Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1518/04.1BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/21/2019
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:RECURSO SUBORDINADO
CASO JULGADO
ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
ACORDO ENTRE ADVOGADOS
NOME ABREVIADO DE ADVOGADO
Sumário:
I - Se o recurso subordinado incide sobre a improcedência de exceção e o recurso principal incide sobre o julgamento do mérito da causa, cumpre conhecer prioritariamente do recurso subordinado.
II - A dependência do recurso subordinado relativamente ao principal cinge-se à caducidade, caso este fique sem efeito, pelo que o recurso subordinado pode incidir sobre decisão distinta do recurso principal.
III - Não se verifica a exceção de caso julgado caso sejam distintos os concretos fundamentos de facto em que se baseiam as pretensões anulatórias apresentadas em dois processos judiciais.
IV - O erro sobre os pressupostos de facto só se verifica caso ocorra divergência entre os factos de que partiu a entidade demandada para proferir a decisão e os factos reais.
V - Não impugna a decisão de facto o recorrente que apenas disputa a interpretação que o Tribunal a quo extrai da factualidade assente e não determinado facto constante do probatório.
VI - O acordo entre três advogados quanto à utilização de determinado nome abreviado mantém-se em vigor, ainda que depois do falecimento de um deles, caso não estejam assentes factos que permitam integrar, juridicamente, a sua revogação.
VII - Não constando da decisão do Tribunal a quo ou do ato impugnado a adoção de determinado entendimento colocado em crise pelo recorrente, não cabe em sede de recurso ao Tribunal ad quem conhecer da questão atinente.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I. RELATÓRIO

