Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03177/09
Secção:CT - 2.º Juízo
Data do Acordão:01/12/2010
Relator:Lucas Martins
Descritores: JUROS COMPENSATÓRIOS
CULPA
Sumário:A razão de ser dos juros compensatórios prende-se, além do mais, com um juízo de censura, a título de culpa, ou seja, numa conduta dolosa ou negligente, imputável ao sujeito passivo, determinante do não recebimento atempado, pelo Estado, da totalidade do imposto devido e, nessa medida, constitutiva de uma obrigação de indemnizar de natureza civil.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:- «A...– Companhia de Seguros de Vida, SA», com os sinais dos autos, por se não conformar com a decisão documentada de fls. 96 a 98, inclusive, dos autos, e, pela qual, o Mm.º juiz recorrido lhe julgou improcedente esta impugnação judicial deduzida contra a liquidação de juros compensatórios referentes a liquidação adicional de IRC, do exercício de 1996, dela veio interpor o presente recurso apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões;

1.ª A questão objecto dos presentes autos consiste em saber se o sujeito passivo agiu com culpa justificativa da liquidação e do pagamento de juros compensatórios;

2.ª A sentença recorrida enferma de erro de julgamento no que respeita à resposta a tal questão uma vez que parte do pressuposto erróneo de que a justificação da inexistência de culpa assentou no simples facto de uma determinada alteração legislativa (a Lei nº. 109-B/2001, de 27 de Dezembro), que aditou o artigo 79.º-A ao Código do IRC) ter vindo consagrar expressamente o entendimento perfilhado pela Recorrente quanto ao tratamento fiscal dos resultados das empresas seguradoras;

3.ª Na verdade, o que a Recorrente afirmou, e afirma, é que aquela alteração legislativa veio consagrar expressamente uma das soluções interpretativas possíveis face à lei fiscal aplicável à data dos factos, precisamente aquela por si perfilhada, denunciando tal alteração legislativa a necessidade que o legislador fiscal sentiu de clarificar uma matéria complexa que até então se prestava a interpretações divergentes;

4.ª Faltou, pois, à sentença recorrida apreciar devidamente se a conduta da ora Recorrente resultou de uma razoável interpretação da lei fiscal aplicável, ainda que divergente da perfilhada pela administração tributária ou, ao invés, consubstanciou um incumprimento de deveres de diligência;

5.ª Efectivamente, na génese das correcções á matéria colectável e da liquidação de juros compensatórios sub judice encontra-se a divergência interpretativa quanto a saber-se se as depreciações dos investimentos das empresas de seguros a representar provisões técnicas e os investimentos livres, na parte não coberta pelo “Fundo para Dotações Futuras” ou pela “Reservas de Reavaliação Regulamentar”, reclamavam ou não um ajustamento ao lucro contabilístico para efeitos de determinação do respectivo lucro tributável;

6.ª Tal divergência teve origem na aprovação do novo Plano de Contas para as Empresas de Seguros (PCES) pela Norma 7/94-R do Instituto de Seguros de Portugal (ISP), alterado pelas Normas 14/95-R e 18/95-R, que passou a impor a aplicação do princípio do valor actual à generalidade dos investimentos das empresas de seguros e o consequente reconhecimento em contas apropriadas de resultados – mais-valias não realizadas e menos- -valias não realizadas – da variação entre o valor de aquisição ou o último valor actual contabilizado e o último valor actual ou de venda;

7.ª No que respeita, em concreto, aos investimentos a representar provisões técnicas ou investimentos livres, a cada lançamento nas contas de mais e menos-valias não realizadas, corresponde um lançamento de sinal contrário nas contas de “Dotação para o fundo de Dotações Futuras” ou de “Dotação da reserva de reavaliação regulamentar”, através das contas de resultados de “Utilização do fundo para dotações futuras” ou “Utilização da reserva de reavaliação regulamentar”, no caso de se tratar de menos-valias não realizadas;

8.ª Ora, é precisamente o enquadramento fiscal dos resultados gerados com os referidos movimentos, no caso em que os valores das rubricas “Fundo para dotações futuras” e “Reservas de reavaliação regulamentar” se apresentavam insuficientes para a coberturas das menos-valias não realizadas de investimentos que suscitou larga controvérsia até à entrada em vigor da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro;

