Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:14.14.3BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:11/11/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IRS, AJUDAS DE CUSTO
Sumário:- A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que foi obrigado a suportar em favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ou novas instalações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspectividade entre a sua percepção e a prestação de trabalho.

II - Porque a lei exclui do conceito de rendimentos da categoria A para efeitos de IRS as ajudas de custo que não excedam os limites legais, tal como definidos para os servidores do Estado (cfr. artigo 2.º, n.º 3, alínea e), e 6, do CIRS), a tributação em sede de IRS dos montantes auferidos a título de ajudas de custo e que se compreendam dentro desses limites só pode ser sustentada se a Administração Tributária demonstrar a falta de verificação dos pressupostos para a atribuição desses montantes a esse título, o que lhe permitirá alterar a declaração de rendimentos (cfr. artigos 55.º, 74.º, n.º 1 e 75.º, n.º 1, da LGT).

III – É, portanto, sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que as quantias devidamente declaradas como ajudas de custo constituem retribuição.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por V. M. S. D. da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), e respectivos juros compensatórios, do ano de 2008, no montante total de € 3.888,09.

A Recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:

1. Na douta Sentença ora sob recurso, o Tribunal “a quo” julgou a impugnação procedente e determinou a anulação da liquidação impugnada, por entender que os Serviços Inspectivos consideraram remunerações as quantias percebidas a título de «ajudas de custo», “…não porque o seu recebimento tivesse excedido os limites qualitativos e quantitativos consignados na lei, mas porque o modo de atribuição (através de uma quantia periódica e regular) constituía indicador suficiente de que esta quantia não se destinava a compensar quaisquer custos, mas antes a atribuir uma remuneração mais compensadora a quem se dispusesse a trabalhar deslocado no estrangeiro (…)”
2. E que “Caberia, por isso, à AT reunir outros indicadores que, por si só ou conjugadamente, suportassem a conclusão que as quantias em causa são consideradas remuneração de trabalho, em cumprimento do ónus probatório que sobre si impende, como decorre do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT).”
3. Porque “O que verdadeiramente releva no caso vertente é que o Impugnante prestou serviço à sua entidade patronal, sediada em Portugal, em obras sitas em Monfalcone e em Southampton, isto é, que se encontrava deslocado do seu local de trabalho. E, efectivamente, mostra-se provado nos autos que o Impugnante celebrou contratos de trabalho com a C., Lda. para exercer a sua actividade profissional, tendo, no âmbito desses contratos, exercido funções em várias obras, nomeadamente em Monfalcone e em Southampton. Portanto, independentemente da inexistência dos boletins itinerários, o que releva é que as despesas foram efectuadas ao serviço da entidade patronal e por causa desse serviço, e não vem alegado que excedessem o valor previsto no Código do IRS para efeitos de tributação em sede deste imposto.”
4. “Em conclusão, aceite que estava pela AT a efectividade da deslocação, a qual, segundo as regras da experiência comum, implica geralmente despesas, incumbia-lhe demonstrar (ainda que através de factos indiciários) que esse abono mensal e diário era totalmente independente das deslocações e das inerentes e normais despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos, que esse abono excedia as despesas normais das deslocações ao serviço da entidade patronal. Prova que a AT não fez.”
5. Salvo o devido respeito por diferente entendimento, a Fazenda Pública entende que na Sentença proferida, nos presentes autos, e da qual agora se recorre, não se fez a melhor apreciação de todos os factos que se encontram documentalmente provados nos mesmos e que, consequentemente, esta decisão não pode manter-se na ordem jurídica, nos termos em que foi proferida, porque nela se fez um errado julgamento da matéria de facto e da matéria de direito.
6. Porque, no caso em apreço, o contribuinte celebrou, com a C., dois contratos para prestação de serviços, um para ser executado em Monfalcone (Itália) e outro em Southampton (Inglaterra), logo, estes locais, não podem deixar de constituir os seus (dele) domicílios necessários.
7. Naturalmente, não havia, e não há, fundamento para a atribuição das alegadas ajudas de custo, porque se à luz do n.º 1, da Cláusula Quarta, dos contratos celebrados entre a C. i e o Impugnante, foi, este, alegadamente contratado para as oficinas sitas no local da sede da C., a verdade é que, como constatado pelos Serviços Inspectivosii, na sede da C. não existiam quaisquer oficinas.
8. Constatando-se, assim, ao invés do alegado (PI – 17.º e ss.), que o Impugnante não só não foi contratado para exercer funções na sede da empresa, como ainda que, na sede da C., não existiam quaisquer oficinas.
9. Consequentemente, consideraram bem, os Serviços de Inspectivos, ao qualificar os montantes em questão como rendimentos, por a sua atribuição não reunir os requisitos reais (factuais) e muito menos legais, para que tais valores pudessem ser aceites como ajudas de custo, na medida em que o local de trabalho não correspondia ao indicado no n.º 1, da Cláusula Quarta dos contratos, mas sim Monfalcone (Itália) e Southampton (Inglaterra), constituindo, tais localidades, o domicílio necessário do Impugnante, pra efeitos de execução e/ou cumprimento dos daqueles contratos.
10. Assim, e perante a falta de enquadramento legal dos ditos rendimentos, o seu pagamento, a título de ajudas de custo, não dispunha naturalmente de qualquer base ou factor de sustentabilidade, não obstante, o ora Impugnante, afirme que foi contratado para exercer funções no local da sede da entidade empregadora - Amora, Seixal - sendo admissíveis as ajudas de custo porque se deslocou para Monfalcone em Itália e Southampton em Inglaterra. No entanto, tal afirmação não é corroborada com os elementos recolhidos pelos Serviços Inspectivos, constantes dos autos.
11. Além do mais, decorre designadamente do n.º 2, de cada uma das citadas Cláusulas (4.ª) dos ditos contratos, que no início da sua execução, o 2º Outorgante deslocar-se-á para as instalações/obra da M. em Monfalcone e para as instalações/obra da S. s.r.l., em Southampton, respectivamente.
12. Daqui se conclui que, «ab initio», ficou definido como local de trabalho, do ora Impugnante, um determinado local de trabalho, sito em Itália e/ou Inglaterra, não deixando dúvidas de que Monfalcone, no 1.º contrato, e Southampton, no 2.º contrato, constituíam o domicílio necessário do trabalhador, ora Impugnante.
13. E tendo ficado estipulado que, por determinada remuneração mensal, o trabalhador se obriga a prestar o seu trabalho no domicílio necessário, «in casu», em Monfalcone e Southampton, não existe motivo que justifique o pagamento de ajudas de custo, até porque não foi junto aos autos qualquer documento que indicie que o Impugnante, em 2008, prestou serviço em Amora, ou em qualquer outro local, que não Monfalcone e Southampton, decaindo toda a argumentação de que o domicílio profissional, do ora Impugnante, seria na Amora – Seixal, o que, só por si, deveria redundar na total improcedência da presente impugnação.
