Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1045/09.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:01/13/2022
Relator: VITAL LOPES
Descritores:IRC; ALIENAÇÃO DE VIATURAS DE SERVIÇO; RECLASSIFICAÇÃO DOS PROVEITOS; MAIS-VALIAS; REINVESTIMENTO DOS VALORES DE REALIZAÇÃO.
Sumário:1. As designadas viaturas de serviço podem ser registadas como itens do activo imobilizado ou como existências. Ali se estiverem afectas à actividade operacional da empresa, aqui se estiverem colocadas no mercado para venda.
2. O acto da venda em si mesmo nada releva para a classificação contabilística do item vendido pois tanto os elementos do imobilizado, como das existências podem ser objecto de venda, especialmente se em causa está uma empresa (caso da impugnante) cuja actividade normal consiste na comercialização de viaturas novas e usadas.
3. O que releva para a exacta classificação do item é a destinação que tinha à data da venda, ou seja, se estava colocada no mercado para venda ou se mantinha afecta à actividade operacional da empresa, ainda que desde logo estivesse planificada ou programada a sua venda após determinado período de afectação, ainda que de duração incerta.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO


O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação deduzida por “M(...) Portugal, S.A.” contra a liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios, relativa ao exercício de 2005, resultado de acção de inspecção, na parte que resulta de correcções à matéria colectável, relativas à alienação de viaturas de serviço, que a impugnante classifica como venda de imobilizado.

O Recorrente conclui as doutas alegações assim:
«
I.
A sentença recorrida considerou erradamente que a impugnante afetou as “viaturas de serviço” à sua atividade e que o fez com caráter de permanência, tendo admitido a aplicação do regime previsto no artigo 45° do CIRC, concorrendo para o cálculo do lucro tributável apenas metade do valor da mais valia.
II.
Contudo, ficou provado que as “viaturas de serviço” constam de uma base de dados na qual os concessionários podem encontrar as viaturas de serviço e fazer propostas para a sua compra (alíneas h) e i) dos factos provados da sentença).
III.
Dada a sua natureza de “viaturas de serviço” de uma sociedade vendedora de automóveis, estas viaturas estão permanentemente para venda, sendo simultaneamente usadas, pelo que é natural que não se encontrem parqueadas para serem vistas.
IV.
Contudo, do facto de não estarem parqueadas não se retira que não estão permanentemente para venda.
V.
Relativamente às viaturas de serviço não pode ser aplicado o regime especial previsto no artigo 45° do CIRC que prevê a tributação como ganho ou perda extraordinário com possibilidade de opção por reinvestimento, porquanto, a venda de viaturas, incluindo as viaturas de serviço, constitui o resultado da atividade normal do sujeito passivo.
VI.
É público e notório em qualquer página internet, incluindo a marca da própria impugnante, a divulgação da venda de viaturas “novas”, “usadas” e “viaturas de serviço”.
VII.
Não se verifica qualquer incongruência pelo facto de se permitir a amortização durante o período de tempo em que o sujeito passivo demonstre que a viatura esteve temporariamente a ser usada enquanto não foi vendida, permitindo-se assim calcular o proveito de acordo com a informação financeira correta, sendo o resultado da venda a diferença entre o preço de venda e o valor liquido contabilístico à data da transmissão. 
VIII.
Relativamente aos juros indemnizatórios, verifica-se que não estão preenchidos os pressupostos previstos no artigo 43°, n° 1 da LGT, nomeadamente erro imputável aos serviços, tendo ficado demonstrado que as viaturas se destinam a venda, ainda que possam estar temporariamente disponíveis para utilização, derivando daí a sua denominação como “viaturas de serviço” no setor de atividade da venda de viaturas.
IX.
Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de apreciação da prova e de erro de interpretação de lei, violando assim o disposto nos artigos 20°, n° 1, alíneas a) e f), bem como o disposto nos artigos 43° a 45°, todos do CIRC, bem como o artigo 43°, n° 1 da LGT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.
Porém, V. Exas decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.».

