Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:586/19.6BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:02/27/2020
Relator:PAULA DE FERREIRINHA LOUREIRO
Descritores:SINDICATO- TITULARIDADE E AMPLITUDE DO DIREITO À INFORMAÇÃO E ACESSO A DOCUMENTOS;
DESPROPORCIONALIDADE E EXERCÍCIO ABUSIVO DO DIREITO À INFORMAÇÃO;
DADOS PESSOAIS E INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA.
Sumário:I- A intimação prevista no n.º 1 do art.º 104.º do CPTA destina-se a efetivar jurisdicionalmente quer o direito à informação procedimental, quer o direito à informação não procedimental.
II- Os art.ºs 82.º, 83.º e 85.º do CPA concretizam a garantia constitucional cristalizada no art.º 268.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, estabelecendo o direito dos administrados à informação sobre o andamento de quaisquer procedimentos (incluindo atos preparatórios e decisões finais) que lhes digam diretamente respeito, nomeadamente, por serem destinatários de tal procedimento, bem como o direito à consulta do processo administrativo e à obtenção de certidões ou reprodução dos documentos que integram tal processo administrativo.
III- Por seu turno, o art.º 17.º do CPA estende o conteúdo do direito à informação às situações que vivificam o princípio da administração aberta, conferindo o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos a todas as pessoas, mesmo quando procedimento não lhes diga diretamente respeito, ou não esteja em curso.
IV- No que se refere à extensão do direito à informação estabelecida no art.º 85.º do CPA, impera esclarecer que não se exige um interesse “direto”, que permita ao interessado intervir no procedimento ou impugnar um ato administrativo, mas um mero interesse legítimo no acesso aos documentos, sendo que, como interesse legítimo, deve entender-se um interesse específico atendível, que deverá ser avaliado casuisticamente, dentro de critérios de razoabilidade, em função da relação existente entre o requerente e a matéria sobre a qual ele pretendeu obter informação.
V- Compete ao Recorrido, constituindo uma faculdade/direito dos seus associados, o acesso à informação indispensável para o efeito de verificar a existência de equidade interna no sistema remuneratório dos docentes que integram o grupo de efetivos do Ministério da Educação, organizando-se num corpo próprio, submetido aos mesmos direitos e deveres, como é apanágio de uma carreira especial de natureza pública.
VI- Do que vem de expor-se deriva, portanto, que o Recorrido e os seus associados são, em princípio, afetados pelas decisões tomadas pela Recorrente, de reposicionamento remuneratório, ainda que em cumprimento do prescrito na Portaria n.º 119/2018.
VII- Sendo assim, e quanto aos procedimentos administrativos eventualmente ainda em curso, é de assumir que o Recorrido e os seus associados, incluindo os que não foram objeto do procedimento de reposicionamento remuneratório determinado pela citada Portaria, são titulares do direito à informação procedimental, em virtude de possuírem um interesse legítimo, concordantemente com o exigido no art.º 85.º do CPA.
VIII- Sendo o Recorrido titular do direito à informação procedimental, em virtude de possuir um interesse legítimo, concordantemente com o exigido no art.º 85.º do CPA, é ao Recorrido e não ao Recorrente que cabe ajuizar da necessidade ou pertinência das informações e da obtenção de cópia dos procedimentos requeridos, não sendo lícito à Recorrente recusar a prestação das almejadas informações ou a emissão das cópias dos documentos solicitados.
IX- A alegação de desproporcionalidade e exercício abusivo do direito à informação deve alicerçar-se em factos concretos, também alegados pelo requerido, ou em factos notórios, de conhecimento oficioso.
X- O Recorrente confunde duas dimensões jurídicas muito diversas que são a do exercício do direito à informação e a da proteção dos dados pessoais, ambas com assento constitucional. É que, enquanto a primeira dimensão citada tem por destinatário e objeto o administrado e o cidadão no que se refere ao acesso à informação quanto à atividade desenvolvida pela Administração Pública, já a segunda dimensão mencionada refere-se ao tratamento de dados pessoais por banda da mesma Administração, mormente à recolha e utilização dos ditos.
XI- Do que vem de se explicitar decorre, que os dados pessoais- na aceção do regime jurídico constante da Regulamentação atinente à proteção de dados pessoais- devem receber o tratamento jurídico conferido aos documentos nominativos, em conformidade com o disposto no art.º 1.º, n.º 3 da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto.
XII- E, no âmbito do direito à informação procedimental, é de salientar que o próprio art.º 83.º, n.ºs 1 e 2 do CPA, estabelece um princípio de admissibilidade de acesso a documentos respeitantes a terceiros, sendo que a referência à proteção de dados pessoais ali inscrita deve ser interpretada no sentido de implicar uma situação de prejuízo para os direitos fundamentais de terceiros, e que dados pessoais são aqueles que, de modo geral, inserem-se na reserva da intimidade da vida privada.
XIII- Ademais, conformemente ao estipulado no art.º 6.º, n.º 5 da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, o acesso a documentos nominativos é admissível e autorizado nas situações em que i) o requerente esteja munido de autorização escrita do titular dos dados e que esta seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder, e nas situações em que ii) o requerente demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.
XIV- Os documentos a que o Recorrido pretende ter acesso e, especificamente, as informações em causa- indicação e identificação dos docentes que foram destinatários do aludido procedimento de reposicionamento remuneratório e a respetiva data de ingresso na carreira, número de dias de tempo de serviço contabilizado antes do ingresso na carreira, escalão e índice de reposicionamento e tempo de serviço remanescente a considerar nesse escalão- não configuram documentos nominativos, quer porque tais documentos não contêm qualquer apreciação ou juízo de valor, ou seja, não contêm quaisquer informações depreciativas ou negativas sobre as pessoas a que dizem respeito, quer porque não versam sobre a intimidade da vida privada dos cidadãos a que respeitam.
XV- “A intimidade da vida privada abrange “os aspectos relativos aos sentimentos e convicções da pessoa, aos seus comportamentos íntimos e sexuais, a características físicas e psicológicas, em geral a tudo o que ocorre dentro de casa e que a pessoa em causa pretende manter secreto ou reservado apenas a uma única pessoa ou a um número muito restrito de pessoas” (cfr Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 12/06/2019 no processo 175/19.5BEAVR).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO
A Diretora-Geral da Direção-Geral da Administração Escolar (Recorrente), vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 14/08/2019 que, julgando a vertente intimação procedente, intimou a agora Recorrente a, no prazo de dez dias, facultar a informação requerida, “após expurgada toda a informação relativa a dados pessoais”, de acordo com o pedido formulado pelo Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (SPGL) (Recorrido).

Neste processo, o Recorrido veio peticionar a intimação da Recorrente para acesso e reprodução de documentos, “por via eletrónica (correio eletrónico) da informação administrativa remetida pelos Agrupamentos de Escolas e Escolas não Agrupadas a essa DGAE, através da plataforma eletrónica SIGRHE, relativamente aos docentes que foram reposicionados na carreira ao abrigo da Portaria n.º 119/2018, de 4 de maio, e que contém, entre outros, os seguintes elementos: data de ingresso na carreira, número de dias de tempo de serviço para efeito de progressão contabilizados antes do ingresso na carreira, escalão e índice em que foram reposicionados e o tempo de serviço remanescente a considerar nesse escalão”.
Inconformada com a sentença proferida em 14/08/2019, que julgou procedente o peticionado pelo Recorrido, deferindo a intimação, vem a Recorrente apelar a este Tribunal Central Administrativo, imputando à sentença a quo erros de julgamento diversos, clamando, por isso, pela revogação da mesma e sua substituição por outra que indefira a requerida intimação.