14. Além disso, cf. Cláusula 8.ª, os Contratos prevêem expressamente que o Impugnante deva respeitar as leis do Estado “em que se encontrar destacado”, o que revela que a sua vigência não estava pensada para Portugal, ficando, assim, demonstrando, uma vez mais, que o Impugnante nunca exerceu qualquer função nas alegadas oficinas, alegadamente sitas no local da sede da entidade patronal (C.) e que foi contratado para exercer funções em Itália e Inglaterra.
15. Por conseguinte, nunca se deslocou das oficinas da sua entidade patronal na Amora, para Itália e Inglaterra, o que significa, atenta a inexistência de quaisquer oficinas na sede da C., que, o ora Impugnante, foi contratado para exercer funções fora de Portugal. «Mutatis mutandis», no tocante às alegadas importâncias pagas como ajudas de custo, não admissíveis porque, com o devido respeito, e pelas anteditas razões, o ora Impugnante, não se deslocava das oficinas da sua entidade patronal, na Amora, para Monfalcone e Southampton, pra exercer as funções para que foi contratado.
16. E não foi contratado para prestar serviço em Portugal, porque o centro da sua actividade funcional nunca foi o do Território nacional, mas sim as localidades de Monfalcone e Southampton. E assim sendo, as alegadas importâncias não podem ser tratadas como se de verdadeiras ajudas de custo se tratasse, porque as ajudas de custo constituem abonos cuja função, nunca será demais recordar, é compensar ou reembolsar o trabalhador de despesas efectuadas, por virtude de deslocações em serviço, nomeadamente, alimentação e alojamento, desde que as mesmas ultrapassem determinados limites temporais ou espaciais.
17. Assim, atento o referido, e com o devido respeito, dúvidas não restam que a AT reuniu indicadores suficientes e relevantes que suportam a conclusão a que chegou, razão pela qual, de conformidade com o artigo 2.º, n.º 1, do CIRS, na redacção em vigor à data dos factos, consideram-se rendimentos de trabalho dependente (categoria A) todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular, provenientes de trabalho por conta de outrem. A lei não exclui, do conceito de rendimentos da categoria A, os rendimentos pagos pela entidade patronal que não revistam natureza de ajudas de custo.
18. No caso, rendimentos SIMULADOS de ajudas de custo, que afinal não o são, já que não visam compensar o trabalhador de qualquer despesa em que este tenha incorrido ao seu serviço, mas tão-só remunera-lo pela prestação de trabalho, reduzindo a respectiva tributação. Logo, não tendo carácter compensatório, não há sequer que atender ao disposto na alínea d), do n.º 3, do artigo 2.º do CIRS, devendo apenas aplicar-se a regra geral prevista nos números 1 e 2, daquele mesmo artigo.
19. E porque a lei determina que todos os pagamentos realizados pela entidade patronal ao seu trabalhador se consideram rendimentos de trabalho, caberá sempre a quem paga e a quem recebe, fazer prova de que os mesmos revestem natureza compensatória e que se destinaram a compensar o trabalhador por gastos necessários e indispensáveis ao exercício da actividade. É neste sentido que deve interpretar-se a jurisprudência resultante do Acórdão do STA, de 08-11-2006, proferido no processo n.º 01082/04, seguindo a regra geral do ónus da prova, transversal a todo o direito português, com expressão no artigo 342.º do CC e, em particular, no direito fiscal, no artigo 74.º, da LGT, e tendo em atenção o disposto no CIRS, onde se estabelece que os pagamentos realizados pela entidade patronal aos seus trabalhadores revestem, por regra, a natureza de rendimentos de trabalho, caberá sempre a quem invoca o direito a que se arroga a respectiva prova.
20. É, pois, ao trabalhador enquanto sujeito passivo da relação tributária que cabe fazer a prova necessária, e logicamente anterior, de que os pagamentos realizados revestem a natureza de ajudas de custo, ou seja, que reunia todos os requisitos legais para receber essas ajudas de custo.
21. Nesta conformidadev, laborou o douto Tribunal «a quo» em erro, ao concluir que o Impugnante foi contratado para exercer funções na Amora, concelho do Seixal, local da sede da C., Lda., e, obviamente, ao considerar admissíveis as importâncias pagas a título de ajudas de custo, atenta a falta de enquadramento legal. Na verdade, conforme Ponto III do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), parágrafo 7, página 4, a C. suportava encargos relacionados com a deslocação, alojamento e alimentação dos trabalhadores, contabilizando esses valores como Deslocações e Estadas e procedia, igualmente, à contabilização desses valores, designando-os por Ajudas de Custo pagos a esses trabalhadores. Ao mesmo tempo que se constatou que estes valores, eram pagos de forma regular, não dependendo da apresentação de documentos comprovativos de despesas realizadas pelos trabalhadores, nem visavam a sua respectiva compensação.
22. Assim atento todo o referido, estas importâncias foram naturalmente consideradas como complementos de remuneração, por constituírem rendimentos de trabalho dependente (categoria A), uma vez que deveriam ter sido englobados nos termos do artigo 22.º do Código do IRS. E porque a entidade pagadora, destes rendimentos, não realizou a correspondente retenção do IRS, cabe, ao titular dos mesmos, a responsabilidade originária pelo seu pagamento, de acordo com o n.º 2, do artigo 103.º do Código do IRS, pelo que, a Administração Tributária, procedeu à correcção das remunerações declaradas, de harmonia com o disposto no n.º 4, do artigo 65.º do mesmo Código, mediante o acréscimo daquelas importâncias, alegadamente auferias a título de ajudas de custo.
23. Consequentemente, caberia ao Impugnante fazer prova de que os valores recebidos e denominados por “ajudas de custo”, tinham caracter compensatório e não remuneratório e correspondiam a efectivas ajudas de custo pagas pela respectiva entidade patronal, até porque resulta da Jurisprudência e da Doutrina, o entendimento segundo o qual “as ajudas de custos visam compensar o trabalhador por despesas efectuadas ao serviço e em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram suportadas pelo próprio trabalhador, não constituindo uma contraprestação do trabalho realizado e daí que não sejam tributadas em sede de IRS.”
24. Na verdade, a matriz das ajudas de custo assenta no carácter compensatório das mesmas. Ou seja, no reembolso ao trabalhador das despesas que foi obrigado a suportar, em favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ocasionais ao serviço desta. Logo, tal carácter compensatório tem subjacente a existência, por parte do trabalhador, de “deslocações do seu domicílio necessário por motivos de serviço.
25. Por isso é que, no caso em apreço, nem se coloca a questão da não ponderação por parte da AT do “pagamento de quantitativo diário exceder os limites anualmente fixados para os servidores do Estado”, porque é doutro enquadramento legal que se trata. E não se destinando as verbas em questão, a reembolsar o trabalhador por despesas que tivesse de efectuar em serviço e a favor da entidade patronal, devem as alegações do Impugnante improceder e as liquidações impugnadas mantidas na ordem jurídica, para os devidos e legais efeitos.