A Recorrida apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«
A. Relativamente à matéria de facto, a AT não pode ignorar que in casu o sentido da expressão “viaturas de serviço” corresponde aos veículos importados que a Recorrida afeta, sem prazo certo, à utilização pelos seus trabalhadores ou cede a clientes ou jornalistas (cf. alíneas d) e e) dos factos provados).
B. Aliás, é a própria AT que se refere aos veículos automóveis em questão como “viaturas de serviço” no relatório de inspeção que fundamenta as correções controvertidas à matéria coletável de IRC (cf. alínea m) dos factos provados e o excerto do relatório de inspeção transcrito na p. 5 da sentença).
C. Ademais, a utilização por um período de tempo geralmente curto que nas suas alegações de recurso a AT associa àquilo que comummente se designa como “viatura de serviço” não encontra suporte na prova produzida no caso concreto.
D. Por outro lado, a inserção destas viaturas de serviço numa base de dados autónoma e distinta da base de dados de veículos usados e a possibilidade de os concessionários fazerem propostas de compra não alteram o seu enquadramento como imobilizado corpóreo.
E. Em relação à questão de fundo, como bem entendeu o tribunal de primeira instância, a venda das viaturas de serviço inscritas na contabilidade como imobilizado, por si só, não é apta a determinar uma alteração da intenção do contribuinte relativamente àqueles ativos que provoque a reclassificação como existências (mercadorias).
F. A venda de uma viatura automóvel que se encontra a ser utilizada pela empresa na sua atividade - uma utilização que constitui facto assente e foi reconhecida pela AT - não implica uma reafectação ou modificação da intenção subjacente à detenção do ativo que imponha a sua reclassificação em termos contabilísticos.
G. Poderia ser diferente se a viatura em questão deixasse de ser utilizada na atividade comercial ordinária da empresa e fosse colocada no mercado para venda ao público - e.g. mediante a sua inserção na base de dados das viaturas usadas e exposição para visualização por terceiros -, mas não foi isso que sucedeu no caso sub judice.
H. No Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.° 01347/03, de 6 de julho de 2004, ficou decidido que “esses bens [ativo imobilizado corpóreo] poderão vir a ser vendidos proporcionando até ganhos à empresa ou sociedade” e que “se uma sociedade compra um prédio para seu escritório e o vende posteriormente, isso, só por si, não lhe retira a natureza de imobilizado”.
I. Refira-se, ainda, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.° 2977/99, de 18 de fevereiro de 2003, no qual ficou consignado que “não é o tratamento contabilístico que determina a natureza dos bens, mas antes esta resulta do destino que lhes é dado na empresa. A venda desse imóvel (...) é de considerar como liquidação do ativo efetuada pelo comerciante, pelo que os respetivos ganhos são (...) "mais-valias resultantes das atividades resultantes das atividades comerciais e industriais definidas nos termos do Código do IRC")”.
J. Ou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.° 05032/11, de 21 de maio de 2015, do qual consta que “Dessa qualificação [como imobilizado] resulta que o ganho obtido com a sua venda é uma mais-valia, com todas as consequências fiscais de tal classificação (...) Com efeito, o que é determinante para a classificação de um elemento do património da empresa como parte integrante do ativo imobilizado é a sua função dentro da empresa”.
K. Ou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.° 06848/13, de 12 de julho de 2017, no qual considerou que “A diferente classificação de um bem imóvel em imobilizado/património ou ativo permutável/existências deve atender à intenção que motivou a sua aquisição e a sua permanência na titularidade do alienante, por um determinado período (...) Daí que a qualificação do ganho como mais-valia se mostre justificada, não devendo ser posta em causa, nem desconsiderada, a contabilização do imóvel efetuada (como imobilizado), consentânea com a função que o imóvel assumiu na empresa e para o qual foi adquirido” (destaque nosso).
L. Ou o recente Acórdão do Tribunal Central Administrativo n.° 05955/12, de 18 de abril de 2018, segundo o qual “não será do exame do ato de venda do imóvel que se retira a conclusão do enquadramento do mesmo em sede contabilística (tal enquadramento retira-se do exame da intenção da sua aquisição)” (destaque nosso).
M. Pelas razões expostas, deve concluir-se que a sentença recorrida, que julgou a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida totalmente procedente, procedeu a uma correta leitura dos factos e aplicação do direito e deve ser integralmente mantida.
Termos em que o recurso interposto pela Fazenda Pública deve ser julgado totalmente improcedente, por não provado, com a consequente manutenção integral da sentença recorrida que, ao julgar procedente a impugnação judicial, determinou a anulação da liquidação adicional de IRC de 2005 e o pagamento de juros indemnizatórios à ora Recorrida.».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo no sentido da improcedência do recurso.

