Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1609/06.4BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:04/07/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:REFORMA QUANTO A CUSTAS
Sumário:I - A isenção de custas não abarca as custas de parte (nº 7 do art. 4º do RCP).
II - Sendo aplicável o disposto no n° 7 do art. 4° do RCP (na redação actual), a isenção de custas de que goza a Fazenda Pública não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

A Exma. Representante da Fazenda Pública, tendo sido notificada do acórdão proferido nos autos em 25 de Novembro de 2021 – que negou provimento ao recurso que havia interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “M…, S.A.” contra o indeferimento do pedido de reembolso de IVA no valor de 370.402,99 euros – vem requerer a sua reforma quanto a custas, alegando para tanto o seguinte:
«
1.
Nos autos de impugnação à margem referenciados o valor da causa é € 370 402,99, o Tribunal Tributário (TT) de Lisboa julgou a ação procedente e, condenou a FP ao pagamento das custas.
2.
Em sede de recurso, a 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, manteve a sentença recorrida, porém, com a devida vénia, não se pronunciou relativamente à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto do valor da causa - € 370.402,99 - exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta.
3.
Pelo que, excedendo o valor da causa o patamar de €275.000, impõe-se, nos termos da lei, o pagamento do respetivo remanescente (nas duas instâncias), em cumprimento do disposto na anotação à TABELA I anexa ao Regulamento das Custas Processuais (RCP), de acordo com a 1.ª parte do n.º 7 do art.º 6.º do citado diploma legal.
4.
Segundo o acórdão do TCA Sul, no processo n.º 07140/14, o pagamento do remanescente é considerado na conta a final do processo, salvo casos específicos em que o juiz poderá, atendendo à especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento.
5.
In casu, o Juiz nunca se pronunciou sobre a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça [nos termos da 2.ª parte do n.º 7 do art.º 6.º do RCP], quando, claramente – atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes –a especificidade da situação o justificava.
6.
No que diz respeito à complexidade da causa, é necessário analisar os pressupostos previstos no n.º 7 do art.º 530.º do CPC, para averiguação da existência de questões de elevada especialização ou especialidade técnica, ou, ainda, de questões jurídicas de âmbito muito diverso.
7.
Quanto à conduta processual das partes, ter-se-á em consideração se esta respeita o dever de boa-fé processual estatuído no art.º 8.º do CPC.
8.
Para averiguação da especial complexidade de uma causa, o CPC (art.º 530.º n.º 7) antecipou três grupos de requisitos, a saber:
Ø A existência ou não de articulados ou alegações prolixas – vide al. a);
Ø A questão da causa ser, ou não, de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica, ou importarem questões de âmbito muito diverso – vide al. b);
Ø O terceiro e último grupo prende-se com a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de diligências de prova morosas – vide al. c).
9.
A FP entende que adotou, neste processo, um comportamento processual irrepreensível de colaboração com os Tribunais, não promovendo quaisquer expedientes de natureza dilatória ou praticando atos inúteis, guiando-se pelos princípios da cooperação e da boa-fé.
