Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04417/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/01/2011
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IRC. IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. ERRO SOBRE A QUANTIFICAÇÃO DOS FACTOS TRIBUTÁRIOS.
Sumário:I) - É de admitir a possibilidade de operar com a fundada dúvida a que se refere o art.º 100º do CPPT, quando a dúvida se refere à legalidade da actuação da administração e não à existência dos factos tributários que são afirmados pelo contribuinte como tendo acontecido e em que funda a dedução de imposto.

II) -É que o 100º do CPPT contém uma norma que se reporta à questão do ónus da prova, destruindo a presunção legal a favor da AF (in dubio pro Fisco), estabelecendo uma verdadeira repartição do ónus da prova (que se coloca apenas em relação a questões de facto), de acordo com os princípios da legalidade e da igualdade, e em termos de que a incerteza sobre a realidade dos factos tributários reverte, em regra, contra a AF, não devendo ela efectuar a liquidação se não existirem indícios suficientes daqueles.

III) -Tendo a AT adoptado o recurso a métodos indiciários para determinar a matéria tributável do contribuinte, compete-lhe demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação com recurso a tais métodos e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação.

IV) -Em tal situação, porque em relação à quantificação com recurso a métodos indiciários, pela sua própria natureza, não se pode exigir a mesma precisão que na quantificação feita com base na declaração do contribuinte, é exigível a este a prova de que os elementos utilizados pela AT ou o método que utilizou são errados ou, pelo menos, que há dúvida fundada sobre as quantias efectivamente recebidas.

V) -Havendo a impugnante junto diversos documentos, entre eles diversas facturas que, embora não contrariem a necessidade do recurso a métodos indirectos, evidenciam uma discrepância entre o volume de negócios e os depósitos efectuados a que chegou a inspecção tributária, gera-se fundada a dúvida sobre a quantificação do acto tributário.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acorda-se nesta Secção do Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. - RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente esta impugnação judicial, deduzida por A...– Sociedade Abastecedora de Produtos Alimentares, Ldª., contra liquidação adicional de IRC referente ao ano de 1996, dela recorreu para o TCAS, rematando a sua alegação de recurso com as seguintes conclusões:
“I - Salvo o devido respeito, a Administração Tributária defende que a douta decisão do Tribunal a quo, considera, erradamente, que o sujeito passivo fez prova do excesso da respectiva quantificação da matéria tributável em obediência ao n°3 do art°74° da LGT e que a Administração Fiscal não cumpriu com o ónus que sobre ela impendia de fundamentar substancialmente os critérios aptos ao resultado obtido.
II - O caso sub judice, resultou de um procedimento de inspecção tributária, em que a Administração Tributária verificou que a impugnante não tinha a sua contabilidade organizada. Sendo esta instada a pôr termo à situação de incumprimento, nada fez, pelo que, em consequência, a matéria colectável relativa ao exercício de 1996, foi apurada, por métodos indirectos;
III - Os fundamentos em que a Administração Tributária se baseia para considerar que o Tribunal a quo andou mal na sua decisão, estão alicerçados na jurisprudência dos Tribunais Administrativos e Fiscais;
IV - A Administração Fiscal considera ter dado cumprimento cabal ao disposto no artigo 90° n°1 da LGT, na medida em que, procurou aproximar-se, o mais possível, da realidade do sujeito passivo, aplicando o critério do custo de mercadoria vendida, apurado com base nas práticas comerciais correntes no sector de actividade impugnante, de descontos e bónus, e nos indicadores médios do sector de actividade;
VI - Com base na ponderação referida, a Administração Tributária fixou o valor indiciário de 11,8%, como margem bruta de comercialização, encontrando-se esse valor, abaixo da média e mediana do sector de actividade, que é de 14,19% e 14,67% a nível nacional e de 13,13% e 15,47%, para o distrito em que o sujeito passivo tem localizada a sua actividade;
VII - A Administração Tributária considera, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, serem os critérios para apuramento da matéria colectável utilizados, suficientemente claros, razoáveis e fundamentados, e que tiveram em conta, as concretas circunstâncias em que a impugnante exerce a sua actividade.
VIII- Considera também que o raciocínio subjacente aos critérios por ela fixados foram suficientemente claros, permitindo à impugnante contestar a liquidação adicional de IRC, em sede judicial, não ficando o seu direito precludido;
IX - Conclui, pelo cumprimento do seu dever de fundamentação dos critérios fixados para o apuramento da matéria colectável por métodos indiciários, considerando não ter havido erro de quantificação.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e a impugnação judicial declarada improcedente.
PORÉM V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”
Houve contra -alegações, assim concluídas:
“1.ª - 1. A douta sentença sob recurso não merece à ora Recorrente qualquer censura no que se refere ao problema da quantificação da matéria tributável, que constitui o objecto do recurso interposto pela Fazenda Pública (FP).
2.ª - Entendeu o Tribunal recorrido que a Administração Tributária (AT) não cumpriu o ónus que sobre ela impendia de fundamentar substancialmente os critérios de quantificação que utilizou. E que a impugnante "...logrou demonstrar que houve erro ou manifesto exagero da quantificação da matéria tributável efectuada por métodos indirectos, por descorar a realidade, alegada e provada nesta sede pela Impugnante".
3.a - Com efeito, considerou o Tribunal recorrido que:
a). "A determinação da matéria colectável com recurso a presunções (...) não constitui um apuramento real da actividade do contribuinte, mas antes aproximado, verosímil, razoável, que pode ser contrariado e infirmado perante prova em que (...) se demonstre que tal matéria tem menor dimensão (...) ou que se encontra errado o critério utilizado pela Administração Fiscal...".
b). Conforme, aliás, estipula o artº74º, nº 3 da Lei Geral Tributária (LGT): "Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à Administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação".
c). "...ficou demonstrado perante a prova documental e testemunhal que a Administração Fiscal cometeu erros de análise..."