As alegações do recurso que apresenta culminam com as seguintes conclusões:
Das Conclusões
a) Os documentos solicitados circunscrevem-se no âmbito do direito à informação de natureza procedimental, designadamente o reposicionamento ao abrigo da Portaria n.º 119/2018 de 4 de maio.”
b) As associadas do Recorrido não foram reposicionadas ao abrigo da Portaria nº119/2018, de 5 de Maio porquanto, a docente Ana ..... ingressou na carreira em 01.09.2006 e a docente Patrícia ..... ingressou na carreira em 01.09.1998.
c) “O direito à informação procedimental, consagrado nos Artigos 268.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e 82.º a 85.º do CPA, pressupõe a existência de um processo pendente e de um interesse direto [cfr. Artigo 82.º do CPA] ou legítimo [cfr. Artigo 85.º do CPA] da requerente.
d) Nesta conformidade, não integrando o referido procedimento, carecem as associadas do Recorrido de interesse direto na informação procedimental, art.º 82.º do CPA.
e) Por “interesse legítimo deve entender-se um interesse específico atendível, que deverá ser avaliado casuisticamente, dentro de critérios de razoabilidade, em função da relação existente entre o requerente e a matéria sobre a qual ele pretende obter informação”. (cfr. Aroso Almeida e Fernandes Cadilhe, no Comentário ao CPTA).
f) O recorrido fundamenta o seu pedido no facto de muitos dos seus representados manifestarem “a convicção de que do referido reposicionamento terá resultado a colocação de docentes com o mesmo ou menos tempo de serviço em posição remuneratória superior à de docentes com mais tempo de serviço”.
g) Esta fundamentação apresenta-se muito vaga, sem qualquer base factual, pois que não se sabe quem se queixou, nem de quem se queixou e muito menos como apreenderam essa convicção.
h) O acesso a tais elementos para efeitos de recurso a eventual processo judicial, de nada valeria à Recorrida, pois que o ato de progressão dos docentes, e bem assim de qualquer trabalhador em funções públicas não resulta do exercício de poder discricionário da Administração, mas, sim, de um poder vinculado com inteira subordinação à lei.
i) Mesmo que existissem erros na progressão dos docentes, cujos dados o recorrido peticiona, tais erros e/ou progressões indevidas não afetariam, de modo algum, a progressão das associadas do Recorrido, as quais podem sempre impugnar o ato administrativo que determinou, ou não, a sua progressão.
j) Por outro lado, caso o Recorrido queira atacar a Portaria n.º119/2018, de 4 de maio, sempre poderá lançar mão da ação de impugnação de normas, vide art.º 72.º e seguintes do CPTA, para o que não necessita da informação peticionada.
k) A fundamentação do recorrido carece ainda de razoabilidade porquanto a informação solicitada, por duas docentes não intervenientes no procedimento, respeita a mais de 800 estabelecimentos de ensino da rede pública e mais de 10.000 docentes.
l) Tudo ponderado falece assim o hipotético interesse legítimo do Recorrido na informação.
m) Dado pessoal, nos termos do nº 1, do artigo 4º, do RGPD, é qualquer informação, relativa a um qualquer cidadão, seja ela de que índole for – pessoal, familiar, profissional, desportiva, religiosa, política, etc.
n) Nestes termos, entendemos que a informação pretendida pelo Recorrido integra, para este efeito, o conceito de dados pessoais [cfr. art.º 4.º, alínea 1), do RGPD], porquanto traduzem-se em informações relativas a pessoas singulares identificadas ou identificáveis.
o) Perante aquele circunstancialismo legal, o determinado na douta sentença levanta uma questão insolúvel para a Entidade Requerida – Que dados fornecer?
p) É que os dados do reposicionamento, na perspetiva legal, são, praticamente todos, dados pessoais e a douta sentença parece apenas referir como dado pessoal o nome.
q) Revela-se a douta sentença incompleta, tornando impossível a sua execução, porquanto a Entidade Requerida ficou sem saber que dados fornecer, uma vez que isso não ficou determinado e há dados que podem identificar os seus titulares indiretamente.
r) O facto de o Recorrido ter alegado que pretende o acesso a tais informações, fundamentando-se no facto de muitos dos seus representados manifestarem a convicção de que do referido reposicionamento terá resultado a colocação de docentes com o mesmo ou menos tempo de serviço em posição remuneratória superior à de docentes com mais tempo de serviço, tal não é esclarecedor nem tão pouco coloca os seus alegados interesses num plano de supra ordenação relativamente à tutela constitucional dos dados pessoais cujo acesso pretende obter.
s) Trata-se de uma argumentação genérica, abstrata, da qual não resulta matéria de facto suscetível de preencher todos os segmentos normativos de verificação cumulativa constantes das disposições legais, vide art.º 6.º, al. e) da Lei 67/98 de 26/10 e art.º 6.º, n.º1, al .f) do RGPD
Nestes termos e nos mais de Direito, que muito doutamente serão supridos por VV. Exas., deverá ser proferida decisão que conclua pela procedência do presente recurso, como é de JUSTIÇA.”

O Recorrido apresentou as respetivas contra-alegações de recurso, pugnando, em suma, pelo acerto da decisão recorrida e consequente manutenção da mesma, expendendo conclusivamente o seguinte:
CONCLUSÕES:
1a Os argumentos que fundamentam o recurso apresentado pelo recorrente assentam na alegada "Ilegitimidade ativa do recorrido* e à dificuldade de execução da sentença recorrida por alegado desconhecimento dos dados a fornecer ao recorrido.
2a Como ficou demonstrado, tais argumentos carecem de fundamento legal apenas visaram protelar, mais uma vez, o acesso do recorrido aos elementos pedidos.
3a Na verdade, para além do requerimento inicial ser claro quanto à pretensão a satisfazer, o recorrente sabia perfeitamente que só os docentes na situação das associadas que o recorrido representa é que foram lesados e não os que foram posicionados pela Portaria n° 119/18 ou seja, está perfeitamente ciente e não desconhece que só esses docentes é que se encontram na situação que o recorrido pretende comprovar.
4a Nesta medida, era sua obrigação ter, desde logo, facultado os dados peticionados pelo recorrido de forma a agilizar e garantir aos lesados a defesa dos seus direitos, em vez de o obrigar a ter que recorrer à via judicial para o efeito.
5a Na verdade, embora tendo sido reposicionadas ao abrigo da Portaria n° 119 /18, às representadas pelo recorrido assiste o direito a aceder aos dados peticionados.
6a E isto, porque foi da aplicação de tal diploma legal que resultou a violação dos direitos das referidas docentes.
7a Sem o acesso a tal informação as representadas do Autor não têm como comprovar as ultrapassagens ilegais de que foram objeto e, nessa medida, recorrer às vias próprias para dirimir a questão.
8a O argumento da alegada “ilegitimidade ativa do recorrido” já havia sido esgrimida anteriormente pela recorrente a propósito da então invocada (no âmbito do seu Io recurso jurisdicional) “Necessidade de reforma da sentença” e não tem qualquer fundamento legal.
9a Com efeito, o objetivo visado com a Intimação Judicial encontra-se claramente manifestado no requerimento inicial e logo só podia identificar como suas representadas docentes que, por decorrência da aplicação da Portaria n° 119/2018, estavam a ser ultrapassadas nos seus direitos remuneratórios.
10a Embora não tendo sido reposicionadas ao abrigo da Portaria n° 119/18, às representadas pelo recorrido assiste o direito a aceder aos dados peticionados.
11a E isto, porque foi da aplicação de tal diploma legal que resultou a violação dos direitos das referidas docentes.
12a Sem o acesso a tal informação, as representadas do recorrido não têm como comprovar as ultrapassagens ilegais de que foram objeto e, nessa medida, recorreu às vias próprias para diminuir a questão.
13a Nos termos do C.P.A. é ao interessado (neste caso, é ao recorrido e não à Administração) que cabe ajuizar sobre a pertinência da informação pretendida.
14a De facto, embora não tendo sido reposícionadas ao abrigo da Portaria n° 119/18, as representadas pelo recorrido foram lesadas (como ficou comprovado pelo exemplo dado) com a sua aplicação e, para o comprovarem tinham que ter acesso aos elementos em questão.
15a As representadas pelo recorrido têm direito a aceder aos elementos solicitados uma vez que tal impossibilidade vai impedi-las de agir.
16a O argumento da falta de legitimidade” não tem, portanto, qualquer fundamento legal já que é elementar que o recorrido só desencadeou este procedimento porque, estando certo que da aplicação da Portaria n° 119/18 decorre a ultrapassagem remuneratória de docentes com o igual ou mais tempo de serviço por outros com menos tempo de serviço, não tinha acesso aos dados necessários para o comprovar se ao mesmo não recorresse.
17a Também não tem qualquer sustentação legal o segundo argumento esgrimido pelo recorrente (“Dados pessoais e proteção de dados pessoais*), assenta na alegada dificuldade/impossibilidade de execução da sentença recorrida por alegadamente não saber que dados fornecer ao recorrido.
18a Em primeiro lugar, porque é à Direção-geral da Administração Escolar que são remetidos pelos estabelecimentos de ensino todos os elementos relativos aos docentes que foram reposicionados, ao abrigo da Portaria n° 119/2018 e, em segundo lugar, porque o requerimento apresentado pelo recorrido é totalmente claro quanto aos dados de que necessita para o efeito pretendido.
19a Para além disso, a douta sentença recorrida também identifica de forma clara e inequívoca, quais os dados a fornecer pela recorrente referindo que são todos os peticionados pelo recorrido com exceção dos nomes dos docentes em questão que, para o exposto, não têm relevância.
20a Contrariamente ao que é alegado pela recorrente, também não tem qualquer sustentação o argumento da recorrente no sentido de que o fornecimento da informação pretendida pelo recorrido colide com é o quadro legal que regula a proteção de dados.
21a Ora, os dados solicitados não são dados confidenciais ou secretos não podendo ser considerados dados pessoais no que respeita à proteção de dados (artigo 6o do R.G.P.D.).
22a Tal como é referido na douta sentença recorrida já foi proferido Acórdão pelo T.C.A.N. o qual, em situação idêntica à dos autos, veio reconhecer à recorrente direito idêntico ao peticionado nos presentes autos (cfr. Acórdão proferido em 12-6-2019 no Proc.l75/19.5BEAVR que confirmou a sentença proferida pelo TAF DE Aveiro).
Termos em que deverá ser proferido Acórdão que conclua pela procedência da pretensão apresentada pelo recorrido, no âmbito da presente Intimação Judicial pois só assim será cumprida a lei e feita justiça.”

A Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer, pugnando pela negação de provimento ao vertente recurso jurisdicional. Esteia a sua posição, em suma, na existência demonstrada de interesse do Recorrido em aceder à informação e documentação solicitadas.

*

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
*
Questões a apreciar e decidir:
As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, consubstanciam-se, em suma, em apreciar se a sentença a quo padece de erro de julgamento no tocante:
i) à apreciação realizada no tocante ao interesse e titularidade do direito à informação do Recorrido;
ii) à apreciação realizada quanto à proporcionalidade do pretendido pelo Recorrido; iii) à apreciação da questão respeitante à confidencialidade dos documentos e informações e qualificação das informações como dados pessoais.



II- FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa assentou factualidade como provada, e que se reproduz nos termos seguintes:
III- Fundamentação de Facto

III.I- Factos Provados

A. A 28 de Fevereiro de 2019, o Requerente solicitou à Entidade Requerida, ao abrigo dos artigos 12.° e seguintes da Lei n.° 26/2016, de 22 de agosto, a reprodução via electrónica da informação administrativa remetida pelos Agrupamentos de Escolas não agrupadas, através da plataforma electrónica SGRHE, relativamente aos docentes que foram reposicionados na carreira ao abrigo da Portaria n.° 119/2018, de 4 de Maio, e que contém, entre outros, os seguintes elementos:
a. Data de ingresso na carreira;
b. Número de dias de tempo de serviço para efeito de progressão contabilizados antes do ingresso na carreira;
c. Escalão e índice em que foram reposicionados;
d. O tempo de serviço remanescente a considerar nesse escalão;
- cfr. documento junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
B. O pedido dirigido à Entidade Requerida e identificado em A], foi recepcionado por esta a 28 de Fevereiro de 2019 - cfr. recibo emitido pela Secretária-Geral da Educação e Ciência, junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
C. A petição inicial deu entrada neste Tribunal no dia 29 de Março de 2019 - cfr. páginas 1 do SITAF.
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III.II- Factos Não Provados

1. A plataforma electrónica SGRHE, não permite a exportação da informação solicitada pelo Requerente.

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Motivação da decisão sobre a matéria de facto
Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.
Na determinação do elenco dos factos provados, foi considerado e analisado pelo tribunal o conjunto de documentos que se encontram juntos aos autos, os quais não foram objecto de impugnação ou reparo por qualquer das partes, razão pela qual foram dignos de crédito para efeitos probatórios.
Para melhor elucidação ficou identificado, a propósito de cada facto, o documento que em concreto alicerçou a conclusão do tribunal.
Quanto aos factos não provados, o Tribunal, tendo em consideração as regras do ónus da prova [cfr. Artigo 342° do Código Civil], considerou não provada a factualidade subjacentes ao Item 1, dado que a Entidade Requerida não logrou fazer prova dos factos que alegou.
Assim, competindo-lhe fazer prova, e o não tendo feito, o Tribunal considerou não provada a factualidade subjacente ao Item 1 dos factos não provados.”



III- APRECIAÇÃO DO RECURSO
O Recorrido requereu no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a intimação da agora Recorrente no sentido de fornecer cópia de documentos, reproduzidas por via eletrónica, nos termos peticionados no requerimento apresentado à Recorrente em 28/02/2019.
O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por sentença prolatada em 14/08/2019, deferiu a intimação.
Discorda a Recorrente do julgado na Instância a quo, imputando à sentença recorrida um conjunto de erros de julgamento.
Passemos, então, ao exame do mérito da impetração.
*
i) Da existência de interesse e titularidade do direito à informação por parte do Recorrido
A Recorrente sustenta nas conclusões a) a j) e l), em suma e em primeiro lugar, que a sentença sob escrutínio incorre na violação do disposto nos art.ºs 82.º, 83.º e 85.º do CPA, visto que, estando em causa o exercício do direito de acesso à informação procedimental, o Recorrido, bem como os associados representados nos presentes autos, carecem de interesse específico e atendível, pois que, não são visados no procedimento de reposição.
Vejamos, pois, qual é o pedido intimatório formulado pelo Recorrido e qual o respetivo enquadramento fáctico.
Examinando a petição inicial da vertente intimação, verifica-se que o Recorrido pretende o acesso e reprodução de documentos, “por via eletrónica (correio eletrónico) da informação administrativa remetida pelos Agrupamentos de Escolas e Escolas não Agrupadas a essa DGAE, através da plataforma eletrónica SIGRHE, relativamente aos docentes que foram reposicionados na carreira ao abrigo da Portaria n.º 119/2018, de 4 de maio, e que contém, entre outros, os seguintes elementos: data de ingresso na carreira, número de dias de tempo de serviço para efeito de progressão contabilizados antes do ingresso na carreira, escalão e índice em que foram reposicionados e o tempo de serviço remanescente a considerar nesse escalão”.
Ou seja, o Recorrido, em representação de dois associados, pretende que a Recorrente lhe forneça, por via eletrónica cópia dos documentos atinentes ao reposicionamento dos docentes por força da Portaria n.º 119/2018, com os elementos respeitantes a “data de ingresso na carreira, número de dias de tempo de serviço para efeito de progressão contabilizados antes do ingresso na carreira, escalão e índice em que foram reposicionados e o tempo de serviço remanescente a considerar nesse escalão”.
O Recorrido justifica a pretensão em causa com a alegação do “facto de muitos representados do requerente manifestarem a convicção de que, do referido reposicionamento terá resultado a colocação de docentes com o mesmo ou até menos tempo de serviço em posição remuneratória superior à de docentes com mais tempo de serviço” (cfr. alegado no requerimento apresentado em 28/02/2019). E concretiza ainda tal interesse na resposta que ofereceu em 12/08/2019, em que, e entre o mais, explicita que “o direito à informação peticionado pelo requerente que, como se referi, se destinam a obter elementos necessários para comprovar a violação do princípio da igualdade remuneratória decorrente da aplicação da dita Portaria às docentes representadas pelo mesmo. E isto, porque mesmo não lhes sendo a Portaria eme questão diretamente aplicável, o facto é que (…) as referidas docentes podem ter sido indiretamente afetadas pelo seu conteúdo e isso, precisa de ser comprovado através da informação a cujo acesso pretendem aceder (…). Em suma, embora não tenham sido reposicionadas ao abrigo do referido diploma legal, as representadas pelo requerente foram lesadas com a sua aplicação e para o comprovarem tinham que ter acesso aos elementos em questão.”
Devidamente contextualizada a pretensão formulada pelo Recorrido, cumpre notar, em primeiro lugar, que a sentença a quo qualificou a pretensão do Recorrido como devendo enquadrar-se no exercício do direito à informação procedimental. E o que é certo é que nenhuma das partes no presente processo coloca em causa tal qualificação na vertente impetração, sendo aliás de salientar que essa é a tese da Recorrente. Pelo que, não releva escalpelizar, nos presentes autos, o acerto de tal qualificação.