9.ª A interpretação que veio a ser adoptada pela administração tributária foi a de que se tratavam de perdas meramente potenciais pelo que, por aplicação do artigo 23.º, n.º 1, alínea i), do Código do IRC, a contrario sensu, se deveria expurgar as referidas perdas do resultado contabilístico;

10.ª Houve quem entendesse, porém, que a interpretação sã da lei fiscal seria a de que o registo das perdas, imposto pelo PCES, de investimentos a representar provisões técnicas ou investimentos livres, não cobertas pelo “Fundo de dotações futuras” ou pela “Reserva de reavaliação regulamentar”, revestiria a natureza de verdadeiras provisões para depreciação de títulos impostas pela normalização contabilística do sector e, como tal, fiscalmente dedutíveis ao abrigo da alínea h) do n.º 1 do artigo 23.º e da alínea d) do n.º 1 do (então) artigo 33.º do Código do IRC;

11.ª Com efeito, atendendo ao disposto no n.º 1 do artigo 017.º do Código do IRC, afigurava-se esta última como a solução mais correcta uma vez que não se encontrava expressamente previsto no Código do IRC qualquer ajustamento no que respeita às referidas perdas reflectidas no resultado líquido do exercício;

12.ª O enquadramento das referidas perdas como provisões para depreciação de títulos era também o que resultava da interpretação conjugada das ordens normativas contabilística e fiscal, levando em consideração a verdadeira essência e finalidade dos movimentos contabilísticos subjacentes à aplicação do referido princípio do valor actual, designadamente o objectivo de que as demonstrações financeiras das empresas seguradoras reflectissem rigorosamente o verdadeiro valor dos activos que compõem o seu património;

13.ª Para além do mais, em abono da razoabilidade da interpretação adoptada pela generalidade das empresas do sector, incluindo a Recorrente, assoma a semelhança de tais dotações com provisões para menos-valias de títulos e imobilizações financeiras constituídas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras, cuja dedutibilidade nunca foi questionada;

14.ª Acresce que já ao abrigo do plano de contas anteriormente aplicável às seguradoras se previa esta redução do valor dos resultados, por registo na conta de “Flutuação de Valores”, cuja dedutibilidade fiscal foi inclusivamente reconhecida pela administração tributária (cf. Informação n.º 1083/98, da Direcção de Serviços do IRC, sancionada por despacho de 23.02.98 do Exmo. Senhor Subdirector- Geral dos Impsotos);

15.ª Além disso, também a doutrina adoptou a enunciada interpretação relativamente ao tratamento fiscal a dar às perdas potenciais não cobertas (Cf. FERNANDO CASTRO SILVA, Nota sobre alguns ajustamentos ao resultado contabilístico das empresas de seguros em face do PCES com as alterações introduzidas pela norma 14/95-R, in Fisco n.º 78/79, p. 68);

16.ª Em suma, as divergências interpretativas que existiram quanto ao tratamento fiscal a dar às perdas potenciais em referência eram perfeitamente justificadas pela complexidade da matéria, sendo certo que inexistia à data dos factos qualquer orientação quer do Instituto de Seguros de Portugal quer da administração tributária;

17.ª Na verdade, só em 1998, a administração tributária viria finalmente a tomar posição acerca destas complexas matérias, tendo a Direcção de Serviços do IRC exarado para o efeito a citada informação n.º 1083/98, onde se concluía que a parte do saldo não coberta deveria ser acrescida ao resultado líquido do exercício;

18.ª Tal posição da administração tributária constitui evidência da controvérsia existente uma vez que não apenas apresenta solução por si adoptada como também vem refutar solução oposta igualmente plausível;

19.ª A complexidade do enquadramento fiscal da contabilização dos investimentos das empresas seguradoras é ainda revelada pela necessidade sentida pela própria administração tributária de criar um grupo de trabalho especificamente vocacionado para a resolução das dificuldades técnicas neste domínio e pela consagração de um regime fiscal especial que atendesse às especificidades desta matéria;

20.ª Tal controvérsia originou ainda que a Lei do Orçamento do Estado para 2002 (Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro) viesse introduzir um novo artigo 79.º-A do Código do IRC, o qual consagrou, em grande medida, o entendimento propugnado pela Recorrente e que, no seu entender, já encontrava previsão legal no que respeitava às depreciações dos investimento a representar provisões técnicas do ramo vida e não afectos;

