, mas com deveres funcionais de administração, mais concretamente, pela inobservância culposa das disposições legais destinadas à protecção do credor tributário e que foi a causa da insuficiência do património social para a satisfação daquele crédito” – vide PAULO MARQUES, Responsabilidade tributária dos gestores e dos técnicos oficiais de contas, 2011, Coimbra Editora, pág. 176

XVIII - “A culpa afere-se em abstracto, pela diligência de um administrador ou gerente pressuposto medianamente diligente e respeitador das boas práticas comerciais (bonus pater familiae, na tradição jurídica), operando com a teoria da causalidade, seguindo um processo lógico de prognose póstuma, por forma a averiguar se a actuação daquele enquanto representante da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos fiscais” - vide Ac. do TCAS de 06/10/2009, proferido no proc. n.º 03267/09).

XIX - Nos termos do n.º 1 do art.º 64.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), os gerentes ou administradores da sociedade devem observar:

“a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado;

e

b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores.”

XX - A oponente, ao alegar que não teve intervenção nos destinos da sociedade, como era seu dever tendo legitimidade para tal, apenas indica que norteou a sua actuação, enquanto administrador da devedora originária, por condutas omissivas, ou seja, que se demitiu dos seus deveres, nomeadamente de vigilância.

XXI - A ora oponente, na sua actuação enquanto administrador da sociedade violou o dever diligência, tal como vimos a aludir, pelo que é parte legítima na presente oposição.

XXII - Pelo facto de não ter provado de que não era gerente de facto ou por quem era exercido esse cargo, através de acta e, por se ter afirmado e provado que o oponente era gerente à data da constituição da dívida exequenda, foi por sua culpa que a sociedade devedora originária não cumpriu com as suas obrigações.

XXIII - Ou seja, a culpa “…traduz-se sempre num juízo de censura em relação à actuação do agente: o lesante, pela sua capacidade, e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo”. - vide Ac. TCAS de 23/06/2009, proferido no Proc. n.º 02890/09

XXIV - Face ao exposto, demonstra-se a culpa da oponente, nomeadamente por omissão de deveres legais que lhe estavam cometidos por força da sua qualidade de gerente na devedora originária.

XXV - Efectivamente, é à gerência (enquanto órgão cujas funções são definidas por lei que força criá-lo para permitir à sociedade actuar no comércio jurídico) que incumbe (pode e deve) praticar todos os actos necessários para o cumprimento dos deveres impostos por lei à sociedade e os necessários ou convenientes para realizar o seu objecto social (art. 259º do CSC).

XXVI - Sendo a vontade da sociedade sempre formada e declarada pelos gerentes, quer tenha ou não havido prévia deliberação dos sócios.

XXVII - Determina o art. 64º do CSC um dever geral de diligência de carácter objectivo, indiferente às circunstâncias pessoais do gerente, não podendo este desculpar-se invocando desconhecimento, incapacidade ou incompetência para gerir empresas. – vide Raul Ventura, Sociedade por Quotas, vol. III, pág. 149 e 150.

XXVIII - Ora, sendo a sociedade administrada e representada pelos gerentes, que podem ser escolhidos de entre estranhos à sociedade, nos termos do art.º 252.º n.º 1 do CSC.

XXIX - Tendo sido os gerentes designados no contrato de sociedade ou eleitos posteriormente por deliberação dos sócios, nos termos do art.º. 252.º n.º 2 do CSC.

XXX - Por outro lado, as funções de gerente subsiste enquanto não terminar por destituição ou renúncia, sem prejuízo de o contrato de sociedade ou o acto de designação poder fixar a duração delas, nos termos do art.º 256.º do CSC.

XXXI - Em que, os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes e, se a sociedade tiver apenas dois, a destituição da gerência com fundamento em justa causa só pelo tribunal pode ser decidida em acção intentada pelo outro, nos termos do art.º 257.º n.º 1 e 5 do CSC.

XXXII - Assim sendo, o oponente poderia nunca tendo exercido a gerência de facto, renunciado à mesma, nos termos do art.º 258.º do CSC, em momento anterior a 2008, o que não fez.

