Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:818/12.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/18/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
EXCESSO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “ULTRA PETITA”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
NULIDADES DA SENTENÇA EM PROCESSO JUDICIAL CONTRA-ORDENACIONAL TRIBUTÁRIO.
ARTº.379, Nº.1, AL.C), DO C.P.PENAL. NULIDADES DEVIDO A OMISSÃO E EXCESSO DE PRONÚNCIA.
TIPO LEGAL CONTRA-ORDENACIONAL PREVISTO NO ARTº.114, NºS.1, 2 E 5, AL.F), DO R.G.I.T.
“PRESTAÇÃO TRIBUTÁRIA DEDUZIDA” CONSTANTE DO ARTº.114, DO R.G.I.T.
CONDUTA NEGLIGENTE.
REGIME DE PAGAMENTO POR CONTA. ARTº.96, Nº.1, DO C.I.R.C.
INEXISTÊNCIA DE LUCRO TRIBUTÁVEL NO PERÍODO FISCAL A QUE SE REPORTA O PAGAMENTO POR CONTA EM FALTA.
CAUSA DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE DA CONDUTA.
Sumário:1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr.artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil).
2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma.
3. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando o juiz conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).
4. No processo judicial tributário o vício de excesso de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no último segmento da norma.
5. No que diz respeito ao regime das nulidades da sentença lavrada em processo judicial contra-ordenacional tributário, encontram-se as mesmas previstas nos artºs.379, e 410, nº.2, do C.P.Penal, aplicáveis “ex vi” dos artºs.3, al.b), do R.G.I.T., e 41, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10.
6. Nos termos do artº.379, nº.1, al.c), do C.P.Penal, a sentença é nula quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, vícios que consubstanciam as supra examinadas omissão/excesso de pronúncia.
7. A norma punitiva da conduta em causa nos presentes autos é a constante do artº.114, nºs.1, 2 e 5, al.f), do R.G.I.T., na versão em vigor no ano de 2007 (versão original da Lei 15/2001, de 5/6).
8. Por prestação tributária entende-se qualquer tributo que caiba cobrar à Administração Fiscal ou à Administração da S. Social (cfr.artº.11, al.a), do R.G.I.T.). Com a utilização da expressão “prestação tributária deduzida” pretendeu o legislador aludir a todas as situações em que é apurada uma prestação tributária, isto é, uma quantia de imposto nos termos do artº.11, al.a), do R.G.I.T., pelo sujeito passivo e através de uma subtracção de uma quantia global, sendo que tal montante tem de ser entregue à A. Fiscal.
9. No nº.5 do preceito sob exegese (artº.114, do R.G.I.T.), prevêem-se várias situações em que não há falta de entrega de prestação tributária recebida e que deva ser entregue à A. Fiscal, mas sim omissões que têm como consequência a falta de cobrança de imposto devido, nomeadamente, por falta de pagamentos por conta que o sujeito passivo deva efectuar, por conta do imposto devido a final, tal como a falta de entrega do pagamento especial por conta.
10. Não existindo dolo, a falta de entrega da prestação deduzida nos termos da lei é susceptível de constituir a infracção por negligência, prevista no nº.2 deste artigo, sendo esta a espécie (ao nível do nexo de culpa - cfr.artº.24, nº.1, do R.G.I.T.) de contra-ordenação imputada ao arguido neste processo.
11. No âmbito do Código do I.R.C., enquanto regime de pagamento antecipado do imposto (diferente é o pagamento especial por conta previsto no artº.98, do C.I.R.C.), o pagamento por conta é devido pelos sujeitos passivos que exerçam a título principal atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como pelas entidades não residentes com estabelecimento estável em território nacional (cfr.artº.96, nº.1, do C.I.R.C.; artº.33, da L.G.T.). Os pagamentos por conta (com vencimento nos meses de Julho, Setembro e Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável) devem ser calculados com base no imposto liquidado relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, líquido das retenções na fonte. Por outro lado, a lei prevê que o contribuinte fique dispensado de tal obrigação quando tenha tido, no exercício anterior, um lucro inferior a determinado montante. Por último, se o valor do lucro tributável do exercício em curso for inferior ao do anterior, os pagamentos por conta a que o sujeito passivo está obrigado resultam excessivos, assim correspondendo ao adiantamento de um imposto não devido. Para obviar a essas situações a lei permite que o sujeito passivo suspenda os pagamentos por conta (cfr.artºs.96, nº.4, e 99, nº.1, do C.I.R.C.).
