Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2827/12.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
GERENTE
EXERCÍCIO EFECTIVO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:i) A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada principal, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito;

ii) Da assinatura de um ou dois documentos, não contemporâneos da constituição das dívidas em cobrança coerciva, não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que a Oponente exerceu, de facto, a gerência da sociedade;

iii) Recaindo o ónus da prova de tal pressuposto sobre a exequente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a acção de oposição deduzida por S….., enquanto revertido, no âmbito do processo de execução fiscal nº …..e aps, instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 2, para cobrança de dívida de IRC e juros compensatórios referentes ao exercício de 2005 e de coimas do ano de 2012, no montante total de € 211 302,66, dela veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«4.1 – O presente recurso, visa reagir contra a decisão proferida pelo Tribunal a quo, julgando procedente a oposição deduzida, e em consequência, condenou a Fazenda Publica a proceder à extinção da execução quanto ao Oponente.

4.2 – Após se ter aferido que o Oponente preenchia os pressupostos que permitiam o responsabilizar subsidiariamente, pelo funcionamento da executada originária e que assinou, conforme dito na contestação (quesito 9, não impugnando), um pedido ao banco BES, balcão da encarnação, de cópias frente e verso dos cheques descriminados no respetivo documento, datado de 26/10/2010, documentos de auto de medição de 29/09/2008 (quesito 10, não impugnado), no entendimento do tribunal a quo, insuficiente para provar que exerceu de facto as funções de gerente.

4.3 – Discorda com este entendimento a AT, uma vez que o Oponente se encontra numa posição em relação à devedora originária que lhe permite influenciar o cumprimento das obrigações desta, nomeadamente as obrigações tributárias e, dentro destas, a obrigação de pagamento.

4.4 - A lei não conceptualiza, em bom rigor, o que sejam os poderes de administração ou gerência, mas somos levados a considerar que são os que se traduzam na representação da empresa face a terceiros (ex: credores, trabalhadores, fisco, fornecedores, entidades bancárias, etc.) de acordo com o objecto social e mediante os quais o ente colectivo fique vinculado (artigos 259.º e 260.º do CSC).

4.5 - Até à prolação do Acórdão do Pleno da Secção de CT do STA de 28-02-2007, no recurso n.º 1132/06, resultava que da nomeação para gerente ou administrador (gerente de direito) existia uma presunção natural ou judicial, baseada na experiência comum, de que o mesmo exerceria as correspondentes funções, por ser co-natural que quem é nomeado para um cargo o exerça na realidade. Todavia, após o referido Acórdão passou a ser jurisprudência corrente de que para integrar o conceito de tal gerência de facto ou efectiva cabia à AT provar para além dessa gerência de direito assente na nomeação para tal, que o mesmo gerente tivesse praticado em nome e por conta desse ente colectivo, concretos actos dos que normalmente por eles são praticados, vinculando-o com essa sua intervenção.

4.6 - Acompanhamos o TCA Sul, quando entendeu que “(…) a lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, exerçam uma administração continuada, apenas exigindo que eles pratiquem actos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto” (Ac. TCA Sul, nº 01953/07 de 09-10-2007).

4.7 - Ora, como supra descrito, a segunda testemunha determinou que o ora Oponente sempre auxiliava os irmãos no final do ano, com a sua assinatura nas declarações dos trabalhadores (número de trabalhadores em 2005:145) por serem muitos e, portanto, sempre deveria ter ficado estabelecido que em 2005, o Oponente assinou e entregou as respetivas declarações, com a retenção na fonte aos trabalhadores (informação dada na inquirição da segunda testemunha aos 39:25 min/seg)

4.8 - Daqui decorre que o Oponente teve intervenções na vinculação da sociedade, ou seja, as obrigações funcionais da devedora originária também eram concretizadas com a intervenção do Oponente, o que se subsume integralmente à noção de gerência de facto.

4.9 - Acresce o facto de, como também vem provado, o Oponente auferia rendimento de categoria A cujo pagamento era efetuado pela devedora originária, ora tendo o Oponente aceitado o cargo de gerente e tendo o vencimento uma caraterística de sinalagma, alguma função teria o Opoente que desempenhar na sociedade, tal não poderá significar o alheamento total da responsabilidade subsidiária aqui em causa.

4.10 - O legislador limita-se, na instituição da obrigação de responsabilidade, a relevar apenas o cargo de gerente, sem entrar em linha de conta se este abarca a totalidade da capacidade jurídica da sociedade ou apenas certa parcela, estando quanto a este aspecto arredada qualquer restrição da obrigação de responsabilidade. Donde que, (e ao contrario do entendimento da Exma. Juiz do Tribunal a quo que considerou que o Oponente, não exerceu de facto as funções de gerente), o Oponente, nomeadamente ao assinar documentos da sociedade na qualidade de representante legal, estava a exteriorizar a vontade da sociedade, vinculando-a, estava a representá-la perante terceiros.