4.ª - A Fazenda Pública (FP) interpôs recurso daquela decisão, alegando, em síntese, que:
a). A Administração Fiscal considera ter dado cumprimento cabal ao disposto no art. 90.ª, n.º 1 da LGT, porquanto "...procurou aproximar-se, o mais possível, da realidade do sujeito passivo, aplicando o critério do custo da mercadoria vendida, apurado com base nas práticas comerciais correntes no sector de actividade impugnante, de descontos e bónus, e nos indicadores médios do sector de actividade;".
b). os critérios utilizados são suficientemente claros, razoáveis e fundamentados e que tiveram em conta as circunstâncias concretas em que a impugnante exerce a sua actividade;
c). o raciocínio subjacente aos critérios fixados foi suficientemente claro permitindo à impugnante contestar a liquidação adicional de IRC;
d). Concluindo, pois, pelo cumprimento do dever de fundamentação dos critérios fixados para o apuramento da matéria tributável, considerando não ter havido erro de quantificação.
5.ª - Sempre salvo o devido respeito, não tem razão a FP.
6.ª - Desde logo porque, contrariamente ao que afirma, a realidade da actividade do sujeito passivo não foi tida em conta.
7.ª - Com efeito, o primeiro erro cometido pela FP, condicionante de todos os demais, assenta em ter considerado que a margem bruta de comercialização apresentada pela impugnante se situou, no exercício em referência, em 4,46% (!).
8.ª - Na verdade, a margem bruta sobre as vendas praticada pela ora recorrente no exercício de 1996, compreendeu-se entre os 9% e os 10%, sendo totalmente destituídas de fundamento as percentagens indicadas pela AT.
9.ª - As quais só encontram explicação no contexto da muito deficiente análise que a AT fez dos preços de aquisição e venda, nomeadamente, dos 125 produtos que constituem o anexo V ao relatório (doc. n.º5 junto com a p.i.) porquanto:
a). os preços de aquisição achados pela AT são superiores aos efectivamente pagos pela impugnante.
b). os preços de venda que a AT determinou são superiores aos efectivamente praticados pela impugnante, os quais, tendo em conta os descontos feitos pelos fornecedores, também são vendidos a preços mais baixos;
c). a lista de produtos objecto de análise respeita exclusivamente à sede da impugnante (Idanha) tendo a AT omitido qualquer análise relativa às mercadorias vendidas no Algarve pela filial (Faro), onde a margem bruta sobre as vendas é superior (região de turismo com elevada pressão de procura e sazonalidade das actividades e a impugnante não praticar ali, em regra, descontos na venda de mercadorias);
d). a amostra feita pela AF (139 e 125 produtos) não é representativa do universo de mercadorias transaccionadas pela impugnante, que ascende a cerca de 2 000 produtos;
e). A AT omitiu que a impugnante fornece mercadorias, mediante concurso público, a certas entidades - por ex. a Universidade do Algarve e a Santa Casa da Misericórdia - ficando estipulado que, durante o período de duração do contrato, num mínimo de três meses, a impugnante é obrigada a respeitar o preço de venda acordado, exista ou não variação no preço de custo das mercadorias fornecidas àquelas entidades.
10.ª - Os manifestos erros cometidos pela AT resultam desde logo evidenciados, exemplificativamente, no teor do doc. n.º5 (Anexo V ao relatório da AT, segunda folha, quarta linha a contar do fim), que a AT apresenta com a absurda margem de comercialização de 0,00%(!) por ter considerado que o preço de aquisição e de venda foi o mesmo (57$00)l
11.ª - Sendo que o cotejo daquele documento com a factura correspondente (doc. n.e 15 junto com a p.i.) demonstra, sem mais, que o preço de aquisição daquele produto foi de 52$50 pelo que a margem de comercialização do mesmo se situou em 8,6% e não em 0,00% como pretende a AT.
12.ª - São inúmeros os erros de análise e, em consequência, de quantificação, cometidos pela AT, os quais se encontram devidamente evidenciados na douta sentença sob recurso.
13.ª - A ora recorrente demonstrou que houve erro na quantificação da matéria tributável, estando verificado o ónus da prova previsto no art. 74.º, n.º 3 da LGT.
14.ª - Assim sendo, não pode proceder a quantificação da matéria tributável promovida pela AT, porque assente em errados critérios de apuramento, como demonstrado.
15.ª - Devendo, em consequência, ser mantida a douta decisão sob recurso.
Nestes termos e nos mais de Direito que Vossas Excelências, Senhores Desembargadores, melhor suprirão, deve a sentença recorrida ser mantida, assim se fazendo JUSTIÇA!
A EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.
*
II. -FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. -DOS FACTOS:
Na sentença fixou-se o seguinte probatório:
Factos provados:
Da prova produzida nestes autos, resulta apurada com interesse para a decisão da causa a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:
A) A Administração Fiscal levou a efeito uma acção de fiscalização á Impugnante incidindo no exercício de 1996.
B) No âmbito da acção de fiscalização a que alude a al. A) do probatório, a Administração Fiscal, notificou a Impugnante para proceder à organização da sua contabilidade, dado verificar: " Livros selados a que se refere o artigo 31º do Código Comercial estão escriturados até 30 de Setembro de 1993.Ausência de contas correntes e balancetes." (Doc. fls. 198 dos autos -Anexo II junto ao Relatório de Inspecção)
C) Na sequência da acção de fiscalização a que alude a al. B) do probatório, foi elaborado o Relatório Final do qual se destaca:
"IV. MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS AFCTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
No exercício em análise, foram detectadas situações, impeditivas da correcta, directa e exacta comprovação e quantificação, dos elementos indispensáveis à determinação da matéria tributável, pelo que houve necessidade de recorrer, para a sua determinação, a métodos indirectos, nos termos do imposto artigo 51 ° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, e artigos 87° alínea b) e 88° alínea a) ambos da Lei Geral Tributária.
a)Não tem contabilidade regularmente organizada, nos termos das Leis Comercial e Fiscal, conforme obriga os artigos 44°, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e 98° do Código do Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Colectivas, dado que os Livros Obrigatórios a que se refere o artigo 31° do Código Comercial, estão apenas escriturados até 30 de Setembro de 1993, não possuindo extractos de conta corrente. A contabilidade não foi regularizada no prazo concedido, conforme anexos I, II e III.
b) A " margem bruta sobre as vendas", declarada pela empresa, situou-se em 4,46%.