M…………… Â………… B………… R……….. B………… instaurou ação administrativa especial, tramitada sob a forma de processo ordinário, contra a Ordem dos Advogados, na qual apresentou pedido de anulação do ato materialmente administrativo praticado pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados, através da deliberação de 6 de março de 2004, retificada em 2 de junho de 2004, indicando como contrainteressado M…….. J……… R…………… B…………...
Alega, em síntese, que já em 20/12/1984, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados deliberou que não estava autorizado a manter o nome abreviado M………. R………. B…….., revogando anterior autorização, tendo em conta um alegado convénio com outros dois advogados, um deles titular desse nome abreviado, dispondo ainda essa deliberação, que o autor deveria passar a usar o nome M……… Â……… R………… B…………; o TAC de Lisboa, em acórdão de 11/01/1986, não anulou a parte da deliberação que não autorizava a utilização do nome pretendido pelo autor, mas anulou a parte que impunha a utilização de determinado nome abreviado; em 05/03/1996, requereu ao Presidente do Conselho Geral da Ordem dos Advogados a autorização para usar o nome abreviado de M……… R……….. B………., dado que entretanto falecera o advogado titular desse nome, seu tio, o que foi indeferido em 28/04/2000, por o nome abreviado continuava a pertencer ao seu titular, mesmo falecido, não se transmitindo a filho, nem a sobrinho; o recurso desta deliberação para o Conselho Superior improcedeu em 06/03/2004, com base no convénio entre M……….. P………. R………. B………, tio do autor, com prioridade no uso do nome, M…….. J…….. P…….. R……… B……….., seu filho que usava o nome de M. R……… B……… e o autor; o ato impugnado padece de vício de violação de lei, porque interpreta erradamente o artigo 157.º, n.º 4 do Estatuto da Ordem dos Advogados, que se destina apenas a proteger os nomes abreviados de advogados inscritos e por assentar em pressupostos de facto inexistentes – a inscrição em vigor de M……… P…….. R……….. B………. e a subsistência de um alegado convénio com ele celebrado, de que partira a deliberação do Conselho Geral de 1984; a razão de ser da proteção do nome profissional radica na defesa da identidade profissional do advogado, perigo que deixa de acontecer em relação a quem já faleceu.
Citada, a ré Ordem dos Advogados apresentou contestação, na qual alega, em síntese, verificar-se a exceção de caso julgado, pois o ato impugnado limita-se a executar uma única decisão administrativa já sindicada judicialmente, em cumprimento de sentença transitada em julgado; alega também que o deferimento do pedido do autor de 30/04/1984 se deveu a lapso, sendo revogado a 20/12/1984, na sequência de reclamação apresentada por M………. P……… R………. B…….. e M………. J…… R……… B…….., tio e primo do autor; na sentença de 11/01/1996 considerou-se que a Ordem dos Advogados não impediu o autor de usar um nome abreviado, mas apenas de usar um nome já anteriormente inscrito por outro advogado, e que era ilegal a deliberação ao determinar que nome o autor deveria usar, pelo que o Conselho Distrital de Lisboa o notificou para escolher o nome profissional que pretendia usar, ao que respondeu querer manter o nome profissional de “M……… R……….. B……….”, assim não dando integral cumprimento ao disposto na sentença; a deliberação do Conselho Superior da Ordem dos Advogados de 06/03/2004 limitou-se a executar a sentença, sendo manifesta a não procedência da pretensão do autor; ao contrário do alegado, a caducidade da inscrição na Ordem dos Advogados não determina o fim da proteção legal conferida ao nome profissional utilizado por este, por via de interpretação conforme ao disposto no artigo 72.º, n.º 1, do Código Civil; e quanto ao convénio foi também celebrado com M……… J…….. P……. R……… B…….., ora contrainteressado, mantendo-se em vigor, do qual resultou que nenhum dos três usaria o nome abreviado de “M…….. R……. B……….”, e, livremente estabelecido, não pode deixar de ser cumprido, sem o consentimento de todos; o autor não pretende a condenação do ora réu na prática de um ato, mas que se reconheça o seu direito, cumulando uma pretensão impugnatória (artigo 51.º, n.º 4, do CPTA) com o reconhecimento de uma situação jurídica subjetiva (artigo 4.º, n.º 2, al. e) do CPTA), o que não pode proceder, não só por não se verificarem os vícios assacados ao ato, mas porque para o reconhecimento tinha de alegar e provar que era titular dessa situação jurídica, o que não fez.
Citado o contrainteressado M……….. J……. P…… R……… B………., igualmente apresentou contestação, na qual invocou as exceções dilatórias de incompetência relativa do tribunal, em razão do território e ofensa de caso julgado, formado com a sentença proferida pelo TAC de Lisboa em 11/01/1996; mais alega, em síntese, que a escolha de nome abreviado que seja coincidente com um já existente continua a obedecer a um princípio cronológico, por forma a que aquele que ulteriormente requer a sua inscrição com um nome já existente não seja confundido com outro advogado, o falecimento de um advogado não determina a caducidade da sua inscrição, dado que o EOA não consagra semelhante estatuição, mantendo-se a proteção ao nome abreviado inscrito; o convénio mantém-se válido, porque dois dos celebrantes ainda exercem advocacia e porque não foi celebrado sob termo ou condição resolutiva, acrescendo que o ora contrainteressado é mais velho e tem inscrição na Ordem mais antiga que o autor, pelo que sempre teria o direito de preferir no uso do nome.
O autor respondeu à exceção invocada, alegando que, com o falecimento de M…….. P…….., a sentença do TACL deixou, nessa parte, de ter aplicação prática, pelo que improcede a exceção do caso julgado.
Foi proferido despacho saneador que conheceu da exceção invocada do caso julgado, julgando-a improcedente,
Por acórdão de 28/03/2007, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada julgou a ação improcedente, por não provada, absolvendo-se a ré de todos os pedidos.
Inconformado, o autor interpôs recurso deste acórdão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“A) O acto impugnado - ou seja, o acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, de 6/03/2004, que entendeu que não havia que reapreciar o que já estava apreciado, antes se devendo dar cumprimento à deliberação do Conselho Geral confirmada pelo acórdão de 13/12/91 desse mesmo Conselho Superior - assentou em manifesto erro num pressuposto de facto, uma vez que partiu do pressuposto de que a deliberação do Conselho Superior de 11/11/96, na parte não anulada, se mantinha sem necessidade de qualquer reapreciação, quando, na verdade, ocorrera um facto superveniente que alterara o quadro fáctico que lhe era subjacente: o falecimento de M…….. P……… R……… B……...
B) Foi, de resto, por isso mesmo que o Tribunal declarou improcedente a excepção do caso julgado, o que agora não pode alterar, até por força do caso julgado entretanto ocorrido.
C) Assim sendo, atendendo à fundamentação do acto impugnado - que considera já apreciada a matéria controvertida por referência a uma deliberação que partiu de um quadro fáctico que ainda não contemplava o falecimento de M…….. P……. R…….. B…….. - parece óbvio que tal acto impugnado assentou em erro sobre os pressupostos de facto, o que gera a sua invalidade, que deve ser decretada, pelo que a sentença recorrida efectuou uma errónea apreciação desse vício do acto recorrido.
D) Alega ainda a sentença recorrida que se mantém em vigor o convénio celebrado entre o A., o contra-interessado e o falecido M…….. P……. R……… B……., apesar do falecimento deste, que é referido na matéria fáctica assente na sentença de 11/01/96, esquecendo, porém, que esse pressuposto de facto não está assente nestes autos, onde o que está assente é que, na sentença de 11/01/96, se considerou - e bem - que "naquele escritório - na Rua da Conceição - os três advogados acordaram adoptar aqueles nomes".
E) Mas não está assente - nem poderia estar, sendo por demais abusivo que assim fosse considerado - que esse convénio se manteria quando os três deixassem de partilhar o mesmo escritório ou quando um deles falecesse, pelo que a sentença recorrida aplicou erroneamente a regra constante do art. 659° nº 3 do C.P.C.
F) Resta o argumento que decorre da interpretação conjugada do art. 157º nº 4 do EOA, vigente à data, e dos arts. 71° e 72° do CC., segundo os quais, para defesa do direito de personalidade do falecido, seria ilícita, para efeitos de inscrição na Ordem dos Advogados, a utilização de um nome abreviado de que fora titular um advogado entretanto falecido.
G) Tal interpretação é manifestamente errónea.
Primeiro, porque o art. 157° nº 4 do EOA apenas se reporta ao nome abreviado de que seja titular um advogado inscrito, uma vez que tal regra visa acautelar a identidade profissional dos advogados. Não se aplica ao nome abreviado de advogado falecido e - ípso facto - não inscrito.
Segundo, porque o art. 72º do CC. se limita a conferir - e bem - a toda a pessoa - e após a morte, às pessoas referidas no art. 71º nº 2 do C.C. - o direito a opor-se que outrem use ilicitamente o seu nome abreviado, o que não é o caso, porque o A. pretende apenas utilizar o nome que também é o seu, tal como já fora do seu tio, bem como do seu avô, não subsistindo qualquer razão atinente a uma situação de confusão de identidade profissional, porque entretanto o seu tio faleceu e deixou - ipso facto - de estar inscrito como advogado.
H) Assim sendo, a sentença recorrida fez uma interpretação errónea daquelas normas legais, sendo certo que o entendimento normativo perfilhado é ainda inconstitucional por violar o direito à identidade pessoal, que o art 26° nº 1 da CRP consagra, o que se argui para todos os efeitos legais.”
Requereu depois a retificação da conclusão A, ali passando a ler-se “uma vez que partiu do pressuposto de que a deliberação do Conselho Superior de 13/12/91”.
A ré Ordem dos Advogados apresentou contra-alegações, sem conclusões, requerendo seja negado provimento ao recurso e consequentemente mantido o acórdão recorrido.
O contrainteressado M…….. J…… R…….. B………… apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1ª) Bem andou a douta sentença recorrida, ao concluir que o convénio relativo ao nome profissional celebrado entre o recorrente, o Dr. M….. P……. R……… B……. e o ora recorrido,
se mantém plenamente válido. Porquanto, não só as partes não atribuíram qualquer efeito ao falecimento de qualquer dos celebrantes no que toca à validade do acordo celebrado, como também não determinaram que a mesma estaria dependente da continuação de partilha do mesmo escritório.
2ª) Pelo que, não tendo sido este celebrado sob qualquer condição resolutiva ou termo, e atendendo a que dois dos celebrantes ainda exercem advocacia, é manifesto que, o referido convénio se mantém, dotado de plena validade, entre o recorrente e o ora recorrido.
3ª) Para além de que, estamos perante um convénio livremente celebrado por três advogados - conforme largamente reconhecido pelo recorrente e considerado assente pelo tribunal a quo -, o qual, relembre-se, nunca foi revogado.
4ª) Nestes termos, e como bem decidiu a sentença recorrida, não assiste razão ao recorrente quando refere que o acto impugnado padece de erro sobre os pressupostos de facto, relativamente à subsistência do convénio celebrado.
5ª) Bem andou a douta sentença recorrida, ao considerar que o acto impugnado não padece de qualquer erro sobre os pressupostos fácticos, porquanto, a ocorrência superveniente do falecimento de M…….. P…… R…….. B……., apesar de determinar uma alteração do quadro fáctico, não o faz em termos que permitam consubstanciar uma alteração da decisão tomada, uma vez que, o convénio celebrado entre os três advogados, não obstante a verificação desse evento, se mantém, indiscutivelmente, em vigor entre o recorrente e o recorrido.