Assim sendo, e tomando em consideração a constelação fáctico-argumentativa do Recorrido, assoma como inevitável a conclusão de que o mesmo Recorrido possui um interesse atendível e justificado no acesso às informações e documentos pretendidos, revelando-se até despiciente a questão de saber se a informação em questão é procedimental ou não.
É que, como é consabido, a intimação prevista no n.º 1 do art.º 104.º do CPTA destina-se a efetivar jurisdicionalmente quer o direito à informação procedimental, quer o direito à informação não procedimental (claramente neste sentido, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, ob. cit., p. 855 e JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, Lições, 17.ª edição, outubro de 2019, Almedina, p. 251).
Com efeito, os art.ºs 82.º, 83.º e 85.º do CPA concretizam a garantia constitucional cristalizada no art.º 268.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, estabelecendo o direito dos administrados à informação sobre o andamento de quaisquer procedimentos (incluindo atos preparatórios e decisões finais) que lhes digam diretamente respeito, nomeadamente, por serem destinatários de tal procedimento, bem como o direito à consulta do processo administrativo e à obtenção de certidões ou reprodução dos documentos que integram tal processo administrativo.
Por seu turno, o art.º 17.º do CPA estende o conteúdo do direito à informação às situações que vivificam o princípio da administração aberta, conferindo o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos a todas as pessoas, mesmo quando procedimento não lhes diga diretamente respeito, ou não esteja em curso (cfr. art.º 17.º do CPA).
Adicionalmente, ressalte-se que o art.º 5.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, estipula no seu n.º 1 que “todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo”, sendo que “o direito de acesso realiza-se independentemente da integração dos documentos administrativos em arquivo corrente, intermédio ou definitivo” (n.º 2).
Do que vem de expor-se deriva, para efeitos de indagação da legitimidade processual para a presente intimação, que “a legitimidade para deduzir o pedido de intimação, quando se refira ao direito de informação procedimental, é, em regra, aferida pela legitimidade para iniciar o procedimento administrativo ou para nele intervir”. E dispõem de legitimidade procedimental, para além dos particulares que tomaram a iniciativa de solicitar a abertura do procedimento, “todos aqueles que poderão ser afetados pelas decisões que venham a ser nele adotadas” (assim defendem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, ob. cit., p. 868).
No que se refere à extensão do direito à informação estabelecida no art.º 85.º do CPA, impera esclarecer que não se exige um interesse “direto”, que permita ao interessado intervir no procedimento ou impugnar um ato administrativo, mas um mero interesse legítimo no acesso aos documentos. “Como interesse legítimo, deve entender-se um interesse específico atendível, que deverá ser avaliado casuisticamente (…), dentro de critérios de razoabilidade, em função da relação existente entre o requerente e a matéria sobre a qual ele pretendeu obter informação” (MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, ob. cit., p. 869, sendo que também milita neste mesmo sentido JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., p. 252).
Já no que tange à legitimidade ativa no âmbito do exercício do direito à informação não procedimental, é de afirmar que o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos é aberto a qualquer pessoa e não depende da invocação pelo requerente de qualquer interesse ligado aos registos ou documentos de que pretende obter informação, conformemente com o que decorre do estipulado no art.º 5.º, n.º 1 da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto (MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, ob. cit., p. 870).
Regressando ao caso posto, assoma como evidente- atento o objeto social do Recorrido e à circunstância de litigar nos presentes autos em representação de dois associados docentes, bem como ao facto de nem todos os decentes terem sido objeto de procedimentos de reposicionamento escalonar e indiciário independentemente da igualdade ou desigualdade do respetivo tempo de serviço relevante- que o Recorrido, na medida em que representa associados docentes, possui franco interesse em saber se, em resultado dos aludidos reposicionamentos escalonares e indiciários de docentes, subsiste alguma situação em que um docente com menor tempo de serviço tenha sido reposicionado em escalão e índice remuneratórios iguais ou superiores a outro docente com mais tempo de serviço.
Realmente, compete ao Recorrido, constituindo uma faculdade/direito dos seus associados, o acesso à informação indispensável para o efeito de verificar a existência de equidade interna no sistema remuneratório dos docentes que integram o grupo de efetivos do Ministério da Educação, organizando-se num corpo próprio, submetido aos mesmos direitos e deveres, como é apanágio de uma carreira especial de natureza pública.
Do que vem de expor-se deriva, portanto, que o Recorrido e os seus associados são, em princípio, afetados pelas decisões tomadas pela Recorrente, de reposicionamento remuneratório, ainda que em cumprimento do prescrito na Portaria n.º 119/2018.
Sendo assim, e quanto aos procedimentos administrativos eventualmente ainda em curso, é de assumir que o Recorrido e os seus associados, incluindo os que não foram objeto do procedimento de reposicionamento remuneratório determinado pela citada Portaria, são titulares do direito à informação procedimental, em virtude de possuírem um interesse legítimo, concordantemente com o exigido no art.º 85.º do CPA (sobre esta questão, pronunciou-se este Tribunal Central Administrativo e sentido idêntico no processo n.º 1319/17.7BELSB, no Acórdão proferido em 16/01/2018).
Ora, neste caso, é ao Recorrido e não à Recorrente que cabe ajuizar da necessidade ou pertinência das informações e da obtenção de cópia dos procedimentos requeridos, não sendo lícito à Recorrente recusar a prestação das almejadas informações ou a emissão das cópias dos documentos solicitados (também assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, ob. cit., p. 869).
No caso dos procedimentos administrativos a que respeitam as informações e os documentos solicitados estarem já concluídos, então situamo-nos já no seio do exercício do direito à informação não procedimental, regulada diretamente pelo art.º 17.º do CPA e 5.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto. Neste caso, dispensa-se até a invocação ou demonstração, por banda do Recorrido, da subsistência de qualquer interesse relevante no acesso às informações ou documentos em causa (podendo, no limite, os pedidos de informação assomarem como “caprichosos”, como explica JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., p. 252, em nota de rodapé).
Destarte, não subsiste qualquer dúvida da relevância e legitimidade da motivação objetiva do Recorrido para aceder às informações e documentos solicitados, impondo-se concluir que o Recorrido possui um indesmentível direito à informação quanto a todos os pedidos que integram a sua pretensão intimatória.
Pelo que, irremediável se torna afirmar que a sentença a quo não padece do erro de julgamento que lhe imputa a Recorrente nas conclusões a) a j) e l) do respetivo recurso jurisdicional, fracassando este nesta parte.