Num teste efectuado, comparando os preços de aquisição e venda de 19 a 125 artigos, (para vendas destinadas à firam " B... & Filhos Lda", e a outros clientes, respectivamente), seleccionados através de uma amostragem aleatória representativo da actividade da empresa e ilustrado nos anexos IV e V, obtiveram-se os valores 12,36/ e 9,67%, sendo a media e a mediana do sector de 14,19% e 14,67% a nível nacional, e de 13,13/ e 15,47%, para verificado no distrito de Lisboa (anexo VI)
c) A 31 de Dezembro de 1995 e 1996, afirma não apresentava existências de mercadorias, sendo que a primeira aquisição efectuada no ano em. análise, teve lugar a 31 de Janeiro, conforme se pode verificar ao anexo VIII. No entanto, até esta data, foram realizadas diversas vendas suportadas pelas facturas 1139 a 1163, no montante de 5.217.819$00 e 2843 a 2944, (estabelecimento situado em Faro), no valor de 2.549.007$00.
d) As últimas facturas de venda, têm a numeração 15015, datada de 20 de Dezembro, e 15043 e 15045, ambas do último dia de 1996, não tendo sido apresentada justificação para este facto.
V- CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS A VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS A IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLECTIVAS
Através dos testes efectuadas e descritos nas alíneas b), c) e d) do anterior parágrafo, conclui-se que os elementos declarados e escriturados na declaração de rendimentos modelo 22, não reflectem a real actividade comercial da empresa" A...- Sociedade Abastecedora de Produtos Alimentares Caetanos Lda " .
Assim sendo, a MATÉRIA TRIBUTÁVEL, tal como assinalado anteriormente, irá ser determinada com recurso a MÉTODOS INDIRECTOS, nos termos do artigo 90° da Lei Geral Tributária, utilizando a metodologia a seguir exposta:
No exercício de 1996, foi declarado o Lucro Tributável de 230.517'$00, (duzentos trinta mil, quinhentos e dezassete escudos), sendo a margem bruta sobre as vendas" apresentada, de 4,6% assim determinada:
Vendas.................................................461.750.436$00
Existência iniciais ........................... 0
Compras .......................................... 441.144.443$00
Existência iniciais .........................0
Custo das mercadorias vendidas....441.144.443$00
Margem - 461.750.456$OO-441.144.443/461.750.4560$000-0,446
Neste exercício, a firma em análise vendeu à sua cliente " B... & Filhos Lda" mercadorias no montante de 37O.89O.082$00 (anexo IX), ou seja 0,8% do total, PRATICANDO A MARGEM S/FENDAS DE 12,36% (anexo IV).
Assim, para efectivação dos cálculos que conduzirão ao valor de vendas que presumidamente terá sido realizado, consideremos que 80% das compras declaradas, 441.144.443 $00x0,8=3 52.915.554$00, destinaram-se a vendas afirma indicada no ponto anterior. (...)
O Remanescente das compras, 88.228.889$00, destinou-se a transacções dirigidas aos restantes clientes, cuja margem obtida e espelhada no anexo V, situou-se em 9,67%. (...)
O total das VENDAS que presumivelmente terão sido realizadas em 1996, foi de:

Lucro Tributável Declarado - 23O.517$OO
Vendas Declaradas 461.75O.456$OO -
Vendas Presumidas 5OO.361.722$OO -
Correcção Efectuada às Vendas - 38.61 1.266$OO
Lucro Tributável - 38.841. 783$OO

(Doc.n.0 4 junto à p.i.)
D) Em 11.08.2000, mediante requerimento assinado pelo Sr. C...foi solicitado o pedido de revisão da matéria tributável nos termos do art. 91° da LGT. (Doc. n.°1 junto à p.i.)
E) Em 17.10.2000, reuniu na 1a Direcção de Finanças de Lisboa, D..., Inspector Tributário Principal, na qualidade de Perito designado pela Fazenda Pública e o Perito indicado pela Impugnante, E..., para apreciação do pedido de revisão da matéria tributável a que alude a al. D) do probatório, tendo deliberado por acordo manter a matéria tributável fixada com base em métodos indirectos. (Doc. n.°1 junto à p.i. — Acta n.° 186/2000)
F) Em 07.11.2000, com base nos valores fixados, foi efectuada a liquidação adicional de IRC n.° 8310013388, do ano de 1996, do montante de Esc: 20.115.338$00, dos quais Esc: 5.103.278 respeitam a juros compensatórios. (Doc. n.°3 junto à p.i.)
G) Em 12.12.2002, a Impugnante apresentou junto dos Serviços do Ministério Público - Tribunal Judicial da Comarca de Sintra - denúncia crime contra E.... (Doc. fls. 511 a 518 dos autos)
H) O procedimento criminal a que alude a ai.G) do probatório correu termos sob o 3234/02.0TASNT, no âmbito do qual E... foi acusado pela "autoria material na forma consumada e continuada” da " prática de um crime de burla agravada', conforme resulta do despacho de acusação que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (Doc. fls. 578 a 617 dos autos)
I) A Impugnante nunca deu qualquer tido de mandato a C...para apresentar o pedido de revisão e exercer a função de perito na Comissão a que alude a ai. E) do probatório. (Depoimento da testemunha F...)
J) C...mantinha com a Impugnante uma mera relação de prestador de serviços de contabilidade. (Depoimento da testemunha F...)