6ª) Bem andou a douta sentença recorrida ao concluir que, o acto impugnado - na interpretação que faz do artigo 157.º, n.º 4, do E.O.A., em conjugação com o n.º 1 do art. 71.º e n.º 1 do art. 72.º, ambos do Código Civil -, não padece de erro de direito, nem de erro sobre os pressupostos de facto, porquanto, da sua leitura jamais se poderá retirar, contrariamente ao que o recorrente pretende fazer crer, que o falecimento de um advogado habilite um outro advogado a utilizar o nome abreviado que o primeiro já utilizava.
7ª) Com efeito, a ratio do n.º 4 do artigo 157.º do Estatuto da Ordem dos Advogados é evitar que a inscrição de nomes abreviados de advogados cause qualquer confusão com outros já anteriormente requeridos ou inscritos - Independentemente do primeiro advogado ter ou não falecido. De facto, o que se pretende é exactamente evitar o aproveitamento, o desrespeito ou degradação da imagem pública do anterior portador, a qual, desde logo, atendendo à sua importância no meio judiciário - em que ganha especial relevo a identificação de certos profissionais que tenham granjeado prestígio no exercício da profissão - perdura para além da morte.
8ª) Termos em que, não obstante o falecimento de um advogado, mantém-se a protecção legal conferida pelo Estatuto da Ordem dos Advogados ao nome abreviado por ele inscrito e com que advogou no exercício da profissão.
9ª) Apenas esta interpretação é conforme com o disposto nos artigos 157.º, nº 4, do E.O.A, e artigos 71.º, n.º l e 72.º, n.º 2, do Código Civil.”
Inconformada, a ré Ordem dos Advogados interpôs recurso subordinado do despacho saneador, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“a) Rege o artigo 498°, n.º 1 do C.P.C. que "repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir ".
b) Tal como o MM Juiz de direito do Tribunal a quo reconheceu no douto despacho recorrido, no que respeita aos limites subjectivos do caso julgado, verifica-se que as partes principais são as mesmas, pelo que, mostra-se preenchido o primeiro dos pressupostos referidos no artigo 498°, n.º 1 do C.P.C.
c) De igual modo, se poderá afirmar que o pedido formulado no recurso contencioso de anulação interposto pelo aqui Recorrente em 1992 e o pedido da presente acção administrativa especial são coincidentes.
d) Na verdade, se no recurso contencioso de anulação, interposto em 1992, o Recorrido pretendeu a anulação da deliberação do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, datada de 13/12/91, com fundamento na violação dos artigos 72º do Código Civil e do n.º 4 do artigo 157º do anterior E.O.A., já com a interposição da presente acção administrativa o Recorrido visou igualmente a anulação do acórdão proferido pelo Conselho Superior, em 06/03/04, com fundamento na violação do disposto no art. 157º, n.º 4. Ou seja, em ambos os casos, o aqui Recorrido pretendeu a anulação dos actos materialmente administrativos proferidos pela Recorrente que lhe negaram o direito de usar o nome abreviado de "M……..R……… B……..".
e) Para além de identidade quanto aos sujeitos e pedidos que é dada como assente no despacho recorrido, também existe identidade da causa de pedir pois, em ambos os casos, o fundamento do efeito jurídico pretendido pelo Autor - anulação de actos praticados pelos órgãos da Recorrente que lhe negaram o direito de usar o nome abreviado de "M…… R…….. B…….." - reconduz-se à violação das mesmas normas jurídicas (art. 72º/ l do Código Civil e 157º/4 do anterior E.O.A.).
f) Sendo certo e seguro que as decisões proferidas pelos órgãos da Recorrente que negaram ao Recorrido o direito de usar o nome abreviado de "M……….R……… B………" e contra as quais este reagiu judicialmente, fundamentaram-se essencialmente na circunstância de ter sido celebrado um convénio entre o Recorrido, o aqui Contra­ interessado e M…….. P…….. R………. B…….., nos termos do qual os três acordaram em não usar aquele nome abreviado.
g) Convénio esse que, como a própria sentença proferida no âmbito da presente acção administrativa, datada de 28/03/07, expressamente refere não foi, de forma alguma, afectado pelo falecimento de um dos outorgantes.
h) Por outro lado, não poderá deixar de se afirmar que, face ao enquadramento fáctico efectuado supra, encontramo-nos perante uma única decisão administrativa, já sindicada judicialmente (e de forma definitiva) e que o acórdão impugnado se limitou a fazer executar.
i) É, aliás, o próprio Recorrido quem parece confirmar tal conclusão, pois que enquadrou facticamente a questão em causa no âmbito de um processo que, nas suas palavras, já se "arrasta há 20 anos" (cfr. art. 2º da petição inicial), tendo ainda afirmado que deu integral cumprimento ao decidido por sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, de 11/01/96, quando em 05/03/96 requereu autorização para "continuar" a utilizar o nome abreviado de M………. R………. B……….
j) Termos em que mal andou o douto despacho recorrido em considerar que não se mostrava verificada a excepção dilatória de caso julgado, tendo procedido a uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 498º, n.º 1 do C.P.C.”
M…….. Â…….. B……… R……… B…….., notificado da interposição de recurso subordinado pela Ordem dos Advogados, apresentou as suas contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“A) Sublinha-se, com particular ênfase, que a decisão do TACL, de 11/01/96, na parte em que não deu provimento ao recurso, se fundou, única e exclusivamente, no argumento, que se aceita, de que a deliberação recorrida, nesse segmento, era legal, porque apenas impedira o Recorrente de usar o nome já anteriormente inscrito por outro advogado.
B) Tal sentença não se fundou na existência de qualquer convénio, tendo-se limitado, na factualidade assente, a referir o acordo que existiu entre os três advogados em causa quando partilharam o mesmo escritório (o que é verdade), não retirando daí qualquer ilação relevante para a decisão proferida.
C) Aconteceu, entretanto, que ocorreu um facto superveniente que alterou o quadro fáctico que era subjacente à decisão do TACL: o falecimento de M…….. P……. R……. B……..
D) Não existe qualquer ofensa no caso julgado, porque, antes de mais, não há identidade da causa de pedir.
E) A sentença de 11/01/96 reportou-se a uma deliberação do Conselho Superior de 13/12/91, confirmativa de uma outra do Conselho Geral, que foi considerada legal, nesse segmento, porque havia outra inscrição em vigor de colega mais antigo com idêntico nome abreviado.
F) A deliberação ora impugnada desconsiderou o facto novo de ter entretanto falecido o colega mais antigo, o que justificou o pedido do ora Recorrido no sentido de usar esse nome abreviado, uma vez que deixara de haver inscrição em vigor com tal nome abreviado.
G) O fundamento do efeito jurídico pretendido pelo ora Recorrido é distinto, uma vez que, no primeiro caso, estava em vigor a inscrição de um colega mais antigo e, nesta acção, não existe tal inscrição em vigor.
E isso implica que a causa de pedir das acções seja substancialmente distinta.
H) Acresce que nem sequer os pedidos são idênticos, porque visam deliberações de órgãos da Ordem distintas, que apreciaram pressupostos distintos.”
Perante as conclusões das alegações do recorrente principal, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, são suscitadas as seguintes questões:
- vício de erro sobre os pressupostos de facto;
- erro na aplicação da regra constante do artigo 659.º, n.º 3, do CPC;
- licitude da utilização de um nome abreviado de que fora titular um advogado entretanto falecido, à luz do disposto nos artigos 157.º, n.º 4, do Estatuto da Ordem dos Advogados, vigente à data, e 71.º e 72.º do Código Civil;
- inconstitucionalidade do entendimento contrário por violar o direito à identidade pessoal, consagrado pelo artigo 26.º, n.º 1, da CRP.
E perante as conclusões das alegações do recorrente subordinado, suscita-se a questão da verificação da exceção de caso julgado, por referência à decisão proferida em 11/01/1996, no processo n.º 118/92 do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, no âmbito do qual o autor impugnou o acórdão de 13/12/1991 do Conselho Superior da Ordem dos Advogados.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
A - Em 11 de Janeiro de 1996 foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, no âmbito do Processo n.º 118/92, tendo por objecto o Acórdão de 13 de Dezembro de 1991 do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, recorrido em 13 de Dezembro de 1992 e que deu como provados os seguintes factos:
“A) M……. P……. R……… B……… inscreveu-se como advogado em 30.7.36, e indicou o nome abreviado de M…….. R………. B………;
M…….. J……. P….. R……… B…….. inscreveu-se como advogado em 29.9.69, e adoptou como nome abreviado de M. R……… B……..;
M…….. Â……… B…….. R……. B……., ora recorrente, inscreveu-se como advogado em 30.10.79, e adoptou como nome abreviado M…… Â……. R……… B……...
B) Os três tiveram escritório na Rua da Conceição, nº…….., em Lisboa, donde, posteriormente, o ora recorrente o Dr. M……… Â…….. B…….. R…….. B…….. saiu e estabeleceu domicílio profissional na Rua do Crucifixo, nº ……, em Lisboa.
C) Naquele escritório, os 3 advogados acordaram entre si, para efeitos profissionais, adoptar os seguintes nomes:
O 1º - M…….. P…….. R…….. B……..; O 2º - M……… J….. R…… B……..;
O 3º e ora recorrente – M…….. Â…….. R………. B……….
D) Por carta de 30.4.84, o ora recorrente comunicou ao Bastonário da Ordem dos advogados a mudança de escritório, bem como a escolha do nome profissional M……… R……… B……… em substituição de M……. Â……. R…….. B……… – vide fls. 15 do processo instrutor;
E) Por despacho de Maio de 1984 do respectivo Bastonário foi proferido o seguinte despacho:
“Averbe, anote e comunique a alteração do endereço e a mudança de nome abreviado, que defiro” – vide fls. 15 do processo instrutor;
F) Perante a reclamação apresentada pelo Dr. M……… P………., secundado pelo Dr. M…….. J…….. P……….., o Conselho Geral, por deliberação de 20.12.84, aprovou o parecer emitido pelo Vogal, F……… F……. no sentido de “que o Dr. M…… Â…………. B………… R……….. B………. não deve ser autorizado a manter o nome abreviado de M…….. R………… B………, em cumprimento de um pacto livremente efectuado entre três advogados e que, sem o consentimento de todos os interessados, não deve deixar de ser cumprido. Sucede até que os nomes profissionais que estão registados nos cadastros existentes na Ordem são ainda os resultantes do acordo já tantas vezes referido”.
Diz-se ainda naquele parecer que, atenta a deliberação de 24.4.81 do Conselho Geral da Ordem dos Advogados e caso não tivesse havido o referido convénio entre aqueles advogados – vide alínea C) -, só o advogado mais velho (M…….. P…….. R………. B………) poderia usar o nome abreviado de M………. R…….. B………., e que o ora recorrente, aquando do pedido de autorização para usar o seu actual nome abreviado, teria ocultado tal convénio;
G) Inconformado com a deliberação de 20.12.84, o ora recorrente, nos termos do artº. 5º/1/2 e alínea b) do nº1 do artº. 40º, ambos do DL nº 84/84, de 16.3, interpôs recurso desta para o Conselho Superior da Ordem dos Advogados;
H) Por Acórdão de 13.12.91 do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, foi negado provimento ao recurso, sendo este o acto recorrido.
Os fundamentos invocados são os já anteriormente aduzidos aquando da deliberação de 20.12.84, que aprovou o parecer referido na alínea F);
