Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9792/16.4BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:10/14/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRC;
DEDUTIBILIDADE;
ARTIGOS PARA OFERTA;
DESLOCAÇÕES E ESTADAS;
PUBLICIDADE E PROPAGANDA.
ENCARGOS COM VIATURAS LIGEIRAS DE PASSAGEIROS.
Sumário:1. São qualificáveis como “despesas de publicidade e propaganda” e não como “despesas de representação”, as incorridas por sujeitos passivos que tenham por actividade principal o comércio por grosso de produtos farmacêuticos, com inscrições oferecidas a médicos para participar em congressos realizados no estrangeiro, seminários, viagens e despesas com alojamento.

2. Na redacção da Lei nº 39-B/94, de 27 de Dezembro, dispunha o art.º 41/4 do CIRC: «Excepto tratando-se de viaturas afectas à exploração de serviço público de transportes ou destinadas a ser alugadas no exercício da actividade normal do respectivo sujeito passivo e sem prejuízo do disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 32º e nas alíneas i) e j) do nº 1 do artigo, também não são dedutíveis, para efeitos de determinação do lucro tributável, 20% dos encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, designadamente reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, reparações e combustível».

3. As despesas com portagens e estacionamento contabilizadas emEncargos com viaturas ligeiras de passageiros”, passando o crivo da indispensabilidade, são dedutíveis na sua totalidade nos termos do art.º 23.º do CIRC, por não terem a natureza de encargos directamente relacionados com as viaturas.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por P... – S..., S.A., contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 1997 e respectivos juros compensatórios constante do documento de cobrança n.º 8310004575, de 2001, no valor de 402.071,64 euros (Esc. 80.608.127$00) e o despacho de deferimento parcial da reclamação graciosa dela deduzida, e anulou aquela liquidação de imposto e juros compensatórios na parte assente em correcções de custos contabilizados a título de despesas com “ofertas”, “publicidade e propaganda”, “deslocações e estadas” e “encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros”.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:
«
I - A sentença em apreço julgou a presente Impugnação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Fazenda Pública ao pagamento de juros indemnizatórios com referência à parte anulada, mantendo-se a liquidação remanescente de Imposto e Juros Compensatórios.

II - Tendo-se concluído na decisão recorrida que a Impugnante, no ano de 1997, apenas comercializava medicamentos sujeitos a prescrição médica, por isso, a actividade de propaganda, publicidade e/ ou marketing feita pela mesma tinha como destinatário, o médico e, por esse motivo, recorreu às mais variadas estratégias de marketing com vista a promover junto da classe médica a prescrição dos seus produtos em detrimento de outros que lhe são concorrentes.

III - Assim, a douta sentença ora recorrida, defendeu o facto da recorrida propiciar aos médicos, as mais variadas gamas de ofertas valor (televisores, teclados de computador, telefones e outros objectos de uso pessoal) a que se encontra associada a marca do produto que visa promover.

IV - Promoveu, ainda, deslocações a congressos, tendo, mesmo procedido a abertura de crédito em agências de viagens efectuadas em nome dos médicos, apesar, destes médicos, não terem qualquer vinculo com a empresa/ recorrida, considerou o tribunal a quo, que eles são o cliente ou público – alvo

V - Ressalvado o devido respeito com o que desta forma foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública, sendo outro o seu entendimento, já que considera que a douta sentença incorreu em erro de julgamento, nomeadamente na aplicação do art.º 23.º do CIRC,

VI - Nos termos do art. 23.ª do CIRC, só se consideram custos ou perdas, os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a Imposto ou para manutenção da fonte produtora

VII – É no conceito de indispensabilidade ínsito no art. 23.º do CIRC que radica a questão essencial da consideração fiscal dos custos empresariais e que assenta a distinção fundamental entre o custo efectivamente incorrido no interesse colectivo da empresa.

VIII - A ora recorrida está colectada em sede de IVA como agente especializado de comércio, dito de outra forma, e uma empresa que comercializa medicamentos, introduzindo-os na cadeia de abastecimento de venda ao público, quer através do fornecimento aos armazenistas, quer às farmácias.

IX - O público alvo dos medicamentos comercializados pela impugnante são os doentes e não os médicos, contrariando o alegado na sentença ora recorrida.

X - Já que, a ratio legis de tal normativo legal, surge ab inicio, que a indispensabilidade de um determinado custo para a realização de um proveito, emerge identificada com a própria questão de qualificação de uma determinada despesa, configurando-se como custos fiscais, os gastos derivados da actividade de ume empresa, que apresentem uma conexão fáctica com a organização, o que no caso em apreço não se verifica.