ii) Da proporcionalidade da pretensão intimatória formulada pelo Recorrido
Na conclusão k) da impetração agora em julgamento, vem a Recorrente sustentar que a sentença a quo padece de erro de julgamento, “porquanto a informação solicitada, por duas docentes não intervenientes no procedimento, respeita a mais de 800 estabelecimentos de ensino da rede pública e mais de 10.000 docentes.”
Muito embora esta alegação não seja desenvolvida ou concretizada, a verdade é que se entende que a Recorrente, ainda que de modo muito imperfeito, invoca a desproporcionalidade e desrazoabilidade da pretensão intimatória do Recorrido. Seja como for, é nosso entendimento que a imputação sob apreciação deve fracassar. E por diversas razões.
A primeira, porque a Recorrente manteve, nas suas alegações de recurso, o caráter conclusivo e genérico da alegação atinente à desproporcionalidade nada acrescentado, nem concretizando por qualquer via a invocada desproporcionalidade.
E, seja como for, “a desrazoabilidade ou desproporcionalidade do pedido apresentado constitui um juízo de direito formulado com base num facto notório, que é apreensível pelos exatos termos da amplitude e da extensão do pedido que foi deduzido pela Requerente”, consonantemente com o julgado por este Tribunal de Apelação no processo n.º 1319/17.7BELSB, em Aresto prolatado em 16/01/2018.
A segunda, porque está em causa a informação e o acesso a documentos referentes a procedimentos de posicionamento remuneratório a uma parte dos docentes que integram o contingente docente do Ministério da Educação e não à totalidade dos docentes, não se descortinando que ocorra qualquer dificuldade por parte da Recorrente em indicar e identificar quais os docentes que foram destinatários do aludido procedimento de reposicionamento remuneratório e a respetiva data de ingresso na carreira, número de dias de tempo de serviço contabilizado antes do ingresso na carreira, escalão e índice de reposicionamento e tempo de serviço remanescente a considerar nesse escalão.
A terceira razão, porque não é lícito à Recorrente, pelo menos no caso posto, escudar-se no facto de estar em discussão um procedimentos que atinge mais de 800 estabelecimentos e 10.000 docentes, como pretexto justificativo da invocada desproporcionalidade ou desrazoabilidade.
A quarta, porque- para o que interessa no caso posto e seguindo a Jurisprudência firmada no Aresto prolatado no processo 1319/17.7BELSB e já citado antecedentemente-, apenas se restringe ou veda o exercício do direito à informação quando, atenta a extensão e amplitude da informação requerida, mormente o período temporal abrangido e o número muito expressivo ou significativo de documentos, “não é de admitir a sobreposição do alegado direito de acesso pela Requerente, em face aos princípios pelos quais se rege a atuação normal da Administração”, especificamente, os princípios da proporcionalidade e da boa-fé, inscritos nos art.ºs 2.º, n.º 1 e 15.º, n.º 3 da Lei n.º 26/2016, bem como a proibição do abuso de direito, derivada do disposto no art.º 334.º do Código Civil.
No caso versado, como se viu, não é manifesto que a pretensão intimatória do Recorrido imponha um esforço desmesurado ou hercúleo para a Recorrente, quer quanto ao fornecimento das informações solicitadas, quer quanto ao fornecimento de cópias dos documentos, especialmente em atenção ao facto da Recorrente dispor de uma plataforma eletrónica, agregadora de toda a informação em discussão, e facilitadora do acesso à mesma.
Quer tanto significar, em suma, que não se verifica desproporcionalidade do direito à informação por banda do Recorrido.
Sendo assim, ante o expendido, cumpre concluir que o alegado pela Recorrente na conclusão k) está votado à improcedência, fracassando também o presente recurso nesta parte.