26. Como já dito, o domicílio necessário do ora Impugnante, foi, durante todo o ano de 2008, Monfalcone, em Itália, e Southampton, em Inglaterra, verificando-se que o impugnante não foi deslocado do seu domicílio profissional, porque nunca teve outro domicílio profissional, consequentemente, no presente quadro, o pagamento a título de ajudas de custo, pela entidade patronal, não faz qualquer sentido porque, o ora Impugnante, foi contratado, precisamente, para exercer funções num local previamente determinado e fixado em cada um dos contratos de trabalho, locais esses que devem ser considerados como o seu domicílio necessário.
27. Isto tudo porque as abonadas verbas, assim garantidas, não se destinavam a reembolsar o trabalhador por despesas que tivesse de efectuar em serviço e a favor da entidade patronal, antes constituindo uma prestação, um complemento de salário ou subsídio de alojamento e alimentação, correspectivo da sua prestação de trabalho, expressiva de uma forma de retribuição, sujeita a tributação em sede de IRS, de acordo com o disposto no artigo 2.º do Código do IRS.
28. Daí que, ao invés do alegado pelo Impugnante, e do proferido na douta Sentença do Tribunal «a quo», a AT haja cumprido o ónus probatório que sobre si pendia, dado ter demonstrado, como era seu dever, que as importâncias recebidas a título de ajudas de custo não tinham efectivamente natureza compensatória, mas, sim, a natureza de verdadeiras remunerações, mostrando-se, assim, provado que o ora Impugnante foi contratado para prestar serviço em Monfalcone e Southampton, sendo este o seu domicílio necessário, razão pela qual foi feita, pela AT, a prova necessária, tal como foram devidamente fundamentadas as correcções efectuadas.
29. Sendo convicção, da Representação da Fazenda Pública, que não restam dúvidas de que a argumentação, do ora Impugnante, não deve nem pode colher, antes devendo, a impugnação que ora nos ocupa, ser dada como improcedente, por não provada, com todas as consequências legais.
30. E se é certo que, nos termos do artigo 74.º da LGT, cabe à Administração fiscal o ónus de prova de que tais ajudas de custo tinham natureza remuneratória, de forma a colocar em causa, como provado, a presunção de veracidade subjacente às declarações apresentadas pelo ora Impugnante, não é menos verdade que o contribuinte não fica totalmente desonerado de um ónus probatório, designadamente a partir do momento em que a declaração e as ajudas de custo são colocadas em causa.
31. Porém, o contribuinte, não demonstrou nem fez prova da existência de despesas que justificassem a atribuição das ajudas de custo aqui em causa. Mais, na situação que aqui nos prende, verifica-se que o impugnante não provou, por um lado, que foi deslocado do seu domicílio necessário e, por outro, também não apresentou quaisquer documentos respeitantes à deslocação efectuada. E como referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, “… o dever imposto à Administração tributária de averiguar a verdade material não dispensa os interessados particulares da obrigação de colaborarem na produção de provas, como prevê o artigo 59.º da LGT.”
32. Também, neste sentido, perfilam Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira: “É claro que em determinadas situações a informação só está ao alcance e na disponibilidade do contribuinte; mas ainda assim, nestas situações, cabe à Administração demonstrar que actuou e realizou todas as diligências possíveis para documentar e demonstrar determinado facto, afastando qualquer possibilidade de lhe ser imputado qualquer vício baseado na violação do princípio do inquisitório.” Porém, prosseguem os mesmos autores, “Tal não implica que os sujeitos passivos fiquem desonerados de requerer diligências e/ou carrear elementos que considerem necessários para o referido apuramento da verdade material, visto que a pessoas ou entidades inspeccionadas encontram-se obrigadas a colaborar no âmbito do procedimento de inspecção.”
33. Assim, atentos os elementos carreados pela AT, e não tendo o Impugnante efectuado a prova que lhe competia, não pode ser retirada outra conclusão, a não ser a de que os valores em causa, recebidos pelo impugnante, não se enquadram no conceito de ajudas de custo, antes constituindo uma retribuição auferida pelo mesmo.
34. Aqui chegados, e ao invés do concluído pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, deve concluir-se que, a AT reuniu indicadores suficientes de que o abono das quantias em causa não observava os pressupostos da atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado.
35. Devendo, ainda, concluir-se que o Impugnante não demonstrou que as quantias recebidas designadas por “ajudas de custo” estavam conexionadas com as deslocações deste para obras da C. na Itália e em Inglaterra.
36. Concluindo-se, assim, que a Sentença, ora sob recurso, ao concluir que o Impugnante foi contratado para exercer funções na Amora, concelho do Seixal (local da sede da C.) e ao aceitar como admissíveis as importâncias pagas a título de ajudas de custo - “porque se deslocou para Monfalcone e Southampton…” - fez uma errada apreciação dos factos apurados e uma errada aplicação do direito.
37. Consequentemente, no presente caso, nunca a sede da empresa – Amora/Seixal – poderia ser considerada como sendo o domicílio necessário do impugnante, porque não existe uma única prova nos autos que diga que, no ano de 2008, este aí tenha trabalhado.
38. Como já dito, aquando da acção inspectiva, não existia ali qualquer oficina.
39. Por conseguinte, a Sentença, ora sob recurso, fez um errado julgamento de facto ao não fixar no probatório todos os factos que resultam dos contratos celebrados entre o ora Impugnante e C., Lda.
40. Não se alcançando, assim, como pôde o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” entender que a AT não reuniu indicadores que suportassem a conclusão de que as alegadas quantias podem e devem ser consideradas remuneração de trabalho, quando não existe nos autos qualquer prova de que o Impugnante tenha suportado quaisquer despesas ao serviço da sua entidade patronal.
41. Assim, salvo o devido respeito, que é muito, ao decidir como decidiu, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” fez errada apreciação dos factos apurados – erro de julgamento de facto - e errada aplicação do direito – erro de julgamento de Direito - tendo violado o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3, do artigo 2.º, do CIRS, no Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de Abril, assim como o disposto no artigo 342.º do CC e no artigo 74.º, da Lei Geral Tributária.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se, a Vossas Excelências, se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e, em consequência, ser a douta Sentença ora recorrida revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a impugnação, por não provada, com todas as devidas e legais consequências.”
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O Impugnante apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:

«A. A sentença ora recorrida determinou a anulação da liquidação de IRS do ano de 2008 por vício de violação de lei consubstanciada na insuficiência da fundamentação e errónea interpretação da citada norma de incidência no que respeita à desconsideração dos rendimentos auferidos pelo Recorrido marido a título de ajudas de custo por parte da AT.
B. O objecto de recurso do Ilustre Representante da Fazenda Pública considera que a liquidação adicional se deverá manter atendendo a que o montante pago a título de ajudas de custo ao Recorrido marido constitui remuneração proveniente de trabalho por conta de outrem e, nessa medida, considerado como rendimento de trabalho dependente de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1do artigo 2.º do CIRS.
C. Considerou o Tribunal a quo, e bem, que sempre caberia à Autoridade Tributária (AT) demonstrar que as ajudas de custo não correspondem a efectivas deslocações e que os montantes pagos excediam os limites previstos na lei.
D. Ora, dos autos e tal como exaustivamente fundamentado na sentença ora recorrida, em nenhum momento a Representante da Fazenda Pública ou a AT faz a prova que lhe competia para afastar a verificação dos pressupostos legais quanto à não tributação das ajudas de custo: (i) a prova de que os montantes auferidos enquanto ajudas de custo ocorreram por inexistência de efectivas deslocações por parte do trabalhador ao serviço e no interesse da sua entidade patronal; e, (ii) de que o pagamento de quantitativo diário excedia os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.
E. Bem andou a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que considerou, na senda do Acórdão do STA de 08/11/06, recurso 01082/04, que sendo a alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS uma verdadeira norma de delimitação negativa de incidência ou exclusão de nutação de IRS, o ónus da prova de tal excesso, bem como a verificação da falta de pressupostos de atribuição, enquanto pressuposto da numa de tributação, sempre recairia sobre a AT.
F. Na verdade, da apreciação da prova vertida nos autos, resultou claro que não foi possível qualificar, sem mais, as ajudas de custo como revestindo natureza remuneratória - antes pelo contrário, ficou provado que as deslocações do Recorrido ocorreram efectivamente para Setúbal e que o local de trabalho era em Amora, Seixal.
G. De facto, nos termos do disposto na aludida norma de exclusão de incidência de IRS, apenas as ajudas de custo que excedam o limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado estão sujeitas a IRS.
H. Sendo certo que, o ónus de prova de tal excesso, bem como da verificação dos pressupostos da sua atribuição, como pressuposto da norma de tributação, impendia sobre a AT e a Fazenda Pública não logrou fazer prova nesse sentido, "agarrando-se" a uma presunção, a um mero enquadramento legal, nem sequer considerando existir excesso para além do limite legalmente estabelecido, nem contrariando a existência de verdadeiras deslocações.
I. Provando-se que ocorreram efectivas deslocações do Recorrido marido do seu local de trabalho, sempre caberia à AT a prova do excesso do seu pagamento ou a prova da inexistência das deslocações em causa. Revelando para efeitos de tributação de ajudas de custo que o trabalhador esteja efectivamente deslocado do seu local de trabalho e que as mesmas tenham um carácter compensatório.
J. Assim, a definição do regime da atribuição das ajudas de custo e sua não tributação na esfera de um trabalhador particular resulta do regime consagrado no artigo 2.º do Código do IRS.
K. O pagamento das ajudas de custo e sua (não) tributação dependem, de acordo com a aludida norma legal, da verificação dos seguintes pressupostos substantivos: (i) os montantes serem auferidos enquanto ajudas de custo por realização de uma efectiva deslocação por parte do trabalhador ao serviço e no interesse da sua entidade patronal; e, (ii) o pagamento de quantitativo diário não exceder os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.
L. Neste sentido, o Acórdão do STA n.º 24239 de 15/12: "De facto, (...) tudo se passa por conhecer se num montante de ajudas de custo são descortináveis os dois vectores patentes na alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS; ou seja, tem que se identificar a natureza legal dos pagamentos e, num segundo momento, verificar se o montante reembolsado excedeu os limites legais. Ora, esses vectores ou condições sempre se encontraram no CIRS e não, como pretendia a Administração Fiscal, no Decreto-lei n.º 519-M/79. De 28 de Dezembro " (actual DL 106/98).
M. Ora, in casu, ficou mais do que provado e admitido pela própria Fazenda Pública, que ocorreram efectivas deslocações por parte do Recorrido marido para Setúbal ao serviço da entidade patronal.
N. De facto, ficou provado que o Recorrido marido à data em que foi contratado para a empresa residia em Portugal bem como, havia sido contratado para o desempenho de funções nas oficinas sitas no local da sede da C.
O. Assim, ficou determinado pelo Tribunal a quo que a liquidação adicional era ilegal, uma vez que a AT se limitou a desconsiderar as ajudas de custo nos termos em que haviam sido atribuídas pela entidade empregadora ao trabalhador, sem ponderar os limites previstos na lei quanto à sua atribuição e não sujeição a IRS.
P. Desse modo, ficou provado que, não logrou a AT, em sede de inspecção tributária, dar a conhecer ao contribuinte os fundamentos da tributação dos montantes recebidos a título de ajudas de custo, que, de acordo com os dois pressupostos substantivos para a sua determinação, passaria por demonstrar que os valores pagos constituem ajudas de custo que excedem os valores máximos legalmente estabelecidos, ou seja, as ajudas de custo atribuídas ultrapassaram os limites impostos na alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS.
Ou
Q. Demonstrar que, nos termos do artigo 74.º da LGT, o trabalhador não realizou as deslocações ao serviço da sua entidade patronal, nem suportou as despesas em causa.
R. Não tendo logrado demonstrar tais pressupostos, bem andou a sentença do Tribunal a quo ao considerar que nunca estaria a AT em condições de efectuar correcções às declarações dos contribuintes, assentes na descaracterização das ajudas de custo, pois que tal revelará uma errada aplicação das normas jurídicas atinentes à presente querela, o que determinou, bem, a anulação da liquidação adicional de IRS.
S. Ou seja, bem andou a sentença recorrida ao determinar que, a AT não logrou demonstrar que as ajudas de custo pagas ao Recorrido marido excederam os limites legais, nem que não ocorreram efectivas deslocações.
T. O mesmo é dizer que, não conseguiu a AT em definitivo fundamentar a desconsideração das ajudas de custo a que procedeu.
U. Face ao que foi vertido nos presentes autos, em particular o invocado quanto ao dever de fundamentação da AT, bem assim o que foi referido quanto ao ónus da prova que sobre si impendia, considerou o Tribunal a quo, por ser evidente, que o Recorrido marido prestou serviço à sua entidade patronal com sede em Amora, Seixal, em obra sita em Setúbal, encontrando-se, assim, deslocado do seu local de trabalho.
V. Portanto, sempre caberia à AT a obrigação de demonstrar/provar que as estadias do Recorrido marido em Setúbal não eram ocasionais, o que não aconteceu.
W. Contudo, sempre se reiterará que, ficou provado que o Recorrido marido foi contratado para exercer funções em Amora - Seixal, na sede da empresa.
X. Bem como, ficou provado ser o domicílio necessário do Recorrido em Amora, Seixal - Portugal -, e nunca em Setúbal.
Y. Desta forma, por cada deslocação que realizou, sempre seriam devidas ajudas de custo.
Z. Nesse sentido, atento o disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, deveria a AT fundamentar a liquidação adicional de IRS que teve por base as ajudas de custo consideradas enquanto rendimento de trabalho dependente, ou invocando que a sua atribuição foi excessiva face aos limites legais estabelecidos na lei ou provando a sua não ocorrência.
AA. Assim, resultou claro, como provado e devidamente apreciado pelo Tribunal a quo, reitere-se que a sede da C. situa-se em Amora, pelo que, sem mais, se pode reter que o Recorrido marido foi contratado para prestar trabalho na Amora, podendo deslocar-se (!) para outros locais.
BB. De facto, o Recorrido marido foi contratado para prestar trabalho em Amora - Seixal, tratando-se a sua prestação de trabalho em quaisquer outros locais de verdadeiras deslocações, pelas quais sempre seria devido o pagamento de ajudas de custo por parte da entidade patronal.
CC. Com efeito, apesar de ter sido contratado para prestar trabalho na sede da C., obrigou-se a aceitar as deslocações que a entidade patronal lhe pudesse impor para fora da sede da empresa, sendo que esta custearia as despesas com tais deslocações.
DD. De facto, a questão da "residência habitual" deverá ser tida em primordial conta.
EE. Isto porque, entendem os tribunais ser legítimo o pagamento de valores a título de ajudas de custo quando exista deslocação da residência habitual.
FF. Ora, não só ficou demonstrado como provado nos presentes autos a efectiva deslocação da residência habitual, por parte do Recorrido marido, como também se conseguiu patentear a deslocação do domicílio profissional.
GG. Pelo que, bem andou a douta sentença, ao considerar que a AT interpretou de forma absolutamente errada os pressupostos da não tributação das ajudas de custo, conduzindo a um entendimento e, consequentemente, liquidação ilegal por errada aplicação das normas jurídicas.
HH. Quanto à questão do ónus da prova e da falta de fundamentação que sempre caberia à AT veja-se, entre outras, as doutas sentenças proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da C. nos processos n.ºs 289/13.5BEBJA, 344/13.1BEBJA, 176/13.7BEBJA, 119/13.8BEBJA, 355/13.2BEBJA, 145/13.7BEBJA, 453/13.7BEBJA, 341/13.7BEBJA, 342/13.7BEBJA, 338/13.7BEBJA, 414/13.7BEBJA, 288/13.7BEBJA, 336/13.7BEBJA, 339/13.5BEBJA, 127/13.9BEBJA; pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da C. nos processos n.ºs 835/13.4BEALM, 586/13.0BEALM e pelos Tribunais Administrativos e Fiscais de Sintra e Penafiel, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da C. nos processos n.ºs 1176/13.2BESNT, 764/13.1BEPNF, respectivamente.
II. As aludidas Impugnações, que foram totalmente procedentes, apresentadas nos Tribunais Administrativos e Fiscais de Beja, Almada, Sintra e Penafiel por outros trabalhadores da mesma empresa C., com a mesma identidade de factos e fundamentos, tiveram por base a impugnação das liquidações de IRS do ano de 2008 na sequência da mesma acção inspectiva levada a cabo pela Direcção de Finanças de Setúbal a cerca de 300 trabalhadores.
JJ. No mesmo sentido foram, entre muitos outros, os doutos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte e do Tribunal Central Administrativo Sul, proferidos no âmbito dos processos n.ºs 764/13.1BEPNF e 696/13.3BEALM, respectivamente, que, com a mesma identidade de factos e fundamentos, tiveram por base a impugnação da liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2008 (ut. Doc. n.º 1 e se dá por integrado para todos os legais efeitos), tendo­se acordado negar provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública.