XI - Já que, quer as ofertas quer as viagens, quer as acções de formação, quer a publicidade e propaganda e, as deslocações e estadas, quer a publicidade e propaganda, as deslocações e estadas, não se destinam nem a trabalhadores da impugnante, nem a clientes, nem a fornecedores, contrariando, claramente quer a doutrina, quer a jurisprudência, as quais têm entendido, que a exigência não se subsume apenas a um plano formal, mas a um elemento finalístico, que conduza a determinado custo ser indispensável para a realização de um proveito.

XII - Assim, não se mostrando provada e indispensabilidade dos custos, não tendo sido apontados quaisquer proveitos, negócios obtidos ou outros eventuais ganhos cujos frutos possam ter tido origem nos custos incorridos com fins promocionais não podiam os mesmos ser considerados para efeitos fiscais.

XIII - Mais se esclarece que o Decreto-Lei n.º 100/94, de 19 de Abril transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 92/98/CEE, de Conselho, de 31 de Março, mormente no art. 10.º n.º 1, e que de seguida se transcreve: “É proibido ao responsável pela promoção de medicamentos dar ou prometer, directa ou indirectamente, ofertas, benefícios pecuniários ou em espécie, com excepção de objectos de valor intrínseco insignificante e que não estejam relacionados com a prática da medicina ou da actividade farmacêutica”.

XIV – Em suma, afigura-se-nos que a AT precedeu bem, no que se refere às correcções relativas a ofertas de produtos. congressos, publicidade e propaganda e deslocações e estadas, uma vez que, e serem aceites os preditos custos, violaríamos o disposto no art. 23.º n.º 1 alínea b) do CIRC.

XV – Porquanto as despesas incorridas não visam assegurar o normal desenvolvimento do objecto social, mas ao invés, promover a formação de determinados médicos, presenteá-los com ofertas, promovendo aberturas de crédito em agências de viagens efectuadas em nome dos médicos para apoio e participação em congressos médicos (fls. 10 da sentença), uma vez que são eles que decidem o receituário e impulsionam as vendas (vide fls. 17 da sentença).

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando - se, em consequência a douta sentença ora recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo por Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.».

A Recorrida apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«
a. Atendendo ao teor das alegações deduzidas e vícios invocados, e considerando as conclusões respetivamente formuladas, a ora RECORRIDA não se conforma com os fundamentos apresentados pela Fazenda Pública, estando convicta de que os mesmos não são suscetíveis de alterar o sentido da douta sentença recorrida, proferida pelo Tribunal a quo, porquanto:

b. A P... é uma empresa farmacêutica que comercializa produtos sujeitos a prescrição médica, estando-lhe, por isso, legalmente vedada (Cfr. Decreto-Lei n.º 100/94, de 19.04) a publicidade dirigida ao consumidor final, v.g., por intermédio de anúncios/campanhas publicitárias, folhetos.

c. Para os medicamentos sujeitos a receita médica, a Lei permite (Cfr. n.º 2, do Decreto-Lei n.º 100/94, de 19.04), incentivos que directa ou indirectamente promovam a sua prescrição, venda, aquisição ou consumo, o que de facto aconteceu na situação sub judice

d. A classe médica é um dos principais 'promotores' do sucesso empresarial da P..., materializado no sucessivo aumento das vendas e proveitos declarados nos vários exercícios, porquanto, é deles que depende a prescrição dos produtos farmacêuticos por si produzidos e comercializados.

e. Os custos objecto das correcções analisadas nos Pontos A e B, do presente articulado – no valor de € 258.463,47 e de € 32.642,20, respectivamente – estão incluídos nos custos globais de marketing da P... para o ano de 1997, tendo os citados custos sido incorridos com o estrito objectivo de divulgar e promover os produtos/ medicamentos por aquela comercializados junto das entidades habilitadas a prescrevê-los, circunstância que, obviamente, promove o aumento da prescrição dos medicamentos e o correspectivo aumento das vendas e proveitos declarados;

f. É feita uma alocação especifica e individualizada dos custos globais de marketing suportados pela P... - custos suportados com a promoção dos produtos junto da classe médica que os prescreve -, a cada um dos seus produtos/ medicamentos (ou melhor, ao centro de custos de marketing de cada um dos produtos), sendo possível avaliar o real aumento das vendas de cada um deles.

g. Há uma relação directa entre os custos incorridos e os proveitos gerados e entre o investimento em marketing e os custos com eles suportados, relação essa que tem que ser perspectivada numa ligação entre o gasto e a actividade empresarial da P... (e não numa ligação receita – ganho), pois que estão em causa encargos com marketing.

h. Pelo que os custos objecto das correcções analisadas nos Pontos A e B deste articulado deverão ser considerados como custos dedutíveis nos termos do Art.º 23º, do Código do IRC, pois que estão verificados todos os requisitos legais para o efeito;

i. Também a natureza dos custos objecto da correcção analisada no Ponto C - no valor de € 571,17 - deste articulado, são custos decorrentes da participação em congressos/eventos científicos e visam promover os produtos (medicamentos sujeitos a prescrição médica) da P..., junto da classe médica, incentivando indirectamente a sua prescrição.