4.11 - Do exposto, resulta que não andou bem o Tribunal a quo neste âmbito, ao proferir a sua decisão baseada na errada interpretação dos factos, violando o direito aplicável, no caso o artigo 204.º, n.º 1, b) do CPPT e os artigos 64.º, 259.º e 260.º do CSC.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente, quanto à matéria aqui discutida.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA



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O Recorrido, não apresentou contra-alegações.


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Foi dada vista ao Ministério Público, e neste Tribunal Central Administrativo, a Procuradora–Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, argumentando nos seguintes termos:


«Assim, em nossa opinião, foi correta a conclusão no sentido de não ter logrado a AT demonstrado o exercício de facto da gerência por parte da Oponente no período a que se reportam as dividas.


Por outro lado, também dos autos não resultam elementos probatórios de que possa resultar a convicção do efectivo exercício da gerência de facto por parte da Oponente no período a que se reportam as dividas exequendas.


Em consequência, em nossa opinião, a douta sentença recorrida fez uma correcta apreciação da matéria fáctica apurada assim como subsumiu correctamente os factos às normas legais aplicáveis, não padecendo dos vícios que lhe são imputados.».



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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, como referimos antes, é pelas conclusões com que o recorrente extrai das suas alegações, que se determina objecto do recurso e o âmbito de intervenção deste tribunal, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Nas conclusões deve o recorrente indicar, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida, conforme resulta do disposto no artigo 639.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho).

Das conclusões com que a recorrente termina as suas alegações de recurso resulta a identificação das questões a decidir:

i) saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto ao decidir que o Oponente não exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade devedora originária no período em que se constituíram e foram colocadas a pagamento as quantias exequendas;

ii) saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito por violação do artigo 204.º, n.º 1, b) do CPPT e dos artigos 64.º, 259.º e 260.º do CSC.


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III - FUNDAMENTAÇÃO


É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«A) Em 17-02-2012, foi autuado o processo de execução fiscal n.º ….., em nome de «R….., LDA», NIF …..para cobrança de dívidas de IRC, relativa ao ano de 2005, no montante € 210 966,26 – cfr. fls. 1 do processo de execução fiscal apenso (PEF);
B) Em 04-03-2012, foi autuado o processo de execução fiscal n.º ….., em nome de «R….., LDA», NIF …..para cobrança de dívidas de coimas e encargos de processos de contraordenação relativa ao ano de 2012, no montante de € 336,40 – cfr. fls. 5 do PEF;
C) Em 11-05-2012, o Chefe de Finanças Adjunto do Serviço de Finanças de Lisboa 2 proferiu o seguinte Projecto de decisão de reversão:




- cfr. fls. 11 e 11 verso do PEF;
D) O Oponente foi notificado do teor do projeto de decisão supra “para exercer o direito de audição prévia para efeitos de avaliação da prossecução ou não da reversão” - cfr. fls. 12 e 13 do PEF;
E) Em 01-08-2012, o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2 proferiu despacho de convolação em definitivo, o projecto de decisão referido em C, com fundamentos constantes daquele, determinando a prossecução da reversão contra o ora Oponente – cfr. despacho a fls. 35 verso do PEF;
F) Em 08-08-2012 (data da assinatura do aviso de receção da carta com a referência CTT: …..), o Oponente foi citado de que é executado por reversão no processo de execução fiscal n.º …..e apenso n.º ….., para pagar o montante total de € 211 302,66, contendo os seguintes fundamentos da reversão:
“Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art. 23.º/n.º 2 da LGT).
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa colectiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no período de exercício do cargo (art. 24.º n.º 1, a) LGT)”. – cfr. fls. 42 a 46 do PEF;
G) Em 06-09-2000 foi celebrada escritura de constituição da sociedade denominada R….., LIMITADA tendo por objeto, subempreitadas de construção civil – cfr. escritura de constituição de sociedade no PEF;
H) O contrato de sociedade foi registado na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, em 24-10-2000, sendo a gerência a cargo de: R….. (renúncia em 2008-08-12, por óbito); R…..; S….. e D….., sendo a forma de obrigar: com a assinatura de um dos gerentes – cfr. certidão permanente, documento 6184696 de 06-06-2017 do Sitaf;
I) Na decisão no âmbito do processo de instrução n.º 225/10.0PAOER, que correu termos junto do 2.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras, datada de 28-09-2011 foi decidido não pronunciar o arguido, ora Oponente pela pártica dos factos e crime de que vem acusado porque não exercia de facto a gerência da sociedade comercial «R….., LDA» - cfr. páginas 11 a 18 do documento 5675612 de 06-11-2012 do Sitaf;
J) O Oponente não tomava decisões, não geria a atividade da sociedade «R….., LDA» - cfr. depoimento das testemunhas;
K) O ora Oponente entregou declaração de IRS, modelo 3 relativa ao ano de 2005 e 2010, na qual declara auferir rendimentos do trabalho dependente, pagos pela entidade pagadora com o NIF …..– cfr. documento 1 junto com a contestação;
L) O ora Oponente entregou declaração de IRS, modelo 3 relativa ao ano de 2005 e 2010, na qual declara auferir rendimentos do trabalho depende pagos pela entidade pagadora como o NIF …..– cfr. documento 2 junto com a contestação;
M) O NIF …..é da sociedade «R….., LDA» - cfr. fls. 1 e 5 do PEF