I) Na deliberação de 24.4.81 do Conselho Geral da Ordem dos Advogados diz-se, entre o mais, que “os nomes abreviados só devem ser aceites e reconhecidos pela Ordem na medida em que não sejam iguais a outros já anteriormente inscritos, ou de tal modo semelhantes que com eles se possam confundir.
Caso, por lapso, venha a ser inscrito nome abreviado em violação do atrás referido deverá, perante reclamação do advogado mais antigo, convidar-se o advogado mais moderno a alterar o nome abreviado, em prazo razoável que lhe seja fixado pelo Conselho Geral.” – vide fls. 14 do proc. inst.;
Nesta sentença o objecto do recurso ficou delimitado como segue:
“3.2.1. Delimitação do objecto do recurso. O recorrente formula o seguinte pedido:
a) Que seja anulada a deliberação recorrida, “quer quanto ao facto de não autorizar a manutenção pelo recorrente do nome de M……….. R………. B………, quer quanto à determinação de que deve usar o de M………. Â……….. R………… B………..”.
b) Caso assim se não entenda, seja a referida deliberação anulada na parte que “determina que o recorrente deve usar o nome de M……… Â………. R……… B………..”., já que, nessa hipótese, o recorrente pode optar por um outro a escolher por si, em prazo razoável que a Ordem venha a estipular.”
Como fundamento do peticionado na alínea a), invoca o recorrente a violação dos artº.s 72º/1 do C. Civil e 157/4 do DL 84/84, de 16.3.
Como fundamento da alínea b), invoca o recorrente a violação da deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados de 24.4.81, por nesta se determinar que, quando, por lapso, for inscrito nome abreviado igual ou semelhante a outro anteriormente inscrito, deverá, perante reclamação do advogado mais antigo convidar-se o advogado mais moderno a alterar o seu nome abreviado em prazo razoável, a ser fixado pelo Conselho Geral.”
Na subsunção dos factos ao direito, na sentença, no que se refere à questão a), foi realizada a seguinte síntese:
“1. O artº. 157º/4 do DL 84/84 visa conjugar dois direitos: o direito ao uso de nome abreviado (artº. 72º/1 do C. Civil) com o direito à identidade profissional;
2. A deliberação recorrida não violou as disposições invocadas pelo recorrente, na medida em que não impediu aquele de usar um nome abreviado, impedindo-o apenas de usar um nome já anteriormente inscrito por um outro advogado.
3. A deliberação recorrida, ao ter revogado o despacho que autorizou o recorrente a usar o nome abreviado de M………. R……….. B………. e ao ter decidido manter o despacho que autorizou o recorrente a usar o nome abreviado de M………. Â………… R……….. B………., quis repor em vigor este último despacho, pelo que produziu efeitos repristinatórios – artº. 146º do CPA.
4. E sendo o acto inicial legal e o que se lhe seguiu ilegal – vide artº. 157º/4 do DL 84/84 - , nenhuma ilegalidade poderá ser imputada ao acto recorrido, com base na violação das normas em análise – vide artº. 146º do CPA.
Improcedem, em consequência, os fundamentos invocados.”
Quanto à questão b) apreciada no ponto 3.2.3. da sentença:
“…Da matéria de facto dada como provada pode concluir-se que a inscrição do recorrente com o nome abreviado de M……… R………. B……….. resultou de um lapso (ou também de um lapso) da própria entidade recorrida – vide alínea A) – sendo que a entidade recorrida não convidou o recorrente (…).
A deliberação de 24.4.81 do Conselho Geral da Ordem dos Advogados é vinculativa para a entidade recorrida, pelo que a sua vinculação, inquina o acto, nesta parte, do vício de violação.
Procede em consequência, o vício invocado.”
A Decisão proferida foi:
“Por todo o exposto, e com o fundamento exposto no ponto 3.2.3. desta sentença, julgo o presente recurso procedente, anulando-se a deliberação recorrida, na parte em que determinou que o recorrente devia usar o nome abreviado de M…….. Â………. R………. B………..”
- cfr. fls. 70 a 86 do processo instrutor.
B – Em 11 de Junho de 1993 faleceu M……….. P……… R…….. B…….., cfr. fls.168 dos autos.
C - Em 5 de Março de 1996, o ora o A. requereu ao Presidente do Conselho Geral da Ordem dos Advogados a autorização para utilizar o nome abreviado de M…….. R………. B…………, após o falecimento de M…….. P…….. R………. B………, dizendo que:
“Assim sendo, o nome profissional abreviado – M…….. R…….. B……… – que o signatário pretende usar já não é igual nem confundível com nenhum outro inscrito na Ordem dos Advogados, razão pela qual se torna desnecessário o cumprimento da notificação doutamente admitida pelo tribunal.
Nestes termos, vem requerer-se a V. Exª a autorização para que o signatário possa utilizar como seu nome profissional a referida abreviatura M……… R……… B……..”, cfr. fls. 67 e 68 do processo instrutor.
D - Em 1 de Outubro de 1997, M…….. J…… P…….. R……... B……… renovou o pedido de uso do nome de M……. R……… B………, sendo o colega que está inscrito 10 anos antes do recorrente e que só por virtude de acordos que aceitou com seu pai e com seu primo é que não utiliza o nome abreviado de M……… R…….. B……….., cfr. fls. 150 a 152 do processo instrutor.
E – Em 8 de Fevereiro de 1999, através do ofício nº 4428, Proc. nº A.P. 527/1995, do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, o ora A. foi notificado para escolher o nome profissional que pretendia usar, nos seguintes termos:
“De acordo com o douto despacho proferido nos Autos de Apreciação Prévia à margem identificados, em que V. Exª, é Participado e é Participante o Sr. Dr. M………. J…….. R……… B………, solicito de digne informar este Conselho Distrital de qual o nome profissional que pretende usar, de acordo com a decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa e cuja cópia se encontra nestes autos.”, cfr – fls. 154 dos autos.
F - Em 3 de Maio de 1999, o ora A. apresentou resposta, reiterando, na sequência de anteriores comunicações, designadamente a de 5 de Março de 1996, que fosse considerado o nome profissional de “M……… R………….. B…………”, cfr – fls. 155 dos autos.
G - Em 28 de Abril de 2000, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados aprovou por maioria o parecer E-3/2000, de 13 de Abril de 2000 e vedou ao A. a utilização do nome de Miguel Rodrigues Bastos, de acordo com as seguintes conclusões:
a) “O nome da pessoa falecida continua a pertencer-lhe, não se adquirindo mediante sucessão por morte nem se transmitindo mortis causa;
b) O nome é imprescritível, não se perdendo o direito a ele pelo não uso;
c) O nome de M……….. R……… B……… continua a pertencer ao seu titular original, o Dr. M………… P………. R…….. B……….., não se transmitindo pela sua morte, nem a seu filho, nem a seu sobrinho;
d) É vedado ao Dr. M…….. Â…….. R…….. B………… o uso do nome M………. R………. B…….., uma vez que este nome é igual ao nome anteriormente registado na O.A. pelo Dr. M…….. P……… R………. B………..;
e) E dado que o Dr. M…………. Â…… B……… R……….. B……….. se inscreveu na O.A. com o nome abreviado de M……….. Â………. R…………. B…………, em princípio seria este o seu nome, porém, face à decisão do TAC de Lisboa, entende-se que este é livre de escolher aquele ou qualquer outro nome abreviado, que não o do M……… R…………. B……………; pelo que
f) Deverá convidar-se o Dr. M……… Â………. B……… R………. B…….. para, em 30 dias, indicar o nome abreviado que pretende usar.”
- cfr. fls. 10 a 32 do processo instrutor.
H - Em 20 de Setembro de 2000, o ora A. foi convidado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados a escolher, no prazo de 30 dias, o nome profissional que pretendia usar, cfr. fls. 36, do processo instrutor.
I – Através de carta de 28 de Setembro de 2000, com data de entrada de 29 de Setembro de 2000, o ora A., apresentou recurso hierárquico da deliberação do Conselho Geral, de 28 de Abril de 2000, recurso que foi admitido, tendo este apresentado as respectivas alegações e resposta, cfr. fls. 175 do processo instrutor.
J – As alegações do recorrido constam de fls. 46 a 55 do processo instrutor.
L - Em 26 de Fevereiro de 2004, relativamente ao recurso referido em I, foi elaborado parecer no Proc. nº R-61/2000, onde se lê:
“(…) B. DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
20. Sendo estes os factos que resumem o histórico, cumpre desde já adiantar que, em nosso entender, o recurso não deveria ter sido admitido.
21. Mesmo antecedentemente, cuida-se que não se deveria ter pronunciado o Parecer do Conselho Geral, que constitui a decisão recorrida, sobre tal matéria.
22. É que, afinal, o que estava ali a decidir-se já havia sido decidido por decisão transitada em julgado do TAC, no que respeita à não autorização pelo recorrente do nome abreviado em discussão.
23. E essa decisão, confirmativa do já mencionado Acórdão do Conselho Superior, apenas deveria ter sido respeitada. Mas tal não tem sucedido, já que o recorrente continua, em atitude que só pode qualificar-se de afronta à Ordem, a usar o nome profissional que lhe foi vedado usar, como se vê nas cartas, requerimentos e alegações que apresenta.
24. Como muito bem salienta o recorrido, se algo contém de novo o Parecer recorrido é apenas quanto ao pedido que ele próprio havia formulado de usar o apelido em disputa.
25. E o recorrido, sobre o assunto, não interpôs recurso.
C. DA FUNDAMENTAÇÃO SUBSTANTIVA DO RECURSO
26. Sem prescindir do que antecedentemente ficou expresso, sempre porém se dirá que se nos afigura inexistir fundamentação substantiva na pretensão do recorrente.
27. Com efeito, perante a matéria dada como assente, o recorrente desrespeitou um acordo estipulado entre os três Advogados, aliás, tudo indica, estabelecido em seu próprio benefício, quando o Dr. M……. P…….. R…….. B…….., que usava há cerca de 50 anos o nome profissional de M…… R…….. B…… acedeu em alterá-lo, abdicando de um privilégio derivado da antiguidade na profissão.
(…) Também o recorrido, Dr. M…….. J…… R……. B……., que usava profissionalmente o nome de M. R………… B……., com o acordo de seu pai, acedeu a mudá-lo, sem que de tal tivesse também necessidade. Tudo isto se alcança de ser apenas em proveito do recorrente, que recentemente se inscrevera como Advogado, a estagiar no escritório do falecido Dr. M………. R…….. B……...
(…) Não se vê pois com que legitimidade pretendia o recorrente ver reconhecido o nome profissional de M………. R………. B………, quando quer o recorrido, quer o seu pai se opuseram frontalmente a que tal sucedesse.
(..) Perfilho, aliás sem hesitações, o entendimento expresso na já longínqua deliberação de 24 de Abril de 1981 do Conselho Geral, no sentido de que caso não tivesse havido o referido convénio entre os três advogados, só o advogado mais velho, M……… P…….. R……… B………., poderia usar o nome de M…….. R……… B………, com o qual se havia inscrito.
(…) Não há pois que reapreciar o que apreciado está, devendo-se antes e definitivamente dar cumprimento à deliberação do Conselho Geral que revogou o despacho do Conselho Distrital de Lisboa que havia autorizado o recorrente a usar o nome abreviado de M…….. R……… B……….”.
D – PROPOSTA DE DECISÃO
30. Perante tudo quanto antecede e pelas razões expostas sou de parecer que deve ser negado provimento ao recurso, notificando-se o recorrente para dar cumprimento à decisão há muito resolvida de lhe estar vedado o uso do nome profissional M……… R……… B…….. e de indicar no prazo de 15 dias qual o nome profissional por que opta. (…)”, cfr. fls.182 a 190 do processo instrutor.
M – O Acórdão de 6 de Março de 2004 do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, rectificado em 2 de Junho de 2004, negou provimento ao recurso, com a fundamentação do parecer referido na alínea anterior, cfr. fls. 191 do processo instrutor.
N – Em 5 de Julho de 2004, foi interposta a presente acção administrativa especial no TAF de Lisboa, cfr. fls. 3 e ss. dos autos.
O - Em 16 de Julho de 2004 foi enviado pelo correio o requerimento inicial da providência cautelar nº 1683/04.8 BELSB que deu entrada no TAF de Lisboa em 19 de Julho de 2004, e que foi indeferida, cfr. fls. 4 a 18 dos autos de processo cautelar.