j. Estes custos de marketing estão (foram) também imputados directamente a cada produto da P..., e foram devidamente orçamentados, quer no plano anual de marketing da empresa, quer no âmbito dos planos de marketing elaborados especificamente para cada um dos produtos.

k. A correcção descrita no Ponto D - no valor de € 6.934,70 - é ilegal na medida em que se baseia numa interpretação administrativa que contraria os princípios de interpretação das Leis vertidos no Art.º 9º do Código Civil, ex vi, Art.º 11º, da LGT, resultando numa discriminação positiva de custos, que é proibida pelo principio da igualdade;

l. Em face de tudo quanto se expôs, e que resultou provado no âmbito dos presentes autos, não merece reparo a douta sentença ao concluir que "da prova testemunhal sobressaiu a conexão fáctica e económica destas despesas com a atividade da empresa, ou seja, da indispensabilidade da ocorrência destas "ofertas", pois as mesmas revestem-se como técnicas de marketing de persuasão com vista a possibilitar à Impugnante a promoção do produto/medicamento junto dos médicos."

m. E que "Não restam dúvidas que a Impugnante prova nos autos a conexão necessária com vista à prova da indispensabilidade destas despesas para a obtenção dos proveitos da empresa".

n. A Fazenda Pública limitou-se a não se conformar com o sentido da decisão do Tribunal a quo, sem lograr rebater, contraditar ou justificar fundamente a razão pela qual, no seu entendimento, a sentença incorreu em erro de julgamento face à prova produzida pela RECORRIDA.

o. A Fazenda Publica não conseguiu justificar em que medida as despesas em apreço não estavam ligadas aos ganhos sujeitos a imposto da RECORRIDA e em que medida tais despesas não haviam concorrido para os proveitos do exercício por ela obtidos, os quais são (foram) tributados.

p. Pelo que se conclui a douta sentença não padecer de erro de julgamento, devendo a mesma manter-se inalterada, com as demais consequências legais

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS. VENERANDOS DESEMBARGADORES, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCDENTE, POR NÃO PROVADO, MANTENDO-SE A DECISÃO ORA SOB RECURSO, COM OS FUNDAMENTOS ELENCADOS NAS CONCLUSÕES SUPRA ENUNCIADAS,
FAZENDO-SE A COSTUMADA JUSTIÇA!».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo no sentido da improcedência do recurso, mantendo-se o julgado.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, a questão que importa apreciar reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir pela ilegalidade das correcções dos custos contabilizados pela impugnante com “ofertas”, “publicidade e propaganda”, “deslocações e estadas” e “encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros”.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
«
Compulsados os autos e analisada a prova documental e testemunhal apresentada, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão:

1. A impugnante, tem como atividade principal "o comércio por grosso de produtos farmacêuticos", com CAE 51460 - cfr. fls. 43 a 193 do processo administrativo em apenso aos autos;

2. Na sequência da Ordem de Serviço nº 3161 de 08/06/2000, a impugnante foi objeto de procedimento de inspeção ao exercício de 1997, tendo sido efetuadas, no que aqui importa, correções ao IRC/97 no valor total de Esc. 117.481.894$00 (€ 585.997,22), conforme identificadas no relatório de inspeção final – cfr. fls. 42 a 61 do processo administrativo em apenso aos autos;

3. Por efeito dessas correções foi corrigida a matéria colectável da ora impugnante de 42.143.138$00 (€ 210.209,09) para 159.625.032$00 (€ 796.206,30) - cfr. fls. 189 a 191 do processo administrativo em apenso aos autos;

4. Conforme decorre do relatório final de inspeção (ponto III), as correções efetuadas, foram as seguintes:

a) Ofertas-51.353.422$00 (€ 256.149,79) "... só as ofertas a clientes ou fornecedores (...) desde que sejam comprovadamente indispensáveis à realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, ou para a manutenção da fonte produtora, são considerados como custos nos termos do art. 23º do CIRC. De forma a permitir a identificação do destinatário da oferta e comprovar a indispensabilidade do custo para a realização dos proveitos, de acordo com o corpo do art. 23º do referido código, a fatura de compra e venda ou o documento interno justificativo do lançamento relativo à oferta, deverá conter a identificação da pessoa singular ou coletiva a quem irá ser atribuída. Ora, no caso concreto, embora as faturas de aquisição de serviços - no caso as viagens- não identifiquem devidamente os beneficiários dos mesmos, elas destinam-se, pelo que nos foi informado pelos responsáveis pela contabilidade da empresa, a médicos que em relação à empresa em análise, não detém qualquer vínculo laboral, nem qualquer contrato de prestação de serviços, pelo que não assumem a qualidade de clientes nem fornecedores " (...)