XXXIII - A oponente era gerente da sociedade devedora originária, ou seja, pelo facto de ser gerente praticou os actos que foram necessários ou convenientes para a realização do objecto social, com respeito pelas deliberações dos sócios, nos termos do art.º 259.º do CSC.

XXXIV - E, os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, nos termos do art.º 260.º n.º 1 do CSC.

XXXV - Neste pendor, a oponente é parte legítima da presente execução.

XXXVI – Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “ad quo”, esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito, em clara e manifesta violação dos requisitos legalmente consignados nos art.ºs 252.º, 259.º, 260.º, 261, 78.º todos do CSC bem como do art.º 24.º da LGT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente, com as devidas consequências legais.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.

3. A Recorrida, M. C. C. A. L. F., não apresentou contra-alegações.

4. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.


*


II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir sobre se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento por errónea apreciação dos factos e de direito ao considerar que a Fazenda Pública não provou os pressupostos que lhe permitiam reverter a execução fiscal no que respeita ao efectivo exercício da gerência, concluindo pela ilegitimidade da Oponente para a execução fiscal.

III – FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

A) Contra a sociedade «M. M. – S. M. I. Lda.» com o NIPC 504 … (devedora originária) foi instaurado, pelo Serviço de Finanças Lisboa - 2, o processo de execução fiscal n.º 3247200501123912 e apensos, tendo por objecto a cobrança coerciva de dívidas de IRC do ano de 2006 e IVA de 2003 a 2009 no valor global de € 13.486,71 - cf. PEF apenso, fls. 35;

B) O termo do prazo para pagamento voluntário daquelas dívidas foi fixado, respectivamente, a 24/7/2008 (IRC) e 11/08/2005, 21/12/2006, 03/05/2007, 06/12/2007, 28/05/2009, 21/10/2010 e 04/11/2010 - cf. Documento de fls. 68 a 70 do PEF apenso;

C) Por ofício com a epígrafe «NOTIFICAÇÃO AUDIÇÃO PRÉVIA (REVERSÃO)», datado de 18/07/2011, foi comunicado à Oponente a preparação do processo de execução fiscal n.º 3247200501123912 e apensos para reversão e que dispunha do prazo de dez dias para exercer o direito de audição prévia - cf. fls. 36 e 37 do PEF apenso que se dão por integralmente reproduzidas;

D) Em 02/08/2011, a Oponente apresentou no Serviço de Finanças de Lisboa - 2, requerimento pronunciando-se sobre o referido projecto de reversão - cf. fls. 38 a 41 do PEF apenso;

E) Em 11/10/2011 foi prestada informação sobre a pronúncia da Oponente na qual se conclui que «apesar (…) de vir nos autos dizer que nunca praticou actos de gerência, não se me afigura ser essa a realidade (…) como se mostra a fls. 54 dos autos, foi ela (…) que assinou a proposta de subscrição n.º 0448813 entre a O. e a empresa M. M. – S. M. I. Lda assim, vem esta prova documental provar o exercício da gerência da sócia M. C. C. A. L. F., o que sendo relevante para o procedimento de reversão, deve ser considerado» - cf. documento de fls. 62 do PEF;

F) Na mesma data pelo Serviço de Finanças de Lisboa – 2 foi proferido despacho de reversão, onde consta nomeadamente o seguinte:

«(…) Quanto à gerência de facto, a mesma é provada conforme elementos juntos aos autos (…) expressando o gerente a vontade da sociedade (…) é lícito que seja responsabilizado pelo incumprimento das obrigações (…) Assim sendo, e ao abrigo do que se estabelece nos artigos 22.º, 23.º e 24.º da LGT, artigos 153.º e 160.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e nos precisos termos da alínea b), n.º1, artigo 24.º, também da LGT e o artigo 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), reverto a Execução contra os aludidos gerentes, que passam a responder individualmente, pelo valor de € 13.486,71 (treze mil quatrocentos e oitenta e seis euros e setenta e um cêntimos), conforme certidões de dívida que se juntam e passam a fazer parte integrante deste projecto de decisão.