L) A intervenção de C...ocorreu à margem do conhecimento da Impugnante. (Depoimento da testemunha F...)
M) A Impugnante fornece mercadorias a entidades públicas, mediante concurso público, entre as quais a Universidade do Algarve. (Doc. n.°19 junto à p.i. e depoimento da testemunha F...)
N) As vendas efectuadas ás entidades referidas na al. M) do probatório apresentam uma reduzida margem de lucro. (Depoimento da testemunha F... e G...)
O) O preço definido no concurso é obrigatoriamente mantido por um período mínimo de três ou seis meses, (Doc. n.°18 junto á p.i. e depoimento da testemunha F...)
P) A Impugnante no ano de 1996, vendia mercadorias no Algarve através da filial de Faro. (Depoimento da testemunha F... e G...)
Q) A Impugnante adquiriu 24 unidades de Whisky Gold Reserv 12 garrafa 70 cls. e o fornecedor ofereceu 4 unidades do mesmo produto. (Doc. n.° 6 junto à p.i.)
S) A Impugnante adquiriu á H...300 latas de ananás rodelas Globo lata de 2.650 Grs e a empresa ofereceu 60 latas do mesmo produto. (Doc. n.° 7 junto à p.i.)
T) O fornecedor I...fez um desconto de 10% +14,9% no preço do fiambre tipo inglês. (Doc. n.° 8 junto à p.i.)
U) O fornecedor J..., S.A. concedeu um desconto de 15% sobre o preço do arroz extra-longo e ainda descontou mais Esc: 46$50 por Kilo. (Doc. n.° 9 junto à p.i.)
V) O fornecedor concedeu um desconto inerente ao prazo de liquidação da factura. (Doc. n.° 10 junto à p.i.)
X) A Impugnante obteve um desconto financeiro através de débito ao respectivo fornecedor. (Doc. n.° 11 junto à p.i.)
Z) O fornecedor L..., S.A. acordou com a Impugnante um 2% de rappel sobre todas as compras de queijo Terra Nostra. (Doc. n.° 12 junto à p.i.)
AÃ) A fornecedora M..., S.A. concedeu um desconto mensal na percentagem de 1,5% referente a bónus de distribuição e um desconto mensal na percentagem de 3% referente a " rappel". (Doc. n.° s 13 e 14 junto à p.i.)
AB) Dá-se como integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, a factura n.° 3598 emitida pela Compal a 03.27.96. (Doc. n.° 15 junto à p.i.)
AC) A Impugnante emitia usualmente ao fornecedor B..., Lda uma ou duas facturas mensais, atento o volume de mercadorias fornecidas. (Docs n.° 20,21,22,23,24 e 25 e depoimento da testemunha)
AD) Em 20.12.1996, a Impugnante emitiu a factura n.° 15015 ao cliente N.... (Doc. n.° 26 junto à p.i.)
AE) Em 31.12.1996, a Impugnante emitiu as facturas n.° 15043 e 15045 ao cliente B...& Filhos, Lda . (Doc. n.° 26 junto à p.i.)
AF)Em 06.04.2001, deu entrada na Repartição de Finanças de Lisboa - 2° Bairro de Lisboa - a petição inicial que originou os presentes autos. ( Cfr. carimbo aposto a fls. 3 dos autos)
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MOTIVAÇÃO DE FACTO
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos reportados em cada urna das alíneas do probatório em concatenação com o depoimento das testemunhas inquiridas.
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FACTOS NÃO PROVADOS
Não se consideram as demais asserções por constituírem considerações pessoais da impugnante, conclusões de facto e/ou direito.
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2.2. Do Direito:
Perante esta factualidade e aquelas conclusões delimitativas do objecto do recurso, cabe determinar a sorte deste, em que o thema decidendum consiste em saber se a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 1996 enferma de erro na respectiva quantificação (por erro no critério e metodologia usada pela Administração Fiscal).
Esgrime a recorrente, em substância, que o Tribunal a quo errou ao ter entendido que o sujeito passivo fez prova do excesso de quantificação da matéria tributável em obediência ao nº 3 do artº 74º da LGT e que a AT não cumpriu o ónus de fundamentar os critérios adoptados.
Nas conclusões IV a VI a recorrente sustenta que deu cumprimento cabal ao disposto no artigo 90° n°1 da LGT, na medida em que, procurou aproximar-se, o mais possível, da realidade do sujeito passivo, aplicando o critério do custo de mercadoria vendida, apurado com base nas práticas comerciais correntes no sector de actividade impugnante, de descontos e bónus, e nos indicadores médios do sector de actividade e, com base na ponderação referida, fixou o valor indiciário de 11,8%, como margem bruta de comercialização, encontrando-se esse valor, abaixo da média e mediana do sector de actividade, que é de 14,19% e 14,67% a nível nacional e de 13,13% e 15,47%, para o distrito em que o sujeito passivo tem localizada a sua actividade. Ou seja: a recorrente advoga que os critérios para apuramento da matéria colectável utilizados, são suficientemente claros, razoáveis e fundamentados, e que tiveram em conta, as concretas circunstâncias em que a impugnante exerce a sua actividade.
Afirma, por fim, que o raciocínio subjacente aos critérios por ela fixados foram suficientemente claros, permitindo à impugnante contestar a liquidação adicional de IRC, em sede judicial, não ficando o seu direito precludido, por isso tendo sido cumprido o seu dever de fundamentação dos critérios fixados para o apuramento da matéria colectável por métodos indiciários, inexistindo erro de quantificação.
Com efeito, o Mº Juiz «a quo» julgou a impugnação procedente com base na seguinte fundamentação e ao que ao caso importa:
“Vejamos, agora se a Administração Fiscal cumpriu o ónus que sobre ela impendia de fundamentar substancialmente os critérios de quantificação utilizados, enquanto critérios aptos/adequados ao resultado obtido em tal domínio.