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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme já supra enunciado, são quatro as questões a apreciar no âmbito do recurso principal e uma no âmbito do recurso subordinado.
Por regra, será de iniciar a apreciação pelas questões do recurso principal (ou independente), passando depois às questões do recurso subordinado (ou dependente).
Contudo, não será assim, designadamente, quando esteja em causa no recurso subordinado a invocação de uma exceção dilatória que implica a absolvição da instância, como se passa com o caso julgado (cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2018, p. 108, e a doutrina e jurisprudência aí citadas, assim como o recente acórdão do STJ de 22/11/2018, revista n.º 1559/13.8TBBRG.G1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt).
No caso vertente, já se assinalou que o recurso subordinado incide sobre a improcedência da exceção de caso julgado no despacho saneador, que julgou, enquanto o recurso principal incide sobre o julgamento do mérito da causa decidido no acórdão da primeira instância.
Cumpre, pois, conhecer prioritariamente do recurso subordinado, posto que a questão ali colocada pode prejudicar o conhecimento do recurso independente.
A interposição do recurso subordinado encontra abrigo legal no disposto nos artigos 142.º, n.º 5, do CPTA, na redação da Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, e 682.º, n.os 1 e 2 (atual 633.º, n.os 1 e 2), do CPC, na redação do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro.
Uma palavra apenas quanto ao conhecimento do recurso subordinado: a sua dependência relativamente ao principal cinge-se à caducidade, caso este fique sem efeito, artigo 633.º, n.º 3, do CPC (artigo 682.º, n.º 3, na redação do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro), pelo que o recurso subordinado pode incidir sobre decisão distinta do recurso principal (cf. Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º, tomo I, 2008, pág. 36, Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, 2008, pág. -, e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/11/2010, proc. n.º 1807/08.6TVLSB-B.L1-7, disponível em http://www.dgsi.pt), como no caso vertente ocorre.
Pelo que nada obsta à sua apreciação.