c) Deslocações e Estadas - 114.510$00 (€ 571,17) "... as estadas respeitam a uma ação especial com médicos-sessão clinica e programas de caça (doe. 10131) - e a delegados de informação médica da empresa e ainda a três médicos (doe. 10485). Estes médicos não fazem parte do quadro de pessoal da empresa, nem são clientes ou fornecedores, não podendo, portanto, estas despesas ser consideradas custos ou perdas do exercício, nos termos do art. 23º do CIRC. Porém, as ações envolvidas denotam um carácter científico e social, pelo que nos afigura que esses médicos assumem a qualidade de convidados para participação nessas ações, enquadrando-se as despesas em causa nas despesas de representação, definidas no art. 40º, nº 3 do CIRC, não sendo dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável 20% do seu valor, nos termos da al. g) do nº l do mesmo artigo"

d) Publicidade e Propaganda (congressos) - 6.544.174$00 (€ 32.642,20) "...A empresa organizou, através da C...-Agêncía de Viagens, Lda. durante o exercício em análise, dois congressos no estrangeiro e, um em Portugal, de carácter cientifico, nos quais participaram vários médicos, sendo todas as despesas suportadas pelo contribuinte. (...) Por outro lado, a publicidade dos medicamentos é bastante restrita. O D.L. 100/94, que a regulamenta, enumera no art. 3°, os princípios gerais em que se deve basear. Especifica ainda no art. 6°, os elementos que devem constar da publicidade junto de profissionais de saúde, os quais não têm qualquer relação com os custos suportados com a organização de congressos. Assim, afigura-se-nos que os custos relacionados com a realização destes congressos e contabilizados em publicidade, não respeitam de facto a custos com publicidade, revestindo sim, a característica de despesas de representação, já que os participantes são médicos convidados pela empresa, que não tem qualquer vínculo laboral com ela, nem qualquer contrato de prestação de serviços, não sendo, portanto, clientes nem fornecedores (...) Consideram-se como despesas de representação, nos termos do art. 41°, nº 3 do referido código, não sendo dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável na proporção de 20%, conforme dispõe o nº 1 al. g) do mesmo artigo."

e) Encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros - 1.390.282$00 (€ 6.934,70). "Corresponde a 20% dos encargos com portagens, estacionamento e juros suportados - locação financeira, acrescidos nos termos do art. 41°, nº 4 CIRC" - cfr. fls. 42 a 61 do processo administrativo em apenso aos autos;

5. Em consequência das correções efetuadas no procedimento de inspeção, foi emitida a liquidação adicional de IRC/97 com o nº 8310004575, no valor de € 402.071,64 (80.608.127$00) - cfr. fls. 196 do processo administrativo em apenso aos autos;

6. Em 08/10/ 2001, foi deduzida reclamação graciosa do ato tributário com nº 3492-01/ 400085.4, em apenso aos autos, sendo o total das correções reclamadas de 89.310.898$00 (€ 445.481,33), tendo a ora impugnante aceitado as restantes correções no valor de 28.170.905$00 (€ 140.515,88) - cfr. fls. 4 a 25 do processo de reclamação graciosa em apenso aos autos;

7. Por despacho de 06/06/2002, notificado à ora impugnante pelo oficio nº 17892, de 14/ 06/ 2002, foi deferido parcialmente o pedido de reclamação graciosa, identificado no ponto anterior, com os fundamentos constantes da correspondente informação e parecer, tendo a A.T. aceitado como custo, para efeitos fiscais, o montante de € 146.869,79 (29.444.750$00) e indeferindo o restante no valor de € 298.611,54 (59.866.239$00) - cfr. fls. 759 a 777 e 778 do processo de reclamação graciosa em apenso aos autos;
8. As correções efetuadas pelos serviços da A.T., reclamadas e impugnadas que a A.T. decidiu manter são as seguintes:




9. A impugnante efetuou pagamentos no valor total de € 221.909,54, dos quais € 164.433,49 são referentes a imposto, correspondendo o restante a juros e acréscimos legais, no âmbito do processo de execução fiscal nº 3492-01/....9, instaurado para cobrança do imposto, ora impugnado - cfr. fls. 773 a 783 dos autos;

10. Em 03/07/2002, conforme carimbo aposto a fls. 2, a impugnante deduziu a presente impugnação judicial;

11. A impugnante, no exercício de 1997, só comercializou medicamentos sujeitos a receita médica, sendo certo que todo o esforço de prossecução de campanhas marketing desenvolvido pela mesma teve como público alvo, os médicos subscritores das receitas médicas - cfr. depoimento das testemunhas J...; J...; J... e de J...;