Com dispensa dos vistos legais dada a matéria em discussão já ter sido anteriormente tratada neste Tribunal, vêm os autos à conferência para decisão.


2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão nuclear dos autos reconduz-se a indagar se as viaturas de serviço, registadas contabilisticamente pela impugnante como bens do activo imobilizado, devem ser reclassificadas como existências aquando da venda e, nessa medida, como propugna a recorrente F.P., o resultado obtido na alienação das viaturas de serviço não poderá ser considerado como mais ou menos valia e, portanto, não terá aplicabilidade ao caso o regime previsto no art.º 45.º do Código do IRC, vigente ao tempo dos factos.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
Com interesse para a decisão da causa, mostram-se provados os seguintes factos:

a) A impugnante é uma sociedade dominante, para efeitos do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (cfr. artigo 1.° da PI, e, ponto II. 2 do relatório de inspecção, de fls. 52 e ss. dos autos);
b) Do grupo a que se refere a alínea anterior, faz parte a sociedade M(...) Portugal, Comércio de Automóveis, S.A. (cfr. ponto II.3.1 do relatório de fls 52 e ss. dos autos);
c) A actividade da sociedade M(...) Portugal, Comércio de Automóveis, S.A. é a de importação e venda de viaturas automóveis da marca “M(...)” (cfr. depoimento das duas testemunhas, e ponto II.3 do relatório de inspecção, de fls. 65 e ss. dos autos);
d) Das viaturas importadas, algumas são atribuídas à impugnante, para que esta a afecte à utilização dos seus trabalhadores, ou as ceda a jornalistas ou clientes (cfr. depoimento das duas testemunhas);
e) As viaturas a que se refere a alínea anterior são designadas como “viaturas de serviço” (cfr. relatório de inspecção de fls. 56 e ss. dos autos, ponto III - 1.1, e ponto PI e depoimento das duas testemunhas);
f) A impugnante comercializa na sua actividade normal, para além das viaturas novas, viaturas usadas (cfr. depoimento das duas testemunhas);
g) As viaturas usadas são vendidas, pelos concessionários que vendem da impugnante, através de uma consulta a base de dados, onde constam viaturas recompradas pela impugnante a empresas de renting (cfr. depoimento das duas testemunhas);
h) Existe uma segunda base de dados, onde os concessionários que vendem viaturas da impugnante, podem encontrar quais as “viaturas de serviço” que se encontram atribuídas (cfr. depoimento das testemunhas);
i) Os concessionários podem fazer propostas relativamente às viaturas de serviço que encontram na base de dados (cfr. depoimento das testemunhas);
j) As propostas de compra relativamente às viaturas de serviço não são sempre aceites pela impugnante (cfr. depoimento das testemunhas);
k) As “viaturas de serviço” não se encontram parqueadas para ser vistas por potências compradores (depoimento da segunda testemunha);
l) A impugnante foi alvo de inspecção, resultando da inspecção efectuada à sociedade do grupo — M(...) Portugal, S.A., correcções à matéria tributável no valor de 253.230,45euros (cfr. quadro resumo de fls. 64 dos autos);

m) Lê-se do relatório de inspecção, além do mais, o seguinte (cfr. ponto III.1 do relatório de inspecção de fls. 65 e ss. dos autos):
“Reclasslficação dos Proveitos Decorrentes da Alienação de Viaturas de Serviço de Extraordinários para Operacionais
0 sujeito passivo evidencia o resultado decorrente da alienação de viaturas de serviço, como um ganho ou perda extraordinário, aplicando em consequência o normativo constante dos artigos 43° a 45º do CIRC, no tratamento fiscal das mais/menos valias apuradas. De facto, verificou-se que o sujeito passivo procede ao apuramento de mais ou menos valias contabilísticas, consoante haja lugar a ganho ou perda na alienação de viaturas de serviço, que se encontram contabilizadas no seu imobilizado, procedendo à aplicação do mecanismo de ajustamento das mesmas, no quadro 07 da declaração Modelo 22, no sentido de sujeitar a tributação o resultado fiscal (positivo) assim apurado, nos termos do artigo 45° do CIRC.