a) da exceção de caso julgado

Nesta sede, vem sustentar a recorrente Ordem dos Advogados que para além da identidade quanto aos sujeitos e pedidos, que é dada como assente no despacho recorrido, também existe identidade da causa de pedir pois, em ambos os casos, o fundamento do efeito jurídico pretendido pelo autor - anulação de atos praticados pelos órgãos da recorrente que lhe negaram o direito de usar o nome abreviado de "M…….. R……… B………" - reconduz-se à violação das mesmas normas jurídicas, (artigos 72.º, n.º l, do Código Civil, e 157.º, n.º 4, do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados). E que as decisões dos órgãos da recorrente se fundamentaram essencialmente na circunstância de ter sido celebrado um convénio entre o recorrido, o contra­interessado e M…….. P…….. R……… B………, nos termos do qual os três acordaram em não usar aquele nome abreviado, o qual não foi afetado pelo falecimento de um dos outorgantes, sendo certo que há uma única decisão administrativa, já sindicada judicialmente, que o ato agora impugnado se limitou a fazer executar, pelo que se mostra verificada a excepção dilatória de caso julgado.
No despacho saneador considerou-se que na sentença de 1996 não se apreciara a situação à luz do falecimento, em 1993, do Dr. M……….. P……… R……… B………, que constitui facto superveniente aos actos impugnados de 1991 e 1992, que constituíam sob apreciação. E que a pretensão apresentada pelo autor em 05/03/1996 (reiterada em 03/05/1999), invocando o falecimento do seu tio Dr. M……… P……… R…….. B…….., foi indeferida em 28/04/2000 pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados, apreciando os efeitos do “uso de nome de pessoa falecida”, dando origem ao ato impugnado. E atento este novo pressuposto de facto, julgou-se não verificada a identidade da causa de pedir nas duas causas, como tal improcedendo a exceção de caso julgado.
O caso julgado, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 89.º, n.º 4, al. l) (n.º 1, al. i), na redação originária), do CPTA, 494.º, al. i), e 493.º, n.º 2 (atuais 577.º, al. i), e 576.º, n.º 2) do CPC, configura uma exceção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, pressupondo a repetição de uma causa depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, cf. artigo 497.º, n.º 1 (atual 580.º, n.º 1), do CPC, o que ocorrerá quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
Nesta sede, releva ainda o preceituado no artigo 671.º, n.º 1 (atual 619.º, n.º 1), do CPC, segundo o qual, transitada em julgado a sentença que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos já citados artigos 497.º e 498.º. E a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga – artigo 673.º (atual 621.º) do CPC.
Visa, pois, a figura jurídica do caso julgado evitar que sejam proferidas duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, sendo que, caso tal aconteça, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar – artigo 675.º, n.º 1 (atual 625.º, n.º 1), do CPC.
O despacho recorrido fez incidir a sua análise sobre a falta de identidade das causas de pedir.
Esta identidade existirá se a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico que nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido, conforme decorre do artigo 498.º, n.º 4 (atual 581.º, n.º 4), do CPC.
Como salienta Abrantes Geraldes, “o legislador fez uma opção clara ente dois sistemas possíveis: o da individualização ou o da substanciação da causa de pedir. Ao primeiro bastaria a indicação do pedido, devendo a sentença esgotar todas as possíveis causas de pedir da situação jurídica enunciada pelo autor, impedindo-se, após a sentença, a alegação de factos anteriores e que, porventura, não tivessem sido alegados ou apreciados. Já a opção pela teoria da substanciação implica para o autor a necessidade de articular os factos de onde deriva a sua pretensão, formando-se o objecto do processo e, por arrastamento, o caso julgado, apenas relativamente aos factos integradores da causa de pedir invocada. Foi esta a opção a que aderiu o legislador (…) [A] densificação da causa de pedir requer uma substanciação adequada à individualização da relação material controvertida, como singularidade ontológica, que, para além de oferecer garantia de base do contraditório, sirva de ulterior delimitação objetiva do caso julgado. Todavia, importa distinguir, por um lado, os factos essenciais nucleares, estruturantes ou identificativos da causa de pedir; por outro lado, os factos complementares que, embora essenciais à procedência da pretensão deduzida, não relevam para identificação ou inteligibilidade daquela” (Temas da Reforma de Processo Civil, Vol. I, 1998, pág. 192).
A propósito do caso julgado no âmbito dos processos de natureza impugnatória, como é o do caso vertente, ensina Vieira de Andrade: “a consideração dos efeitos das sentenças mostra que o alcance objetivo do julgado tem, no processo administrativo, algumas especialidades, quando está em causa uma decisão de anulação de atos administrativos – ao contrário do que se admite, em geral, no processo civil, não releva só o dispositivo da sentença, relevam também os fundamentos da anulação, justamente porque desencadeiam consequências normativas para o caso, seja quanto à possibilidade de renovação dos atos anulados, seja quanto ao conteúdo dos deveres de reconstituição da situação de facto de acordo com o direito pronunciado” (A Justiça Administrativa, 9.ª ed., pág. 384).
E não se olvida, conforme refere ainda este autor, que as sentenças de anulação proferidas nos processos de impugnação de atos administrativos são sentenças constitutivas, que produzem a eliminação do ato da ordem jurídica. Mas o mesmo raciocínio se mostra transponível quando a sentença conduziu à manutenção do ato na ordem jurídica, impedindo a parte de, por via da propositura de uma segunda ação, lograr obter o efeito pretendido com a primeira, qual seja, o de eliminação do ato da ordem jurídica.
Nestes processos de natureza impugnatória, como ponderado pelo Supremo Tribunal Administrativo (acórdão de 07/12/2011, proc. n.º 0419/11, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf), “o objeto do processo define-se necessariamente por referência a um ato inválido: o pedido imediato do impugnante corresponde à eliminação do ato impugnado da ordem jurídica, e com ela, a cessação da situação lesiva por ele causada; e a causa de pedir (…) às específicas causas de invalidade invocadas.” Mas a circunstância de se colocar em crise o ato administrativo não permite concluir, como ali também se aduz, que o objeto do processo se restrinja ou se identifique com ele, posto que subjacente à pretensão anulatória existe uma relação material constituída, por um lado, pela definição introduzida pelo ato na ordem jurídica, e por outro, pela lesão que ele causa aos direitos e interesses legalmente protegidos do impugnante.
Deste modo se pode partir para concluir, ainda seguindo a doutrina ali propugnada, que a identidade não se circunscreve ao ato impugnado mas aos concretos fundamentos de facto e de direito em que se baseia a pretensão anulatória do ato impugnado.
No caso em análise, é possível perspetivar nas duas ações a coincidência de efeitos jurídicos do ponto de vista da tutela jurisdicional pretendida.
Já os concretos fundamentos de facto das duas ações não se pode dizer que sejam idênticos, como se reconheceu no despacho sindicado.
Com efeito, a presente ação visou como ato impugnado a deliberação do Conselho Superior da Ordem dos Advogados de 06/03/2004, que se pronuncia sobre a pretensão apresentada pelo autor em 05/03/1996 (reiterada em 03/05/1999), invocando o falecimento do seu tio Dr. M………. P……… R……… B………..
Já na primeira ação interposta pelo autor, que visou como ato impugnado a deliberação do Conselho Superior da Ordem dos Advogados de 13/12/1991, necessariamente não foi apresentado tal fundamento, que ainda não ocorrera.
À luz das considerações já expostas, podemos então concluir que não se verifica identidade dos concretos fundamentos de facto em que se baseia a pretensão anulatória do ato impugnado.
E porque assim é, não se tem por verificada a exceção dilatória de caso julgado, tal como acertadamente se decidiu no despacho saneador sob recurso.