Nestes termos, e nos que V.s Ex.ªs muito doutamente suprirão, com os fundamentos expostos, deve ser considerado totalmente improcedente, por não provado, o Recurso apresentado, confirmando-se a sentença recorrida que determinou a anulação da liquidação adicional de IRS do ano de 2008, com as legais consequências.
Assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA!»
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido que o recurso merecerá provimento.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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A questão invocada pelo Recorrente nas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito na medida em que se verifica uma falta de análise da situação laboral concreta do Impugnante pela sentença recorrida, sendo que a AT fez prova no relatório de inspecção da natureza remuneratória dos montantes auferidos pelo Impugnante, e por conseguinte, caberia aos Impugnantes fazer prova da natureza de ajudas de custo das quantias auferidas.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

A. Em 14.02.2008, o Impugnante celebrou com a sociedade C., Lda., com sede na Rua A. G., n.º 1. – ...º Dto., Amora, concelho do Seixal, contrato denominado “Contrato de Trabalho a Termo Incerto” – cf. fls. 30 (verso) e 31 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

B. Das cláusulas 1.ª e 4.ª do contrato referido no ponto A. que antecede consta, além do mais, o seguinte:
Primeira
(Objecto e funções)
A C., que tem a actividade de trabalhos e serviços de manutenção e reparação de fábricas, transformações e reparações industriais e navais, indústria de montagens de estruturas metálicas, tubagens, soldaduras, serralharia e electricidade, instalações de gás e ar condicionado, admite ao seu serviço o 2.º Outorgante, para exercícios das funções inerentes à categoria profissional de Serralheiro de Tubos Especializado, podendo ainda desempenhar outras funções afins e compatíveis com a sua qualificação de acordo com a lei aplicável.
(…)
Quarta
(Local de trabalho, deslocações e destacamento)
1. O 2.º Outorgante é contratado para as oficinas sitas no local da sede da C., obrigando-se, porém, a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C. exerça ou venha a exercer a sua actividade, a fim de realizar a prestação de trabalho ora contratada.

2. No início da execução do presente contrato, o 2.º Outorgante deslocar-se-á para as instalações/obra da M. em Monfalcone, podendo esta, a todo o tempo e nos termos previstos no número anterior, indicar outro local para a realização da prestação de trabalho.

3. O 2.º Outorgante obriga-se ainda a realizar todas as deslocações, dentro e fora do território nacional, necessárias para a execução das suas funções, com as correspondentes despesas a cargo da C..

4. Em eventual situação de destacamento, o 2.º Outorgante receberá uma ajuda de custo mensal, de valor a fixar de acordo com o local da obra, a que acrescerá uma ajuda de custo diária suplementar para transportes locais.” – cf. fls. 30 (verso) e 31 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas;

C. Em 21.04.2008, o Impugnante celebrou com a sociedade C., Lda. contrato denominado “Contrato de Trabalho a Termo Incerto” – cf. fls. 32 e 33 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

D. Das cláusulas 1ª e 4.ª do contrato referido no ponto C. que antecede consta, além do mais, o seguinte:

Primeira
(Objecto e funções)
A C., que tem a actividade de trabalhos e serviços de manutenção e reparação de fábricas, transformações e reparações industriais e navais, indústria de montagens de estruturas metálicas, tubagens, soldaduras, serralharia e electricidade, instalações de gás e ar condicionado, admite ao seu serviço o 2.º Outorgante, para exercícios das funções inerentes à categoria profissional de Serralheiro de Tubos de 1ª, podendo ainda desempenhar outras funções afins e compatíveis com a sua qualificação de acordo com a lei aplicável.
(…)
Quarta
(Local de trabalho, deslocações e destacamento)
5. O 2.º Outorgante é contratado para as oficinas sitas no local da sede da C., obrigando-se, porém, a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C. exerça ou venha a exercer a sua actividade, a fim de realizar a prestação de trabalho ora contratada.

6. No início da execução do presente contrato, o 2.º Outorgante deslocar-se-á para as instalações/obra da S. s.r.l. em Southampton, podendo esta, a todo o tempo e nos termos previstos no número anterior, indicar outro local para a realização da prestação de trabalho.

7. O 2.º Outorgante obriga-se ainda a realizar todas as deslocações, dentro e fora do território nacional, necessárias para a execução das suas funções, com as correspondentes despesas a cargo da C..

8. Em eventual situação de destacamento, o 2.º Outorgante receberá uma ajuda de custo mensal, de valor a fixar de acordo com o local da obra, a que acrescerá uma ajuda de custo diária suplementar para transportes locais.” – cf. fls. 31 e 32 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

E. Ao abrigo dos contratos referidos nos pontos A. a D. que antecedem, o Impugnante efetuou deslocações a Monfalcone e Southampton no ano de 2008 – cf. facto alegado nos pontos 23, 25. e 26. da petição inicial e não impugnado; cf. informação que se extrai do teor do relatório de inspeção tributária (RIT) que consta de fls. 20 a 27 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

F. No ano de 2008, a C., Lda. pagou ao Impugnante o valor de € 12.395,22 a título de ajudas de custo – cf. RIT de fls. 20 a 27 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

G. No ano de 2008, o Impugnante declarou para efeitos do IRS, além do mais, rendimentos de trabalho dependente (categoria A) pagos pela C., Lda. no valor de € 3.912,78 – cf. RIT de fls. 20 a 27 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

Em 26.04.2012, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI201200771, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) iniciou uma ação de inspeção ao Impugnante, em sede do IRS, relativamente ao ano de 2008 – cf. RIT de fls. 20 a 27 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