A determinação da matéria colectável com o recurso a presunções ou estimativas não constitui um apuramento real da actividade do contribuinte, mas antes aproximado, verosímil, razoável, que pode ser contrariado e infirmado perante prova em que efectivamente se demonstre que tal matéria tem menor dimensão do que a encontrada ou que se encontra errado o critério utilizado pela Administração Fiscal nessa quantificação.
Efectivamente, dispõe, o art. 74.°, n.°3 da LGT que "Em caso se determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à Administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação".
O que equivale dizer que caberá, então, àquele a quem o método é oposto (no caso, a Impugnante) o ónus probandi de que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras, que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e/ou inadmissível, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.
Á luz do que ficou dito, vejamos se a Impugnante cumpriu com o ónus que sobre si recaia.
Consoante se deixou registado no probatório, e melhor se colhe dos autos, a Administração Fiscal, concluiu que a margem bruta sobre as vendas da Impugnante se situa entre 12,36% e 9, 67%.
No entanto, fica por explicar por que a Administração Fiscal procedeu desse modo. Não foi avançada qualquer explicação para que se pudesse aceitar que a matéria tributável seja determinada por esse critério. Fica sem se saber por que a Administração Fiscal considerou como método adequado para achar o volume de negócios a comparação dos preços de aquisição e venda de 139 e 125 artigos (para vendas à B... & Filhos, Lda) e a outros clientes.
Ora, como é bom de ver, não basta à Administração Fiscal indicar um qualquer critério de quantificação. Tem que demonstrar que o mesmo constitui uma forma válida de aproximação à realidade e, para tanto, terá que indicar de forma clara, precisa e suficiente, os factos conhecidos de que partiu e que lhe permitiram, à luz das regras de experiência, segundo critérios de razoabilidade e tendo em conta as concretas circunstâncias do exercício da actividade, fixar o critério de quantificação da matéria tributável e qual o raciocínio que lhe está subjacente, por forma a permitir à Contribuinte conformar-se com esse critério ou contestá-lo e ao Tribunal sindicá-lo.
Foi isso que a Administração Fiscal não fez e, assim, não podemos ter o critério utilizado na quantificação da matéria tributável como materialmente fundamentado.
Acresce, que ficou demonstrado perante a prova documental e testemunhal que a Administração Fiscal cometeu erros de análise em duas vertentes, por um lado não atendeu aos descontos que são praticados nos produtos (cfr. alíneas Q) a A.A.) do probatório), analisou deficientemente as facturas respeitantes à mercadoria fornecida pela Impugnante as quais foram emitidas já com o respectivo desconto e quanto ás facturas referentes a fornecimento de mercadorias, em que o desconto é processado na própria factura (cfr. AB) do probatório).
Com efeito, consta do Anexo V (quarta linha a contar do fim) que o preço de aquisição do néctar Compal lata 24<X200 ml é de 57$00 cada lata, igual ao preço de venda, o que não se compreende, sendo que resulta da ai. A.B) do probatório que o preço efectivo de aquisição é de 52$50.
Acresce, que descorou qualquer análise às mercadorias vendidas no Algarve, uma vez que a lista dos produtos objecto de análise respeitam exclusivamente à sede da Impugnante (Idanha).
Do relatado se conclui, que a Impugnante logrou demonstrar que houve erro ou manifesto exagero da quantificação da matéria tributável efectuada por métodos indirectos, por descorar a realidade, alegada e provada nesta sede pela Impugnante.”
Concordamos inteiramente com o assim fundamentado e decidido e que está na linha do defendido pela recorrida nas suas esclarecidas alegações.
Na verdade, a AT parte do pressuposto de que a margem bruta de comercialização apresentada pela impugnante se situou, no exercício em referência, em 4,46%, quando é certo que a margem bruta sobre as vendas alcançada pela contribuinte no questionado exercício de 1996, se situou entre os 9% e os 10%, o que tornam inverosímeis as percentagens apontadas e só compreensíveis pela incorrecta análise feita pela AT dos preços de aquisição e venda, nomeadamente, dos 125 produtos que constituem o anexo V ao relatório (doc. n.º5 junto com a p.i.).
Isso mesmo alegou e demonstrou a impugnante decorrendo da matéria de facto apurada que os preços de aquisição achados pela AT são superiores aos efectivamente pagos pela impugnante e que os preços de venda por ela considerados são superiores aos efectivamente praticados pela impugnante, os quais, tendo em conta os descontos feitos pelos fornecedores, também são vendidos a preços mais baixos. Nesse sentido, pontifica a o facto de a lista de produtos objecto de análise respeitar exclusivamente à sede da impugnante (Idanha) tendo a AT omitido qualquer análise relativa às mercadorias vendidas no Algarve pela filial (Faro), onde a margem bruta sobre as vendas é superior (região de turismo com elevada pressão de procura e sazonalidade das actividades e a impugnante não praticar ali, em regra, descontos na venda de mercadorias).
Acresce que a amostra feita pela AF (139 e 125 produtos) não é representativa do universo de mercadorias transaccionadas pela impugnante, que ascende a cerca de 2 000 produtos, tendo ainda a AT omitido que a impugnante fornece mercadorias, mediante concurso público, a certas entidades - por ex. a Universidade do Algarve e a Santa Casa da Misericórdia - ficando estipulado que, durante o período de duração do contrato, num mínimo de três meses, a impugnante é obrigada a respeitar o preço de venda acordado, exista ou não variação no preço de custo das mercadorias fornecidas àquelas entidades.
A evidência dos erros em que a AT incorreu decorre, a título meramente exemplificativo do teor do doc. n.º5 (Anexo V ao relatório da AT, segunda folha, quarta linha a contar do fim), que a AT apresenta com a margem de comercialização de 0,00% por ter considerado que o preço de aquisição e de venda foi o mesmo (57$00) quando é certo que, comparando o teor de tal documento com a correspondente factura correspondente (doc. n.º 15 junto com a p.i.) resulta claramente que o preço de aquisição daquele produto foi de 52$50 pelo que a margem de comercialização do mesmo se situou em 8,6% e não em 0,00% como sustentou a AT.