iii) Da confidencialidade dos documentos e informações e qualificação das informações como dados pessoais
Nas conclusões m) a s) do vertente recurso jurisdicional, vem a Recorrente clamar que a pretensão da Recorrida implica o acesso a dados pessoais na aceção do art.º 4.º, n.º 1 do Regulamento Geral da Proteção de Dados, “porquanto traduzem-se em informações relativas a pessoas singulares identificadas ou identificáveis”.
A sentença recorrida enfrentou esta questão do seguinte modo, que se transcreve:
“(…)
Por fim, a Entidade Demandada invoca o facto de os documentos em questão conterem dados pessoais dos docentes, para negar o acesso ao Requerente.
Ora, não se pode olvidar que, o direito de acesso aos registos e arquivos administrativos e, bem assim, à informação administrativa é a regra e não a excepção [cfr. Artigo 268.° n.° 2 da CRP]. "Na verdade, com as ressalvas legais em matérias de segurança interna e externa, a investigação criminal e intimidade das pessoas, a Constituição torna claro que a liberdade de acesso é a regra, sendo os registos e arquivos um património aberto à colectividade" [Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 117/2015, de 12/02/2015].
É, na verdade, um corolário do princípio da administração aberta, o qual pretende combater o princípio da arcana praxis ou princípio do segredo, característico do Estado de Polícia, e visa democratizar a vida pública, substituindo ou superando a administração autoritária por uma administração participada [Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4a Edição, Volume I, páginas 666].
No entanto o princípio da administração aberta - open file - deve ser objecto de ponderação com outros valores, também, constitucionalmente protegidos, cabendo ao órgão competente para autorizar o acesso, apurar da necessidade, ou não, de o vedar ou lhe impor restrições. Tal valoração deverá ser feita de acordo com critérios de razoabilidade e de proporcionalidade, decorrente do facto de existirem informações nos documentos administrativos que sejam, ou devam ser, objecto de protecção. É precisamente esse o escopo do regime constante do Artigo 83.° n.° 1 in fine e n.° 2 do CPA, o qual constitui, na verdade, uma concretização da própria Constituição da República Portuguesa, a qual pese embora consagre o princípio do arquivo aberto, ressalva expressamente as situações em que o acesso a documentos administrativos contenda com matérias relativas à intimidade das pessoas [cfr. Artigo 268.an.a 2 da CRP].
Quanto a esta questão da restrição de acesso, decidiu-se no Acórdão do STA de 30/09/2009, p. 0493/09, que "O poder da Administração recusar o acesso à sua documentaçãoé, assim, um poder vinculado aos princípios e objectivos fixados por lei, a ser exercido segundo os princípios da transparência e da proporcionalidade, que só deve ser invocado quando o mesmo for indispensável para evitar prejuízos que não poderiam ser evitados doutra forma. (...)
Por outro lado, e correspondentemente, o terceiro que queira aceder a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna da Administração e que não tenha a necessária autorização escrita para o efeito, só pode ver o respectivo direito reconhecido se demonstrar ter interesse directo, pessoal e legítimo nessa consulta e que este é suficientemente relevante de acordo com o princípio da proporcionalidade, nas três vertentes em que este se pode desdobrar: a da necessidade, a da exigibilidade das medidas e a da proporcionalidade em sentido estrito, ou da "justa medida".
E no Acórdão do STA de 07/12/2011, p. 0671/11 que, "Importa, no entanto, realçar que as referidas restrições só têm respaldo legal quando se não façam contra o disposto nos princípios da adequação e da proporcionalidade e que só serão legítimas quando a satisfação da pretensão formulada se traduzir na violação dos apontados direitos. Ou seja, também aqui, tanto o Requerente da informação como o órgão a quem ela é solicitada devem pautar o seu comportamento pelo interesse público sabendo-se que a satisfação deste passa também pelo respeito dos direitos e interesses legítimos que podem ser reflexamente atingidos pelo exercício do direito à informação. Daí, por ex, a severa restrição que sobre o acesso aos documentos nominativos (vd. art°s 6.°/5 e 8° da LADA e 4° do CPAj e daí também a necessidade de uma correcta justificação da sua recusa."
Ora, pese embora a regra geral seja a do acesso e a sua recusa a excepção, a verdade é que a adopção de uma visão maximalista do princípio do arquivo aberto, não poderá acabar por comportar uma amplitude tal, a ponto de permitir o acesso por terceiros a documentos nominativos, sem que seja expurgada informação relativa a dados pessoais, quando essa informação é irrelevante para a pretensão do requerente dos documentos.
Estabelece o Artigo 3.° da Lei n.° 67/98, de 26 de Outubro [Lei de Protecção de Dados Pessoais], na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.° 103/2015, de 24 de Agosto que, "Para efeitos da presente lei, entende-se por:
a) 'Dados pessoais': qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável ('titular dos dados'); é considerada identificável a pessoa que possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social;
b) 'Tratamento de dados pessoais' ('tratamento'): qualquer operação ou conjunto de operações sobre dados pessoais, efectuadas com ou sem meios automatizados, tais como a recolha, o registo, a organização, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a comunicação por transmissão, por difusão ou por qualquer outra forma de colocacão à disposição. com comparação ou interconexão, bem como o bloqueio, apagamento ou destruição; " (negrito nosso)
Ora, pretendendo o Requerente ter acesso a documentos, através de consulta, dos quais constam a identificação - maxime ao respectivo nome - de docentes que foram reposicionados ao abrigo da Portaria n.° 119/2018, de 4 de Maio [veja-se que pretende ter acesso a documentos onde conste, entre outros, data de ingresso na carreira, número de dias de tempo de serviço para efeito de progressão contabilizados antes do ingresso na carreira, escalão e índice em que foram reposicionados e o tempo de serviço remanescente a considerar neste escalão], está em causa o tratamento [acesso] de dados pessoais [maxime do nome] por terceiro [concretamente pelo Requerente], pois o Requerente não é a titular desses dados, sem prejuízo de ser titular de um interesse directo e pessoal no que diz respeito à consulta de informação respeitante às condições de reposicionamento de tais docentes.
A este propósito estatui o Artigo 6o, da Lei 67/98, de 26/10, sob a epígrafe "Condições de legitimidade do tratamento de dados", o seguinte:
"O tratamento de dados pessoais só pode ser efectuado se o seu titular tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento ou se o tratamento for necessário para:
(...)
e) Prossecução de interesses legítimos do responsável pelo tratamento ou de terceiro a quem os dados seiam comunicados, desde que não devam prevalecer os interesses ou os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados."
Deste normativo legal decorre que o Requerente poderá ter acesso à identificação dos restantes docentes se:
i) tais docentes tiverem dado, de forma inequívoca, o seu consentimento, ou,
ii) tal acesso for necessário para a prossecução de interesses legítimos do Requerente, desde que não devam prevalecer os interesses ou os direitos, liberdades e garantias de tais docentes.
Ora, ficou demonstrado, e a Entidade Requerida não coloca em causa que, o Requerente pretende aceder aos documentos que solicitou, por ter fortes suspeitas de que docentes em circunstâncias distintas das suas [v.g. com menos anos de serviço] foram reposicionados à luz da Portaria 119/2018, de 5 de Maio. Enquanto as suas associadas não o foram, de todo.
Assim sendo, e em face do alegado e dos documentos solicitados, entende este Tribunal que ao Requerente, em representação das suas duas associadas, interessa apurar se existem docentes com tempo de serviço inferior ao das suas associadas, a serem reposicionados ao abrigo da referida Portaria.
Em face do interesse invocado pelo Requerente, que o Tribunal entende ser legítimo, demonstrando, desde logo, ser um interesse directo em aceder à informação relativa à data de ingresso na carreira, número de dias de tempo de serviço para efeito de progressão contabilizados antes do ingresso na carreira, escalão e índice em que foram reposicionados e o tempo de serviço remanescente a considerar neste escalão, tal interesse já não é extensível à identificação dos docentes. Pois que, tal informação, não é relevante face ao interesse que invoca no acesso aos documentos. Como bem denota a Entidade Demandada, o reposicionamento ao abrigo da Portaria n.° 119/2018, de 4 de Maio, não é um procedimento de cariz concursal e com vagas limitadas, donde resultaria a preterição de uns docentes por outros, em função, por exemplo, do número de anos de serviço para efeitos de progressão na carreira. Trata- se de um regime a aplicar a todos os docentes que reúnam as condições previstas na Portaria n.° 119/2018, de 4 de Maio, sem qualquer limitações, a não ser as que resultem dos próprios pressupostos de que depende o reposicionamento. Porém, a partir do momento em que tais pressupostos se verifiquem, todos os docentes nessas circunstâncias, são reposicionados.
O nome dos docentes em questão [a sua identificação] não é, neste caso, um elemento essencial. Ao contrário do que sucede, por exemplo, em procedimentos concursais [contratação pública ou recrutamento de pessoal].
Assim, não havendo um interesse legítimo, pessoal e directo do Requerente em aceder a informação relativa a dados pessoais dos docentes reposicionados ao abrigo da Portaria n.° 119/2018, de 4 de Maio, tal informação deverá ser expurgada dos documentos a facultar à Requerente pela Entidade Requerida, nos termos do Artigo 83.° n.° 2 do CPA.
O Requerente tem direito a reagir em sede própria se constatar que, não foi reposicionada no escalão que considera ser o que tem direito à luz dos pressupostos legais aplicáveis, quando, outros docentes, ou em igualdades de circunstâncias, ou com menos anos de carreira, foram reposicionados em escalões superiores. Porém, o exercício efectivo de tal direito não depende da identificação nominal dos docentes em questão.
A falta de tal informação, entende este Tribunal, não torna impossível que o Requerente detecte eventuais práticas discriminatórias ou desiguais, quanto ao procedimento de reposicionamento, razão pela qual a Entidade Requerida deverá conceder o acesso aos documentos solicitados, após expurgada a informação relativa a dados pessoais dos docentes em questão, dado que não se encontram reunidos os pressupostos para que o Requerente aceda aos mesmos. (…)”
Examinado a sentença a quo, no segmento transcrito, desde já se avança que não vislumbramos qualquer razão de facto ou de direito para a censurar, antes sendo de ressaltar o acerto com que a questão em apreço foi enfrentada.
Com efeito, a Recorrente confunde duas dimensões jurídicas muito diversas que são a do exercício do direito à informação e a da proteção dos dados pessoais, ambas com assento constitucional. É que, enquanto a primeira dimensão citada tem por destinatário e objeto o administrado e o cidadão no que se refere ao acesso à informação quanto à atividade desenvolvida pela Administração Pública, já a segunda dimensão mencionada refere-se ao tratamento de dados pessoais por banda da mesma Administração, mormente à recolha e utilização dos ditos. Do que vem de se explicitar decorre, que os dados pessoais- na aceção do regime jurídico constante da Regulamentação atinente à proteção de dados pessoais- devem receber o tratamento jurídico conferido aos documentos nominativos, em conformidade com o disposto no art.º 1.º, n.º 3 da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto.
E, no âmbito do direito à informação procedimental, é de salientar que o próprio art.º 83.º, n.ºs 1 e 2 do CPA, estabelece um princípio de admissibilidade de acesso a documentos respeitantes a terceiros, sendo que a referência à proteção de dados pessoais ali inscrita deve ser interpretada no sentido de implicar uma situação de prejuízo para os direitos fundamentais do terceiros, e que dados pessoais são aqueles que, de modo geral, inserem-se na reserva da intimidade da vida privada (também neste sentido, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, ob. cit., p. 863).
Ademais, conformemente ao estipulado no art.º 6.º, n.º 5 da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, o acesso a documentos nominativos é admissível e autorizado nas situações em que i) o requerente esteja munido de autorização escrita do titular dos dados e que esta seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder, e nas situações em que ii) o requerente demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.
No caso posto, e como já se antecipou supra, o Recorrido, em representação dos seus associados, demonstrou cabalmente possuir um interesse relevante, direto e legítimo em termos constitucionais, de acesso à informação e cópia dos documentos que integram a presente pretensão intimatória. Com efeito, relembre-se que a informação em causa permitirá avaliar a equidade interna do posicionamento remuneratório dos docentes que foram objeto do procedimento previsto na Portaria n.º 1119/2018 por confronto com outros docentes que, muito embora não tenham sido destinatários do mesmo procedimento de reposicionamento, estão prejudicados por se encontrarem em posição remuneratória igual ou inferior a docentes com menos tempo de serviço. De igual modo, o sobredito escrutínio permitirá ao Recorrido e seus associados indagarem da observância dos princípios da igualdade e imparcialidade no acesso e progressão na carreira pública de docência, princípios estes também com residência constitucional.
Quer isto significar, portanto, que o interesse do Recorrido no acesso aos documentos pretendidos está sobejamente demonstrado, em concordância com o que prescreve o art.º 6.º, n.º 5 da Lei n.º 26/2016.
E mesmo que se entenda que os ditos constituem documentos nominativos- qualificação que não se mostra correta, como veremos adiante-, a verdade é que o interesse demonstrado pelo Recorrido permite o acionamento da previsão normativa inscrita no art.º 6.º, n.º 5 da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto.
De toda a maneira, a questão agora em equação foi já enfrentada noutra instância judicial, concretamente, pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no Acórdão prolatado em 12/06/2019 no processo 175/19.5BEAVR. Realmente, esta Instância exarou no citado Aresto o seguinte discurso fundamentador:
“(…)
O Ministério da Educação (ME) discorda desta decisão que o intima a fornecer à Requerente informação escrita contendo os nomes dos docentes seus colegas reposicionados na carreira, na sequência da publicação da Portaria nº 119/2018, de 4 de maio, e que tenham ingressado na mesma após a data de 01/01/2011.
Vejamos:
Do erro de julgamento de direito
No tocante ao direito aplicável, está em causa, no essencial, saber se procede ou não a argumentação do ME no sentido de a sua recusa estar justificada pela protecção de dados pessoais resultante do disposto, designadamente, na Lei 26/2016, de 22 de agosto (Lei que regula o acesso aos documentos administrativos e à informação administrativa - LADA).
A este respeito, considerou a sentença recorrida: Para aceder às informações solicitadas, a Requerente invoca um interesse direto e pessoal, que tem a ver com a proteção de outro direito fundamental que lhe assiste, o direito à tutela jurisdicional efetiva, que passa por poder impugnar os atos administrativos que se repercutam negativamente na sua esfera jurídica, e que lhe é garantido pelo Constituição (artigo 268º, nº 4 da CRP).
Não cremos que releve, nesta sede, a argumentação aduzida pela Entidade Requerida no sentido de que o ato de progressão dos docentes não se traduz num poder discricionário da Administração, mas, sim, num poder vinculado com absoluta subordinação à lei e ainda de que Requerente pode impugnar o ato da sua progressão na carreira mas não poderá controlar a progressão na carreira dos demais colegas, uma vez que só os interessados podem impugnar os atos que lhes digam respeito e ainda que por mera hipótese académica, alguns colegas tivessem obtido uma progressão ilegal, tal nunca aproveitaria à Requerente, pois, na ilegalidade não há igualdade.
No Acórdão do Supremo Tribunal, de 24.01.2012, no processo n.º 0668/11, pode ler-se, além do mais que: “As restrições ao direito de acesso aos documentos está regulado no artº 6º da LADA, onde, designadamente, se refere que “um terceiro só tem direito de acesso a documentos nominativos se estiver munido de autorização escrita da pessoa a quem os dados digam respeito ou demonstrar interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade” (nº 5).
Resulta daqui que o direito de acesso aos documentos nominativos só se efectivará se houver autorização da pessoa a quem digam respeito ou então quem queira exercer tal direito demonstrar interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade.
Mas se os documentos não revestirem a natureza nominativa, então podem livremente ser acedidos.
Temos, por conseguinte, que saber qual o conceito de documento nominativo.
De tal assunto se encarrega o artº 3º nº 1 al. b) da LADA ao definir como documento nominativo “o documento administrativo que contenha, acerca de pessoa singular, identificada ou identificável, apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada”. Por sua vez a al. a) deste mesmo nº 1 diz-nos que «documento administrativo» é qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, electrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu nome».
Segundo os recorrentes, o pedido de acesso a documentos concretos de pagamentos das despesas de representação e de subsídios de residência às pessoas que desempenham cargos de membros de Governo, revestem a natureza de documentos nominativos.
Mas não se concorda com esta posição.
Em primeiro, os documentos cujas cópias são pretendidas não contêm qualquer apreciação ou juízo de valor, ou seja, não contêm quaisquer informações depreciativas ou negativas sobre as pessoas a que dizem respeito.
Em segundo lugar, também os documentos cujas cópias se pretendem não versam sobre a intimidade da vida privada dos cidadãos a que respeitam.
A intimidade da vida privada abrange “os aspectos relativos aos sentimentos e convicções da pessoa, aos seus comportamentos íntimos e sexuais, a características físicas e psicológicas, em geral a tudo o que ocorre dentro de casa e que a pessoa em causa pretende manter secreto ou reservado apenas a uma única pessoa ou a um número muito restrito de pessoas” (cfr. José Renato Gonçalves, in Acesso à Informação das Entidades Públicas, págs. 66 e ss.; Paulo Mota Pinto, in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, págs. 479 e ss.; Rita Amaral Cabral, in Estudos em Memória do Professor Paulo Cunha, págs. 373 e ss.).
Afirma Capelo de Sousa, sobre esta matéria, que “a reserva juscivilisticamente tutelada abrange não só o respeito da intimidade privada, em particular a intimidade da vida pessoal, familiar, doméstica, sentimental e sexual …” (O Direito Geral de Personalidade, 318 e segs.)”.
Na senda da expendida jurisprudência, entendemos que não nos encontramos perante documentos nominativos, conforme sustenta a Entidade Requerida. Com efeito, conforme resulta da Portaria n.º 119/2018, de 4 de maio, o processo de reposicionamento de docentes obedece às regras do artigo 2.º do referido diploma, regras essas que não contendem com aspetos de natureza da vida privada, nos termos expostos.
Em todo o caso, e ainda que se defenda que os documentos a que a Requerente pretende aceder assumem carácter nominativo, o que importa é apurar se a Requerente demonstrou os requisitos estipulados na Lei 26/2016, de 22 de agosto para acesso aos documentos e informações em causa.
Neste particular, refira-se que, se é certo que a Requerente não se encontra munida de autorização escrita do titular dos dados que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder (cfr. artigo 6.º, n.º 5, alínea a) da Lei 26/2016, de 22 de agosto), constituindo o nome dos titulares dos dados precisamente uma das informações que pretende obter; a verdade é que sempre a Requerente invoca um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante (cfr. alínea B) do probatório e artigo 6.º, n.º 5, alínea a) da Lei 26/2016, de 22 de agosto), consubstanciado no relevo de estar na posse de todos os elementos necessários à análise e ponderação do reposicionamento a que foi sujeita bem como dos demais docentes de forma a aferir se, em seu entender, foram ou não respeitados os princípios da igualdade e da proporcionalidade, para decidir se lança ou não mão de tutela judicial. E tal direito encontra assento constitucional, razão pela qual, ponderados os interesses em presença, aferidos à luz do princípio da proporcionalidade, se conclui pela relevância do interesse invocado pela Requerente.
Avança-se, já, que se secunda esta leitura do Tribunal a quo que ponderou de forma acertada os vários interesses e garantias em presença.
Efectivamente, as informações requeridas relativas aos nomes dos docentes colegas da Requerente que foram reposicionados nas suas carreiras na sequência da publicação da Portaria 119/2018, de 4 de maio, e que tenham ingressado na mesma após 01/01/2011, pedidas com um fundamento claro e atendível de apreciação da legalidade e transparência da actuação administrativa em termos relativos nesse âmbito, não configuram manifestamente dados pessoais, pelo que não podem gozar do regime de protecção de dados pessoais, pois que se está em presença de meras questões relativas à avaliação dos docentes e ao seu reposicionamento remuneratório e funcional no contexto de um sistema público de ensino, sendo por isso questões de contornos públicos, não se podendo consubstanciar como documentos de natureza nominativa, desde logo se pensarmos nos princípios gerais contidos no Código do Procedimento Administrativos em matéria de isenção, de transparência e de publicidade da actuação da Administração.
Secundamos assim o entendimento que se tem vindo a acentuar na jurisprudência no sentido de ser entendido que documentos nominativos são os que dizem respeito à intimidade dos cidadãos, desde logo, e à sua vida privada em geral, onde se incluem os dados relativos aos seus sentimentos, opções de vida, às suas convicções, aos seus comportamentos íntimos e sexuais, e ainda em geral a características físicas, de saúde e psicológicas, dados genéticos, convicções ou filiações filosóficas, políticas, religiosas, partidárias, sindicais, e em geral os que contêm opiniões ou avaliações sobre a pessoa, e ainda outros documentos cujo conhecimento por terceiros possa, em razão do seu teor, se traduzir numa invasão da reserva da vida privada.
Note-se, aliás, que no exercício de funções públicas a regra é a da publicação dos actos de nomeação e colocação, no caso, dos professores integrados no sistema dependente do Ministério da Educação.
E a circunstância da progressão na carreira dos docentes provir de actos vinculados e não discricionários da administração (como bem faz notar o ME na sua alegação de recurso) só pode reforçar o entendimento que aqui se defende, e não o contrário.
Logo não estão verificadas as ilegalidades que no recurso são apontadas à sentença recorrida.
Em suma:
-não se vislumbra na lei, nem nos princípios e valores subjacentes ao nosso ordenamento jurídico e ao estado de direito democrático, a necessidade de uma especial protecção ou secretismo, no caso sub judice, relativamente aos dados solicitados pela aqui Recorrida à Direcção do Agrupamento de Escolas de B..., Albergaria-a-Velha, a cujo quadro pertence: informação escrita contendo os nomes, tempo de serviço, e respectivo escalão dos seus colegas docentes (do mesmo Agrupamento) reposicionados na carreira ao abrigo da Portaria 119/2018, de 4 de maio;
-os documentos em causa constituem documentos administrativos, nos termos do artº 3º/1/alínea a)-iv), da LADA “gestão de recursos humanos…”, sendo óbvio que não contêm qualquer apreciação ou juízo de valor, nem a sua entrega à Recorrida colide com a reserva da vida privada das pessoas a quem respeitam; ou seja, ao contrário do que alega o Recorrente, não estamos perante “documentos nominativos” mas sim, como bem fundamenta a Senhora Juíza, perante documentos administrativos que não contêm dados pessoais, definidos nos termos do regime legal de protecção de dados pessoais - cfr. artº 3º/1/alíneas a) e b), da LADA, definindo esta o “documento nominativo” como o documento administrativo que contenha dados pessoais, definidos nos termos do regime legal de protecção de dados pessoais;
-as informações requeridas inserem-se objectivamente no regime do acesso aos arquivos e registos do Recorrente, sendo estes, em regra, de acesso livre (artigos 17º do CPA e 5º da LADA);
-no âmbito da informação não procedimental ou do arquivo aberto visa-se garantir a publicidade e a transparência da actividade administrativa;

