Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02936/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/02/2010
Relator:EUGÉNUIO SEQUEIRA
Descritores:ISENÇÃO IMT
INSTRUÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:1. O pedido de isenção de IMT carece de reconhecimento e deve ser efectuado pelo contribuinte antes do acto ou contrato que originou a transmissão;
2. Tal pedido deve ser instruído com os documentos aptos a demonstrar os pressupostos da isenção;
3. Na falta da prévia junção desses documentos pelo interessado, cabe à AT solicitá-los no âmbito do princípio da colaboração e cooperação;
4. A isenção de IMT prevista no art.º 8.º, n.º1 do CIMT, tem como pressupostos que as aquisições sejam efectuadas por instituições de crédito ou sociedades comerciais, que a dívida esteja a ser exigida judicialmente em processo de execução ou de falência/insolvência, regime que é aplicável à dação em cumprimento, resultante de empréstimos feitos ou de fianças prestadas;
5. A fundamentação de um acto deve dar a conhecer a um destinatário normal, que se supõe seja o administrado, o itinerário cognoscitivo e valorativo que permitiu alcançar aquele resultado e não qualquer um outro e bem assim as normas jurídicas aplicadas que conduziram ao mesmo resultado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Pombal, CRL, identificada nos autos, veio deduzir a presente acção administrativa especial contra o Ministro das Finanças, tendo em vista obter a anulação do despacho do Exmo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de 11.11.2008 que lhe indeferiu o pedido de isenção de imposto sobre as transmissões Onerosas de Imóveis por si apresentado, e a entidade demandada condenada na prática do acto de deferimento expresso com o reconhecimento da isenção e condenado a pagar juros compensatórios.


Citada a entidade demandada veio a mesma contestar e juntar o processo administrativo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, apesar de notificada não apresentou qualquer parecer.


Pelo relator foi proferido o despacho saneador de fls 65 dos autos, onde se pronunciou pela inexistência de questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo e pela desnecessidade da produção de quaisquer provas, tendo as partes sido notificadas para alegarem por escrito, cujas conclusões na íntegra se reproduzem:


Da autora:
1. A decisão viola a lei porquanto, as normas dos arts. 8° e 10° do CIMT não exigem, directa ou indirectamente, que o contribuinte apresente os elementos solicitados pelo Exmo Director de Serviços e em cuja falta se apoia a decisão de indeferimento.
2. Viola a lei porque, em vez apreciar e declarar a conformidade ou desconformidade do pedido com os critérios do art. 8° do CIMT, aprecia a sua bondade com base numa alegada falta de elementos de prova (não se deve esquecer que as provas não são um objectivo em si mesmo mas um meio e que os factos notórios, ou os que se encontrem provados, não carecem de suplementares provas).­
3. Viola a lei porque, encontrando-se o pedido valida e atempadamente formulado e instruído com os elementos exigíveis, deveria merecer , como se reclama, acto de deferimento, único compatível com a o quadro de facto e de direito definidos.
4. Por assim dizer, o indeferimento estriba-se numa exigência legal inexistente, o mesmo é dizer que enferma de erro nos pressupostos de direito que lhe são aplicáveis.
5. Viola a Lei (art. 57° da LGT) porquanto deveria ter sido proferido no prazo máximo de 6 meses e não o foi.
6. Padece de vício de forma, por falta de fundamentação de direito. A fundamentação de direito insuficiente ou obscura equivale à falta de fundamentação.
7. Enferma de erro nos pressupostos de facto. Na verdade, a decisão de indeferimento assenta numa falta de elementos de prova sobre a natureza da dívida e da sua exigibilidade que não se verificam.
8. Dispondo a Administração Fiscal do prazo de 6 meses para decidir (art. 57° da LGT), não tendo cumprido o prazo, justo será, ao menos com apelo ao princípio da reciprocidade, que o Réu seja condenado a pagar à A os juros compensatórios, à taxa legal, ou seja à que legalmente cobraria que cobraria no caso da falta ser imputável ao contribuinte, aqui A.
9. Assim se concluindo, finalmente, como na petição inicial, pugnando-se pela procedência da acção, com todas asa consequências legais.
Justiça!