I. Em 12.11.2012, foi concluído o RIT elaborado na sequência da realização da ação de inspeção referida no ponto H. que antecede, no qual, além do mais, consta o seguinte:
(…)
Da análise aos contratos celebrados pela empresa, nomeadamente o disposto na cláusula quatro, n.º2, conclui-se que os trabalhadores foram contratados para exercer funções em diversos locais distintos fora de Portugal, não tendo existido assim deslocação desses mesmos locais de trabalho, pelo que, os valores atribuídos não visavam compensar os trabalhadores por despesas realizadas ao serviço da entidade patronal, mas sim pelo facto do seu local de trabalho não coincidir com a sede da empresa, revestindo esses montantes a natureza de remunerações.
No presente caso, constatou-se que os locais de trabalho, determinados nos contratos “Monfalcone” e “Southampton” (anexo 3), coincidiam com os locais onde o trabalhador prestou o serviço e como tal constante dos recibos de remunerações (Anexo 4).
Constatou-se igualmente que a retribuição, sob a designação de “ajudas de custo”, supera o valor da respectiva remuneração e que nas pastas de documentos de suporte verificadas junto da C., Lda. faltam muitos boletins itinerários justificativos desses montantes e outros não estão assinados pelos próprios trabalhadores.
Após análise dos documentos de suporte aos valores pagos a título de “ajudas de custo”, foram recolhidos, como exemplo, todos os boletins itinerários existentes nas empresas referentes aos meses de Maio e Junho de 2008. Relativamente ao presente sujeito passivo constatou-se que não existe qualquer boletim itinerário apesar deste ter auferido valores a título de “ajudas de custo” nestes meses.
Tendo presente as informações recolhidas na empresa, no ano em análise, os trabalhadores estiveram envolvidos na prestação de serviços de “manutenção e reparação de fábricas, transformações e reparações industriais e navais, indústria de montagem de estruturas metálicas de tubagens, soldaduras, serralharia e electricidade, instalações de gás e ar condicionado” em diversos países da União Europeia.
Para esse efeito a empresa recrutava trabalhadores em Portugal e suportava encargos relacionados com a deslocação, o alojamento e a alimentação contabilizando esses valores como Deslocações e Estadas. Por outro lado, procedia igualmente à contabilização dos valores designados por Ajudas de Custo pagos aos trabalhadores, constatando-se assim que estes últimos eram pagos de forma regular, não dependendo da apresentação de documentos comprovativos de despesas realizadas pelos trabalhadores, nem visavam a sua respectiva compensação.
Por este facto, e como já se referiu, estas importâncias devem ser consideradas como complementos de remuneração, e como tal constituem rendimentos de trabalho dependente (categoria A) e que deveriam ter sido englobados nos termos do artigo 22.º do Código do IRS.
Deste modo, e porque a entidade pagadora dos rendimentos, não procedeu à retenção de IRS correspondente, cabe ao titular dos mesmos a responsabilidade originária pelo seu pagamento de acordo com o n.º 2 do artigo 103.º do Código do IRS. (…)” – cf. fls. 20 a 27 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;
J. O Impugnante foi notificado da “demonstração de acerto de contas” com o número de identificação 2012 000019110964, com o valor a pagar € 3.888,09, apurado com base na liquidação adicional de IRS e de JC emitida pela AT com fundamento no RIT mencionado no ponto antecedente – cf. fls. 43 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas;

K. Em 22.04.2013, o Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRS referida no ponto antecedente, a qual foi indeferida por despacho de 11.12.2013, da Chefe de Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Setúbal – cf. fls. 51 a 121 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

L. Em 07.01.2014, a petição inicial deu entrada neste Tribunal – cf. carimbo aposto a fls. 2 dos autos.
*
Factos não provados
Não se vislumbram outros factos alegados cuja não prova seja relevante para a decisão da causa.

Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que constam dos autos e do PAT, conforme referido em cada um dos pontos do “probatório”.


*

Conforme resulta dos autos, com base na matéria de facto supra transcrita o Meritíssimo Juiz a quo julgou procedente a Impugnação judicial, entendendo, em síntese, que incumbia à Autoridade Tributária (AT) a demonstração da natureza não compensatória das verbas recebidas pelo Impugnante, o que não foi feito, motivo pelo qual devem ser consideradas como ajudas de custo não tributáveis em sede de IRS.

Invoca a Recorrente que a sentença enferma de erro de julgamento de facto porque não analisou a situação laboral concreta do Impugnante, e resulta do relatório de inspecção a prova da natureza remuneratória dos montantes auferidos pelo Impugnante.

Entende a Recorrente que, por um lado, ficou demonstrado que não houve efectiva deslocação do trabalhador ao serviço da empresa, e por outro lado, demonstrou-se que os boletins de itinerário não constituem prova fiável ou credível.

Assim sendo, conclui que se verifica erro de julgamento de direito, uma vez que caberia aos Impugnantes fazer prova da natureza de ajudas de custo das quantias auferidas.

Relativamente às questões que suscitam nos presentes autos seguiremos o acórdão TCAS de 31/10/2019, proc. n.º 588/13.6BEALM, sendo que diz respeito à mesma entidade patronal (“C.”) que disponibilizou as quantias em causa ao ora Impugnante.

Vejamos.

“Conforme se escreveu no acórdão do TCA Norte, de 10/11/16, no processo nº 00764/13.1 BEPNF “A expressão «ajudas de custo», devidamente enquadrada no contexto laboral, significa que estamos perante montantes colocados à disposição do trabalhador para compensar os custos que este suportou ao serviço da entidade patronal. Estas importâncias não devem ser consideradas rendimento para efeitos tributários (e muito menos remuneração) porque não representam nenhum acréscimo patrimonial, destinando-se apenas a compensar gastos que afectam negativamente a esfera patrimonial do trabalhador e que devam ser imputados à sua actividade laboral e no interesse da sua entidade empregadora.
Na prática, porém, as coisas não se apresentam com tal linearidade. A dificuldade na determinação concreta dos custos elegíveis ou da sua comprovação conduz a que, muitas vezes, se convencionem atribuições patrimoniais fixas ou variáveis para compensar custos mais ou menos presumidos. E por vezes, o trabalhador faz a sua própria gestão de custos, poupando nas despesas e obtendo assim um rédito suplementar. Ora estas quantias, embora sejam justificadas com a ocorrência de custos ao serviço da entidade patronal, podem gerar verdadeiros acréscimos patrimoniais, na parte em que excedam os custos efectivamente suportados. E, assim sendo, as «ajudas de custo» podem conter verdadeiros rendimentos. Que, por apresentarem alguma conexão com a prestação do trabalho, cabem no conceito de remuneração acessória a que aludem a parte final do n.º 2 e a alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
Todavia, a tributação da totalidade das «ajudas de custo» nas situações descritas também coloca problemas delicados. Problemas, desde logo, relacionados com a desigualdade de tratamento dos trabalhadores que, pela natureza do seu trabalho ou das circunstâncias em que fosse prestado, não pudessem determinar em cada momento a componente do custo e a componente do ganho das ajudas. Problemas relacionados com objectivos sociais e económicos que, muitas vezes, se associam à atribuição destas quantias, que extravasam a relação laboral e que se entende dever estimular e proteger. Problemas relacionados com a capacidade de fiscalização concreta destas situações, o custo que lhes está associado e a sua proporção com o valor das receitas potenciais.
Razões de sobra para que o legislador abdicasse da tributação das eventuais vantagens económicas que trabalhador obtivesse em consequência do recebimento de tais quantias, desde que contidas num determinado limite quantitativo – artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Assim, na parte em que não excedam determinados limites, as «ajudas de custo» não são tributáveis, mesmo que delas derivem vantagens económicas para o trabalhador, porque a lei exclui essas quantias da incidência do imposto. Na parte em que esses limites são excedidos, porém, o legislador presume que o seu recebimento gerou um excedente patrimonial para o trabalhador (e que, por conseguinte, o custo efectivo não atingiu aquele montante), constituindo um rendimento suplementar enquadrável no conceito de remuneração acessória.
A que acresce um limite qualitativo: as «ajudas de custo» são tributáveis quando (ou na parte em que) não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado.
Tudo isto, naturalmente, no pressuposto de que essas quantias sejam percebidas a título de «ajudas de custo». Nada impede, na verdade, a que sobre essa designação seja acordado entre trabalhador e empregador o pagamento de quantias que não se destinem verdadeiramente a compensar custos, mas a remunerar trabalho. Sendo que, em tal caso, não se pode sequer falar em ajudas nem em custos.
Em alguns casos, o legislador presume que as importâncias despendidas não têm conexão com as funções exercidas pelo trabalhador ao serviço da entidade patronal. São aqueles em que seja apurado que as importâncias atribuídas dizem respeito a despesas de deslocação, de viagens e de representação e não tenham sido prestadas contas até ao fim do exercício. Trata-se, porém – se bem vemos – de situações em que aquelas importâncias são provisionadas pela entidade patronal, mas em que o trabalhador só tem direito ao valor dos custos efectivamente suportados com esse fim. – cfr. Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 13/02/2014, proferido no âmbito do processo n.º 00237/06.9BEBRG.

