Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:6775/13.0BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:12/16/2020
Relator:ANTÓNIO ZIEGLER
Descritores: A.A.E.- QUESTÃO ADUANEIRA.
LIQUIDAÇÃO DE TAXA DE “FAZENDAS DEMORADAS”: SUA NATUREZA JURÍDICA: MEDIDA ADMINISTRATIVA COMPULSÓRIA.
DESTINO ADUANEIRO DAS MERCADORIAS IMPORTADAS
Sumário:I) As mercadorias importadas no território nacional , ficando em situação de depósito temporário no respectivo entreposto fiscal aduaneiro, dispõe de um prazo de 45 dias para o importador indicar o destino aduaneiro de tais mercadorias.
II) Caso não cumpra o supra determinado, fica o importador sujeito à assim designada “taxa de fazendas demoradas”, que se constitui como medida administrativa compulsória , destinada a compelir o importador ao desalfandegamento das mercadorias e sua submissão aos direitos aduaneiros devidos ( assim designada como “pauta aduaneira comum” comunitária).
III) Tal medida compulsória não impede o interessado de prescindir das ditas mercadorias, que podem ser colocadas à venda por hasta pública, o que está de acordo com as disposições aplicáveis do Reg. Alfandegário e nas normas do C.A.C.
IV) A aplicação de uma taxa “ad valorem” sobre o valor das mercadorias, a titulo de “ fazendas demoradas”, é vinculativo para a Adm. Aduaneira, e não viola qualquer disposição constitucional ao abrigo do princípio da proporcionali - dade , ou do tratado da U.E., nem contende com as disposições do GATT, quanto aos emolumentos, taxas e outros encargos de efeito semelhante, tidos como susceptíveis de afectar o livre comércio entre os estados signatários, atento a referida natureza jurídica de tal medida.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Relatório

P....., S.A., com os demais sinais dos autos que se dão por reproduzidos, vem apresentar, nos termos dos artigos 46º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais (CPTA),IMPUGNAÇÃO, SOB A FORMA DE ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL, DO DESPACHO N.º .....DE 30/12/2011, PROFERIDO PELO SENHOR SECRETÁRIO DE ESTADO DOS ASSUNTOS FISCAIS (SEAF), QUE INDEFERIU O PEDIDO DE ANULAÇÃO DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DE FAZENDAS DEMORADAS PRATICADO PELO CHEFE DA DELEGAÇÃO ADUANEIRA DE SINES, com os seguintes fundamentos:
Conforme descrito, foi a Autora objecto de liquidação de fazendas demoradas por alegada violação do prazo de atribuição de destino aduaneiro à remessa de óleo mineral importada do Brasil.
Como fundamento de tal liquidação, a Autoridade Tributária e Aduaneira, através da Delegação Aduaneira de Sines invocou os preceitos emergentes dos artigos 638º e 639º, do Regulamento das Alfândegas, concatenado com os artºs 49º a 53º, do CAC, o que entende como ilegítimo dado que os 1ºs de reportavam a um prazo de armazenagem de mercadorias que se prolongavam no tempo e por esse facto, se sujeitavam a certos encargos para o depositante, ao contrário das n. comunitárias que prevê a necessária atribuição de um destino aduaneiro às mercadorias importadas.
Pretende o A. que, anteriormente à introdução do referido CAC, as mercadorias eram deslocadas para as Alfândegas e delegações aduaneiras, onde ficavam armazenadas até à emissão de bilhete de despacho e consequente saída das mercadorias para o mercado em situação de livre prática (desalfandegamento), pelo que o atraso verificado na sua colocação final importava tais despesas que deveriam ser suportadas pelos operadores.
Já no caso actual, de existência de Entrepostos Fiscais privados e, no caso, pertencentes ao A., sendo apenas sujeito a controlo e fiscalização da respectiva Delegação Aduaneira competente, conforme decorre do Dec.-Lei nº 392/85, de 09.10., que transpôs a Directiva nº 68/312/CEE, do Conselho, de 30.06., assim como do Dec.-Lei nº 281/86, de 05.09, relativo à autorização e funcionamento dos armazéns comumente designados por “depósitos provisórios”, que permitam a permanência das mercadorias , provindas por via marítima, pelo prazo de 45 dias, no intuito de lhes ser atribuído um destino aduaneiro, não se confundem com tal enquadramento, sendo por isso ilegal a sua determinação.