12. As despesas efetuadas pela impugnante referentes a "Congressos Nacionais e Internacionais", ou eram realizados a pedido de um médico, em que a impugnante patrocinava a inscrição do médico no congresso, ou era dirigido e organizado para um conjunto de médicos de uma especialidade, tudo com vista à formação cientifica desses médicos - cfr. depoimento das testemunhas J...; J... e de J...;

13. Por várias ocasiões, havia uma entidade que organizava o congresso, extinguindo-se em seguida com o fim desse evento. Essa entidade podia não emitir fatura, bastando como comprovativo a ficha de inscrição no congresso e o documento de transferência bancária, para que a impugnante contabilizasse a despesa com base nestes elementos - cfr. depoimento da testemunha J...;

14. Para o sucesso do congresso e promoção dos produtos vendidos pela impugnante, eram convidados professores com prestígio na área em que o medicamento operava, ou médicos de reputada fama e experiência na área em que o medicamento se destina, de forma a notabilizar a marca e o produto - cfr. depoimento da testemunha J...;

15. Quer as ofertas realizadas a médicos, nomeadamente, televisores, jogos de computador, teclado de computador, telefones sem fios, quer viagens e circuitos fornecidos aos médicos, estavam sempre ligados ao nome do produto e correspondente prescrição com vista a ser alcançada a venda de produtos – cfr. depoimento da testemunha J...; e de J... e de J...;

16. Não sendo possível fazer uma conexão direta entre a prescrição médica de um determinado médico e as vendas efetuadas de determinado produto, a impugnante tinha a possibilidade de delimitar zonas de venda do medicamento e presumir vendas por zona/ médico; a partir destes dados a impugnante beneficiava com ofertas de viagens, participação em congressos internacionais e outro tipo de ofertas de bens, o(s) médico(s) que presumidamente, mais poderiam ter capacidade de apresentar receituário do produto - cfr. depoimento da testemunha J... e de J...;

17. Os automóveis da empresa, eram atribuídos para uso dos delegados de propaganda médica, para se deslocarem nas visitas a médicos com vista a promover o medicamento da empresa - cfr. depoimento da testemunha J...;

18. Tais viaturas, utilizadas pelos delegados de informação médica, porque são objeto de muitas deslocações, estão sujeitos a grande desgaste - cfr. depoimento da testemunha J...;

19. No exercício de 1996, a impugnante apresentou na declaração mod.22 na rubrica de vendas de mercadorias o valor total de Esc. 1.595.518.974$00 - cfr. fls. 937 a 944 dos autos;

20. No exercício de 1996, a impugnante apresentou na declaração mod.22 na rubrica de vendas de mercadorias o valor total de Esc. 1.893.081.222$00 - cfr. fls. 945 a 953 dos autos;


21. No exercício de 1998, a impugnante apresentou na declaração mod. 22, na rubrica de vendas de mercadorias o valor total de Esc. 2.037.341.491 $00 - cfr. fls. 954 a 961 dos autos.

II. 2- Dos FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.

II. 3 - MOTIVAÇÃO

A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e expressamente referidos no probatório supra e com base na prova testemunhal de J..., Técnico Oficial de Contas da impugnante desde 1994 e, em 1997. Descreveu as ofertas feitas a médicos, que iam desde simples brindes a produtos mais caros, congressos e viagens para esse fim.

J..., Gestor da impugnante em 1997 e Diretor Financeiro da mesma. Corroborou o facto de as ofertas praticadas pela impugnante no exercício em causa, serem devidas a título de campanhas de marketing, com vista à promoção dos produtos que a impugnante comercializa, asseverando que sem estas iniciativas a impugnante não teria os resultados que veio a alcançar em termos de vendas.

J..., Gestor de Marketing (Produto) na sociedade impugnante, as campanhas de oferta de produtos, viagens a congressos, apoio à formação cientifica dos médicos, destinavam-se a estimular/avivar a marca ou produto comercializado pela impugnante em detrimento de outras marcas concorrentes, sendo o cliente o médico, pois é este o subscritor do receituário.

J..., Chefe Regional de Vendas, responsável pela formação, controlo e gestão dos delegados de propaganda médica. Relatou, confirmando os anteriores depoimentos, que a política de ofertas prosseguida pela impugnante mostrava-se fundamental para o normal desenvolvimento da atividade da empresa, pois sem as campanhas de marketing, não seria possível ter o sucesso de vendas que a impugnante obteve em 1996, 1997 e 1998.

Os depoimentos das testemunhas inquiridas confirmaram, no essencial, os factos alegados pela impugnante, nomeadamente, que as despesas efetuadas pela mesma tiveram como objetivo fundamental promover os produtos da empresa com vista a maximizar as vendas, visto não ser possível, face à legislação em vigor, recorrer a ações de publicidade e propaganda normais. O depoimento das testemunhas foi credível e esclarecedor atendendo aos factos em presença nos autos.