12. O "pagamento por conta" tem de ser aferido face à situação contabilística da empresa no fim do período fiscal a que se refere o mesmo. Ora, se nenhuma quantia pecuniária houver de ser (antecipadamente) entregue por conta do imposto devido a final, no concernente ao período de formação do facto tributário (a que se refere o "pagamento por conta") - mormente por inexistência de lucro tributável revelado pela contabilidade, a esse tempo - aquele "pagamento por conta" não tem fundamento substantivo.
13. Em conclusão, nestas condições, a inexistência de lucro tributável no período fiscal a que se reporta o pagamento por conta em falta, encontra-se excluída a ilicitude da conduta do arguido no tocante à sua omissão enquanto contribuinte (cfr.artº.31, do C.Penal).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto despacho proferido pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarado a fls.69 a 75 do presente processo de recurso de contra-ordenação, através do qual julgou procedente o salvatério intentado pelo arguido, "R... - Administração de Propriedades, L.da.", e, em consequência, absolveu o arguido da infracção de que vinha acusado, tudo no âmbito do processo de contra-ordenação nº.3085-2008/611259.5, o qual corre seus termos no 3º. Serviço de Finanças de ....
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.81 a 83 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-O presente recurso visa reagir contra a sentença que declara procedente o presente recurso de contra-ordenação e absolve a recorrente da coima que Ihe foi aplicada;
2-Refere a sentença proferida pelo Tribunal ad quo que: "não se provou que em 2007/12, ou seja, no período a que se refere a falta de pagamento por conta em causa, a recorrente estava obrigada a pagar o imposto ao Estado.";
3-Contudo, não nos podemos conformar com tal resolução por ser desajustada aos elementos probatórios constantes dos autos, nomeadamente consta nos factos dado como provados em "3) Na sequência da avaliação a imóvel da recorrente, cuja notificação está datada de 08/04/2008, a recorrente apresentou em 09/05/2008 o Modelo 22 de IRC corrigido e efectuou o pagamento de € 19.236,84.";
4-Ora nos termos da Lei a recorrente só poderia deixar de pagar o terceiro pagamento por conta, caso preenchesse os requisitos prescritos no n.4 do art. 104 do CIRC, ou seja, apenas estão dispensados os sujeitos passivos de efectuar os pagamentos por conta quando o imposto do período de tributação de referência para o respectivo cálculo for inferior a € 200,00;
5-Nesse iter que se segue ao levantamento pelo órgão competente do auto de notícia, o que fez nos termos do n. 1 do art. 57 do RGIT constam, além de outros, os elementos que caracterizam a infracção o montante de 1. Imposto/Trib: Imposto Sobre Rendimento Pessoas Colectivas (IRC); 2. Valor da prestação tributária em falta: 7.404,45; 3. Período a que respeita a infracção: 2007/12; 4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2007-12-31; ou seja, tudo em conformidade com os previstos requisitos legais;
6-Como refere a recorrida na sua defesa, alega que em Dezembro de 2007 não tinham conhecimento que a matéria colectável iria ser aumentada em € 118.586,35 e que só tiveram conhecimento em Abril de 2008;
7-No entanto tratou-se de um pedido de segunda avaliação requerido pela própria recorrente sobre um imóvel que lhe pertence;
8-Acresce que, o sujeito passivo, em consonância, pagou imposto e portanto não deverá usufruir dos requisitos da dispensa do terceiro pagamento, até porque como já referido nem informou esse facto à administração fiscal;
9-Assim, o sujeito passivo encontrava-se devidamente ciente que ao realizar uma
autoliquidação do período contabilístico de 2007, no montante que realizou, estaria a cometer uma falta na entrega da terceira prestação do pagamento por conta o que conforme infracção noticiada nos autos torna a coima devida, sendo estes os factos que estão na origem dos presentes autos os quais se deverão dar como provados;

10-Nesta senda, a sentença recorrida, ao fundamentar que não se provando que no período de 2007/12, devia ser antecipadamente entregue o pagamento por conta ao Estado está a enquadra indevidamente os factos por errada apreciação da prova, procedendo à interpretação e aplicação do Direito de forma incorrecta e não se verificando qualquer lapso na norma de incidência objectiva. Termos em que não se pode manter na ordem jurídica;