Da entidade demandada:
a) O despacho de indeferimento fundamenta-se na inexistência dos elementos contabilísticos em falta, para se poder apreciar o pedido da isenção, como resulta do artigo 8.º do CIMT.
b) O princípio de colaboração estabelecida no n.º 2 do artigo 59.º da LGT, foi violado pela autora ao não apresentar a prova solicitada sobre a mora e o incumprimento do devedor.
c) A interpretação que o réu faz do artigo 8.º do CIMT e que se concretiza na exigência das provas requeridas, encontra-se, no espírito da lei, e a actual redacção do citado normativo, veio, apenas, expressamente, limitar aquelas exigências aos prédios que não se destinem a habitação, o que não é o caso da autora.
d) A actuação do réu está de acordo com o artigo 14.º da LGT sobre a possibilidade que a administração tem de solicitar prova dos pressupostos da isenção.
e) Pelo exposto, o despacho ora contestado não padece de qualquer dos vícios de que vem acusado, designadamente violação de lei (erro nos pressupostos de direito), vício de forma (falta de fundamentação de direito), erro nos pressupostos de facto.

Assim, e de modo a fazer-se justiça, deverá o réu ser absolvido dos pedidos, mantendo-se na ordem jurídica o acto por si proferido, porquanto não padece de qualquer ilegalidade.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a autora instruiu o seu pedido de isenção de IMT como os documentos necessários para a respectiva apreciação; E se o despacho impugnado padece do vício de falta de fundamentação (formal).


3. A matéria de facto.
Com relevo para a apreciação do mérito da acção, pelos documentos e processo administrativo juntos e articulação das partes, encontra-se provada a seguinte factualidade, a qual se passa a subordinar às seguintes alíneas:
a) Por requerimento entrado em 9SET2005 no Serviço de Finanças da Figueira da Foz e dirigido ao Exmo Ministro das Finanças, a ora autora veio peticionar lhe fosse concedida a isenção do Imposto Municipal sobre Transacções Onerosas de Imóveis (IMT), derivada de um acto de dação em pagamento em cumprimento dos seguintes imóveis:
Artigo Urbano n.º 5.881 da freguesia de São Julião, descrito ... sendo o total da dação de € 1.297.859,71 e que se destina à realização de créditos resultantes dops empréstimos n.ºs ...de que é devedor Joaquim da Coneição Neves e mulher Maria Edite Lopes - cfr. processo instrutor, cujas fls. não se mostram numeradas;
b) Pela aquisição das fracções do prédio urbano supra referido, a ora A. pagou em 14.10.2005, o IMT de € 48.487,28, pela aquisição do direito de propriedade plena sobre tais imóveis – cfr. mesmo processo instrutor;
c) No âmbito deste procedimento, a AT solicitou em 17.07.2006, à ora autora, o envio dos seguintes elementos:
1. Justificativo (extracto bancário)/prova do atraso do cumprimento da dívida, que não deverá ser inferior a um ano;
2. Justificativo/prova de inscrição no balanço do ano anterior da dívida em questão ...;
. Se foram desenvolvidos os procedimentos tendentes ao ressarcimento da dívida, e se o referido contrato de dação em cumprimento foi o meio último (antes da acção de execução) para recuperação dos valores em dívida;
3. Justificativo/prova de que se verificaram tentativas de cobrança em mora.
Mais solicita-se, cópias dos títulos constitutivos da dívida que totalizem o montante global da dívida, referido no pedido, documentos que esta, então, não remeteu – cfr. mesmo processo instrutor;
d) Em informação prestada pela Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis foi proposto indeferimento do pedido por a requerente não ter junto os documentos solicitados pela AT – cfr. mesmo processo Instrutor;
e) Notificada que foi a ora autora para o exercício do direito de audição prévia veio a mesma contestar a exigibilidade dos documentos solicitados pela AT, tendo contudo, por economia de tempo, vindo juntar alguns dos documentos em causa, e pugnando pela alteração da proposta de decisão – cfr. mesmo processo instrutor;
f) Foi então elaborada uma informação complementar à anteriormente elaborada, em que justifica, ponto por ponto a necessidade dos elementos solicitados à ora autora, e igualmente se propõe o indeferimento do pedido por a mesma não ter vindo entregar todos os elementos solicitados e necessários para a apreciação do pedido do benefício em causa, tendo faltado os referidos nos pontos 1, 2 e 3 do ofício referido em c) supra, e onde foi aposto o despacho do Exmo SEAF de 11.11.2008, de concordo com a proposta de convolação em definitivo da decisão provisória de indeferimento – despacho objecto da presente acção – cfr. mesmo processo instrutor;
g) Este despacho foi notificado à ora autora em 4.12.2008 e a presente acção deu entrada neste Tribunal em 17.2.2009 – cfr. carimbo aposto a fls 2 dos presentes autos e doc. de fls 24.