Mais invoca a ilegalidade na sua utilização, por entender que o mesmo estar dependente do procedimento de venda em hasta pública, o que não se observou, sendo que inclusive se verificou a utilização parcial dos ditos bens importados, pelo que não poderia a mesma abranger a totalidade do valor de tais mercadorias.
Vem o A. ainda alegar a inconstitucionalidade e ilegalidade , por violação do princípio da boa-fé, e por violação do principio da proporcionalidade face ao atraso verificado, mais entendendo que a mesma teria a natureza contra-ordenacional sancionatória.
Conclui pugnando pela procedência da acção, suscitando a questão da submissão da mesma ao TJUE , a titulo prejudicial na vertente da sua conformidade com as normas do GATT, vinculativas no âmbito comunitário.
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A entidade demandada, apresentou contestação , em que defende a improcedência da acção, invocando a seu propósito diversos acórdãos do TJUE, do T.C. e do STA, que sustentariam a posição adoptada pelo Exmº Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, no sentido do indeferimento da pretensão a si dirigida. –cfr contestação de fls não numeradas dos autos.
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Proferido despacho saneador, em 21.10.2013, por este TCA, foi determinado a notificação das partes para apresentação de alegações escritas, tendo o A. e R. apresentado as mesmas, em que reiteram as razões subjacentes aos respectivos articulados. –cfr requerimentos de 14.11.2013 e de 06.12.2013 , respectivamente.
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Da fundamentação
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Factos Apurados
A) Em 15.03.2011 a P..... recebeu um granel de óleo mineral em rama (crude, albacora crude oit\), transportado por via marítima pelo navio S....., com a contra marca ..... (..... de 12.03/2011), proveniente do Brasil com 131.380,249 MT, conforme fls. 5 (Vol. I) do Processo Administrativo constituído pelos Volumes I - da Alfândega de Setúbal/Delegação Aduaneira de Sines - e II - da Direcção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso (PA), que se juntou aos autos para todos os efeitos legais.
B) Nesta data, 15.03.2011, o produto foi descarregado para o entreposto fiscal de produção de que a P..... é titular em Sines (a fls. 5 e 6 do Processo de contra-ordenação, constante do PA - Vol. II).
C) Em 03.05.2011, tendo verificado a não regularização da situação aduaneira do crude, a Delegação Aduaneira de Sines solicitou à P....., através de correio electrónico, que indicasse o regime aduaneiro atribuído àquela mercadoria, questionando-a sobre a apresentação da respectiva declaração aduaneira de importação relativa à primeira quantidade constante do mapa de fls. 2 a 8 do PA, Vol. I.
D) Entre 15.03.2011 e 06.05.2011 a P..... retirou para produção a quantidade de 93.552,800 MT de crude sem conhecimento das autoridades aduaneiras, sem que lhe tenha sido atribuído um destino aduaneiro (fls. 2 a 8 do PA, Vol. I).
E) Em 06.05.2011, após o pedido de esclarecimento efectuado pela Delegação Aduaneira de Sines, foi apresentado o Documento Administrativo Único (DAU/Declaração Aduaneira de Importação) para livre prática com o n.° ....., de 6.5.2011, tendo sido declarado para o regime 07 00 - livre prática para entreposto fiscal - 131 380,249 MT. de óleo mineral em rama.
F) No mesmo DAU foi liquidada a taxa de fazendas demoradas correspondente a 5% sobre o valor da mercadoria, no montante de 3.376.417,26 Euros, registado com o n.° .....de 06.05.2011, rectificado, sob o n.° ....., em 10.05.2011, a 93.352,800 MT de óleo mineral em rama.
G) Em 09.05.2011, a P..... foi notificada da liquidação efectuada no DAU, para pagar em dez dias, sendo que a caução global de desalfandegamento não se revelava suficiente para garantir o montante em dívida (cfr. fls. 25 e 26 do PA - Vol. I).
H) Em 20.05.2011, a P..... apresentou, junto da Alfândega de Setúbal, requerimento a solicitar a prestação de garantia no montante total da liquidação em causa com a finalidade de suspender a execução da liquidação.