11-Nestes termos e nos melhores de direito, não podendo o juiz deixar de se pronunciar sobre questões que deva apreciar e tendo conhecido questões de que não podia tomar conhecimento, não pode a decisão recorrida manter-se na ordem jurídica nos termos da alínea d) do artº.615 do CPC;
12-Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a recorrida decisão em apreço,
com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual pugna pelo não provimento do recurso (cfr.fls.92 a 94 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.70 e 71 dos autos):
1-A sociedade recorrente, "R... - Administração de Propriedades, L.da.", com o n.i.p.c…., enquanto sujeito passivo de IRC, não entregou para o período de 2007/12, o valor de € 7.404,45 relativo a pagamento por conta, até ao dia 31/12/2007 (cfr.auto de notícia n.º C0000819396/2008, junto a fls.2 dos presentes autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido);
2-Em Março de 2008 a recorrente entregou o Modelo 22 de IRC do exercício de 2007, onde consta o montante de € 21.117,57 de matéria colectável, a quantia de € 15.958,39 a título de pagamento por conta já efectuado em 2007 e o valor de € 12.506,21 de IRC a recuperar (cfr.documentos juntos a fls.21 a 25 dos presentes autos);
3-Na sequência da avaliação a imóvel da recorrente, cuja notificação está datada de 08/04/2008, esta apresentou em 09/05/2008 o Modelo 22 de IRC corrigido, na sequência do que foi, em 1/07/2008, produzida liquidação de I.R.C., a qual levou em consideração o pagamento já efectuado pela recorrente de € 19.236,84, mais tendo fixado o montante a pagar de € 107,59, pelo sujeito passivo, tudo em virtude do aumento da matéria coletável, pagamento este que foi efectuado em 8/09/2008 (cfr.documentos juntos a fls.26 a 31 dos presentes autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido);
4-Por decisão de 21/10/2011 do Chefe do 3º. Serviço de Finanças de ..., que aqui se dá por integralmente reproduzida, foi aplicada a coima de € 1.628,98 à sociedade recorrente, em virtude da falta de entrega de pagamento por conta em relação a Dezembro de 2007, o que constitui infracção ao disposto no artigo 96, n°1, alínea a), do Código do IRC, punível pelos artigos 114, n°s 2, 5, alínea f), e 26, n°4, todos do RGIT (cfr. documento junto a fls.9 e 10 dos presentes autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provou que a recorrente estivesse obrigada a efectuar qualquer pagamento por conta no período de 2007/12…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…O Tribunal formou a sua convicção relativamente aos factos dados como provados com base nos elementos juntos aos autos, criticamente analisada à luz das regras da experiência, tudo nos termos do art. 127.º do Cód. Proc. Penal regime aplicável ex vi artigos 3.º, alínea b) do RGIT e 41.º do RGCOC…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou procedente o salvatério intentado pelo arguido e, em consequência, absolveu o arguido da infracção de que vinha acusado (cfr.nº.1 do probatório).
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Antes de mais, diremos que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.412, nº.1, do C.P.Penal, “ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T., e do artº.74, nº.4, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10).
O apelante defende, em primeiro lugar, que não podendo o juiz deixar de se pronunciar sobre questões que deva apreciar e tendo conhecido questões de que não podia tomar conhecimento, não pode a decisão recorrida manter-se na ordem jurídica nos termos da alínea d), do artº.615, do C.P.C. (cfr.conclusão 11 do recurso), com base em tal argumentação pretendendo concretizar, supomos, uma nulidade da decisão recorrida devido a omissão e excesso de pronúncia, embora não consubstanciando as aludidas nulidades.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.615, do C.P.Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/5/2011, proc.4629/11).
Mais se dirá que a sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).
Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P. Tributário).
Ainda, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.577 e 578, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº.133, nº.2, do C.P.Administrativo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac.T.C.A.Sul-2.ªSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365).