B.DE DIREITO

Ilustram o probatório e os autos que no decurso de uma acção de fiscalização externa referenciada ao exercício de 1997, os serviços de inspecção tributária efectuaram correcções ao lucro tributável da impugnante, das quais, no seguimento da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, foram mantidas as seguintes: despesas com ofertas – deslocações a Congressos; ofertas de produtos; deslocações e estadas; despesas de publicidade; encargos com viaturas ligeiras de passageiros.

São justamente essas correcções da AT à componente negativa do lucro tributável que foram objecto de impugnação e que a sentença não validou, decisão com que se não conforma a recorrente Fazenda Pública. Vejamos então.

No entender da recorrente e contrariamente ao decidido na sentença, não se verifica com relação às despesas com ofertas – deslocações a Congressos, ofertas de produtos, deslocações e estadas e despesas de publicidade o requisito da indispensabilidade que os torna dedutíveis na formação do lucro tributável.

Dispunha à época o corpo do art.º 23.º do CIRC que “consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora…”.

Como se deixou consignado no sumário doutrinal do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09/24/2014, tirado no proc.º 0779/12, «No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.
Assim, um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos)».

Assim recortado o conceito de indispensabilidade e regressando ao caso dos autos, constata-se que a impugnante tem como actividade principal o “comércio por grosso de produtos farmacêuticos”, CAE 51460 (cf. ponto 1 do probatório).

Ora, tendo em conta a actividade social, afigura-se-nos prima facie inquestionável que as despesas efectuadas com ofertas – deslocações a Congressos e com bens ofertados a médicos constituem actos típicos da actividade empresarial desenvolvida e potencialmente geradora de proveitos.


E tal resulta evidenciado se atentarmos em alguns pontos do probatório, lembrando-se que para demonstração dos factos que permitam ao julgador concluir no sentido da indispensabilidade dos custos controvertidos a impugnante se pode socorrer dos meios gerais de prova (cf. art.º 1115/1 do CPPT). Assim, extrai-se do probatório que as deslocações e inscrições em Congressos eram dirigidas a médicos prescritores ou médicos especialistas e visavam a formação científica dos profissionais beneficiários. Que os especialistas convidados gozavam de reputação no meio científico, o que permitia conferir notoriedade e credibilidade à marca e produtos comercializados. Que as ofertas tinham por beneficiários médicos e os bens ofertados tinham gravada a designação da marca ou produto farmacêutico cuja comercialização se pretendia intensificar. E que era possível à impugnante referenciar geograficamente as ofertas de produtos e serviços a médicos com o incremento das suas vendas – vd. pontos 11, 12, 14, 15 e 16 da matéria assente.

Também relativamente às despesas contabilizadas com “deslocações e estadas”, estas relativas a uma acção especial com médicos e delegados de informação médica, e com “publicidade e propaganda”, estas relativas a encargos suportados com a organização de Congressos em Portugal e no estrangeiro e em que participaram médicos e outros profissionais de saúde, não oferece dúvida a sua conexão fáctica com a actividade empresarial da impugnante – cf. pontos 11 a 13 da matéria assente e art.º 23/1, alínea b) do CIRC..


Quanto, em particular, à reclassificação contabilística das despesas com “deslocações e estadas” e com “publicidade e propaganda” como “despesas de representação”, efectuada pela AT, porquanto e como relata, “os custos relacionados com a realização destes congressos e contabilizados em publicidade, não respeitam de facto a custos com publicidade, revestindo sim, a característica de despesas de representação, já que os participantes são médicos convidados pela empresa, que não têm qualquer vínculo laboral com ela, nem qualquer contrato de prestação de serviços, não sendo, portanto, clientes nem fornecedores…”, também não é de acolher como bem decidiu a sentença.

Com efeito, o art.º 41.º do CIRC (na versão em vigor à data e que resultou da Lei do Orçamento n.º 39-B/94, de 27/12) enuncia encargos que não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, mesmo que contabilizados como custos de exercício, designadamente, as despesas de representação.

Nos termos do n.º 3 dessa norma, consideram-se despesas de representação: “(…) nomeadamente os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades”.

Tais despesas não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável na proporção de 20% (cf. art.º 41.º, n.º 1, g) do referido Código).


Especificamente, em relação à indústria farmacêutica, estabelecia o art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 100/94, de 19 de Abril que “nas acções de promoção de vendas, o acolhimento deverá ser sempre de nível razoável e ter um carácter acessório em relação ao objectivo principal da reunião, não devendo ser alargado a pessoas que não sejam profissionais de saúde”.

Esta norma foi alterada com a publicação do Decreto-Lei n.º 48/99, de 16 de Fevereiro, que, em transposição da Directiva 92/28/CEE, de 31 de Março, veio clarificar, designadamente, os casos em que podem ser suportados custos de acolhimento com vista à participação dos médicos em acções de formação.