21.ª De todo o exposto resulta manifesto que o tratamento fiscal das depreciações dos activos em questão suscitava justificadas divergências interpretativas, as quais não foram devidamente tidas em consideração pelo Tribunal a quo, porquanto, atenta a razoabildiade da interpretação sustentada pela Recorrente, não poderá deixar de concluir-se que aquela não incumpriu com quaisquer deveres de diligência e que a sua conduta não merece a censura justificativa de eventual responsabilidade pela liquidação e pagamento de juros compensatórios;

22.ª Ora, uma vez que a culpa, conjuntamente com o atraso na liquidação, constitui pressuposto da liquidação dos juros compensatórios, nos termos do disposto no artigo 83.º do Código de Processo Tributário (a que sucdeu o artigo 35.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária) e artigo 80.º, n.º 1, do Código do IRC, (actual artigo 94.º), e atendendo a que não pode ser assacado à Recorrente um juízo de censura, a título de dolo ou negligência, aferido em abstracto, segundo a diligência do “bónus pater famílias”, não existe qualquer fundamento para a liquidação de juros compensatórios;

23.ª Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo é consonante ao considerar não culposo o retardamento na liquidação de imposto que seja motivado por compreensiva divergência de critérios entra a administração tributária e o contribuinte ou a erro desculpável deste;

24.ª Assim, secundando também a doutrina que afirma que a fundada dúvida suscitada pelo contribuinte sobre os pressupostos de facto da liquidação de juros compensatórios é resolvida a favor deste, conclui-se necessariamente, no caso dos autos, pela impossibilidade de lançar um juízo de censura à conduta da Recorrente;

25.ª Pelo que, por todas as razões acima aduzidas, deve o acto tributário sub judice ser anulado nos termos peticionados e, por conseguinte, a sentença recorrida.

- Não houve contra-alegações.

- O EMMP, junto deste Tribunal, emitiu o douto parecer de fls. 139/140 pronunciando-se, a final, pela improcedência do recurso no entendimento, no essencial, de que o atraso na liquidação adicional de IRC à qual se reporta o apuramento dos juros compensatórios aqui em discussão se não deve a qualquer divergência interpretativa da lei fiscal mas antes ao seu incumprimento por parte da recorrente.

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- Colhidos os vistos legais cabe decidir.

- A decisão recorrida, ancorando-se, para o efeito, nos elementos constantes dos autos, deu, por provada, a seguinte;

- MATÉRIA DE FACTO -


A). Na sequência de acção de inspecção, a Administração Tributária procedeu, em 25 de Setembro de 1999, à liquidação adicional de IRC, relativamente ao exercício da impugnante do ano de 1996, no montante de Esc. : 15.633.800$00, sendo Esc. 3.176.181$00 de juros compensatórios – fls. 39;

B). A liquidação referida em A teve por base correcções efectuadas à declaração de rendimentos da Impugnante do ano de 1996, consistentes na desconsideração como custo fiscal de quantias referentes a mais e menos-valias não realizadas, por aplicação do art. 23º, nº 1, al. i), do CIRC – fls. 24;

C). A quantia referida em A foi paga em 2 de Dezembro de 1999 – fls. 39;


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- Por se entender relevante à decisão de mérito a proferir, à luz das possíveis soluções de direito, na medida em que documentalmente demonstrada, nos termos do referido nas subsequentes alíneas, adita-se, a coberto do estatuído no art.º 712.º/1, do CPC, ao probatório, a seguinte factualidade;

D). No que se refere aos registos contabilísticos referentes às mais e menos-valias não realizadas, pelas empresas de seguros, o Director-Geral dos Impostos, por despacho de 98FEV02, sancionou o entendimento sufragado na informação da DGI, n.º 1083/98OUT22, propondo, designadamente, que; «No que se refere a investimentos relativos a seguros de vida em que o risco de investimento é suportado pelo tomador do seguro, a diferença entre as mais-valias não realizadas e as menos-valias não realizadas, deverá ser deduzida ou acrescida, consoante tal diferença seja , respectivamente, positiva ou negativa;

[…]» cfr. fls. 88 a 110, inclusive, do Proc. de Recl. Graciosa apenso;

E). A informação a que se faz alusão na precedente alínea foi solicitada pela Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária, no sentido de «[…] ser esclarecida sobre o tratamento fiscal que deverá ser aplicado ás situações em que, quer o “Fundo para Dotações Futuras”, quer a “Reserva de Reavaliação Regulamentar”, não apresentam saldo suficiente que permita a cobertura integral das menos-valias não realizadas. […]» - cfr. fls. 91 do Proc. de Recl. Graciosa apenso;

F). Na sequência da introdução em juízo da presente impugnação, a AT decidiu manter o acto impugnado com suporte fundamental na consideração de que ocorreu retardamento na entrega do imposto devido o qual é imputável á recorrente – cfr. fls.89 a 95, inclusive, do PAT apenso n.º 574/03, designadamente, o n.º 22, a fls. 93, e o parecer e despacho, de fls. 95.