Especificamente, no que diz respeito ao regime das nulidades da sentença lavrada em processo judicial contra-ordenacional tributário, encontram-se as mesmas previstas nos artºs.379, e 410, nº.2, do C.P.Penal, aplicáveis “ex vi” dos artºs.3, al.b), do R.G.I.T., e 41, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/01/2017, proc.7064/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/06/2017, proc.2660/15.9BESNT; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.558; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª. Edição, Universidade Católica Editora, 2008, pág.967).
Nos termos do artº.379, nº.1, al.c), do C.P.Penal, a sentença é nula, quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, vícios que consubstanciam as supra examinadas omissão/excesso de pronúncia.
As nulidades da sentença só podem ser arguidas perante o Tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário. No caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer uma das nulidades, mas só o Tribunal de recurso pode delas conhecer, mais sendo matéria de conhecimento oficioso (cfr.ac.S.T.J., 8/1/1998, rec.610/97; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/01/2017, proc.7064/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/06/2017, proc.2660/15.9BESNT; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.558; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª. Edição, Universidade Católica Editora, 2008, pág.966).
Revertendo ao caso dos autos, do exame da decisão do Tribunal “a quo”, principalmente do seu enquadramento jurídico (cfr.fls.71 a 74 dos autos), constata-se que a mesma apreciou a conduta da sociedade arguida, tendo concluído pela falta de verificação do elemento objectivo do tipo do ilícito em causa (p.p. nos artºs.96, nº.1, al.a), do C.I.R.C., e 114, nºs.2 e 5, al.f), e 26, nº.4, ambos do R.G.I.T.) e, nessa medida, julgou o recurso procedente, não vislumbrando este Tribunal qualquer omissão ou excesso praticado, situação que também não é minimamente consubstanciada pelo recorrente.
Em suma, não padece a decisão recorrida das examinadas nulidades devido a omissão/excesso de pronúncia, assim improcedendo o presente esteio do recurso.
O recorrente dissente do julgado alegando, em segundo lugar e em síntese, que a sociedade arguida pagou I.R.C. em relação ao de 2007 e portanto não deverá usufruir dos requisitos da dispensa do terceiro pagamento por conta relativo a Dezembro de 2007. Que a sentença recorrida está a enquadrar indevidamente os factos por errada apreciação da prova, procedendo à interpretação e aplicação do Direito de forma incorrecta (cfr.conclusões 1 a 10 do recurso), com base em tal argumentação pretendendo concretizar, supomos, um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
A norma punitiva da conduta em causa nos presentes autos é a constante do artº.114, nºs.1, 2 e 5, al.f), do R.G.I.T., na versão em vigor no ano de 2007 (versão original da Lei 15/2001, de 5/6), a qual tinha o seguinte conteúdo:
Artigo 114.º
(Falta de entrega da prestação tributária)

1-A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
2-Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 10% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
(…)
5-Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária:
(...)
f) A falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações de pagamento especial por conta.


Por prestação tributária entende-se qualquer tributo que caiba cobrar à Administração Fiscal ou à Administração da S. Social (cfr.artº.11, al.a), do R.G.I.T.).
No caso de não existir dolo, a falta de entrega da prestação deduzida nos termos da lei é susceptível de constituir a infracção por negligência, prevista no nº.2 deste artigo, sendo esta a espécie (ao nível do nexo de culpa - cfr.artº.24, nº.1, do R.G.I.T.) de contra-ordenação imputada ao arguido neste processo.
No nº.5 do preceito sob exegese, prevêem-se várias situações em que não há falta de entrega de prestação tributária recebida e que deva ser entregue à A. Fiscal, mas sim omissões que têm como consequência a falta de cobrança de imposto devido, nomeadamente, por falta de pagamentos por conta que o sujeito passivo deva efectuar, por conta do imposto devido a final, assim se remetendo para a violação das regras do pagamento por conta previstas nos artºs.96, 97 e 99, do C.I.R.C. (cfr.Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.812 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/11/2015, proc. 8920/15).
No âmbito do Código do I.R.C., enquanto regime de pagamento antecipado do imposto (diferente é o pagamento especial por conta previsto no artº.98, do C.I.R.C.), o pagamento por conta é devido pelos sujeitos passivos que exerçam a título principal atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como pelas entidades não residentes com estabelecimento estável em território nacional (cfr.artº.96, nº.1, do C.I.R.C.; artº.33, da L.G.T.).