Assim, resultando a liquidação da aplicação dos métodos indirectos, em nosso entender, por toda a fundamentação expendida na sentença recorrida, não tem fundamento legal, gerando-se, pelo menos, fundada dúvida quanto à quantificação do facto tributário.
Dispõe o nº 1 do artº 100º do CPT que “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.”
Trata-se de norma que se reporta à questão do ónus da prova.
Com efeito, anteriormente à vigência deste normativo e do do artº 121º do CPT, firmara-se o entendimento de que o ónus da prova recaía sobre o impugnante, a quem cabia o encargo de provar a inexistência dos pressupostos que justificassem a anulação do acto impugnado (cfr. ac. do STA, de 5/5/76, AD 176/177, 1141 e ac. STA, de 9/2/77, Rec. 768).
A norma presente destrói claramente essa presunção legal a favor da AF (in dubio pro Fisco), e estabelece uma verdadeira repartição do ónus da prova (que se coloca apenas em relação a questões de facto), de acordo com os princípios da legalidade e da igualdade, e em termos de que a incerteza sobre a realidade dos factos tributários reverte, em regra, contra a AF, não devendo ela efectuar a liquidação se não existirem indícios consistentes da existência daqueles, isto é, se o conhecimento desses factos for baseado em meras aparências desacompanhadas da expressão factual de verdadeiros elementos probatórios.
Acresce que esta prova produzida há-de ser não só a prova aduzida pelas partes, como também a prova que ao juiz se impõe diligenciar (art. 13º, nº 1 do CPPT e artº99º da LGT).
A causa da dúvida no caso concreto não derivou do comportamento do contribuinte não tendo sido por incumprimento dos seus deveres de cooperação, que se inviabilizou a descoberta e apuramento dos factos tributários, não podendo a dúvida reverter contra ele.
No caso dos autos, a prova produzida pela impugnante logrou, como se demonstra na sentença, infirmar os factos em que assentou o acto tributário na vertente quantificadora.
No artº100º do CPPT (e já o mesmo acontecia no artº 121º do CPT) acolhe-se claramente o princípio da verdade material, vinculante para a própria AF que só deverá praticar o acto tributário quando «formar convicção da existência e conteúdo do facto tributável» devendo, em caso de subsistência de dúvida « acerca do objecto do processo(..) abster-se de praticar o acto tributário, dando assim cumprimento ao princípio in dubio contra fiscum»(Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 150, 158 e 169).
De acordo com A.Sousa e Silva Paixão, CPPT anotado, pág. 233, hoje é irrecusável que aquele princípio é estruturante não só do processo contencioso tributário como do processo administrativo tributário, devendo a fundada dúvida sobre a existência do facto tributário implicar que a AF se abstenha quer da respectiva quantificação, quer da subsequente liquidação do tributo. Em suma, é a indubitável consagração do princípio de que a dúvida reverte a favor do contribuinte, em substituição do princípio «in dubio pro fisco» que vigorou anteriormente à Reforma Fiscal.
A prova para o efeito relevante será não apenas a aduzida pelas partes, mas também e especialmente a prova que ao juiz se impõe diligenciar. Nesse sentido já se pronunciara o Acórdão do STA-2ª Secção, de 29/11/1995, proferido no Recurso nº 19 247, quando nele se expende, para justificar que o STA não sindica matéria de facto nos termos do artº 21º nº 4 do ETAF, que «A «fundada dúvida» referida no artº 121º do CPT (hoje 100º do CPT) é a que resulta da consideração de todo o apport probatório trazido ao processo pela Administração Fiscal e pelo contribuinte e tendo em conta ainda as diligências ordenadas pelo juiz, nos termos do seu artº 40º nº 1 (e do equivalente artº 100º do CPPT), que não apenas a «imputável» ao Fisco».
Assim sendo, cabia ao juiz da 1ª Instância realizar ou ordenar todas as diligências que considerasse úteis ao apuramento da verdade pois não pode considerar-se fundada a dúvida que implica a anulação do acto impugnado se assentar na ausência ou na inércia probatória das partes, especialmente do impugnante.
É que este não pode limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida «a existência e quantificação do facto tributário», incumbindo-lhe o «ónus probandi» de tais factos sem prejuízo de o juiz, no uso do seu poder-dever inquisitório, diligenciar também pela sua comprovação só sendo possível concluir-se pelo fundamento da dúvida mediante a prova concludente dos mesmos.
A este enquadramento do regime do artº 100º do CPPT há um «prius» que é a conceituação de facto tributário aderindo nós à que dele dá Alberto Xavier em Conceito e Natureza do Acto Tributário, págs. 247 e segs segundo a qual naquele existem um elemento subjectivo e um elemento objectivo integrado por um elemento material (acontecimento natural ou fenómeno de natureza económica, acto ou negócio jurídico tipificados na norma de incidência real), um elemento temporal (factos instantâneos ou duradouros) e um elemento quantitativo (factores legais de medição do objecto material do imposto).
É este elemento objectivo nas assinaladas vertentes que releva para efeitos da apreciação do regime estabelecido no artº 100º do CPPT de sorte que, no encalço dos dispositivos que nos vários códigos fiscais ao mesmo se referem, a existência do facto tributário será a realidade dos eventos concretos de natureza económica, actos ou negócios jurídicos que revelem a capacidade contributiva do contribuinte e que em abstracto estão descritos nas normas de incidência real de cada um daqueles códigos e a quantificação do facto tributário se aterá à medição daqueles factos materiais actuando as regras estabelecidas em cada um daqueles Códigos para a determinação da matéria colectável proveniente de rendimento, lucro ou valor.
Com esta delimitação, já se demonstrou e resulta claro que, pelo menos, é sustentável dúvida fundada sobre a quantificação do facto tributário e que dela foi feita prova concludente.