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Consta ainda da mesma sentença que «Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.».

No que se refere à motivação, consta da decisão recorrida o seguinte:
«Considero os factos provados de A a I e K a M, atendendo ao teor dos documentos juntos aos autos e identificados nas diversas alíneas do probatório, não impugnados.
Considero provado o facto J atendendo ao depoimento das testemunhas, o Técnico Oficial de Contas da R….., LDA, o Sr. A….. e dos irmãos do ora Oponente, sócios-gerentes da citada sociedade, o Sr. R….. e o Sr. D…...
A primeira Testemunha, o Sr. A….. TOC da sociedade desde o início da sua constituição (ano de 2000) afirmou que quem tratava da documentação da sociedade R….. era o Sr. R…... Afirmou que lidava profissionalmente com o Sr. R….. desconhecendo quais as funções que o Sr. S….., o ora Oponente detinha na sociedade.
A segunda testemunha, o Sr. R….., sócio gerente da R….. e irmão do ora Oponente afirmou que o Sr. S….. (Oponente) sempre trabalhou no mini-mercado de Vialonga da sua mãe.
A terceira testemunha, o Sr. D….., sócio gerente da sociedade R….. e também irmão do ora Oponente, corroborou o afirmado pelo Sr. R…... Afirmou ainda que, a sociedade não tinha bens.
O depoimento das Testemunhas aliado a ausência de documentos assinados pelo ora Oponente, em representação da sociedade convenceram o Tribunal que o Oponente não exercia funções de gestão na sociedade. O Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras também decidiu não pronunciar o arguido, ora Oponente pelo crime de que vinha acusado por concluir que “não exercia de facto a gerência dessa sociedade comercial «R….., LDA», figurando apenas nessa condição por mera formalidade.”»

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Na sentença recorrida a acção de oposição deduzida pelo recorrido, na qualidade de revertido ao abrigo do artigo 24.º, n.º 1 alínea a) da LGT foi julgada procedente uma vez que o Tribunal considerou que não existiam quaisquer elementos de prova de que o recorrido exercia de facto funções de gerente da sociedade. Que apenas ficou provado que o oponente, ora recorrido, entregou declarações de IRS relativas aos anos de 2005 e 2010 nas quis declarara rendimentos auferidos pela entidade empregadora – a sociedade executada R….., Lda, prova que foi objecto de apreciação na sentença, no sentido de que «o facto de auferir rendimento pago pela sociedade não significa que exerça funções de gerente, ou seja, que decida dos destinos da sociedade

Quanto à responsabilidade subsidiária do revertido, no que se refere às coimas, refere-se na sentença recorrida que na citação, e despacho de reversão, «não é invocado o artigo 8.º do RGIT, nem foi alegado qualquer facto imputável ao Oponente, suscetível de provar a sua culpa na insuficiência do património da sociedade devedora originária ou na falta de pagamento da coima.»

A Fazenda Pública não se conforma com o decidido quanto à prova da gerência de facto.

A recorrente insurge-se contra o juízo formulado, considerando que a decisão recorrida não efectuou uma correcta apreciação da matéria de facto relevante e errou na interpretação e indicação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice.

Resulta das conclusões de recurso que pretende impugnar a matéria de facto, e mostrando-se cumprido ónus de especificação previsto no artigo 640.º do CPC passaremos a apreciá-la.

Em concreto, a recorrente refere-se à prova produzida e às conclusões que dela foram extraídas, das quais retira outro entendimento.