Contudo, o tratamento fiscal a dar às viaturas de serviço alienadas, deve passar pela sua reclassificação como existências, e originar não, um proveito extraordinário previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 20° do CIRC, mas um proveito operacional previsto na alínea a) do n° 1 do citado artigo, pelos factos que seguidamente se apresentam:
- O negócio do sujeito passivo consiste no comércio de viaturas importadas ao seu fornecedor alemão D(…);
- As viaturas que adquire destinam-se a ser vendidas aos seus clientes;
- Na aquisição das viaturas o sujeito passivo procede à contabilização das mesmas na conta de Existências;
- No exercido da sua actividade, necessita de algumas viaturas, destinadas a deslocações, bem como para demonstração e experimentação da imprensa e concessionários;
- Aquando da afectação das viaturas à actividade, o sujeito passivo procede a uma reclassificação contabilística, corroborada pela administração tributária, através da conta regularizações, passando as viaturas a estar registadas no activo imobilizado e em consequência a gerar os respectivos custos de utilização: amortização, combustíveis, seguros, conservação e reparação, sujeitando os mesmos a tributação autónoma quando respeitem a viaturas ligeiras de passageiros;
- Decorre do n° 3 do artigo 17º do CIRC, que a contabilidade deverá estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade;
- Define o POC, imobilizado: “Esta classe inclui os bens detidos com continuidade ou permanência e que não se destinem a ser vendidos ou transformados no decurso normal das operações da empresa, quer sejam de sua propriedade, quer estejam em regime de locação financeira';
- A alienação das viaturas é feita a concessionários, empresas e outros clientes;
- As viaturas, não obstante, estarem ao serviço da empresa, encontram-se permanentemente disponíveis para venda, segundo Informação da mesma.

Assim, as empresas cuja actividade consista na importação de viaturas para venda deverão contabilizar as viaturas adquiridas em existências, mesmo que venham a decidir afectar algumas, durante um curto espaço de tempo, à sua actividade operacional.
Ao proceder à referida afectação, devem as viaturas (viaturas de serviço) ser transferidas para as contas de imobilizações para que possa ser reflectido contabilisticamente e por duodécimos o custo da respectiva amortização.
Logo que as viaturas passem para o sector de venda de viaturas usadas, terá de se proceder à sua transferência para existências pelo valor liquido contabilistico.
Só procedendo desta forma será possível uma correcta informação financeira, uma vez que:
a) O custo de amortização é reflectido de forma sistemática durante o período em que o bem gera benefícios económicos para a empresa;
b) O resultado apurado na venda do bem corresponde ao efectivamente obtido uma vez que é determinado pela diferença entre o seu preço de venda e o valor liquido contabilístico à data da transmissão;
c) O ganho ou a perda assim determinado considerar-se-á, assim como um verdadeiro resultado operacional e não como um resultado extraordinário, que como o seu próprio nome indica, deriva de acontecimentos fortuitos e esporádicos, alheios à actividade corrente da empresa.
Neste sentido o resultado obtido na alienação das viaturas de serviço não poderá ser considerado como mais ou menos valia e, portanto, não terá aplicabilidade, ao caso em apreço, o regime previsto no artigo 45° do CIRC.
Face ao exposto, dado que o sujeito passivo enquadrou indevidamente a alienação das viaturas de serviço como mais e menos valias, o montante em causa deverá ser expurgado daquele cômputo global, quer em termos de mais ou menos valias contabilísticas, quer em termos do mais ou menos valias fiscais, procedendo-se à correcção do montante de € 253.230,45 correspondente ao saldo liquido (na parte referente a viaturas de serviço) corrigido pelo sujeito passivo no quadro 07 da declaração Modelo 22, calculado da seguinte forma:

- A M(...) Portugal acresceu Indevidamente na declaração Modelo 22, quadro 07 linha 216- mais valias fiscais, o montante de € 389.679,70 que corresponde a 50% das mais valias fiscais dos bens alienados no exercício que permaneceram na empresa por um período superior a um ano (o total das mais valias fiscais foi de € 478.948,29, aplicando o montante de 50%, resulta o valor de € 239.474,15, aos quais o sujeito passivo adicionou as mais valias correspondentes aos bens com menos de um ano na empresa € 150.205,56, apurando-se assim os referidos € 389.679,70).
- Por outro lado, ao valor total das mais valias contabilísticas apuradas no exercido, € 492.704,59, o sujeito passivo adicionou o montante das mais valias contabilísticas referente aos bens que permaneceram na empresa por um período inferior a um ano, € 150.205.56, resultando um saldo liquido de € 642.910,15, que deduziu Indevidamente na declaração Modelo 22, quadro 07 linha 229 da declaração Modelo 22.
Então proceder-se-á à correcção no montante de € 253.230,45, correspondente ao saldo liquido corrigido pelo sujeito passivo relativo a viaturas de serviço no quadro 07 da declaração modelo 22, calculado de acordo com o mapa 31 anexo à mesma, conforme Anexo 1.”