Ora, aplicando o supra exposto ao caso dos autos verifica-se que a sentença recorrida não merece censura, sufragamos o entendimento da 1.ª instância, que aqui confirmamos:

Aqui chegados, regressemos, agora, ao caso concreto dos presentes autos.
Para fundamentar a correção em sede do IRS que está na génese da liquidação adicional ora impugnada consta do RIT, além do mais, o seguinte:
(…)
Da análise aos contratos celebrados pela empresa, nomeadamente o disposto na cláusula quatro, n.º2, conclui-se que os trabalhadores foram contratados para exercer funções em diversos locais distintos fora de Portugal, não tendo existido assim deslocação desses mesmos locais de trabalho, pelo que, os valores atribuídos não visavam compensar os trabalhadores por despesas realizadas ao serviço da entidade patronal, mas sim pelo facto do seu local de trabalho não coincidir com a sede da empresa, revestindo esses montantes a natureza de remunerações.
No presente caso, constatou-se que os locais de trabalho, determinados nos contratos “Monfalcone” e “Southampton” (anexo 3), coincidiam com os locais onde o trabalhador prestou o serviço e como tal constante dos recibos de remunerações (Anexo 4).
Constatou-se igualmente que a retribuição, sob a designação de “ajudas de custo”, supera o valor da respectiva remuneração e que nas pastas de documentos de suporte verificadas junto da C., Lda. faltam muitos boletins itinerários justificativos desses montantes e outros não estão assinados pelos próprios trabalhadores.
Após análise dos documentos de suporte aos valores pagos a título de “ajudas de custo”, foram recolhidos, como exemplo, todos os boletins itinerários existentes nas empresas referentes aos meses de Maio e Junho de 2008. Relativamente ao presente sujeito passivo constatou-se que não existe qualquer boletim itinerário apesar deste ter auferido valores a título de “ajudas de custo” nestes meses.
Tendo presente as informações recolhidas na empresa, no ano em análise, os trabalhadores estiveram envolvidos na prestação de serviços de “manutenção e reparação de fábricas, transformações e reparações industriais e navais, indústria de montagem de estruturas metálicas de tubagens, soldaduras, serralharia e electricidade, instalações de gás e ar condicionado” em diversos países da União Europeia.
Para esse efeito a empresa recrutava trabalhadores em Portugal e suportava encargos relacionados com a deslocação, o alojamento e a alimentação contabilizando esses valores como Deslocações e Estadas. Por outro lado, procedia igualmente à contabilização dos valores designados por Ajudas de Custo pagos aos trabalhadores, constatando-se assim que estes últimos eram pagos de forma regular, não dependendo da apresentação de documentos comprovativos de despesas realizadas pelos trabalhadores, nem visavam a sua respectiva compensação.
Por este facto, e como já se referiu, estas importâncias devem ser consideradas como complementos de remuneração, e como tal constituem rendimentos de trabalho dependente (categoria A) e que deveriam ter sido englobados nos termos do artigo 22.º do Código do IRS.
Deste modo, e porque a entidade pagadora dos rendimentos, não procedeu à retenção de IRS correspondente, cabe ao titular dos mesmos a responsabilidade originária pelo seu pagamento de acordo com o n.º 2 do artigo 103.º do Código do IRS. (…)” – cf. ponto I. dos factos provados.
Ou seja, as quantias percebidas a título de “ajudas de custo” foram consideradas remunerações, não porque o seu recebimento tivesse excedido os limites qualitativos e quantitativos consignados na lei, mas porque o modo de atribuição (através de uma quantia periódica e regular) constituía indicador suficiente de que esta quantia não se destinava a compensar quaisquer custos, mas antes a atribuir uma remuneração mais compensadora a quem se dispusesse a trabalhar deslocado no estrangeiro (cf. ponto I. dos factos provados).
Ora, compulsado os contratos de trabalho celebrados entre o Impugnante e a sua entidade empregadora, verificamos, na sua cláusula 4.ª, que foi contratado para trabalhar no local da sede da C., Lda., obrigando-se a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que esta exerça ou venha a exercer a sua atividade, a fim de realizar a prestação de trabalho contratada (cf. pontos. A., B., C. e D. dos factos provados).
Resulta também dos factos provados que a C., Lda. tem sede na Amora, concelho do Seixal (cf. pontos B. e D. dos factos provados). Assim, embora o ponto 2 da cláusula 4.ª refira que no início da execução dos contratos o Impugnante se deslocará para as instalações das obras em Monfalcone e em Southampton, podendo a entidade empregadora a todo o tempo indicar outro local para a realização da prestação do trabalho, o certo é que o Impugnante foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da C., Lda., na Amora, concelho do Seixal, obrigando-se, todavia, a efetuar todas as deslocações, dentro e fora do território nacional, necessárias para a execução das suas funções, com as correspondentes despesas a cargo da C., Lda. – cf. cláusula 4.ª dos contratos. Logo, da leitura dos contratos não podemos concluir que o Impugnante foi contratado para exercer funções fora de Portugal.
Em eventual situação de destacamento, os contratos de trabalho estabelecem ainda que o Impugnante receberá uma ajuda de custo mensal de valor a fixar de acordo com o local da obra, a que acrescerá uma ajuda de custo diária suplementar para transportes locais – cf. ponto 4 da cláusula 4.ª (cf. pontos B. e D. dos factos provados).
Notamos que do facto de a quantia paga ao trabalhador a título de “ajuda de custo” ser fixa e regular não decorre em si mesmo que seja retribuição. Circunstâncias relacionadas com a dificuldade em estimar a natureza e os montantes das despesas adicionais a que se sujeita quem está deslocado no estrangeiro, com a inexistência de estruturas administrativas para as processar ou outras vicissitudes, estão entre muitas possíveis razões para que entre a entidade patronal e os trabalhadores seja fixado um valor constante, correspondente às despesas que presumivelmente irão suportar.
Nesta conformidade, concluímos que o Impugnante foi contratado para exercer funções na Amora, concelho do Seixal, local da sede da C., Lda., sendo admissíveis as importâncias pagas como ajudas de custo, porque se deslocou para Monfalcone e Southampton para exercer as funções para que foi contratado (cf. pontos B. e C. dos factos provados).
Caberia, por isso, à AT reunir outros indicadores que, por si só ou conjugadamente, suportassem a conclusão que as quantias em causa são consideradas remuneração de trabalho, em cumprimento do ónus probatório que sobre si impende, como decorre do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT).
Só que os serviços de inspeção tributária não reuniram quaisquer outros indícios relevantes que suportassem essa conclusão. Com efeito, consideraram os serviços de inspeção que tais importâncias não podem ser consideradas como ajudas de custo, mas antes como rendimentos de trabalho dependente (categoria A), nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, uma vez, que, não foram observados os pressupostos previstos na Lei n.º 106/98 de 24 de Abril “Regime Jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transportes do Pessoal da Administração Pública” (cf. ponto I. dos factos assentes).
O principal pressuposto para a atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado é a existência de deslocação do funcionário em serviço para local diferente do seu domicílio necessário e, na ótica da AT, o seu domicílio necessário seria o local onde aceitou prestar o serviço.
Este raciocínio estaria correto se o Impugnante tivesse sido contratado em Portugal para prestar serviço em Monfalcone e em Southampton. Mas não é isso que resulta dos contratos a que aludem os pontos A., B., C. e D. dos factos provados. O que dali resulta é que o Impugnante foi contratado para prestar serviço em Portugal e aceitou trabalhar deslocado em qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C., Lda. exerça ou venha a exercer a sua atividade, incluindo no estrangeiro (cf. pontos A., B., C. e D. dos factos provados). O centro da sua atividade funcional é na Amora, concelho do Seixal, local da sede da C., Lda., sendo dentro ou fora do território português os locais onde aceitou deslocar-se para realização da prestação de trabalho, dependendo de onde a C., Lda. tinha obras e trabalhos adjudicados, por períodos que podiam ser mais ou menos longos.
Nesta conformidade, concluímos que a AT não reuniu indicadores suficientes de que o abono das quantias em causa não observava os pressupostos da atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado.
E quanto à inexistência dos boletins de itinerário, diga-se que de acordo com a redação aplicável do artigo 2.º do Código do IRS não é exigida a elaboração de boletins de itinerário semelhantes aos previstos para os funcionários do Estado para que as atribuições pecuniárias realizadas a trabalhadores por conta de outrem assumam a natureza de ajudas de custo ou, sequer, para que seja feita a prova da natureza dessas prestações.
Embora a qualificação da natureza das quantias recebidas por um trabalhador por conta de outrem tenha sempre subjacente um problema de prova, não é imprescindível a existência de boletins itinerários para a prova dos factos necessários à qualificação desses abonos como ajudas de custo. Neste sentido, vejam-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) proferido em 15.11.2000, no recurso n.º 25.481, disponível em www.dgsi.pt. Como ficou dito neste acórdão do STA, “Não havendo qualquer exigência formal especial para prova da natureza de ajudas de custo de pagamentos efectuados a trabalhadores é admissível qualquer meio de prova, em conformidade com o preceituado no art. 134º do C.P.T. (e, presentemente, no art. 72.º da L.G.T. e 115.º do C.P.P.T.)”. E assim, para que os montantes em causa pudessem ser considerados ajudas de custo, não era imprescindível o preenchimento e a existência de um boletim itinerário – cf. acórdão do TCAN, de 14.09.2006, proferido no âmbito do processo n.º 111/02, disponível em www.dgsi.pt.
O que verdadeiramente releva no caso vertente é que o Impugnante prestou serviço à sua entidade patronal, sediada em Portugal, em obras sitas em Monfalcone e em Southampton, isto é, que se encontrava deslocado do seu local de trabalho. E, efetivamente, mostra-se provado nos autos que o Impugnante celebrou contratos de trabalho com a C., Lda. para exercer a sua atividade profissional, tendo, no âmbito desses contratos, exercido funções em várias obras, nomeadamente em Monfalcone e em Southampton. Portanto, independentemente da inexistência dos boletins itinerários, o que releva é que as despesas foram efetuadas ao serviço da entidade patronal e por causa desse serviço, e não vem alegado que excedessem o valor previsto no Código do IRS para efeitos de tributação em sede deste imposto.
Em conclusão, aceite que estava pela AT a efetividade da deslocação, a qual, segundo as regras da experiência comum, implica geralmente despesas, incumbia-lhe demonstrar (ainda que através de factos indiciários) que esse abono mensal e diário era totalmente independente das deslocações e das inerentes e normais despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos, que esse abono excedia as despesas normais das deslocações ao serviço da entidade patronal.
Prova que a AT não fez. (….)”