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- ENQUADRAMENTO JURÍDICO -


- A questão decidenda consiste em saber se a liquidação de juros compensatórios impugnada nos autos padece, ou não, de ilegalidade, por se não verificarem/demonstrarem, “in casu”, todos os necessários pressupostos legais, e, por consequência e em função dela, se a decisão recorrida enferma, ou não, de erro de julgamento em tal matéria.

- Como resulta do relatório da acção inspectiva a que foi sujeita a recorrente, por referência ao exercício de 1996, e tal como decorre das duas primeiras alíneas do probatório, a AF corrigiu a matéria colectável declarada da impugnante, por acréscimo, na importância de Esc. 109 843 494$ (€ 547 897,04) e correspondente a diferenças existentes em contas de saldos ali identificadas na medida em que reportadas a perdas apenas potenciais e não efectivas, nessa medida não sendo consideradas como custo de exercício a título de menos-valias; e, em resultado de tal correcção a AT procedeu à liquidação documentada a fls. 39 a qual integra a quantia de Esc. 3 176 181$ (€ 15.842,72) respeitante à liquidação de juros compensatórios aqui em causa.

- E a divergência da recorrente com a prática de tal acto tributário, - e, por isso, com a decisão recorrida que o sancionou -, reside na circunstância de considerar que, sendo imprescindível um juízo de censura, a título de culpa, que lhe seja imputável, pelo retardamento da liquidação de imposto, tal requisito não se verifica no caso “sub judice”, uma vez que a forma como elaborou a sua declaração de rendimentos referente ao exercício em causa e motivadora da correcção operada pela AT, se deveu a uma mera e legítima divergência de critérios interpretativos da lei aplicável por reporte ao entendimento acolhido pela AT, ou, como refere a recorrente, tal divergência “(…) consistia em saber se as depreciações dos investimentos das empresas de seguros a representar provisões técnicas e os investimentos livres, na parte não coberta pelo “Fundo para Dotações Futuras” ou pela “Reservas de Reavaliação Regulamentar” reclamavam ou não um ajustamento ao lucro contabilístico para efeitos de determinação do respectivo lucro tributável”, sendo que, em seu entender, a posição que acolheu se mostra justificada face à divergência entre as normas contabilísticas próprias das empresas de seguros e o estatuído no CIRC, particularmente na al. i), do n.º 1, do art.º 23.º, do CIRC, na redacção vigente.

- Ao que aqui releva, estatui o art.º 35.º, da LGT, no seu n.º 1, que, sempre que ocorra retardamento da liquidação, do total ou de parte do imposto devido, são devidos juros compensatórios pelo sujeito passivo, desde que(1) tal retardamento decorra de facto que lhe seja imputável.

- No essencial, trata-se, pois, do mesmo regime substantivo consagrado pelo revogado CPT, no seu art.º 83.º, quando determinava que “Em caso de atraso na liquidação por motivo imputável ao contribuinte, são devidos juros compensatórios”.

- A razão de ser dos juros compensatórios prende-se, pois, necessariamente, com um juízo de censura, a título de culpa e, por consequência, numa conduta, no mínimo, negligente, imputável ao sujeito passivo e que se prende com a sua responsabilização cível, no sentido de indemnizar o Estado pelos prejuízos decorrentes do não recebimento atempado do imposto devido com suporte numa conduta ilícita ou de desvalorização normativa do quadro legal vigente e aplicável injustificável/indesculpável, ou, dito de outra forma censurável; Ou seja, numa conduta a que é alheia uma qualquer eventual responsabilização de natureza “penal/fiscal”.

- Trata-se, pois, do conceito civilista de culpa, cuja demonstração cabe à AT, seja enquanto conduta positiva e agressiva na prática do acto tributário do respectivo apuramento, seja enquanto entidade que a invoca em suporte do aludido acto, nos termos do preceituado no art.º 572.º do CC.