É que, tendo a AT adoptado o recurso a métodos indiciários para determinar o lucro tributável do contribuinte, compete-lhe demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação com recurso a tais métodos e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
Em tal situação, porque em relação à quantificação com recurso a métodos indiciários, pela sua própria natureza, não se pode exigir a mesma precisão que na quantificação feita com base na declaração do contribuinte, é exigível a este a prova de que os elementos utilizados pela AT ou o método que utilizou são errados.
«I casu» a contribuinte demonstrou o erro na quantificação do lucro tributável pois conseguiu provar, como alegou, que um dos pressupostos factuais utilizados excede o realmente verificado.
Mas, em nosso entender, da prova carreada para os autos resulta, pelo menos, uma fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário na medida em que, como se viu, essa indagação foi feita pelo MºJuiz «a quo» mediante a apreciação crítica da prova, tendo, a partir dela, concluído pela existência de erro sobre a quantificação.
E perante os factos dados como assentes não pode tirar-se outra conclusão.
Decorre do supra explanado que se verificavam os pressupostos da aplicação dos métodos indirectos mas que pode afirmar-se que há erro, ou, pelo menos dúvida fundada sobre a quantificação.
É que, os fundamentos aduzidos pelo Fisco e os resultados obtidos na determinação da matéria tributável, foram relevantemente contrariados com argumentos ou documentos que, demonstram certos erros cometidos pela AT e que conduzem ao menos e inexoravelmente à fundada dúvida sobre a quantificação dos factos tributários em análise e que determinam a anulação do acto tributário de liquidação.
É certo que a impugnante não invocou perante o tribunal de 1ª Instância a existência de tal dúvida e, saber se, perante determinado quadro factual, fica ou não fica "fundada dúvida sobre a existência ou quantificação do facto tributário", é questão que se põe em sede de matéria de facto, porquanto a "fundada dúvida" respeita aos factos, e resulta da livre ponderação dos elementos de facto recolhidos, e de um juízo crítico sobre eles.
E, como vem sendo afirmado pela jurisprudência, à face do artigo 100° do CPPT, só se estaria perante uma situação de fundada dúvida quando positivamente se provasse que tal quantificação era errada ou, pelo menos, que houvesse indícios de que o fosse, o que é o caso dos autos (cfr. Ac. do STA, de 24/04/2002, processo 026679), como a sentença demonstrou fazendo uma correcta apreciação da matéria de facto, não merecendo, por isso, qualquer censura neste particular.
Em reforço argumentativo, diga-se que a lógica de funcionamento do sistema do IVA é bem diversa dos impostos sobre o rendimento ou sobre o património. Tratando-se de um imposto sobre o consumo, é sobre este (consumo) que vai incidir, abrangendo quer as operações realizadas com terceiros a título oneroso - transmissões de bens ou prestações de serviços -, quer operações gratuitas.
Com efeito, de acordo com o artigo 3°, n°3, alínea f) do Código do IVA são equiparadas a transmissões de bens, e, por conseguinte, tributáveis para efeitos deste imposto, a "afectação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral afins alheios à mesma, bem como a sua transmissão gratuita, quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto (...) ".
Deste modo, por um lado temos o Relatório elaborado pelos Serviços de Inspecção, detalhando a metodologia de cômputo da base tributável a que chegou. O Relatório explicita também as razões que conduziram à desacreditação da contabilidade como reflectindo a realidade económica da empresa, impossibilitando a quantificação directa das vendas.
Do lado da Impugnante é contraposto um conjunto de argumentos acompanhados da produção da correspondente prova, com os quais este tribunal também concorda, sufragando a análise crítica da prova feita na sentença recorrida.
Neste ponto, é ilustrativa a jurisprudência emanada dos nossos tribunais superiores, designadamente no Acórdão do TCA, de 29 de Abril de 2003, no processo n°00107/2003, nos termos dos excertos infra:
"I. Apurada a matéria tributável de IRS por métodos indiciários, cabe à Administração Tributária a prova da verificação dos requisitos legais e a indicação dos critérios que presidiram a tal apuramento, constituindo ónus do contribuinte a prova da errada quantificação a que se chegou, nomeadamente pôr os critérios utilizados conduzirem a resultados desconformes com a realidade ou exagerados, tendo em conta a actividade desenvolvida pelo contribuinte.
2. Não se pode considerar demonstrada a errada quantificação encontrada pela Administração Tributária apenas com base em depoimentos vagos e imprecisos de testemunhas apresentadas pelo contribuinte que não permitem sequer chegar a um resultado quantitativo capaz de ser oposto aquele.
(...)
A Impugnante limitou-se a alegações insusceptíveis de contrariar os factos apurados pela fiscalização. Com efeito, pouco adianta referir que existiam sobras, se não existem documentos a comprovar a totalidade do produto fornecido e do produto devolvido; também pouco relevo tem o facto de serem praticados descontos se a contabilidade ou o recorrente não demonstram por documentos os valores vendidos, de modo a poder apurar-se qual o montante global do produto vendido e do desconto global efectuado. (...)
Cabia ao recorrente apresentar factos concretos e prová-los, de modo a poder apurar-se que a quantificação efectuada pela Administração Tributária era incorrecta, nomeadamente, apresentando os tais documentos dos descontos, os documentos dos produtos fornecidos e devolvidos, provas concretas das perdas na produção, venda ou armazenagem, etc. Não o tendo feito, e sendo certo que este tipo de prova não poderia decorrer de meras opiniões pessoais ou factos relatados por testemunhas, a sentença recorrida bem andou em não considerar tais depoimentos relevantes para efeitos de demonstração da errada quantificação da matéria tributável. (...)"
Igualmente, no Acórdão do TCA de 5 de Março de 2002, processo n.° 3472/00, refere-se que:
"(...) em relação à quantificação com recurso a métodos indiciários, pela sua própria natureza, não se pode exigir a mesma precisão que na quantificação feita com base na declaração do contribuinte, não basta a este criar uma dúvida razoável, antes se lhe exigindo a prova de que os elementos utilizados pela AT ou o método que utilizou são errados (cfr. art. 121.º do CPT).