Na verdade, nenhum erro de julgamento de facto é de apontar à sentença recorrida, pois, do relatório de inspecção interna levado à cabo ao Impugnante pela AT, em sede de IRS do ano de 2008, resulta que a acção de inspecção teve por base elementos recolhidos na empresa “C.”, entidade patronal do Impugnante, e da recolha desses elementos faz-se constar do relatório de inspecção os dois motivos apontados pela sentença recorrida para a qualificação dos montantes auferidos como rendimentos e não ajudas de custo.

Acompanhamos o juízo de facto da sentença recorrida, não se verificando o erro de julgamento apontado. Na verdade, os elementos que constam do relatório de inspecção são manifestamente insuficientes para abalar a presunção de veracidade da declaração do contribuinte (art. 75.º, n.º 1 da LGT), pelo que cabia à AT o ónus da prova de que as quantias auferidas pelo Impugnante constituíam remunerações (art. 74.º, n.º 1 da LGT). “

Aplicando aquela jurisprudência ao caso dos autos, temos então que resulta dos factos provados que a sede da empresa é na Amora (cf. alínea A) dos factos provados) e, e ao contrário do que entende a Recorrente Fazenda Pública, o Impugnante foi contratado para prestar serviços na sede. O que sucede é nesse mesmo contrato, aceitou trabalhar e deslocar-se a qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C. exerça ou venha a exercer a sua actividade, e mais se acordou que no início da execução do contrato se deslocaria às instalações da M. em Monfalcone, bem como à S. I., em Southampton. Por outro lado, acordaram no contrato que haveria lugar a pagamento de ajuda de custo (cf. alínea B) e D) dos factos provados).

Ora, o Impugnante alegou na p.i. (cfr. art. 25.º) que em 2008 esteve deslocado para as instalações/obra da S. I., em Southampton – Inglaterra, e Mosfalcone – Itália, e conforme resulta do facto dado como provado na alínea E) da matéria assente, e que não foi eficazmente impugnado pela Recorrente, e assim sendo, nada mais resta do que concluir que o Impugnante prestou serviço em local diferente da sede da empresa.

Assim sendo, e ao contrário do que vem vertido no relatório de inspecção encontram-se justificadas as deslocações do Impugnante, sendo certo que o caráter fixo e regular das quantias pagas a título de “ajuda de custo” não confere automaticamente a natureza de retribuição a tais quantias.

Cabia, então, à AT demonstrar que tais quantias assumiam a natureza de remuneração, de acordo com as regras de distribuição do ónus da prova, o que não logrou fazer, uma vez que é insuficiente a invocação de que não foram observados o n.º 3, do art. 2.º do CIRS (cf. ponto I dos factos assentes).

Em suma, aceite pela AT a efectividade da deslocação, a qual, segundo as regras da experiência comum, implica geralmente despesas, incumbia-lhe demonstrar que o montante auferido pelo Impugnante a título de “ajuda de custo” era totalmente independente das deslocações e das respectivas despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos, que esses montantes auferidos excediam as despesas normais das deslocações ao serviço da entidade patronal, o que não logrou fazer.

Por conseguinte, não se verifica qualquer erro de julgamento de facto, porquanto os elementos apurados no relatório de inspecção são insuficientes para dar como cumprido o ónus da prova que recai sobre a AT, e, portanto, ao contrário do que alega a Recorrente Fazenda Pública não se verifica o erro de julgamento de direito invocado.

Improcedem, portanto, todas as conclusões de recurso.

Nos termos do artigo 527.º do CPC aplicável ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte a que elas houver dado causa (n.º 1), entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for (n.º 2), e, portanto, vencida no recurso a Recorrente, esta é responsável pelas custas.

Sumário do acórdão


I - A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que foi obrigado a suportar em favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ou novas instalações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspectividade entre a sua percepção e a prestação de trabalho.

II - Porque a lei exclui do conceito de rendimentos da categoria A para efeitos de IRS as ajudas de custo que não excedam os limites legais, tal como definidos para os servidores do Estado (cfr. artigo 2.º, n.º 3, alínea e), e 6, do CIRS), a tributação em sede de IRS dos montantes auferidos a título de ajudas de custo e que se compreendam dentro desses limites só pode ser sustentada se a Administração Tributária demonstrar a falta de verificação dos pressupostos para a atribuição desses montantes a esse título, o que lhe permitirá alterar a declaração de rendimentos (cfr. artigos 55.º, 74.º, n.º 1 e 75.º, n.º 1, da LGT).

III – É, portanto, sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que as quantias devidamente declaradas como ajudas de custo constituem retribuição.
DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção, da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 11 de novembro de 2021.


Cristina Flora (Relatora)

Patrícia Manuel Pires (1.ª adjunta)

Vital Lopes (2.º adjunto)