(…) Proceda-se à citação pessoal do responsável acima identificado, nos termos do artigo 190.º do CPPT, para, querendo, no prazo de cento e vinte dias a contar da citação deduzir reclamação ou, no prazo de noventa dias a contar da citação, deduzir impugnação judicial contra a liquidação, com vista à sua anulação total ou parcial, no caso de a considerar ilegal, conforme estabelecido na alínea c) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT e artigo 22.º, n.º4 da LGT, ou, no prazo de trinta dias a contar da citação, requerer pagamento em prestações, nos termos do artigo 196.º do CPPT e/ou dação em pagamento nos termos do artigo 201.º do CPPT ou deduzir oposição judicial, com base nos fundamentos previstos no artigo 204.º do CPPT.” - cf. Documento de Fls. 63 e 64 do PEF apenso;

G) Em 17/10/2011, por ofício de «citação (reversão)» foi comunicada à Oponente a reversão, contra si, da dívida em cobrança coerciva no processo de execução fiscal identificado na alínea A) supra - cf. Documento de Fls. 65 a 70 do PEF apenso;

H) A Sociedade «M. M. – S. M. I., Unipessoal Lda.» com o NIPC 504 … (identificada como devedora originária) foi constituída a 22/6/1999 (Ap. 01/990622) junto da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa - cf. Certidão Permanente a fls. 7 a 11 do PEF anexo;

I) Na constituição da sociedade, foi designada gerente a única sócia E. M. M. C. R., tendo sido definida como forma de obrigar a sociedade a assinatura da gerente - cf. Certidão Permanente a fls. 7 a 11 do PEF anexo;

J) Em 12/06/2001, a Oponente assinou a proposta de subscrição n.º 0448813, entre a O. e a E. M. M. – S. M. I., Unipessoal Lda. - cf. Documentos de fls. 54 a 60 do PEF anexo;

K) Em data que não foi possível apurar a Oponente foi convidada por E. M. M.C. R. M. B. para integrar a referida sociedade como sócia e gerente e como contrapartida fornecia os contactos da sua vasta carteira de clientes interessados na mediação imobiliária - cf. depoimentos das testemunhas J. P. A. S. F. S. e E. M. M. L. H.;

L) Em 06/02/2002, foi alterado o contrato de sociedade, passando a sociedade a sociedade por quotas tendo a Oponente passado a ser sócia e gerente da sociedade (devedora originária), a par de E. M. M. C. R. M. B., obrigando-se a sociedade com a assinatura de um gerente - Ap. 64/020206 - cf. Certidão Permanente a fls. 7 a 11 do PEF anexo;

M) Os contratos de mediação eram assinados por E. M. M. C. R. M. B. em representação da sociedade executada originária – cf. depoimento da testemunha J. P. A. S. F. S.;

N) A sócia e gerente E. M. M. C. R. M. B. era quem com tratava os funcionários em representação da sociedade executada originária – cf. depoimento da testemunha J. P. A. S. F. S.;

O) A Oponente desenvolvia a sua actividade profissional numa sociedade do sector imobiliário (C.), na área das vendas, em regime de exclusividade e raramente ia ao escritório da sociedade executada originária – cf. depoimento das testemunhas J. P. A. S. F. S. e E. M. M. L. H.;

P) Em 17/11/2011, a presente Oposição deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa - cf. fls. 5 dos autos;

Q) Em 26/02/2015 foi extinto o processo de execução fiscal, por pagamento efectuado pela oponente - cf. Documento de fls. 45 dos autos;


*

Não resultaram provados quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa.

*

A convicção do tribunal baseou-se na análise crítica dos documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal apenso, não impugnados, conforme indicado em cada uma das alíneas do probatório, bem como na posição assumida pelas partes nos articulados, bem como na prova testemunhal produzida em audiência.