-de acordo com a lei e a jurisprudência seguidas na sentença, os dados pessoais relevantes para a classificação de um documento administrativo como nominativo- e em consequência para se determinarem as restrições de acesso ao mesmo-, são os que contêm juízos de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada;
-o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos vem sendo considerado como um direito fundamental cujo sacrifício só se justifica quando confrontado com direitos e valores constitucionais de igual ou de maior valia, como sejam os relativos à segurança interna e externa, à investigação criminal e à reserva da intimidade das pessoas;
-a intimidade da vida privada abrange os aspectos relativos aos sentimentos e convicções da pessoa, aos seus comportamentos íntimos e sexuais, a características físicas e psicológicas, em geral a tudo o que ocorre dentro de casa e que a pessoa em causa pretende manter secreto ou reservado apenas a uma única pessoa ou a um número muito restrito de pessoas;
-a doutrina também mencionada, e bem, pelo Tribunal a quo, aponta no mesmo sentido;
-como sentenciado, conforme resulta da Portaria 119/2018, de 4 de maio, o processo de reposicionamento de docentes obedece às regras do artigo 2º do referido diploma, regras essas que não contendem com aspectos de natureza da vida privada;
-também não procede o argumento invocado pelo Recorrente de que os elementos solicitados são dados pessoais nos termos do Regulamento (EU) 2016/679 - RGPD, com o fundamento de que este prevalece sobre a legislação nacional, até porque o referido nº 1 do artº 4º do RGPD mais não é do que uma réplica da alínea a) do artº 3º da Lei de Proteção de Dados Pessoais (LPDP), aprovada pela Lei 67/98, de 26 de outubro;
-nesta conformidade verifica-se que o Regulamento (EU) nada acrescenta relativamente à definição de dados pessoais (nem de documentos nominativos); logo não colide com a legislação nacional nem com a jurisprudência e doutrina dominantes na matéria;
-em qualquer caso o invocado Regulamento (EU) não pode colocar em crise o Estado de Direito Democrático nem os princípios constitucionais da liberdade de informação, ou da publicidade e transparência da actividade administrativa - lê-se nas contra-alegações e aqui corrobora-se;
-ademais, ainda que se defendesse que os documentos em causa podem assumir carácter nominativo, o acesso aos mesmos não pode ser negado à Recorrida, uma vez que a mesma invoca um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido, suficientemente relevante, consubstanciado no relevo de estar na posse de todos os elementos necessários à análise e ponderação da decisão de lançar ou não mão de tutela judicial;
-e tal direito encontra assento constitucional, razão pela qual, ponderados os interesses em presença, aferidos à luz do princípio da proporcionalidade, se concluiu, e bem, pela relevância do interesse invocado pela Requerente;
-de registar ainda que a Entidade Requerida, ora Recorrente, nem invocou qualquer esforço ou outra circunstância desproporcional em face do que lhe foi solicitado pela Requerente/Recorrida;
-assim repete-se, dado que esta pondera demonstrar judicialmente que foi ultrapassada na carreira por colegas com menos tempo de serviço, por os mesmos terem sido reposicionados em escalão acima do seu, sendo que a informação por ela pedida se afigura indispensável para tal, dúvidas não restam que tem interesse legítimo na obtenção dos dados pretendidos;
-ao ser-lhe negado o conhecimento de tais elementos, está a ser-lhe negado o direito de acesso ao direito e aos tribunais, bem como o direito à informação (artigos 20º e 268º/2 da CRP), e concomitantemente a ser violado, in casu, o princípio da proporcionalidade;