A recorrente invoca que, da inquirição da segunda testemunha, ao minuto 39:25, resulta provado que o recorrido «sempre auxiliava os irmãos no final do ano, com a sua assinatura nas declarações dos trabalhadores (número de trabalhadores em 2005: 145) por serem muitos e, portanto, sempre deveria ter ficado estabelecido que em 2005, o Oponente assinou e entregou as respetivas declarações, com a retenção na fonte aos trabalhadores».

Evidenciam as conclusões a pretensão da recorrente de ver aditado à matéria de facto que «em 2005, o Oponente assinou e entregou as respetivas declarações, com a retenção na fonte aos trabalhadores», donde considera decorrer a prova de «que o Oponente teve intervenções na vinculação da sociedade, ou seja, as obrigações funcionais da devedora originária também eram concretizadas com a intervenção do Oponente, o que se subsume integralmente à noção de gerência de facto», pretendendo assim, que se conclua que o recorrido exercia efectivamente funções de gerente da sociedade devedora originária.

Vejamos se do depoimento indicado resulta matéria de facto com relevo para a decisão da causa que permita concluir pela existência de erro de julgamento da matéria de facto.

A instâncias da mandatária, depois da testemunha R….., também conhecido por R….., referir que os quatro irmãos eram sócios por serem uma família que se auxiliavam mutuamente, referiu que apenas o recorrido S….. não colaborava na gerência da sociedade, porquanto «tudo era tratado pelos restantes irmãos». Que apenas pontualmente, quando os restantes estavam impossibilitados, o recorrido deslocava-se para assinar algum documento, de forma esporádica. Contudo, por referência especificamente ao ano de 2005, a testemunha afirmou que o recorrido estava praticamente todo o tempo a trabalhar na loja da mãe, um minimercado em Vialonga.

A instâncias da mandatária, solicitado a esclarecer se em 2005 o recorrido assinou documentos referentes à sociedade R….., a testemunha afirmou que, se assinou algum documento em 2005 … a ter assinado algum documento, só poderia ter sido, algumas declarações que entregam aos trabalhadores, não podendo afirmar, com toda a certeza, que foi em 2005. Mais declarou que, como eram muitos trabalhadores, às vezes davam alguns documentos para o recorrido assinar e entregar aos trabalhadores. Acrescentou ainda que os pagamentos, envio de mapas, de declarações para a segurança social, os contratos, bem como as comunicações eram os restantes irmãos que efectuavam. Que a contratação de trabalhadores era feita pelo irmão D….. e a angariação de obras era a testemunha que tinha essa tarefa em mãos. Reiterando que eram os outros três irmãos que decidiam, com exclusão do recorrido.

Do depoimento referenciado, no contexto em que ocorreu, não pode retira-se a ilação que a recorrente pretende. A afirmação feita pela testemunha foi hipotética e expressa no modo condicional: se tivesse assinados documentos, não podia afirmar ter sido em 2005, teria sido a assinatura de documentos que entregavam aos trabalhadores. Não se extrai do excerto do depoimento indicado pela recorrente que a testemunha tenha afirmado com certeza que a assinatura em causa teve lugar em 2005, sendo este o ano relevante para a determinação dos factos sub judice.

Além do mais, o depoimento não é dissociável do contexto em que teve lugar: que a a contratação de trabalhadores era feita pelo irmão D….., que a angariação de clientes era efectuada pela testemunha, e que o recorrente não tomava decisões. Daí que na matéria de facto a juíza a quo tenha feito constar no ponto J) que o Oponente não tomava decisões, nem geria a actividade da sociedade, tendo por suporte o depoimento das testemunhas.

Ainda em abono da sua tese, pretende a recorrente que, resultando do relatório de inspecção realizada à contabilidade da sociedade devedora principal relativa ao exercício de 2005 que existiam 145 trabalhadores dependentes, logo se deve subentender que parte das declarações de final de ano entregues aos trabalhadores, de acordo com a prova testemunhal realizada, estavam assinadas pelo recorrido.

Ora, não se pode acompanhar tal extrapolação, na medida em que a testemunha, além de afirmar que a contratação e actos de comunicação oficiais eram efectuados pelos restantes sócios gerentes, sem intervenção do recorrido, como já referimos antes, do depoimento testemunhal analisado decorre a formulação de uma hipotética participação isolada do recorrido no preenchimento de documentos, explicitando que não podia afirmar que teria sido em 2005.

Donde se conclui que, da passagem do depoimento testemunhal invocado pela recorrente para sustentar o erro de julgamento de facto, não se retira a conclusão pretendida, pelo que se indefere o aditamento à matéria de facto requerida e assim sendo, improcede o recurso nesta parte apreciada.