I) Nesta mesma data, a P..... apresentou junto da Alfândega de Setúbal a Reclamação Graciosa daquele ato de liquidação e requereu a prestação da garantia, nos termos do artigo 69.°, alínea f) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, tendo em vista obter o efeito suspensivo até decisão, o que foi autorizado, encontrando-se prestada uma fiança bancária com data de início de 13.06.2011, no montante de 3.376.417,26 Euros (de fls. 36 a 38 do PA, Vol. I).
J) A Diretora da Alfândega de Setúbal confirmou a manutenção do ato de liquidação de fazendas demoradas, com base no entendimento na legalidade do ato praticado.
L) Mediante a interposição de “reclamação graciosa”, foi pedida a revogação do acto de liquidação do chefe da Delegação Aduaneira de Sines, de 06.05.2011, corrigido em 10.05.2011, por violação flagrante do princípio da proporcionalidade nas suas acepções de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito ou, em alternativa, com fundamento em violação de lei, uma vez que a liquidação em crise não foi precedida da sujeição das mercadorias ao regime de hasta pública, nos termos dos artigos 638.° a 678.° do RA, devendo o artigo 639.° ser objecto de interpretação atualizada de forma a remeter a sua aplicação para o último lugar das medidas legalmente admissíveis.
M) Convolada oficiosamente a reclamação graciosa em recurso hierárquico, o mesmo viria a ser indeferido pelo Despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais por despacho nº ....., proferido em 30.12.2011 .
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FACTOS NÃO PROVADOS:
Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.
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MOTIVAÇÃO Da MATÉRIA DE FACTO
Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.
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II.2. - DE DIREITO
Importa em 1º lugar afirmar que os referidos preceitos do R. A.- os mencionados artigos 638.° a 678.° do Regulamento das Alfândegas foram revogados pela Lei n.° 66-B/2012, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2013),sendo que das novéis disposições legais constantes dos artigos 678.°-A a 678.°-T do Regulamento das Alfândegas (doravante RA), do título IV-A, aditado ao livro VI, do mesmo RA, pela referida Lei do OE, resulta, expressamente, da letra do artigos 678.°-A, n.° 1, alínea b), conjugado com o artigo 678.°-B, n.° 1 e n.° 2, que a atribuição de um destino aduaneiro, após o decurso do prazo de sujeição das mercadorias às formalidades destinadas a atribuir-lhes um destino aduaneiro fixado em conformidade com o disposto no artigo 49.° do Código Aduaneiro Comunitário (CAC), está condicionada ao pagamento de um montante correspondente a 5% sobre o valor aduaneiro da mercadorias, sem prejuízo do pagamento de todos os encargos e imposições devidos, salvo se se o interessado se desinteressar de tais mercadorias por abandono, sem que o interessado tenha efectuado um pedido de atribuição de destino, ou quando o destino for o da inutilização da mercadoria ( cfr artigos 678.°-A,,n.° 1, alínea b), 678.°-B, n.° 1, n.° 2 e n.° 3). Daí que,
Conforme dispõe o n.° 1 do artigo 678.°-A, decorrido o prazo previsto no artigo 49.° do CAC, que pode ser de quarenta e cinco dias ou de vinte dias consoante se trate de mercadorias chegadas por via marítima ou por outras vias, para sujeição a um destino aduaneiro das mercadorias que tenham sido objecto de uma declaração sumária, constituem mercadorias abandonadas a favor do Estado, a não ser que o interessado, de acordo com o estabelecido no n.° 1 e n.° 2, do artigo 678.°-B, vier requerer, até ao momento da venda, a atribuição de um destino aduaneiro mediante o pagamento dos descritos montantes. De resto,
Confrontada a norma do RA que, articulada com o artigo 49.°, n.° 1, alínea a) do CAC, fundamentou a liquidação da taxa de fazendas demoradas, conclui-se que, não obstante a existência desta alteração ao referido RA, não resulta da mesma uma mudança ao regime que já se encontrava definido. Portanto,
É legitima a conclusão de que a aplicabilidade das ditas normas do R.A. não se atêm à questão de se tratar de simples armazenagem das mercadorias, mas sim da necessidade de se proceder atempadamente, à atribuição de um destino aduaneiro que obvie à detenção, em interpostos aduaneiros, incerta quanto à respectiva submissão aos direitos aduaneiros devidos- autêntica obrigação “incertus quando”, no brocado latino.