- Sobre esta temática, remetemos para os doutos considerandos do recente Ac. do STA, de 2009MAR11, tirado no Proc. n.º 0961/08, nos termos do excerto que, de seguida transcrevemos;

«De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 89.º do Código do IVA (na redacção dada pelo n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de Novembro), «Sempre que, por facto imputável ao contribuinte, for retardada a liquidação ou tenha sido recebido reembolso superior ao devido, acrescerão ao montante do imposto juros compensatórios nos termos do artigo 35.º da Lei Geral Tributária» […].
Disposições legais deste género são qualificadas pela doutrina como um meio de carácter repressivo e preventivo com a natureza própria de uma medida de pressão destinada a assegurar a declaração e a cobrança dos impostos – cf. a Revista Fisco, n.º 32, p. 48.
Os juros compensatórios têm a natureza de indemnização por facto ilícito: o incumprimento de um dever. Ora, a responsabilidade por actos ilícitos tem assento na culpa do causador do dano, segundo o artigo 483.º do Código Civil; esta, nos termos do artigo 487.º deste último diploma, não pode ir além da exigibilidade da diligência do homem médio, ou seja, da diligência reportada ao campo do cumprimento recíproco dos deveres impostos ao devedor e ao credor (ver Prof. Gomes da Silva, O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, p. 196) – cf. Duarte Faveiro, Noções Fundamentais de Direito Fiscal, I, 1984, p. 362.
A culpa, como é sabido, consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto (a diligência de um bom pai de família), quer no que respeita à responsabilidade extracontratual, quer no domínio da responsabilidade contratual – cf. os artigos 487.º, n.º 2, e 799.º, n.º 2, do Código Civil; e Vaz Serra, na Revista de Legislação e Jurisprudência n.º 110, p. 151.
A culpa, em sentido restrito, traduz-se na omissão da diligência exigível. O agente devia ter usado de uma diligência que não empregou. Devia ter previsto o resultado ilícito, a fim de o evitar, e nem sequer o previu. Ou, se previu, não fez o necessário para o evitar, não usou das adequadas cautelas para que ele se não produzisse – cf. Galvão Teles, Direito das Obrigações, 2.ª edição, p. 328.
A culpa exprime um juízo de responsabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo.
É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor, e pode revestir duas formas distintas: o dolo, e a negligência – cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, p. 559. Em suma: a culpa, em qualquer das suas modalidades, traduz-se sempre num juízo de censura em relação à actuação do agente: o lesante, pela sua capacidade, e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo.
Para além da possibilidade da enunciação de um juízo de censura sobre o comportamento decorrente da violação dos deveres de colaboração e de lealdade para com a Administração Fiscal, torna-se necessária ainda a verificação de um nexo de causalidade adequada entre o comportamento do contribuinte e o retardamento da contribuição devida – cf., neste sentido, por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 31-5-1989, e de 1-2-1989, no Apêndice ao Diário da República, respectivamente, de 15-5-1991, a p. 691 e ss., e de 12-10-1990, a p. 128 e ss..
Se não estiver demonstrada a culpa do contribuinte, designadamente porque a Administração Fiscal ou terceiro de algum modo concorreram para o atraso na liquidação, não devem ser liquidados juros compensatórios.
Também não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação respectiva ficou a dever-se a mera e compreensível divergência de critérios de qualificação de custos entre a Administração e o contribuinte ou a erro desculpável do contribuinte – cf., por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 17-2-1982, e de 5-6-1985, nos Acórdãos Doutrinais n.ºs 247 e 281, respectivamente, pp. 966, e 220.
Cf., ainda no mesmo sentido, e por mais recentes, os acórdãos desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 23-10-2002, e de 16-2-2005, proferidos nos recursos n.º 1145/02 e n.º 1006/04, respectivamente.».

- Sendo esta a doutrina aplicável crê-se que, no caso vertente e em face do probatório fixado, a razão se encontra do lado da recorrente.