Dispõe o art.º 9.º, n.º 2 do referido diploma que “o disposto no número anterior não obsta a que o titular da autorização de introdução no mercado, bem como a empresa responsável pela promoção do medicamento, suportem, total ou parcialmente, custos de acolhimento de pessoas habilitadas a prescrever ou a dispensar medicamentos em eventos científicos e acções de formação e de promoção de medicamentos, desde que, em qualquer caso, tais incentivos não fiquem dependentes ou constituam contrapartida da prescrição ou dispensa de medicamentos”.

De acordo com o art.º 10.º do mesmo diploma: “1. Para efeitos do n.º 2 do artigo 9.º consideram-se custos de acolhimento das pessoas habilitadas a prescrever ou a dispensar medicamentos os encargos com a respectiva inscrição, deslocação e estada em manifestações de carácter exclusivamente científico e ainda em acções de promoção de medicamentos que comportem uma efectiva mais-valia científica ou ganho formativo para os participantes. 2. A estada não deverá exceder o período compreendido entre o dia anterior ao do início e o dia seguinte ao do termo do evento (…) nem comportar benefícios de carácter social prevalecentes sobre o objectivo científico ou profissional”.

Como decorre do n.º 2 supra-referido e do n.º 3 da mesma norma, foi mantida a regra da acessoriedade do acolhimento em relação ao objectivo principal da reunião.

Estas disposições legais têm um carácter interpretativo e, nessa medida, o seu regime deve aplicar-se ao caso dos autos (1997), por força do art.º 13.º, n.º 1 do Código Civil – vd. o recente Acórdão deste TCA Sul, de 16/09/2021, tirado no proc.º 187/04.3BELSB, em que o relator é o mesmo deste.

Retornando aos autos, em causa estão despesas incorridas com a realização e/ ou patrocínio de Congressos, a inscrição de membros da classe médica nesses eventos, viagens, refeições, passeios, etc. Tratando-se de despesas que se destinam não a representar a sociedade impugnante onde esta não está presente (portanto, fora do perímetro da sua actividade principal), mas a assegurar o normal desenvolvimento do seu objecto social dentro do circuito económico onde este mais impressivamente se manifesta, estas despesas devem ser qualificadas na sua globalidade, como foram, como despesas de publicidade, dedutíveis nos termos do art.º 23.º, nº 1 alínea b), do CIRC e não como despesas de representação, sujeitas ao regime de dedutibilidade mais restritivo do já citado art.º 41.º do mesmo Código.

A sentença ao não validar as correcções da AT às despesas contabilizadas em “deslocações e estadas” e “publicidade e propaganda”, não incorreu no apontado erro de julgamento, merecendo ser confirmada quanto a este segmento do recurso.

Por último, no que concerne aos encargos contabilizados com viaturas ligeiras de passageiros, comecemos por ver o que ponderou a sentença recorrida neste particular:

«A impugnante defende que as importâncias despendidas com esta rubrica reportam-se a despesas efetuadas pelos Delegados de Informação Médica com viaturas da impugnante ao serviço desta, nomeadamente, com pagamento de portagens, estacionamento e encargos com juros decorrentes da locação financeira.

Por seu lado, a Fazenda Pública, acresceu 20% dos encargos com portagens, estacionamento e juros suportados – locação financeira, nos termos do art. 41°, nº 4 CIRC.

Vejamos.

Dispunha o art. 41º, nº 4 do CIRC, na redação conferida pela Lei 39-B/94, de 27/12, redação em vigor à data do facto tributário que "excepto tratando-se de viaturas afetas à exploração do serviço publico de transportes ou destinadas a ser alugadas no exercício da atividade normal do respetivo sujeito passivo e, sem prejuízo do disposto na al. j) do nº 1 do art. 32º e alíneas I) e j) do nº 1 desse mesmo artigo, também não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, 20% dos encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, designadamente, reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, reparações e combustível" .

Dos autos resulta que os veículos em causa nos autos, foram objeto de locação financeira por parte da impugnante, sendo atribuídos aos seus delegados de informação médica para uso exclusivo e ao serviço da impugnante nas mais variadas deslocações a centros de saúde e hospitais para visita dos médicos.
Resulta dos autos que tais veículos são, aliás, objeto de grande desgaste dado os delegados de propaganda médica percorrerem mensalmente muitos quilómetros para efetuar visitas aos médicos aos centros de saúde e hospitais nos vários locais previamente estabelecidos.

Ora, atendendo ao estabelecido na lei fiscal, então em vigor, desde que as viaturas objeto de locação estivessem destinadas à atividade normal do sujeito passivo, como é a situação dos autos, as despesas com as mesmas correlacionadas (v.g. que aquelas são meramente de enumeração exemplificativa) encontram-se excluídas da tributação autónoma de 20%, e, portanto, dedutíveis na totalidade.