O depoimento da testemunha J. P. A. S. F. S., foi relevante na medida em que demonstrou conhecimento do modo de funcionamento da empresa e das funções que cada uma das sócias e gerentes desempenhava por ter trabalhado na empresa, devedora originária. O seu depoimento foi determinante na prova do facto constante da alínea K), M), N) e O) já que trabalhava na sociedade executada originária e de forma convincente, afirmou que a Oponente raramente ia ao escritório da empresa, desenvolvendo a sua actividade profissional noutra sociedade, sendo a outra sócia e gerente que se encarregava de todos os assuntos relacionados com a gestão da sociedade executada. Mais evidenciou que foi a outra sócia, E. M. C., quem a contratou e era quem celebrava os demais contratos e era quem acompanhava a actividade de vendas.

Afirmou ainda que a Oponente tinha uma vasta carteira de clientes e que foi esse o motivo pelo qual se tornou sócia e gerente da empresa.

O depoimento da testemunha E. M. M. L. H., foi relevante para confirmar o facto provado na alínea K) e O) por permitir perceber a estrutura do funcionamento da sociedade e a divisão de funções entre as sócias gerentes. Apesar de ser amiga da Oponente, conhecendo-a há mais de 30 anos, depôs de forma credível e isenta, revelando ter conhecimento directo dos factos.

Do depoimento da testemunha resultou que quem acompanhava a actividade de vendas era a sócia gerente, E. M. C..

Afirmou ainda a testemunha que, a Oponente não exercia funções de gerência e que trabalhava a tempo inteiro noutra sociedade.

Mais referiu que a Oponente apenas dispunha de uma carteira de clientes, cujos contactos foi acumulando ao longo de vários anos de experiência profissional.


*

2. DE DIREITO

A Fazenda Pública discorda da decisão da primeira instância, alegando, em síntese, que a oponente foi gerente da sociedade, uma vez que a mesma se obrigava com a assinatura de qualquer dos gerentes nomeados, sendo um deles a oponente, não tendo logrado provar que nunca exerceu a gerência até porque assinou contratos, sendo que o seu nome, enquanto gerente, vinculava a sociedade devedora originária perante a O., ou seja, perante terceiros, pelo que a AT provou que a Oponente era gerente desde 22/06/1999 até 26/10/2011, pelo que a sentença recorrida esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito, em violação dos requisitos consignados nos artigo 252.º, 259.º, 260.º e 78.º do CSC e 24.º da LGT.

A sentença recorrida para julgar a Oponente parte ilegítima no processo de execução fiscal, aduziu a seguinte fundamentação:

«(…) É hoje pacificamente aceite pela jurisprudência que, a gerência de direito não constitui presunção legal de gerência de facto, sendo esta última que é exigida pelo proémio do artigo 24.º da LGT.

(…)

Sendo que, nos termos do artigo 74.º da LGT, é sobre a AT, enquanto Exequente e como titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra os gerentes da devedora originária, designadamente, os factos que integram o efectivo exercício da gerência.

(…)

Tem sido jurisprudência repetida pelos Tribunais Centrais que «a lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos art.ºs 259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender- se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr. Acórdão do STA de 3/5/1989, Rec.10492; Acórdão do TCA Sul de 8/5/2012, Proc.5392/12; Acórdão do TCASul de 31/10/2013, Proc.6732/13).

Assim, a denominada gerência de facto de uma sociedade comercial, consistirá no exercício de tais funções nas relações com fornecedores, com clientes, com instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome e no interesse da empresa, tomando decisões, administrando, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros (neste sentido Acórdão do TCA Norte de 18/11/2010, Proc. n.º 00286/07 e 20/12/2011, Proc. 00639/04, disponíveis em www.dgsi.pt.)

Resulta do probatório que a Oponente era sócia gerente no período a que respeitam as dívidas da executada, IRC do ano de 2006 e IVA dos anos de 2003 a 2009 e respectivos juros, sendo assim condição da legalidade e sustentabilidade da responsabilização da mesma, o comprovado exercício, das funções de gerência, no período em que a dívida tributária se constituiu e/ou terminou o respectivo prazo legal de pagamento ou entrega, conforme prevê o artigo 24.º n.º 1 da LGT.