4. O direito.
À hoje denominada acção administrativa especial correspondia o anterior recurso contencioso, que aquela veio substituir, tendo contudo o seu objecto sido ampliado, de molde a nela caber não só a declaração de invalidade ou anulação dos actos recorridos – cfr. art.ºs 6.º do anterior ETAF e 191.º do CPTA – como também, entre outros, no pedido de condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido – art.º 46.º e segs do CPTA – e tendo o prazo geral para a sua dedução sido alargado para três meses – seu art.º 58.º - sendo esta, actualmente, a forma processual para fazer valer em juízo os direitos dos administrados que até então eram efectuados através do dito recurso contencioso.

A reforma sobre a tributação do rendimento e a adopção de medidas destinadas a combater a evasão e fraude fiscais constituiu o fundamento avançado pelo legislador para proceder a vastas e profundas alterações, quer no CIRS, quer no CIRC, na chamada reforma da tributação aprovada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
Porém, volvidos que foram pouco mais de seis meses já, de novo, o legislador sentiu necessidade de rever, quer esses mesmos códigos, quer outros diplomas legais como o Estatuto dos Benefícios Fiscais, alteração agora erigida como instrumento de facilitação do conhecimento e interpretação do quadro legal por parte dos sujeitos passivos do imposto tendo procedido à sua republicação integral pelo Dec-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho.
Só que também aqui os propósitos do legislador nesta matéria não foram duradouros. Com efeito, volvido menos de um mês, já se encontrava de novo, a alterar, entre outros diplomas, o CIRC, em oito dos seus artigos pelo Dec-Lei n.º 221/2001, de 7 de Agosto.

Ao nível da reforma da tributação do património foi publicado o Dec-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, que além das diversas alterações introduzidas aos códigos do CIRC, do CIRS e do Imposto do Selo, veio introduzir dois novos códigos: o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e o Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), ambos aprovados pelo art.º 2.º do citado Dec-Lei, tendo este último vindo substituir a tributação até então acometida ao CIMSISD (art.º 31.º n.º3 do citado Dec-Lei), com entrada em vigor em 1.1.2004 (art.º 32.º n.º3, do mesmo Dec-Lei).

Desde logo do preâmbulo deste CIMT se pode ler que este veio substituir a tributação antes acometida ao CIMSISD, mas que foi mesmo mais além, ao vir tributar alguns factos resultantes de contratos translativos de imóveis, que têm um resultado económico equivalente mas que passam ao lado de qualquer tipo de tributação.
O imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), que substitui o imposto municipal de sisa, continua a incidir sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade sobre imóveis e das figuras parcelares desse direito, podendo estes direitos transmitir-se sob diversas formas ou ocorrer na constituição ou extinção de diversos tipos de contratos.
...
Porém, o novo Código não se limita a reproduzir o anterior e, além de proceder a uma reformulação da linguagem normativa e de reestruturar o seu articulado, vem alargar a base de incidência a negócios jurídicos que, embora anteriores ou mesmo laterais à formalização de contratos translativos de imóveis, têm um resultado económico equivalente ...