b) do vício de erro sobre os pressupostos de facto

Vem sustentar o recorrente que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento ao julgar que o ato impugnado não padecia do vício de erro sobre os pressupostos de facto.
Invoca que a fundamentação do ato impugnado considerou já apreciada a matéria controvertida, por referência a uma deliberação que partiu de um quadro fáctico que ainda não contemplava o falecimento de M……… P…….. R…….. B…….. Pelo que este ato assentou em erro sobre os pressupostos de facto.
Vejamos se lhe assiste razão.
Conforme consta do probatório:
- em 05/03/1996, o autor requereu ao Presidente do Conselho Geral da Ordem dos Advogados a autorização para utilizar o nome abreviado de M…….. R…….. B………, após o falecimento de M…….. P…….. R………. B………;
- em 01/10/1997, M…….. J……. P…….. R……… B…….. renovou o pedido de uso do nome de M…….. R………. B………..;
- em 08/02/1999, o autor recebeu notificação do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados para escolher o nome profissional que pretendia usar;
- em 03/05/1999, o autor apresentou resposta, reiterando que fosse considerado o nome profissional de “M……… R………. B………”;
- em 28/04/2000, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados aprovou parecer que vedou ao autor a utilização do nome de M……… R……… B………, de acordo com as seguintes conclusões:
a) “O nome da pessoa falecida continua a pertencer-lhe, não se adquirindo mediante sucessão por morte nem se transmitindo mortis causa;
b) O nome é imprescritível, não se perdendo o direito a ele pelo não uso;
c) O nome de M………. R……… B……… continua a pertencer ao seu titular original, o Dr. M……… P……… R………. B………., não se transmitindo pela sua morte, nem a seu filho, nem a seu sobrinho;
d) É vedado ao Dr. M…….. Â………. R…….. B………. o uso do nome M…….. R…………. B………., uma vez que este nome é igual ao nome anteriormente registado na O.A. pelo Dr. M……… P………. R……… B………;
e) E dado que o Dr. M……… Â………. B……. R…….. B……. se inscreveu na O.A. com o nome abreviado de M…….. Â…….. R…….. B………, em princípio seria este o seu nome, porém, face à decisão do TAC de Lisboa, entende-se que este é livre de escolher aquele ou qualquer outro nome abreviado, que não o do M……. R………. B………..; pelo que
f) Deverá convidar-se o Dr. M………. Â…….. B………. R…….. B……. para, em 30 dias, indicar o nome abreviado que pretende usar.”
O autor recorreu hierarquicamente desta decisão, dando origem ao ato impugnado, acórdão de 06/03/2004 do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, que apresenta, em síntese, a seguinte fundamentação, acolhendo a vertida no parecer de 26/02/2004, que a antecedeu:
“[O] que estava ali a decidir-se já havia sido decidido por decisão transitada em julgado do TAC, no que respeita à não autorização pelo recorrente do nome abreviado em discussão. (…)
[P]erante a matéria dada como assente, o recorrente desrespeitou um acordo estipulado entre os três Advogados, aliás, tudo indica, estabelecido em seu próprio benefício, quando o Dr. M…….. P……… R……… B…….., que usava há cerca de 50 anos o nome profissional de M……. R……… B……… acedeu em alterá-lo, abdicando de um privilégio derivado da antiguidade na profissão. (…)
Não se vê pois com que legitimidade pretendia o recorrente ver reconhecido o nome profissional de M…….. R……… B………, quando quer o recorrido, quer o seu pai se opuseram frontalmente a que tal sucedesse. (…)
Perfilho, aliás sem hesitações, o entendimento expresso na já longínqua deliberação de 24 de Abril de 1981 do Conselho Geral, no sentido de que caso não tivesse havido o referido convénio entre os três advogados, só o advogado mais velho, M…….. P…….. R…….. B…….., poderia usar o nome de M…….. R………. B………, com o qual se havia inscrito. (…)
Não há pois que reapreciar o que apreciado está, devendo-se antes e definitivamente dar cumprimento à deliberação do Conselho Geral que revogou o despacho do Conselho Distrital de Lisboa que havia autorizado o recorrente a usar o nome abreviado de M…….. R…….. B……. (…)
Perante tudo quanto antecede e pelas razões expostas sou de parecer que deve ser negado provimento ao recurso, notificando-se o recorrente para dar cumprimento à decisão há muito resolvida de lhe estar vedado o uso do nome profissional M……… R…….. B……. e de indicar no prazo de 15 dias qual o nome profissional por que opta.”
Na decisão sob recurso, entendeu-se que:
- a proteção jurídica do nome abreviado de advogado, não decorre da discussão de, com o falecimento do seu titular, a inscrição na Ordem dos Advogados se manter ou não em vigor, mas do estabelecido em sede de direitos de personalidade no Código Civil;
- o falecimento do titular do nome abreviado não afetou o convénio celebrado entre os três advogados, subsistindo este em relação aos outros dois, o autor e o contrainteressado.
O erro nos pressupostos de facto constitui uma das causas de invalidade do ato administrativo, que consiste na divergência entre os factos de que o autor do ato partiu para proferir a decisão e a sua real ocorrência, entre os factos que a entidade administrativa teve em conta para decidir como decidiu, e a sua real ocorrência, ou seja entre os factos reais e os representados como motivo do ato administrativo (cf. os acórdãos do STA de 19/12/2006, proc. n.º 01034/06, de 12/03/2009, proc. n.º 0545/08, e de 16/03/2017, proc. n.º 0343/15, disponíveis em http://www.dgsi.pt).
Nesta sede, o autor recorrente centra o seu ataque na deliberação de 06/03/2004 do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, cuja fundamentação é de facto distinta da deliberação do Conselho Geral que a precedeu.
A deliberação do Conselho Superior fundamenta-se essencialmente no desrespeito do acordo estipulado entre os três Advogados, e no entendimento expresso na deliberação de 24/04/1981 do Conselho Geral, no sentido de que caso não tivesse havido o referido convénio entre os três advogados, só o advogado mais velho, M……. P……… R……. B…….., poderia usar o nome de M……… R……… B………., com o qual se havia inscrito.
Conquanto não considere como fundamento o falecimento do titular do nome abreviado, como ocorrera com a deliberação do Conselho Geral, não se pode dizer que esta deliberação parta de um quadro fáctico que ainda não contemplava o falecimento de M…….. P…….. R…….. B……….., uma vez que o mesmo era pressuposto da primeira deliberação objeto de recurso hierárquico, antes resulta da mesma o entendimento de que, independentemente deste facto, não assistia ao autor o direito que pretendia fazer valer, em função do convénio inicialmente celebrado entre os três advogados. Da mesma igualmente se retira que se mantém a proteção jurídica do nome abreviado daquele advogado.
Como tal, não se descortina aqui divergência entre os factos de que esta deliberação partiu para proferir a decisão e os factos reais.
Donde, improcede o invocado vício.


c) do erro na aplicação do artigo 659.º, n.º 3, do CPC

Invoca ainda o autor/recorrente que na decisão em causa, acórdão de 28/03/2007, se incorreu em erro ao decidir que se mantém em vigor o convénio celebrado entre o autor, o contrainteressado e o falecido M………. P…….. R…….. B………, apesar do falecimento deste, aplicando erroneamente a regra constante do art. 659.°, n.º 3, do CPC.
Estatuía então o invocado normativo que “[n]a fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.”
Segundo o recorrente, o erro do Tribunal a quo radica no entendimento de que o dito convénio se manteve em vigor depois dos três advogados terem deixado de partilhar o mesmo escritório, ou mesmo quando um deles falecesse.
A factualidade relevante é a seguinte:
- M……….. P…….. R……… B……….. inscreveu-se como advogado em 30/07/1936, e indicou o nome abreviado de M…….. R……… B………..;
- M…….. J……. P…….. R……… B……. inscreveu-se como advogado em 29/09/1969, e adoptou o nome abreviado de M. R………. B………..;
- M………. Â……… B…….. R……… B……… inscreveu-se como advogado em 30/10/1979, e adoptou como nome abreviado M…….. Â……. R……… B……….;
- os três tiveram escritório na Rua da Conceição, n.º ……., em Lisboa, donde, posteriormente, saiu o Dr. M………… Â………. B……… R……….. B………. e estabeleceu domicílio profissional na Rua do Crucifixo, n.º …….. , em Lisboa;
- naquele escritório, os 3 advogados acordaram entre si, para efeitos profissionais, adoptar os seguintes nomes, o primeiro M……… P………… R………. B……….., o segundo M………. J…….. R…….. B……….. e o terceiro M…….. Â…….. R…….. B………..
No acórdão recorrido entendeu-se que o falecimento de um deles não punha em causa a sua existência, subsistindo em relação aos outros dois, o autor e o contrainteressado, pressupondo que até então o acordo se mantinha vigente entre os três advogados.
A perspetiva do autor é distinta, para ele o acordo cessou ao deixar o escritório em que os três advogados trabalhavam.
Como é bom de ver, das próprias alegações do autor/recorrente se retira que inexiste aqui erro quanto aos factos considerados como provados, nem sequer que o Tribunal se tenha socorrido de uma presunção judicial (cf. artigo 349.º do Código Civil), tirando uma ilação de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
O que notoriamente aqui está em causa é a valoração feita pelo Tribunal a quo da factualidade assente. E é quanto a esta valoração e não quanto a qualquer facto, que dissente o autor.
O autor não disputa que aquele acordo teve lugar, antes expressamente o aceita nas suas alegações.
Sustenta, sim, que do facto de “naquele escritório, os 3 advogados acordaram entre si, para efeitos profissionais, adoptar os seguintes nomes (…)”, se retira que o acordo se circunscrevia ao escritório onde foi celebrado.
Com o devido respeito, esta sua interpretação da factualidade dada como assente carece de sentido.
Pretendiam naturalmente os senhores advogados evitar a confusão entre os nomes abreviados que adotassem, no exercício da advocacia. Sendo ilógico extravazar que, pela menção ao local onde é celebrado o acordo, o mesmo se deveria ater àquele escritório e enquanto ali trabalhassem os três.
É que trabalhando ali juntos ou não, a motivação do acordo não sofre qualquer abalo, evitar a confusão entre os nomes abreviados que adotassem, no exercício da advocacia.
Para que se concluísse em sentido distinto, impunha-se a prova de factos que permitissem integrar, juridicamente, a revogação do sobredito acordo.
Factos estes que cabia ao autor/recorrente alegar e provar.
O que resulta dos autos não ter feito.
Improcede, pois, o vício apontado à decisão sob recurso.