Contudo, verifica-se que, dos autos não resulta, a prática pela Oponente de actos que obrigassem a sociedade devedora originária ou a vinculassem perante terceiros.

De acordo com o alegado pelas testemunhas inquiridas, resultou provado que era a sócia Gerente E. C. quem tomava decisões e acompanhava toda a actividade da sociedade, dispondo apenas a Oponente de uma carteira de clientes cujos contactos facultava para a promoção dos negócios imobiliários.

A mera circunstância da Oponente em 12/6/2001 ter subscrito contratos com a operadora “O.” (cf. Alínea J) do Probatório), não permite ter por provada a gerência de facto, dado que se trata de intervenção pontual, desacompanhada de outros actos de gestão e anterior à data de constituição das dívidas em execução nos processos executivos (cf. Alínea A) do probatório) que corresponde ao período compreendido entre 2003 a 2009. Importava a prova da prática de actos de que pudesse concluir-se o exercício efectivo das funções de gerente, contemporâneos da data em que lhe é imputada a responsabilidade.

Este facto, não se mostra suficiente para que o tribunal, por ilação efectuar uma presunção judicial e dar por firmada a gerência de facto durante os períodos em que foi gerente de direito.

Só podem ser considerados gerentes de facto os sujeitos que se ingerem na actividade de gerentes de forma estável e com carácter de continuidade, não bastando uma intervenção isolada, para que os administradores de direito possam ser considerados gerentes de facto. De um acto isolado praticado pelo Oponente, não é, assim, viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da sociedade (neste sentido Acórdãos do TCAN de 29/09/2016, Proc. 02374/06.oBEPNF e de 20/12/2011, Proc.639/04.5BEVIS.).

Assim sendo, e cabendo à AT, o ónus de prova dos factos que sustentam a responsabilidade subsidiária da gerente, pelo pagamento da dívida exequenda (enquanto condição da reversão), tendo sido comprovada a gerência de direito nos períodos a que as dívidas se reportam, não logrou a AT demonstrar (nem tal resultou de outros elementos carreados para os autos) que à designação tenha correspondido, por parte da Oponente, o exercício efectivo da função de gerente para aquele período.

Não obstante a AT não ter cumprido o ónus probatório que sobre si impendia, a verdade é que, a Oponente demonstrou que, apesar de figurar como gerente de direito da sociedade, nunca assumiu a gestão e a direcção da mesma. (…)»

Diga-se, desde já, que acompanhamos o decidido pela 1.ª instância.

A Recorrente não impugnou a matéria de facto e nós não vislumbramos razões para oficiosamente, ao abrigo do artigo 662.º do CPC, alterar a decisão sobre a matéria de facto fixada pela sentença recorrida que, assim, se considera assente.

A responsabilidade subsidiária assenta numa presunção de culpa funcional relacionada com o exercício efectivo das funções por parte do gerente/administrador, pelo que não basta a mera qualidade jurídica de gerente ou administrador, competindo à exequente fazer a prova dos factos integradores do efectivo exercício da gerência de facto, de acordo com a regra de que quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos (artigos 342º, n.º 1 do CC e 74.º n.º 1 da LGT).

De entre muitos outros cita-se o Acórdão do Pleno do STA, de 28/02/2007, proferido no âmbito do processo n.º 01132/06, do qual se retira o entendimento de que, em primeiro lugar, não existe qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função”.

E, em segundo lugar, [e]m regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus de prova. É o que decorre dos art.s 342º, nº 1, 350º, nº 1 e 344º, nº 1 do Código Civil (no mesmo sentido Ac. do STA de 11/03/2009, proc. n.º 0709/08 e do TCAS de 20/09/2011, proc. n.º 404/10, todos disponíveis em www.dgsi.pt/).

Nesta conformidade, atenta a inexistência de uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto, ao contrário do alegado pela Recorrente, é a AT, enquanto exequente, que compete demonstrar a existência de gerência de facto, de acordo com as regras da repartição do ónus da prova, e não ao responsável subsidiário provar que não exerceu a gerência de facto.