Nos termos do disposto no art.º 1.º n.º1 do CIMT, o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) incide sobre as transmissões previstas nos artigos seguintes, qualquer que seja o título por que se operem.

O capítulo II do citado CIMT trata das isenções, no seu art.º 6.º e segs, sendo que na generalidade são de reconhecimento a pedido do interessado, em requerimento expressamente formulado para o efeito pelo interessado e instruído com diversos elementos de prova, consoante a situação para que a isenção foi requerida, tendo em vista demonstrar os seus pressupostos – cfr. seus art.ºs 8.º e 10.º, nºs 1 e 2 e 14.º, n.º4 da LGT – e no caso, a isenção carecia de ser reconhecida por despacho do Ministro das Finanças sobre informação e parecer da Direcção-Geral dos Impostos – seu n.º 6, alínea b), na redacção de então – como no caso se não encontra em causa.

Dispunha a norma do art.º 8.º, n.º1(1) do mesmo CIMT, na redacção então vigente, sobre a epígrafe, Isenção pela aquisição de imóveis por instituições de crédito:
São isentas do IMT as aquisições de imóveis por instituições de crédito ou por sociedades comerciais cujo capital seja directa ou indirectamente por aquelas dominado, em processo de execução movido por essas instituições ou por outro credor, bem como as efectuadas em processo de falência ou e insolvência e, ainda, as que derivem de actos de dação em cumprimento, desde que, em qualquer caso, se destinem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas.

Nos termos do disposto no art.º 2.º do EBF aprovado pelo art.º 1.º do Dec-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem – seu n.º1.
São benefícios fiscais as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria colectável e à colecta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais que obedeçam a características enunciadas no número anterior – seu n.º2.

Atento o recorte de tal figura da isenção de IMT e que cabe ao interessado fazer acompanhar o seu pedido com os documentos necessários para demonstrar os pressupostos da isenção – art.º 10.º, n.º2 do citado CIMT, 48.º e 65.º, n.º1 do CPPT – ao contrário do que o mesmo parece entender na matéria da sua conclusão 2.ª - cabe analisar se a mesma veio a instruir o seu pedido com tais elementos, já que, reconhecidamente, o não havia feito quando então formulou o seu pedido de isenção, por nenhuns documentos então ter juntos tendo em vista a apreciação, designadamente, do empréstimo efectuado ao referido Joaquim da Conceição Neves e mulher, quer que o mesmo se encontrasse em incumprimento.

Tendo a AT no decurso de tal procedimento vindo solicitar à ora autora os documentos que a mesma entendia necessários para instruir tal pedido – cfr. matéria do ponto c) do probatório fixado – embora a ora autora continue a contestar que tais elementos fossem necessários para instruir o pedido em causa, veio contudo, por economia de tempo e meios, ao que alegou, juntar alguns desses elementos mas não todos, tendo deixado de juntar, pelo menos, os relativos às diligências que teria já efectuado com vista à cobrança coerciva de tais empréstimos, designadamente se tal dação surge no âmbito de execução instaurada com vista à cobrança coerciva do empréstimo concedido, pelo que a questão essencial nesta acção, reside em saber se também este requisito era essencial para a ora autora poder beneficiar de tal isenção de IMT.

E a nossa resposta é afirmativa por a norma do n.º1 do art.º 8.º do CIMT, isentar de IMT, as aquisições onerosas de imóveis por instituições de crédito quando a quantia exequenda pela qual o executado responde se encontrar a ser exigida em processo judicial, alargando a 2.ª parte da mesma norma o preceituado na sua 1.ª parte, que tal isenção também tem lugar quanto às aquisições operadas por dações em cumprimento efectuadas para pagamento de empréstimos concedidos e em mora, ou seja, toda a norma do citado n.º1 se reporta às instituições de crédito ou às sociedades comerciais que, pela sua 1.ª parte, exige que a dívida se encontre a ser exigida judicialmente, o que igualmente é aplicada na 2.ª parte da mesma norma, sendo o alcance útil deste segmento da norma o de expressamente dispor que o mesmo regime da sua 1.ª parte também é aplicável aos actos de dação em cumprimento que de outro modo se poderia entender não abranger, já que a dação em cumprimento constitui, em primeira linha, uma das formas de extinção de uma obrigação – art.º 837.º do Código Civil – que não uma das formas típicas de aquisição de um direito real sobre imóveis – art.º1316.º do mesmo Código Civil – e é a aquisição de imóveis o que naquela primeira parte da norma se isenta de IMT.