Termos em que, conclui-se ser ilegal a correção efetuada pela A.T., atento o disposto no art. 41º, nº 4 do CIRC, com redação conferida à data do facto tributário».

Que dizer?

Na redacção à época vigente dispunha o art.º 41.º do CIRC, no segmento pertinente:
«
1 - Não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício:
(…)
i) As importâncias devidas pelo aluguer sem condutor de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, na parte correspondente ao valor das reintegrações dessas viaturas que, nos termos das alíneas c) e f) do artigo 32º, não sejam aceites como custo;

j) As despesas com combustíveis na parte em que o sujeito passivo não faça prova de que as mesmas respeitam a bens pertencentes ao seu activo ou por ele utilizadas em regime de locação e de que não são ultrapassados os consumos normais.
(…)
4 – Excepto tratando-se de viaturas afectas à exploração de serviço público de transportes ou destinadas a ser alugadas no exercício da actividade normal do respectivo sujeito passivo e sem prejuízo do disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 32º e nas alíneas i) e j) do nº 1 do artigo, também não são dedutíveis, para efeitos de determinação do lucro tributável, 20% dos encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, designadamente reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, reparações e combustível.
(…)».

Julgamos ser de não acolher a interpretação normativa da sentença. Quando a norma daquele n.º 4 refere “viaturas… destinadas a ser alugadas no exercício da actividade normal do sujeito passivo”, tem em vista o serviço de aluguer de viaturas enquanto actividade normal ou principal da empresa, o que manifestamente não é o caso da impugnante, uma empresa cuja actividade social se centra na comercialização de produtos farmacêuticos. E, por conseguinte, como prevê a ultima parte do preceito, 20% dos encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros – no caso, adquiridas pela impugnante em regime de locação financeira e afectas ao serviço dos delegados de propaganda médica – designadamente reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, reparações e combustível, não são dedutíveis na formação do lucro tributável.
Mas isso assente, uma segunda ordem de problemas se suscita. Na verdade, os encargos corrigidos na percentagem de 20% referem-se, conforme expressamente relatado (cf. ponto 4 e) da matéria assente), a encargos com portagens, estacionamento e juros de locação financeira.

Pois bem, não se questionando embora a posição da AT segundo a qual o n.º 4 do art.º 41.º do CIRC “é um artigo de tipicidade aberta não taxativo” (cf. decisão de RG, a fls.52 dos autos), a verdade é que as despesas com portagens e estacionamento não têm a natureza de “encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros”, da mesma natureza daqueles inerentes ou relacionados directamente com as viaturas, caso das rendas ou alugueres, seguros, reparações e combustível.

Note-se, a propósito, que no regime do IRS (cf. art.º 2.º, n.º 3 alínea e), redacção à data vigente), o carácter compensatório – portanto, excluído da sujeição a tributação – das importâncias abonadas ao trabalhador pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, não abrangia no limite dos montantes aceites pela AT os gastos com portagens e estacionamento, os quais eram debitados pelo trabalhador à empresa (v.g., mediante apresentação dos correspondentes talões de portagem e de estacionamento) e, passados pelo crivo da indispensabilidade, por esta integralmente deduzidos, nos termos do art.º 23.º do CIRC, ou seja, não eram encarados como gastos directamente relacionados com a viatura usada na deslocação e só 20% destes encargos estão excluídos da dedução, nos termos do n.º4 do art.º 41.º do CIRC.

Assim, apenas é de validar a correcção de 20% sobre os encargos com juros suportados de locação financeira, não sendo, porém, de validar a correcção na parte em que recaiu sobre 20% dos encargos com portagens e estacionamento, os quais, como bem decidiu a sentença, são dedutíveis na sua totalidade.

Tudo visto, é de conceder provimento ao recurso na parte em que imputa à sentença erro de julgamento ao não validar as correcções da AT aos encargos contabilizados com viaturas ligeiras de passageiros relativos a juros de locação financeira. E de negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida quanto à restante matéria recursiva, ao que se provirá na parte dispositiva do acórdão.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
i. Conceder parcial provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida no segmento em que anulou a liquidação de IRC/97 impugnada na parte assente em correcções aos encargos contabilizados com viaturas ligeiras de passageiros relativos a juros de locação financeira, julgando-se a impugnação improcedente nessa parte;
ii. No mais, negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Condena-se a Recorrida em custas, na proporção do decaimento, que fixo em 2,5% (atendendo ao valor relativo da correcção validada face ao da globalidade das correcções contestadas).

A Recorrente Fazenda Pública está legalmente isenta de custas (processo anterior a 2004).

Lisboa, 14 de Outubro de 2021


Vital Lopes



Luísa Soares



Tânia Meireles da Cunha