A Recorrente defende que a AT provou que a oponente era gerente de facto no período de 22/06/1999 até 26/10/2011, por ter assinado um contrato com a O. que vinculava a sociedade devedora originária.

O único acto que a Recorrente se reporta foi levado à alínea J) do probatório, relembramos que respeita à assinatura em 12/06/2001 pela Recorrida de proposta de subscrição entre a O. e a sociedade executada.

A questão que se coloca é então a de saber se tal acto é suficiente para firmar a convicção de que a Recorrida exerceu de facto a gerência da primitiva devedora.

Ora, a chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade.

Assim, para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros.

No caso dos autos, tal como decidido na 1.ª instância, não vislumbrámos que a assinatura daquele documento em 12/06/2001 seja suficiente para formar a convicção de que a Recorrido exerceu de facto a Administração da devedora originária no período a que se reportam as dívidas exequendas.

Alega a Recorrente que a sentença esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto, apenas assente na assinatura do identificado documento. Contudo, como decorre do teor da sentença recorrida o documento foi ponderado, mas não considerado como suficiente para prova da gerência efectiva.

Porém, a Recorrente não ataca directamente o discurso fundamentador da sentença, limita-se a contrapor o que tinha alegado em sede de contestação.

Mas sem razão.

Um acto isolado, produzido em data anterior aos períodos a que se reportam as dívidas exequendas (cfr. alíneas A), B) e j) do probatório), não é representativo duma actividade continuada e efectiva na gerência da primitiva devedora.

Afigura-se-nos que esse único facto provado, embora possa constituir um indício no sentido do exercício efectivo da gerência por parte da ora Recorrida, por si só, não é suficiente para permitir a conclusão de que a Oponente exerceu a gerência de facto da devedora originária no período a que se reportam as dívidas em causa.

Por competir à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra aquela ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.

Como se decidiu no Acórdão deste TCA Sul, de 03/12/2020, proferido no âmbito do processo n.º 2548/14, em que foi apreciado situação semelhante à dos presentes autos:

«Finalmente, ao contrário do que entente a recorrente Fazenda Pública, não se pode concluir pelo exercício efetivo da gerência pela Oponente, unicamente com base no facto dado como provado na alínea c) do probatório.

Efetivamente, à luz das regras de experiência comum, da assinatura de um único requerimento de pagamento em prestações que constitui a prática de um ato isolado, não se poderá extrair a conclusão de que a Oponente exerceu de facto a gerência da sociedade executada originária, porque é necessário a demonstração de uma atividade continuada, através da prática reiterada de atos de gestão ou administração.

Nesse sentido, v. o acórdão do TCAS de 07/05/2020, proc. n.º 3118/12.3BELRS, cujo sumário é o seguinte: “Da assinatura de um único requerimento de pagamento em prestações, não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o Oponente exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade.” – v. ainda, acórdão do TCAS de 05/03/2020, proc. n.º 2410/11.9BELRS.» (veja-se no mesmo sentido, entre outros, a jurisprudência do TCAN indicada na sentença e ainda o Ac. do TCAS de14/03/2019, proc. n.º 18/08, todos disponíveis em www.dgsi.pt/).

Nesta conformidade, analisada a matéria de facto provada, constata-se que ficou por provar uma realidade susceptível de evidenciar o exercício efectivo dos poderes de administração por parte da ora Recorrida, sendo que, repete-se, quem estava onerado com o peso da prova era a Fazenda Pública.

O exercício efectivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova.

Daí que na improcedência das conclusões da alegação da Recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, com a presente fundamentação, confirmar a decisão ora sindicada, com todas as legais consequências.

Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional


*

Conclusões/Sumário:

I. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros.

II. Um acto isolado, produzido em data anterior aos períodos a que se reportam as dívidas exequendas (cfr. alíneas A), B) e j) do probatório), não é representativo duma actividade continuada e efectiva na gerência da primitiva devedora.


*


III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente

Registe e Notifique.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2020


Maria Cardoso - Relatora

Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta

Isabel Fernandes – 2.ª Adjunta