- Na realidade, o Mm.º juiz recorrido, para decidir como decidiu, limitou-se a considerar, em síntese, que apenas com o início da vigência da Lei n.º 109-B/2001DEZ27 se alterou o critério legal estabelecido no art.º 23.º/1/i) do CIRC por força do qual e até então apenas as menos-valias realizadas eram atendíveis como custos fiscais, pelo que, estando em causa o exercício de 1996, não podia a recorrente deixar de o respeitar, em obediência à lei vigente; e daqui extrapola que o atraso na liquidação do imposto adicionalmente liquidado lhe é imputável, pelo que entendeu de manter a liquidação impugnada de juros compensatórios.

- Sem que se ponha em causa, por um lado, que todos estão vinculados ao cumprimento da lei e, por outro, que com a Lei n.º 109-B/2001, se estabeleceu um regime legal inovador, nesta matéria, no sentido do praticado pela recorrente no exercício aqui em causa, ainda assim não se acompanha o entendimento de que tal seja o bastante para formular um juízo de censura, a título de culpa, nos termos do acima exposto, e imputável à recorrente, apto a fundamentar substancialmente a liquidação posta em crise nestes autos.

- É que, dos elementos coligidos para os autos parece legítimo extrapolar-se que, desde logo em face dos diferentes regimes contabilísticos aplicáveis às empresas seguradoras, era duvidoso que, em data posterior à do exercício aqui em causa e anterior à aludida Lei n.º 109-B/2001, as mais e menos-valias “latentes” devessem acrescer na, formação do lucro tributável das mesmas, como resulta da explanação dos “motivos” da informação n.º 1083/98OUT22, prestada a solicitação da DSPIT, no sentido de “[…]ser esclarecida sobre o tratamento fiscal que deverá ser aplicado às situações em que, quer o «Fundo para Dotações Futuras», quer a «Reserva de Reavaliação Regulamentar», não apresentam saldo suficiente que permita a cobertura integral das menos-valias não realizadas. […]».

- Ora, sendo certo que, mau grado a especificidade própria do ramo do direito fiscal, o princípio a atender deverá ser o da coerência do todo do ordenamento jurídico aplicável, de algum modo aflorado no art.º 11.º da LGT, se nos afigura como legítima a dúvida decorrente do tratamento a dar, a esta questão, pelas empresas de seguros, face às normas e princípios contabilísticos e ao estatuído no art.º 23.º/1/i), do CIRC.

- Por outro lado, não se nos apresenta claro um qualquer procedimento alternativo ou de segurança, a seguir pelas empresas de seguros, no sentido de clarificarem, designadamente no pedido de qualquer tipo de informação/esclarecimento, nomeadamente vinculativa, à AT, seja porque a informação a prestar apenas era adequada ao esclarecer a posição da AT sem que tal implique(casse) a ilação forçosa de tratar-se da informação correcta, tanto mais que, apesar de com carácter inovador, a Lei n.º 109-B/2001 não deixa de reflectir a sensibilidade do legislador no sentido de corresponder às necessidades do sector de actividade em causa, seja porque e como já antes referido, independentemente dessa mesma informação, se verifica que em data posterior, a própria AF, pela “voz” da Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária, tinha fundadas dúvidas e reservas sobre qual dos procedimentos, - o empregue pela recorrente e o utilizado pela AT nas correcções operadas -, era de adoptar face ao quadro legal vigente.

- Numa palavra, crê-se que, em nosso entender, se demonstra, pela positiva, que a conduta da recorrente se encontra justificada, face à falta de harmonização de regras a que se encontrava sujeita e à sustentabilidade jurídica do seu entendimento quanto ao tratamento a dar às mais e menos-valias não realizadas, nessa medida excluindo qualquer juízo de censura apto a suportar a liquidação dos juros compensatórios em causa; Como quer que seja e ainda que assim se não entenda, é, no entanto e no mínimo, indiscutível, em nosso entender, que se não demonstra, também pela positiva, a ocorrência do referido juízo de censura o que, atenta a circunstância do ónus de tal prova recair sobre a AT, acarreta que conclusão final seja a mesma, isto é a da inverificação dos necessários e legais pressupostos à concretização do acto tributário impugnado.

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- D E C I S Ã O -


- Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCASul, em conceder provimento ao recurso e, assim, revogar a decisão recorrida e, em substituição, em julgar procedente a presente impugnação com a consequente anulação da liquidação de juros compensatórios aqui impugnada.
- Sem custas.

Lisboa 12/01/2010

Luvas Martins
Magda Geraldes
José Correia

1 - Realce e sublinhado, agora como doravante, da nossa responsabilidade.