n) A 16/05/2009 foi emitida à impugnante, a liquidação de IRC, n.°20098500013382, onde se calculou como matéria colectável o valor e 13.686.610, 52, corrigindo-se o anterior valor de 12.582.863,12euros (cfr. documento de fls. 122 do PAT);
o) A 16/05/2009 foi emitida, nota de compensação, relativa à liquidação de IRC 2005, originando-se um valor a pagar de 342.992,53 euros (cfr. documento de fs. 44 dos autos);
p) Na nota de compensação é indicada como data limite de pagamento o dia 24/06/2009, e a referência “709000259280” (cfr. quadro no canto inferior esquerdo, do documento de fls. 44 dos autos);
q) A 24/06/2009, a impugnante efectuou um pagamento ao Estado, no valor de 342.992,53euros, com a referência “105709000259280” (cfr. documento de fls. 120 dos autos);
*
Não há factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa.
*
Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados, conforme se indica em cada alínea do probatório, e do depoimento das testemunhas, que foi consistente, coerente e que demonstraram conhecer os factos sobre os quais depuseram.».


4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como se apreende dos autos, através da presente impugnação, a sociedade M(...) Portugal, S.A. veio reagir contra a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2005, emitida em resultado da acção de inspecção a que foi sujeita e que, além do mais, corrigiu o lucro tributável declarado referente às mais-valias alcançadas com a venda das designadas “viaturas de serviço”, na medida em que a impugnante as classificou como imobilizado, pretendendo a Administração tributária que as mesmas deveriam ser reclassificadas, aquando da venda, como existências.

A consequência da classificação daquelas viaturas de serviço como bens do imobilizado é a possibilidade de a impugnante lançar mão do beneficio fiscal contemplado no então art.º 45.º, n.º 1, do Código do IRC e, dessa forma ver concorrer para a formação do lucro tributável apenas metade do valor das mais-valias obtidas.

A sentença, já se vê, não sancionou a posição da AT, concluindo estar correcta a classificação das “viaturas de serviço” como itens do imobilizado, não havendo que proceder à sua reclassificação contabilística como existências aquando da respectiva venda.

O Recorrente não se conforma com o julgado, imputando à sentença erro de julgamento de facto e de direito. Vejamos se a sentença padece de tal pecha.

Como se apreende do probatório, a impugnante – M(...) Portugal, S.A. – é a sociedade dominante de um grupo de sociedades de que faz parte a “M(...) Portugal, Comércio de Automóveis, S.A.”, cuja actividade consiste na importação e venda de viaturas da marca M(...).

Das viaturas importadas, algumas são atribuídas à impugnante, para que esta as afecte à utilização dos seus trabalhadores, ou as ceda a jornalistas ou clientes.

As viaturas atribuídas à impugnante com aquela destinação são designadas “viaturas de serviço”, sendo que, na sua actividade normal, a impugnante comercializa, para além de viaturas novas, viaturas usadas.

Pois bem, partindo das notas explicativas do POC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 410/89, de 21 de Novembro, que a sentença refere e do que apreende da doutrina contabilística, pode dizer-se que o activo imobilizado é formado pelo conjunto dos bens necessários à manutenção das actividades da empresa, caracterizados por apresentar-se na forma tangível (edifícios máquinas, viaturas…) e que são mantidos para uso na produção ou comercialização de mercadorias ou serviços, para locação, ou para finalidades administrativas e cuja expectativa de utilização pela empresa não seja temporária.

As existências, são, essencialmente, os bens armazenáveis adquiridos ou produzidos pela empresa com destino à transformação, à venda ou, ao consumo.

Daqui resulta que, tratando-se de viaturas pertença de uma empresa cuja actividade normal é a venda de viaturas novas e usadas, as viaturas adquiridas tanto se podem destinar a ser comercializadas e, nesse caso, deverão ser tratadas como existências, como afectas à actividade operacional da empresa e, neste caso, deverão ser contabilisticamente tratadas como imobilizado.

O acto de alienação, em si mesmo, em nada releva para a classificação contabilística do bem vendido como existência ou imobilizado, pois tanto as existências como o imobilizado podem ser objecto de alienação, o que importa é a destinação empresarial do bem aquando da venda.