As alterações legislativas que ocorreram quanto ao tipo de armazéns ou de locais de depósito temporário de mercadorias não afastam a liquidação e cobrança da taxa de fazendas demoradas, a qual é exigível tanto na redacção vigente à data dos factos, como após a entrada em vigor das alterações introduzidas ao RA pela Lei do OE. É que,
As taxas de armazenagem e as taxas de fazendas demoradas, têm natureza jurídica diferente, e podem ser devidas separadamente, independentemente uma da outra. Mais,
As taxas que possam ser devidas pela armazenagem das mercadorias, independentemente do seu estatuto aduaneiro, são alheias às atribuições das autoridades aduaneiras. Já no que concerne à dita taxa de fazendas demoradas, Trata-se de “ cobrança da taxa administrativa de natureza compulsória “, que se traduz numa percentagem de 5% prevista no artigo 639.°, § 2.° do RA, estabelecida “ad valorem” , por se tratar de mercadorias extra-comunitárias mantidas em regime de suspensão de direitos aduaneiros dvidos, para lá do prazo máximo previsto na lei para a atribuição de destino aduaneiro à mercadoria. Assim,
As normas que fundamentaram o acto ora em crise estavam em vigor à data dos factos e ainda que tivessem ocorrido na vigência da redacção actual do RA, sempre estariam em conformidade, quer com o direito interno, quer com o Direito Comunitário/Direito da União Europeia.
Quanto à alegação que a aplicação das ditas fazendas demoradas não deveriam ter sido aplicados ao caso concreto porque as mercadorias não se encontravam em regime de hasta pública, requisito indispensável à aplicação do artigo 639.° do Regulamento das Alfândegas, resulta dos factos descritos no processo administrativo, que, tendo a administração aduaneira constatado, em 03.05.2011, que a declaração sumária relativa à contra marca n° .....se encontrava por apurar, e que o prazo de depósito temporário previsto no artigo 49.° do CAC tinha sido ultrapassado, foi imediatamente instaurado o correspondente processo de fazendas demoradas; e que, instada a Autora a indicar o regime aduaneiro atribuído à mercadoria em causa e a respectiva declaração aduaneira, a mesma apresentou, em 6 de Maio de 2011, a Declaração Aduaneira solicitando a atribuição do regime de Livre Prática e sujeição simultânea em regime de Entreposto Fiscal.
Por tal razão, e porque parte da mercadoria já se encontrava a ser utilizada/ transformada pela P..... no seu entreposto fiscal, a alfândega concluiu que não seria do interesse da recorrente que a administração aduaneira procedesse à venda da mercadoria, tendo antes sido regularizada a respectiva situação aduaneira.- portanto não pode a A. “venire contra factum próprio”, ao pretender que se procedesse à venda da mercadoria, que, de resto, já não se encontrava na totalidade em “stock”, por ter sido utilizado indevidamente. –daí que se tenha considerado a dita infracção de descaminho, essa sim, de cariz contra-ordenacional.- cfr sobre as duas figuras e no sentido ora pugnado por este Tribunal vd Ac. do STA, de 24.09.2003, proferido no Proc. Nº 24108.
Nos termos do artigo 639.° do RA, a administração está vinculada à aplicação da referida taxa “ad valorem”, nem pode graduar a aplicação da medida, antes está obrigada à aplicação da taxa de 5% sobre o valor das mercadorias que excederam o prazo de depósito temporário.
Quanto aos alegados princípios constitucionais e legais relativos à boa-fé reportado aos valores fundamentais do direito e da confiança suscitada na A. pela actuação em causa nos autos, não se descortina, face à circunstância de a aplicação da taxa de 5% resultar de um poder vinculado da administração, que não de um poder discricionário, qual a legitima expectativa que poderia o A. acalentar de um outro comportamento por parte do R..
Quanto aos ditos valores fundamentais do direito, assenta a A. nos ditos princípios da proporcionalidade, sendo certo que a jurisprudência comunitária, constitucional e da Instância judicial superior dos TAF, tem vindo a afastar a questão da sua alegada desproporcionalidade, já que tal ponderação implicaria a violação do principio da legalidade, atenta a formulação do artigo 639.° do Regulamento das Alfândegas “As mercadorias despachadas ao abrigo do disposto neste artigo [as demoradas] estão sujeitas ao pagamento de todos os encargos e imposições devidas acrescidos da percentagem de 5% sobre o seu valor”.