10.
Resulta claro que, no decurso deste processo, a FP apenas apresentou as peças processuais essenciais para a descoberta da verdade material, não recorrendo à utilização de quaisquer articulados ou alegações prolixas, nem solicitando quaisquer meios de prova adicionais.
11.
Relativamente à especificidade técnica da causa e ao assunto em discussão, decorre, do douto acórdão do TCA Sul (tal como da sentença do TT de Lisboa), não ser, a questão da causa, de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica, não sendo, igualmente, as questões aqui em crise, de âmbito muito diverso.
12.
Por essa razão, não deve a FP ser penalizada, em sede de custas judiciais, mas, antes, o seu comportamento incentivado, apreciado e, positivamente valorado.
13.
Assim, solicita a FP que este Tribunal faça uso da faculdade prevista na segunda parte do n.º 7 do art.º 6.º do RCP, por forma a dispensar a mesma do pagamento do remanescente das taxas de justiça, reformando-se, nessa parte, o acórdão quanto a custas (em todas as instâncias), ao abrigo do n.º 1 do art.º 616.º do CPC.
14.
Concluindo, poderemos afirmar que a inexistência de um teto máximo a atender para efeitos de fixação da taxa de justiça e, consequentemente, a inexistência de um limite máximo para as custas a pagar, põe em causa o equilíbrio (adequação) que tem de existir entre os dois binómios a considerar por força do princípio da proporcionalidade: Exigência de pagamento de taxa versus serviço de administração da justiça.
15.
Sendo certo que a taxa de justiça é fixada em função do valor da causa, não é menos certo que o valor da taxa de justiça (e consequentemente o das custas a pagar a final) fixado em função desse valor, sem qualquer teto máximo, possibilita a obtenção de valores, como é o caso dos autos, que saem completamente fora dos parâmetros aceitáveis dentro daquela “justa medida” a equacionar entre a exigência de pagamento da taxa e o serviço (de administração da justiça) prestado.
16.
Por outro lado, os montantes assim calculados mostram-se incomportáveis para a capacidade contributiva do utilizador médio dos serviços.
17.
Dito de outra forma, resulta claro que montantes desta natureza dissuadem, ou, até, impedem, o acesso aos tribunais de quem procura a realização da justiça.
18.
Em suma, ao não estabelecerem um limite máximo para as custas a pagar, nomeadamente por não estabelecerem um limite máximo para o valor da ação a considerar para efeito de cálculo da taxa de justiça, os artigos 6.º n.ºs 1, 2 e 7, 26.º n.º al. c) e 25.º n.º 2 al. d) do RCP, por referência à tabela 1 anexa ao mesmo RCP, violam os princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso aos tribunais.
19.
Não carece de mais justificações a verificação de que ocorre uma situação em que a taxa calculada é de montante manifestamente excessivo, ou seja, em que há uma desproporção intolerável entre o montante do tributo e o custo do serviço prestado, consequentemente, afigura-se-nos que, ocorre, também, uma violação evidente do direito de acesso ao direito e aos tribunais.
20.
Desta forma, deverá, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, ordenar-se a reforma quanto a custas, tendo em conta o máximo de € 275,000,00 fixado na TABELA I do RCP, desconsiderando-se o remanescente aí previsto.