Ora, a verdade é que as viaturas de serviço da impugnante estavam à data da venda afectas à sua actividade operacional, destinando-se à utilização dos seus trabalhadores, ou à cedência a jornalistas ou clientes e registadas no imobilizado, sendo os custos associados à sua utilização, nomeadamente, com amortizações, aceites pela Administração tributária como dedutíveis (art.º 23/1 alínea g) do CIRC e 1.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro).

Se o destino empresarial do bem (afectação à actividade operacional da impugnante) não é alterado até ao acto da venda, há que assumir que a venda se reporta a um item (viatura de serviço) do imobilizado.

Só assim não seria, se a AT tivesse recolhido prova indiciária bastante (cf. artigos 74/1 e 75/4 alínea a), da Lei Geral Tributária) de que à data da venda as questionadas viaturas de serviço já não estavam afectas à actividade operacional da impugnante, mas colocadas no mercado e destinadas a ser comercializadas como viaturas de serviço, mantendo-se embora indevidamente registadas no imobilizado, nomeadamente, para efeitos de dedutibilidade dos custos associados à sua utilização.

Fosse esse o caso, não repugnaria a propugnada reclassificação das viaturas de serviço, aquando da venda, como elementos das existências por erro no seu registo como elementos do activo imobilizado.

No entanto, o que ressalta do probatório e, destacadamente, do relatório inspectivo é que as viaturas distribuídas à impugnante como viaturas de serviço estiveram sempre e efectivamente afectas à sua actividade operacional até à concretização da venda, não foram recolocadas no mercado para comercialização como viaturas usadas, após um determinado período de uso na empresa.

Ou seja, não há qualquer facto ocorrido antes da venda de que se possa extrair a intenção da impugnante de alterar o destino das viaturas de serviço, desafectando-as da sua utilização na empresa e colocando-as no mercado, para venda.

A circunstância de tais viaturas integrarem uma “segunda base de dados, onde os concessionários que vendem viaturas da impugnante podem encontrar quais as viaturas de serviço que se encontram atribuídas” e “fazer propostas de compra” (cf. alíneas h) a k) do probatório), não altera substancialmente o destino desses bens, pois a nosso ver se um bem está afecto à actividade da empresa e aí concorre para a produção ou comercialização de mercadorias ou serviços, é um bem do activo imobilizado e não perde essa qualidade ainda que a empresa tenha planificado logo a sua alienação para depois de um determinado período de utilização e operacionalizado essa planificação, no caso e em concreto, através da sobredita base de dados, a que acediam os concessionários.

Em conclusão, tem-se por correcto o registo das viaturas de serviço como itens do imobilizado, enfermando de erro nos pressupostos a correcção assente na sua reclassificação contabilística como existências.

Na redacção da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, dispunha o art.º 45.º do CIRC, sob a epígrafe “Reinvestimento dos valores de realização”:
«1 - Para efeitos de determinação do lucro tributável, a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias, calculadas nos termos dos artigos anteriores, realizadas mediante a transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado corpóreo, detidos por um período não inferior a um ano, ou em consequência de indemnizações por sinistros ocorridos nestes elementos, é considerada em metade do seu valor, sempre que, no exercício anterior ao da realização, no próprio exercício ou até ao fim do segundo exercício seguinte, o valor de realização correspondente à totalidade dos referidos elementos seja reinvestido na aquisição, fabricação ou construção de elementos do activo imobilizado corpóreo afectos à exploração, com excepção dos bens adquiridos em estado de uso a sujeito passivo de IRS ou IRC com o qual existam relações especiais nos termos definidos no n.º 4 do artigo 58 º.
2 – (…)». (Sublinhados nossos).

Tal significa que, com a fundamentação enunciada pela Administração tributária, não pode ser retirada à impugnante e ora recorrida a possibilidade de se prevalecer do disposto naquele art.º 45/1 do CIRC e, dessa forma, ver concorrer para a formação do lucro tributável apenas metade do valor das mais-valias alcançadas com a venda das viaturas de serviço.

A sentença recorrida, que decidiu no mesmo sentido, não enferma dos vícios que lhe são imputados, merecendo ser inteiramente confirmada e negado provimento ao recurso.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.

Condena-se o Recorrente em custas.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2022



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Vital Lopes




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Luísa Soares




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Tânia Meireles da Cunha