A 2.ª parte da citada norma do n.º1 do art.º 8.º do CIMT, não tem assim aplicação autónoma e distinta da previsão contida na 1.ª parte da mesma norma, pois a ela vai buscar, necessariamente, os sujeitos passivos – instituições de crédito e sociedades comerciais – a situação em que pode conferir o direito à isenção – dívida a ser pretendida cobrar em processo de execução, de falência ou de insolvência – e, por sua vez, alarga essa isenção à dação em cumprimento, verificados assim os requisitos, quer da 1.ª parte (comuns), quer da 2.ª parte da mesma norma, ou seja, em suma, quanto à dação em cumprimento carece o interessado de instruir o seu pedido quer quanto aos elementos relativos à 1.ª parte do segmento da norma, quer quanto aos do 2.º segmento da norma, como bem se pronunciou o despacho recorrido.

Interpretação da norma do art.º 8.º, n.º1 do CIMT, que nos termos do disposto no art.º 9.º, n.º1 do Código Civil, tem em conta a unidade do sistema jurídico, designadamente quanto à ratio subjacente à concessão da isenção de IMT como benefício fiscal que é, na realidade.

Como também bem invoca a entidade demandada na matéria do art.º 11.º da sua contestação, citando parte do parecer do Sr. Director de Serviços da DSIMT, que a ora autora também fez juntar aos autos a fls 25 verso, a pendência, sobre o devedor, de processos de execução, falência/insolvência representa, para as entidades concedentes de crédito, um evidente risco de cobrabilidade dos seus créditos. É o risco de cobrança, enquanto elemento perturbador do sistema financeiro, que constitui o interesse público extra-fiscal relevante que se pretende preservar e a ratio da norma, e que pelo legislador foi eleito como a razão para a existência dos benefícios fiscais, pelo que face a esta ausência de interesse público a isenção deixaria de se justificar.

Assim, como a ora autora não veio juntar os elementos solicitados pela AT relativos a demonstrar que tal dívida se encontrava em mora e a tentar ser cobrada judicialmente, não logrou demonstrar estes pressupostos (vinculados) da isenção, pelo que improcede a matéria das suas quatro primeiras e 7.ª conclusões da sua acção.


Na matéria das suas conclusões 5.ª e 8.ª invoca a autora que por o pedido de isenção não ter sido decidido no prazo de 6 meses, tal retardamento lhe dá direito à percepção de juros compensatórios, ainda que com base na preterição desta formalidade não alicerce também, o pedido de anulação do despacho em causa.

Nos termos do disposto no art.º 57.º da LGT, o procedimento tributário deve ser concluído no prazo de seis meses, devendo a administração tributária e os contribuintes abster-se da prática de actos inúteis ou dilatórios, sendo que a ultrapassagem de tal prazo não constitui qualquer vício invalidante para o acto a proferir, mas apenas faz presumir o seu indeferimento para efeitos de recurso hierárquico ou judicial que o contribuinte poderá utilizar, pelo que igualmente improcede tal matéria desta acção.


Na matéria da sua conclusão 6. invoca a autora que o despacho pretendido anular padece de falta de vício de forma, por falta de fundamentação de direito.

A fundamentação dos actos administrativos em geral, constitui um imperativo constitucional, expressamente previsto no art.º 268.º n.º3 da CRP, cujo escopo imediato é esclarecer concretamente a motivação do acto, permitindo a reconstituição do iter cognoscitivo e valorativo que determinou a adopção do acto, com determinado conteúdo, na esteira das lições de Diogo Freitas do Amaral, "Curso de Direito Administrativo", Almedina, 2001, Vol. II, pp.351 e segs.