d) da licitude de utilização de nome abreviado de que fora titular um advogado entretanto falecido

Invoca aqui o recorrente que ocorre erro ao entender-se que, da interpretação conjugada dos artigos 157.º, n.º 4, do Estatuto da Ordem dos Advogados, vigente à data, e 71.º e 72.º do Código Civil, resulta a ilicitude, para efeitos de inscrição na Ordem dos Advogados, da utilização de um nome abreviado de que fora titular um advogado entretanto falecido.
O ato impugnado apresenta a seguinte fundamentação:
- o recorrente desrespeitou um acordo estipulado entre os três Advogados, aliás, tudo indica, estabelecido em seu próprio benefício, quando o Dr. M……….. P…….. R…….. B…….., que usava há cerca de 50 anos o nome profissional de M……. R……. B…….. acedeu em alterá-lo, abdicando de um privilégio derivado da antiguidade na profissão, tendo também o recorrido, Dr. M…... J…….. R……… B………., que usava profissionalmente o nome de M. R…….. B…….., com o acordo de seu pai, acedido a mudá-lo, sem que de tal tivesse também necessidade;
- o recorrente não tem legitimidade para ver reconhecido o nome profissional de M…….. R………. B…………, quando quer o recorrido, quer o seu pai se opuseram frontalmente a que tal sucedesse;
- segue-se o entendimento expresso na deliberação de 24 de abril de 1981 do Conselho Geral, no sentido de que caso não tivesse havido o referido convénio entre os três advogados, só o advogado mais velho, M…….. P…… R……. B……, poderia usar o nome de M….. R……. B……….., com o qual se havia inscrito.
No acórdão da primeira instância escreveu-se:
“[A] proteção jurídica do nome abreviado de advogado, não decorre da discussão de, com o falecimento do seu titular, a inscrição na Ordem dos Advogados se manter ou não em vigor. Na verdade, a proteção jurídica do nome abreviado, para além dos poderes que a Ordem dos Advogados detém nesse âmbito, decorre ainda, como aliás é seu entendimento, do estabelecido em sede de direitos de personalidade no Código Civil.
E, no que respeita ao convénio que foi celebrado entre os três advogados, o falecimento de um deles, não põe em causa a existência do mesmo, subsistindo este, em relação aos outros dois, os ora, A. e contra-interessado, sendo que, o alegado pelo A., nesta matéria, não se configura, em nosso entendimento, como abuso de direito.
Nestes termos, o falecimento do titular do nome abreviado, não afecta tal convénio, que esteve subjacente ao acto apreciado pela sentença de 11 de Janeiro de 1996, cujo conteúdo decisório, foi:
“1. O arto. 157º/4 do DL 84/84 visa conjugar dois direitos: o direito ao uso de nome abreviado (arto. 72º/1 do C. Civil) com o direito à identidade profissional;
2. A deliberação recorrida não violou as disposições invocadas pelo recorrente, na medida em que não impediu aquele de usar um nome abreviado, impedindo-o apenas de usar um nome já anteriormente inscrito por um outro advogado.
3. A deliberação recorrida, ao ter revogado o despacho que autorizou o recorrente a usar o nome abreviado de M……… R………. B………. e ao ter decidido manter o despacho que autorizou o recorrente a usar o nome abreviado de M…….. Â…….. R…….. B…….., quis repor em vigor este último despacho, pelo que produziu efeitos repristinatórios – arto. 146º do CPA.
4. E sendo o acto inicial legal e o que se lhe seguiu ilegal – vide arto. 157º/4 do DL 84/84 - , nenhuma ilegalidade poderá ser imputada ao acto recorrido, com base na violação das normas em análise – vide art. 146º do CPA.
Improcedem, em consequência, os fundamentos invocados.
Deste modo e, em conclusão:
a) O A., não estava autorizado pela Ordem dos Advogados a usar o nome profissional de “M…….. R………. B……….”, e não estava porque o acto que negou tal autorização foi o Acórdão do Conselho Superior de 1991-12-13, confirmado, parcialmente, neste segmento, pela sentença do T.A.C. de Lisboa, de 1996-01-11.
b) O convénio celebrado entre os três advogados, não obstante o falecimento de um deles, mantém-se em vigor entre o A. e o contra-interessado.
c) O acto ora impugnado, na interpretação que faz do artigo 157o no 4 do E.O.A., não padece de erro de direito, nem de erro sobre os pressupostos de facto, pelo que não deve ser anulado.
d) O falecimento do tio do A. e pai do contra-interessado, não faz nascer na esfera jurídica do A., o direito à utilização do nome abreviado “M………. R…….. B………”, por forma a que lhe seja reconhecido o direito a tal utilização.
A acção deve improceder por não provada.”
O artigo 157.º, n.º 4, do Estatuto da Ordem dos Advogados então aplicável (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de março), correspondendo ao atual artigo 189.º, n.º 4, previa que “[n]o requerimento pode o interessado indicar o uso de nome abreviado, que não será admitido se susceptível de provocar confusão com outro anteriormente requerido ou inscrito, excepto se o possuidor deste com isso tenha concordado, e que, após a inscrição, poderá usar no exercício da profissão.”
O artigo 71.º do Código Civil, sob a epígrafe ‘ofensa a pessoas já falecidas’, prevê o seguinte:
“1. Os direitos de personalidade gozam igualmente de protecção depois da morte do respectivo titular.
2. Tem legitimidade, neste caso, para requerer as providências previstas no n.º 2 do artigo anterior o cônjuge sobrevivo ou qualquer descendente, ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do falecido.
3. Se a ilicitude da ofensa resultar de falta de consentimento, só as pessoas que o deveriam prestar têm legitimidade, conjunta ou separadamente, para requerer providências a que o número anterior se refere.”
Já o artigo 72.º, sob a epígrafe ‘direito ao nome’, prevê:
“1. Toda a pessoa tem direito a usar o seu nome, completo ou abreviado, e a opor-se a que outrem o use ilicitamente para sua identificação ou outros fins.
2. O titular do nome não pode, todavia, especialmente no exercício de uma actividade profissional, usá-lo de modo a prejudicar os interesses de quem tiver nome total ou parcialmente idêntico; nestes casos, o tribunal decretará as providências que, segundo juízos de equidade, melhor conciliem os interesses em conflito.”
Não se surpreende na decisão de primeira instância, nem sequer no ato impugnado, o entendimento que, da interpretação conjugada dos artigos 157.º, n.º 4, do Estatuto da Ordem dos Advogados, vigente à data, e 71.º e 72.º do Código Civil, resulta a ilicitude, para efeitos de inscrição na Ordem dos Advogados, da utilização de um nome abreviado de que fora titular um advogado entretanto falecido.
Com efeito, o ato impugnado, deliberação do conselho superior da OA, alterou radicalmente a fundamentação do Conselho Geral, deixando cair o fundamento de não havendo ninguém vivo, o nome abreviado não poder ser utilizado por advogado com o mesmo nome.
Já o Tribunal a quo apenas aborda brevemente a questão, para dizer que não é isso que está em questão.
Ora, se o autor/recorrente invoca questão não tratada pelo Tribunal a quo e que não foi sequer objeto do ato impugnado, evidentemente não caberá em sede de recurso ao Tribunal ad quem conhecer da mesma.


e) da violação do direito à identidade pessoal

Invoca ainda o recorrente que o entendimento normativo sustentado no ponto antecedente é inconstitucional por violar o direito à identidade pessoal, consagrado pelo artigo 26.º, n.º 1, da CRP.
Tal questão pressupõe que o entendimento em causa foi seguido pelo Tribunal a quo e pelo ato impugnado, o que, como já visto, não sucede.
Porque assim é, não cabem aqui quaisquer considerações quanto à mesma.

Em suma, improcede o recurso subordinado e improcede o recurso principal.
*


III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso subordinado e ao recurso principal.
Custas a cargo dos recorrentes.

Lisboa, 21 de março de 2019.

(Pedro Nuno Figueiredo)


(Carlos Araújo)


(Sofia David)