Nestes termos e nos demais de Direito, se requer que seja determinada A REFORMA QUANTO A CUSTAS, designando-se, consequentemente, a dispensa dos remanescentes das taxas de justiça neste processo.

Notificada a parte contrária, ofereceu a seguinte resposta:
«
A ora Recorrida apresentou a Impugnação Judicial que deu início ao presente processo no dia 12 de junho de 2006.
O Tribunal Tributário de Lisboa (1.ª instância) julgou a Impugnação Judicial procedente em sentença proferida no dia 6 de dezembro de 2019.
A sentença do Tribunal Tributário de Lisboa condenou a ora Recorrente em custas.
Em 24 de janeiro de 2020, a ora Recorrente interpôs Recurso da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa para o Douto Tribunal.
Em acórdão do dia 25 de novembro de 2021, o Douto Tribunal negou provimento ao Recurso e confirmou a decisão do Tribunal Tributário de Lisboa.
No acórdão de 25 de novembro de 2021, o Douto Tribunal condenou a Recorrente em custas.

No Requerimento que apresentou nos presentes autos em 9 de dezembro de 2021, que foi notificado à ora Recorrida no dia 10 de dezembro de 2021, a ora Recorrente requereu a reforma do acórdão do Douto Tribunal quanto a custas, com a dispensa do remanescente da taxa de justiça.
Em nosso entendimento, a pretensão da ora Recorrente de dispensa do pagamento remanescente da taxa de justiça não deverá proceder. Senão vejamos.
O artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais estabelece o seguinte:
Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento. (sublinhado nosso)
10º
Esta norma determina o seguinte quanto ao remanescente da taxa de justiça nas causas de valor superior a 275.000 €:
a) A regra geral é o pagamento do remanescente da taxa de justiça; e
b) A exceção é a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, que apenas se verifica nas situações em que a especificidade da situação o justifique e o juiz o determine fundamentadamente, tendo em conta designadamente a complexidade da causa e a conduta processual das partes.
11º
No seu Requerimento, a ora Recorrente não invoca quaisquer factos que demonstrem que a especificidade do presente processo justifica a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
12º
A ora Recorrente alega que a questão em causa não é de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica (11. do seu Requerimento) sem, contudo, invocar quaisquer motivos que fundamentem esta sua posição.
13º
Mais se acrescente que a ora Recorrente apresentou Recurso da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa proferida no presente processo, o que é sem dúvida demonstrativo da existência de entendimentos jurídicos controvertidos quanto à matéria em causa no presente processo.
14º
Ao contrário do que alega a ora Recorrente em 12. do seu Requerimento, a não dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça não representa uma penalização; outrossim, representa a aplicação das normas previstas no Regulamento das Custas Processuais relativamente à taxa de justiça devida pelas partes num processo judicial.
15º
As alegações da ora Recorrente em 14. a 19. do seu Requerimento, designadamente de que a inexistência de um teto máximo para fixação de taxa de justiça põe em causa o princípio da proporcionalidade no binómio pagamento de taxa vs serviço de administração da justiça, que tal se mostra incomportável para a capacidade contributiva do utilizador médio dos serviços e que impede o acesso aos tribunais, bem como que representa uma violação dos “princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso aos tribunais” (18. do Requerimento da ora Recorrente), são apenas demonstrativas da discordância da ora Recorrente quanto às normas em vigor em matéria de taxa de justiça e são totalmente impertinentes e irrelevantes para a matéria da eventual dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça na presente situação.
16º
Em virtude do exposto, o Douto Tribunal deve indeferir o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça que foi requerido pela ora Recorrente.
17º
Em virtude do exposto, o Douto Tribunal deve indeferir o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça que foi requerido pela ora Recorrente.
18º
Atendendo que não foi condenada no pagamento das custas, em virtude de ter obtido vencimento integral de causa, a ora Recorrida está dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, que deverá ser imputado à ora Recorrente, nos termos do artigo 14.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais.

Nestes termos e de mais Direito, deve o Douto Tribunal:
· Julgar improcedente o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça requerido pela ora Recorrente; e
· Determinar que o remanescente da taxa de justiça que cabe à ora Recorrida e de que está legalmente dispensada deve ser pago pela ora Recorrente, nos termos legalmente previstos.».

A Exma. Senhora PGA pronunciou-se no sentido do deferimento da requerida reforma.

Com dispensa dos vistos legais por simplicidade, cumpre decidir, em conferência.

*

O valor atribuído ao processo é de 370.402,99 Euros.

Dispõe o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais que «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.».

Trata-se, portanto, de uma dispensa excepcional que, à semelhança do que ocorre com o agravamento previsto no nº 7 do art. 7º do mesmo Regulamento, depende de concreta e casuística avaliação pelo juiz e deve ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de aí ser omitida, mediante requerimento de reforma da decisão — cf., neste sentido, o acórdão do Pleno da Secção do CT do STA, de 15/10/2014, tirado no proc. nº 01435/12.

Ora, constata-se que, no caso, a questão decidida não se revestiu de especial complexidade e que a sua apreciação reclamou uma tramitação processual simples, potenciada pela adequada conduta processual das partes.

Assim, considerando a concreta e casuística avaliação, assente nos supra apontados pressupostos que, no caso, se têm por verificados, a que acrescem ainda razões constitucionais de justiça e proporcionalidade que sobrelevam sobre os argumentos esgrimidos pela recorrida e ora requerida, entende-se estar justificada a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida no recurso, conforme o pedido formulado pela requerente ao abrigo do disposto no nº 7 do artigo 6º do citado Regulamento, (que aproveita a ambas as partes), ficando prejudicado o conhecimento de tudo o mais doutamente alegado a este respeito.

Nestes termos,

Acorda-se em deferir a requerida reforma do acórdão e, em consequência, dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Sem custas.

D.N.

Lisboa, 07 de Abril de 2022


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Vital Lopes



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Luísa Soares



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Tânia Meireles da Cunha