Para mais resultando do Acórdão de 07.12.2000, Processo n.° C-213/99 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, que “o artigo 53° [do CAC] não se opõe à aplicação automática, sem notificação prévia, dum processo como o previsto pela legislação portuguesa que prevê a venda das mercadorias demoradas para além dos prazos legais previstos para a declaração de colocação em livre prática ou do pedido de atribuição doutro destino aduaneiro”, cfr., Nuno Aleixo, Pedro Rocha e Ricardo de Deus in Código Aduaneiro Anotado e Comentado, 2007, anotação 3 ao artigo 53.°, pág. 360, Ed. Rei dos Livros, no mesmo sentido se pronunciando o acórdão doutrinal de 06.06.2001 do Supremo Tribunal Administrativo, recurso n.° 23 231.
De igual modo o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.° 414/99, de 26.06.99, veio considerar igualmente que “dado que a finalidade da medida é a de promover o respeito dos prazos de desalfandegamento, é manifesto que os operadores económicos que incumpriram esses prazos verão as mercadorias vendidas, com o consequente prejuízo. Porém, a lei admite que possam obviar a tal venda e prejuízo pagando, além das despesas, a referida percentagem”, para concluir pela proporcionalidade e consequente constitucionalidade da medida administrativa compulsória.
Por sua vez, o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão doutrinal de 06.06.2001, aprecia a alegada desproporcionalidade da medida, referindo que é colocado “na disponibilidade do importador o pagamento respectivo, para obter o desálfandegamento e obstar à venda em hasta pública” (derradeira medida consentida pelo artigo 75.° do CAC).
E no mesmo sentido, no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.9.2003, Processo n.° 24108,supra mencionado, considerou-se que à taxa de 5% foi atribuída “natureza compulsória, de índole processual ou procedimental, visando promover o normal desenvolvimento do processo de desalfandegamento das mercadorias”.
E mais adiante, no mesmo aresto, citando o Acórdão de 19.12.2001, Recurso 23529, do mesmo Supremo Tribunal Administrativo “o operador económico é livre de escolher entre o pagamento dos direitos aduaneiros e da sanção pecuniária compulsória ou deixar ir os bens para venda em hasta pública.” Ora,
O produto em causa, com o estatuto de mercadoria em depósito temporário, conservou esse estatuto até lhe ter sido atribuído um destino aduaneiro, nos termos do artigo 50.° do CAC, o que veio a acontecer, por acto voluntário da então reclamante, quando foi apresentada e aceite a declaração para livre prática. 
A circunstância de estar fisicamente em entreposto fiscal de produção não alterou o referido estatuto, antes o novo estatuto de produto comunitário em suspensão de IEC só foi adquirido após aceitação do DAU em 06.05.2011, data em que já havia passado à situação de mercadoria demorada e, consequentemente, sujeita juridicamente ao regime de venda.
Acresce que o artigo 53.° do CAC, norma que, na interpretação comunitária da compatibilidade da taxa de fazendas demoradas com o direito comunitário, constitui a base jurídica que fundamenta o juízo interpretativo da sua conformidade com o direito comunitário, na medida em que permite às autoridades aduaneiras a aplicação de uma medida mais gravosa, a venda, tem por objecto as mercadorias em relação às quais não foram cumpridas as formalidades destinadas a atribuir-lhes um destino aduaneiro nos prazos fixados no artigo 49.° Ora, nos termos dos ditos princípios gerais do direito, “quem permite o mais, permite o menos”, encontrando-se sempre ressalvado o direito do interessado de deixar prosseguir o processo de venda de tais mercadorias Por isso,
Toda a jurisprudência produzida, quer comunitária, quer nacional, considera sempre a aplicação da taxa de 5%, tendo-a como proporcional, entre outros motivos, porque o seu pagamento não é obrigatório, antes está dependente de um acto de vontade de quem devia ter cumprido o prazo previsto no artigo 49.°, alínea a) do CAC e não o fez.
E esse acto de vontade traduz-se, efetivamente, no caso concreto, pela apresentação do DAU para livre prática.