Os pagamentos por conta (com vencimento nos meses de Julho, Setembro e Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável) devem ser calculados com base no imposto liquidado relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, líquido das retenções na fonte. Por outro lado, a lei prevê que o contribuinte fique dispensado de tal obrigação quando tenha tido, no exercício anterior, um lucro inferior a determinado montante. Por último, se o valor do lucro tributável do exercício em curso for inferior ao do anterior, os pagamentos por conta a que o sujeito passivo está obrigado resultam excessivos, assim correspondendo ao adiantamento de um imposto não devido. Para obviar a essas situações a lei permite que o sujeito passivo suspenda os pagamentos por conta (cfr.artºs.96, nº.4, e 99, nº.1, do C.I.R.C.; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pág.218 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/11/2015, proc.8920/15).
Ora, tendo presente o quadro normativo de referência acabado de transcrever e a factualidade considerada assente nos presentes autos, julgamos, com o Tribunal "a quo", que a conduta da sociedade recorrida não preenche os pressupostos do ilícito contra-ordenacional tipificado no citado artº.114, nºs.1, 2 e 5, al.f), do R.G.I.T.
É que o "pagamento por conta" é, nos próprios termos da lei, uma entrega pecuniária antecipada, feita, por conta do imposto devido afinal, no período de formação do facto tributário. O que significa, ainda, que o "pagamento por conta" tem de ser aferido face à situação contabilística da empresa no fim do período fiscal a que se refere o mesmo. Ora, se nenhuma quantia pecuniária houver de ser (antecipadamente) entregue por conta do imposto devido a final, no concernente ao período de formação do facto tributário (a que se refere o "pagamento por conta") - mormente por inexistência de lucro tributável revelado pela contabilidade, a esse tempo - aquele "pagamento por conta" não tem fundamento substantivo.
E, assim, se não houver lucro tributável, não há imposto devido. E, não havendo imposto devido, não se verifica o evento jurídico-material de que a lei faz depender a punição - porquanto não se verifica a lesão do interesse protegido pela norma. A falta de entrega da prestação por conta pode existir, mas, se não ocorrer a efectiva lesão do interesse protegido pela norma incriminadora, a infracção não se verifica, e, não se verificando infracção, não pode haver punição. Se não houver imposto devido (por não haver lucro tributável), a punição, para além de não respeitar a norma tipificadora da infracção, desrespeitaria também a valoração jurídica decorrente da harmonia do sistema fiscal, onde se contêm normas a requerer a tributação de acordo com o lucro tributável do período e segundo a capacidade contributiva do devedor - conforme, aliás, a uma visão do Direito como ordem jurídica sistémica e unitária, onde, a propósito, ganham proeminência os princípios constitucionais da tributação do lucro real, da justiça e da proporcionalidade. Em conclusão, nestas condições, a inexistência de lucro tributável no período fiscal a que se reporta o pagamento por conta em falta, encontra-se excluída a ilicitude da sua conduta no tocante à omissão do contribuinte (cfr.artº.31, do C.Penal; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/2/2007, rec.1221/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/3/2007, rec.877/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/11/2015, proc.8920/15).
Revertendo ao caso dos autos, de acordo com a matéria de facto (cfr.nº.2 do probatório), a recorrente não tinha que proceder a entrega de imposto em Dezembro de 2007, em sede de regime de pagamento por conta, por ter imposto a reaver, no montante de € 12.506,21. Por outras palavras, não resulta do probatório que em 12/2007, ou seja, no período a que se refere a falta de “pagamento por conta” em causa, a sociedade arguida estava obrigada a pagar imposto ao Estado.
Ora, não se provando que devia ter sido antecipadamente entregue qualquer quantia pecuniária por conta do imposto devido relativo ao exercício de 2007, não se mostra preenchido o elemento objectivo do tipo do ilícito em referência (a dita falta de pagamento da prestação tributária a título de pagamento por conta do imposto devido a final) e, nessa medida, se deve manter a decisão recorrida.
Arrematando, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 18 de Abril de 2018



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Lurdes Toscano - 2º. Adjunto)