(...)
Tenha-se presente que, se é à AT que compete demonstrar, fundamentadamente, que a contabilidade não merece confiança, para que seja possível recorrer a estimativas ou presunções (métodos indiciários) na fixação da matéria tributável Neste sentido, SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, Lex - 1998. pág. 281, e VIEIRA DE ANDRADE, Direito Administrativo e Fiscal, parte I, págs. 150 a 152., feita essa demonstração, cabe então ao contribuinte demonstrar, e não só gerar fundada dúvida, que houve «erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada» (cfr. art. 121.°, n.° 3, do CPT).
(...) é sobre o contribuinte que recai o ónus de demonstrar o erro ou manifesto exagero desta quantificação (art. 121.°, n.º 3, do CPT), não bastando que o mesmo crie dúvida sobre a quantificação do facto tributário. Como adverte SALDANHA SANCHES, «o regime de dúvida razoável aplicado à prova indirecta levaria longe de mais, na medida em que a avaliação indirecta é sempre menos exacta da que é feita, nos termos legais, pelo contribuinte» Ob. cit., pág. 281.. Bem se compreende que assim seja. Como ficou dito no acórdão deste Tribunal de 22 de Maio de 2001, proferido no recurso com o n.° 4016/00, esta posição menos favorável do contribuinte compreende-se «porque a quantificação por presunção só a si lhe é imputável, pelo que o contribuinte, se queria ser tributado pelo lucro real, deveria ter uma contabilidade sã, que permitisse o controlo dos dados nela constante».
Se é certo que nada obsta a que o Impugnante questione em sede de impugnação da liquidação do IRC a fixação da matéria tributável com base em erro na quantificação, designadamente por erro quanto aos pressupostos de facto em que esta assentou, o que ficou dito pelo Mº Juiz e que inteiramente se acolheu, permite concluir que também no que se refere à concreta quantificação da matéria colectável, se vislumbra que a actuação da Administrarão Fiscal padece de ilegalidade que invalida a liquidação impugnada.
Como resulta da matéria de facto que foi dada como assente, a impugnante logrou provar a existência de erros na quantificação pois, tendo sustentado que houve erro, a prova produzida é suficiente no sentido de demonstrar que o valor adoptado pela AT não é correcto.
E, nos termos do nº 2 do artº 100º do CPPT, em caso de quantificação da matéria tributável por métodos indirectos não se considera existir dúvida fundada, para efeitos do número anterior, se o fundamento da aplicação daqueles consistir na inexistência ou desconhecimento, por recusa de exibição, da contabilidade ou escrita e de mais documentos legalmente exigidos ou a sua falsificação, ocultação ou destruição, ainda que os contribuintes invoquem razões acidentais.
Ora, nenhuma dessas limitações á aplicabilidade do regime da fundada dúvida sobre a quantificação se verifica no caso concreto.
De resto e como salientam A.J. Sousa e Silva Paixão, in CPPT Anotado e Comentado, pág. 237, a compreensão deste regime processual – da fundada dúvida - passa necessariamente pela ponderação dos princípios estruturantes da Reforma Fiscal, sobretudo no que concerne aos impostos sobre o rendimento.
Assim, o art. 104.° n.° 2 da Constituição proclama que «a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real» .
Daí que no n.° 9 do preâmbulo do CIRC, se acentue que é a declaração do contribuinte, controlada pela administração fiscal, que constitui a base da determinação da matéria colectável. A determinação do lucro tributável por métodos indiciários é, consequentemente, circunscrita aos casos expressamente enumerados na lei, que são reduzidos ao mínimo possível, apenas se verificando quando tenha lugar em resultado de anomalias ou incorrecções da contabilidade, se não for de todo possível efectuar esse cálculo com base nesta.
Donde a tipificação dos factos que possibilitam a aplicação de métodos indirectos na determinação do lucro tributável e as restrições a tal aplicação contidas no art. 51º do CIRC, remissivo para os arts . 87.° a 89 .° da LGT.
Tudo isto para se concluir que, quer no procedimento administrativo, quer no processo judicial, o que há-de relevar é o princípio da verdade material do facto tributário que gera o direito à arrecadação do imposto, provado directamente pela declaração e (ou) contabilidade do contribuinte ou pela administração fiscal, nos casos tipificados na lei, através dos meios gerais e especiais de prova legalmente admissíveis.
A dúvida fundada sobre a existência e quantificação de tal facto tributário, estabelecida no processo judicial (ou administrativo), equivalerá à conclusão pela sua inexistência e consequente anulação (ou abstenção da prática) do acto tributário que o tenha por base.
Tendo tudo isso presente e considerando ainda que pela impugnante juntos diversos documentos, entre eles facturas que, embora não contrariem a necessidade do recurso a métodos indirectos, evidenciam uma discrepância entre o volume de negócios e os valores encontrados pela AT, gera-se fundada a dúvida sobre a quantificação do acto tributário.
Perante o exposto, é lícito recorrer à regra do artº 100º do CPPT pois que resulta do probatório exarado na sentença sob recurso que embora a escrituração comercial reportada ao ano em causa como a documentação de suporte dos lançamentos contabilísticos da Recorrida, não se apresentam de acordo com os requisitos legalmente tabelados, e, pelo mais que da sentença se apura, com base em matéria de prova produzida pela impugnante, existem erros que, no mínimo, geram uma fundada dúvida sobre a quantificação da matéria tributável.
Termos em que improcedem «in totum» as conclusões do recurso interposto pela Fazenda Pública.
*
3. -DECISÃO:
Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e confirmar a sentença recorrida.
Sem custas por delas estar isenta a parte vencida.
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Lisboa, 01/02/2011
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Joaquim Condesso)