-tal equivale a dizer que o Tribunal a quo, contrariamente ao alegado, fez uma ponderação justa e razoável, no quadro de interesses conflituantes, não colhendo o argumento do sacrifício de terceiros.
Desatendem-se, assim, as conclusões do Apelante.
(…)”
Analisando e sopesando a Jurisprudência vinda de citar, é de assumir firmemente que os documentos a que o Recorrido pretende ter acesso e, especificamente, as informações em causa- indicação e identificação dos docentes que foram destinatários do aludido procedimento de reposicionamento remuneratório e a respetiva data de ingresso na carreira, número de dias de tempo de serviço contabilizado antes do ingresso na carreira, escalão e índice de reposicionamento e tempo de serviço remanescente a considerar nesse escalão- não configuram documentos nominativos, quer porque tais documentos “não contêm qualquer apreciação ou juízo de valor, ou seja, não contêm quaisquer informações depreciativas ou negativas sobre as pessoas a que dizem respeito”, quer porque “não versam sobre a intimidade da vida privada dos cidadãos a que respeitam”. E como se explica no Aresto vindo de citar, “a intimidade da vida privada abrange “os aspectos relativos aos sentimentos e convicções da pessoa, aos seus comportamentos íntimos e sexuais, a características físicas e psicológicas, em geral a tudo o que ocorre dentro de casa e que a pessoa em causa pretende manter secreto ou reservado apenas a uma única pessoa ou a um número muito restrito de pessoas”.
Quer isto significar, e regressando ao caso em apreciação, que não é possível acompanhar a Recorrente na sua tese, uma vez que a mesma parte de dois pressupostos juridicamente errados: que os documentos em causa são nominativos e que o Recorrido não possui interesse juridicamente relevante no acesso à pretendida informação.
Sendo assim, importa concluir também pela improcedência do alegado pela Recorrente nas conclusões m) a s) das suas alegações de Recurso.


Desta feita, atenta a factualidade provada e o enquadramento legal em que se movimenta o caso em análise, apresenta-se inequívoco que a sentença a quo não padece dos erros de julgamento que lhe são assacados, antes revelando um acerto insuscetível de ser abalado pelo vertente recurso jurisdicional.
Pelo que, em conformidade, terá de negar-se provimento ao presente recurso e confirmar-se a sentença recorrida.



IV- DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e em confirmar a sentença recorrida.

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Custas pela Recorrente.

Lisboa, 27 de fevereiro de 2020,

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Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro

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Jorge Pelicano

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Celestina Castanheira