Quanto ao alegado pela Autora relativo à pretensa desconformidade da taxa de fazendas demoradas prevista no § 2º, do artigo 639°, do RA, com a alínea a), do n.° 1, do artigo VIII do GATT, assenta num pressuposto que não se verifica, porquanto a taxa de fazendas demoradas não constitui uma taxa pela prestação de qualquer serviço pelas autoridades aduaneiras, sendo, como sobredito, e jurisprudencialmente se firmou, uma medida administrativa de carácter compulsório.
Quanto à dita violação pelo artigo 53.°, n° 1, em articulação com o artigo 49.°, n° 1 alínea a), ambos do CAC, por não respeitar os critérios consagrados no n.° 3 do artigo VIII do GATT, dir-se-á que a mesma se refere a emolumentos e taxas aplicadas no âmbito de serviços prestados, o que, no presente caso é igualmente imprestável para os presentes autos, porque, como também já se mencionou, a taxa de fazendas demoradas não constitui uma taxa pela prestação de qualquer serviço pelas autoridades aduaneiras.
Finalmente, quanto à eventual submissão da questão suscitada nos autos ao TJUE, reitera-se aqui expressamente o consignado a seu propósito nas alegações apresentadas pelo R., por se concordar plenamente com o seu conteúdo, que aqui se acolhe e se dá por reproduzido, e do qual consta o seguinte:
“… Formulado um pedido de reenvio prejudicial ao abrigo do previsto no artigo 267.° do Tratado de Funcionamento da União Europeia, para o efeito enunciando várias questões, as quais espelham o raciocínio… que atribui, designadamente, natureza sancionatória à taxa de fazendas demoradas, confundindo-a com a coima aplicada no contexto do processo de infracção aduaneira.” E mais adiante refere que,
“…Contudo, independentemente do teor das questões formuladas e sua adequabilidade ao caso concreto, importa referir que só os tribunais que julgam em última instância estão obrigados a submeter ao TJUE as questões de interpretação de direito da União Europeia que forem suscitadas no processo, ficando, no entanto, dispensados de efectuar o reenvio quando haja jurisprudência europeia sobre o assunto, a questão for impertinente ou seja clara a interpretação do direito comunitário.
Quanto a esta questão, não obstante a extensa jurisprudência, nacional e comunitária, atente-se no Acórdão de 15.09.2005, proferido no Processo C-495/03, ainda com referência ao artigo 234.° do Tratado CE:
“(...) no que se refere aos órgãos jurisdicionais nacionais cujas decisões não são susceptíveis de recurso judicial de direito interno, deve recordar-se que o terceiro parágrafo do artigo 234.º CE, na sequência de uma jurisprudência constante, deve ser interpretado no sentido de que tais órgãos jurisdicionais são obrigados a cumprir o seu dever de reenvio sempre que uma questão de direito comunitário neles seja suscitada, a menos que concluam que a questão não é pertinente ou que a disposição comunitária em causa foi já obiecto de uma interpretação por parte do Tribunal de Justiça ou que a correcta aplicação do direito comunitário se impõe com tal evidência que não dá lugar a qualquer dúvida razoável. A verificação desta hipótese deve ser avaliada em função das características próprias do direito comunitário, das dificuldades particulares de que a sua interpretação se reveste e do risco de surgirem divergências jurisprudenciais no interior da Comunidade.(...). (Sublinhado nosso).
Assim, além de não estarmos perante um tribunal nacional cuja decisão é insusceptível de recurso, não existem quaisquer dúvidas quanto à interpretação das normas em questão, tendo, as mesmas, já sido objecto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça (e pelos tribunais nacionais), pelo que a correcta aplicação do direito comunitário se impõe com tal evidência que não dá lugar a qualquer dúvida razoável.”.
Assim, entende-se que carece de fundamento a solicitação dirigida a esta instância judicial para submeter as questões suscitadas nos autos ao TJUE, sendo a mesma rejeitada atento o juízo formulado supra a seu propósito.
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Dispositivo:
Nos termos expostos, entende-se como improcedente a acção intentada pelo A., sendo confirmada a decisão controvertida que indeferiu o requerimento no sentido de anulação do acto de liquidação da taxa de fazendas demoradas, o qual se mantém na ordem jurídica.
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Custas pelo A.
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Valor da Acção: € 5 000,00- cfr nº 2, do artº 97º- A, do CPPT.
Notifique.
[O relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Mário Rebelo e Patrícia Manuel Pires ]