E no âmbito do direito tributário, tal exigência de fundamentação dimanava directamente da norma do art.º 82.º do CPT e hoje da norma do art.º 77.º da LGT, a qual deve ser remetida ao contribuinte por força do disposto no art.º 21.º do mesmo Código, e a fundamentação externada pela AT deve satisfazer o requisito de fundamentação contemporânea(2) exigível, do ponto de vista formal, sendo suficiente quando permite a reconstituição do iter cognoscitivo que determinou a decisão da Administração, sendo clara quando é inteligível e sem ambiguidades ou obscuridades e é congruente quando exprime concordância entre os pressupostos normativos do acto e os motivos do mesmo.

Como é sabido, a fundamentação de um acto de liquidação no caso, deve ser o esteio, o suporte, por que foi efectuada aquela concreta liquidação e não qualquer uma outra, de molde a permitir ao contribuinte apreender os concretos factos donde ela emerge e poder determinar-se pela sua aceitação ou impugná-la, se entender que a mesma se encontra eivada de qualquer um vício que a inquine de ilegal, variando assim, a densidade fundamentadora, consoante o tipo de acto em causa e a participação ou não do mesmo no procedimento da sua formação.

No caso, o despacho do Exmo SEAF em causa, por força da fundamentação contida nos pareceres e informações anteriores que o sustentam, decidiu pelo indeferimento do pedido de isenção de sisa por a ora autora não ter entregue todos os documentos que a AT lhe havia solicitado, que assim considerou necessários para instruir o procedimento em causa, ao abrigo do disposto nos art.ºs 59.º, n.º1 da LGT, 48.º, n.º2 do CPPT, 8.º, n.º1 do CIMT e 2.º, n.º1 do EBF, normas que expressamente fez mencionar na citada informação de que o despacho se apropriou, sendo que tais normas enformam a disciplina jurídica que permite à AT solicitar ao interessado os elementos de prova que entender necessários para a apreciação do seu pedido de isenção de sisa.

Assim, o despacho em causa, emerge, directamente, daquela factualidade apontada e das normas jurídicas invocadas, fechando o silogismo judiciário, num raciocínio suficiente, claro e congruente, constituindo o desfecho deste despacho a emanação normal, típica, daqueles pressupostos e das normas jurídicas apontadas, não padecendo o mesmo de falta de fundamentação (formal), desta forma facilmente se apreendendo porque este teve lugar e não o seu contrário, sendo este o resultado normal, típico, das premissas consideradas.

Que tal acto de denegação da isenção não pode padecer do invocado vício formal emerge, também, directamente da petição da presente acção administrativa especial, onde a autora demonstra ter apreendido a totalidade das razões invocadas pela AT para o prolatar, pelo que a mesma não deixou de cumprir a sua finalidade subjacente: por que teve lugar este concreto despacho e não o seu oposto, e permitir à ora autora apreender os concretos factos donde ela emerge e poder determinar-se pela sua aceitação ou pela sua impugnação ao entender que a mesma se encontrava eivada de vários vícios que o inquinavam de ilegal, como veio a entender.

Em suma, o despacho sob recurso, encontra-se devidamente fundamentado sob o ponto de vista formal, não podendo a acção deixar de ser julgada improcedente também quanto a este fundamento.


Improcede assim, a presente acção administrativa especial sendo de nela absolver a entidade demandada do respectivo pedido.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em julgar improcedente a acção e absolver a entidade demandada do pedido.


Custas pela autora.


Lisboa, 02/03/2010

1- Esta norma foi alterada pela Lei do Orçamento para 2007, mas sem aplicação ao caso já que o imposto é devido pela lei vigente ao tempo da transmissão – art.º 5.º do mesmo CIMT.
2- Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 4.6.2008, recurso n.º 247/08.