Vejamos agora se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na valoração da prova produzida, ou seja, se se pode concluir da prova produzida que o recorrido actuou em termos que permitam considera-lo gerente de facto.

Importa ter em conta, antes de mais, que não vem questionado o regime de responsabilidade previsto no artigo 24.º da Lei Geral Tributária, aplicado na sentença recorrida, nem que o recorrido era gerente nominal, ou de direito.

Nos termos do artigo 24.º da LGT decorre, que os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

Resulta da citada disposição legal que a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência, como tem sublinhado reiteradamente a jurisprudência dos tribunais Superiores. Neste sentido, entre muitos outros, decidiu o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02-03-2011 proferido no processo n.º 0944/10:

« I - Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.

II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.

III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova.

IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência

Para sustentar a sua apelação, vem alegado que o recorrido «assinou, conforme dito na contestação (quesito 9, não impugnando), um pedido ao banco BES, balcão da encarnação, de cópias frente e verso dos cheques descriminados no respetivo documento, datado de 26/10/2010, documentos de auto de medição de 29/09/2008 (quesito 10, não impugnado), no entendimento do tribunal a quo, insuficiente para provar que exerceu de facto as funções de gerente

E assim é. Com efeito, estando em causa a apreciação da verificação dos pressupostos da responsabilização subsidiária do recorrido por reversão de dívidas em cobrança coerciva respeitantes aos anos de 2005 e 2012 é por referência a estes anos que se impunha à exequente que fizesse a prova do exercício de facto das funções de gerente e não por referência a 2008 e 2010, como pretende a recorrente.

Alega a recorrente que o recorrido auferia rendimentos da categoria A, cujo pagamento era efectuada pela devedora originária, concluindo que, «tendo o Oponente aceitado o cargo de gerente e tendo o vencimento uma caraterística de sinalagma, alguma função teria o Opoente que desempenhar na sociedade, tal não poderá significar o alheamento total da responsabilidade subsidiária aqui em causa.»

Compaginando a ausência de prova documental da prática de actos que configurem actos de gestão, com os depoimentos das testemunhas, o aludido pagamento pela sociedade não significa o exercício de funções de gerente pelo recorrido. Pelo facto de receber uma retribuição paga pela sociedade executada originária não decorre a conclusão de que o recorrido decidia os destinos da sociedade ou que tomava decisões que exteriorizassem a vontade da sociedade, como bem se decidiu na sentença recorrida, em linha, sublinhe-se, com a jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Improcede, pois, o invocado erro de julgamento de facto quanto à valoração da matéria de facto.

A recorrente imputa à sentença recorrida erro de julgamento de direito quanto à aplicação dos artigos 204.º, n.º 1, b) do CPPT e 64.º, 259.º e 260.º do CSC, sustentando-se na errada interpretação dos factos que temos vindo a analisar.

Pretende a recorrente que da prática de tais actos se impunha concluir que os mesmos traduzem a qualificação do recorrido como gerente de facto e assim sendo impunha-se decisão diversa da decisão de ilegitimidade do recorrido para os termos da execução.

A imputação do erro de julgamento de direito estava dependente da verificação do erro de julgamento da matéria de facto e da sua valoração. O que se pode concluir da apreciação do recurso que nos vem dirigido é que improcedendo o invocado erro de julgamento quanto à matéria de facto e sua valoração, importa concluir que o erro de julgamento de direito não tem sustentação.

Aqui chegados, importa concluir, à luz das regras de experiência comum, que não é possível extrair a conclusão de que, nos anos de 2005 e de 2012, o recorrido tenha exercido, de facto, a gerência da referida sociedade. Sendo certo que era à Fazenda Pública que competia a prova da gerência de facto, enquanto pressuposto da responsabilidade subsidiária.

Concluindo-se ainda, como o Tribunal a quo, que o oponente/recorrido é parte ilegítima para os termos da execução fiscal n.º …..e apensos, mostrando-se assim, o recurso totalmente improcedente, devendo confirmar-se a sentença recorrida.

Em matéria de determinação da responsabilidade pelas custas vigora o princípio da causalidade, conforme resulta do disposto no artigo 527.º do CPC, nos termos do qual as custas recaem sobre quem lhe tiver dado causa.

No caso dos autos, a responsabilidade pelas custas deve ser imputada ao recorrente, em resultado do total decaimento no recurso.


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Conclusões:

iv) A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada principal, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.

v) Recaindo o ónus da prova de tal pressuposto sobre a exequente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência.

IV - DECISÃO

Termos em que, acordam em conferência os juízes da 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente.

Lisboa, 11 de fevereiro de 2021.


A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Ana Pinhol e Isabel Fernandes.