Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05013/09
Secção:CA - 2.º Juízo
Data do Acordão:11/19/2009
Relator:Teresa de Sousa
Descritores:SUBSÍDIO DE DESEMPREGO
MONTANTES DESPENDIDOS PELA SEGURANÇA SOCIAL
Sumário: I - Conforme resulta do probatório ao trabalhador em causa foi deferida a prestação de desemprego por um período de 1140 dias, ao qual corresponde o montante a restituir (cfr. al. A) do probatório), e que é estabelecido de acordo com o disposto no art. 37º do DL. nº 220/2006, de 3/11;
II - Se o art. 63º do DL. nº 220/2006, estabelece a obrigação do empregador, perante a segurança social, do pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego, não se nos afigura como a mais correcta a interpretação do acórdão recorrido de que apenas seria devido o pagamento das prestações efectivamente pagas;
III - De facto, parece que a lei entendeu que se o empregador não cumpriu os pressupostos legais para fazer cessar contratos de trabalho (cfr. arts. 9º, nº 1, al d) e 10º, nºs 1 e 4 do DL nº 220/2006) deve ser responsabilizado pelo pagamento da totalidade do período para que é concedida a prestação inicial de desemprego;
IV - Solução que parece enquadrar-se nos objectivos do diploma aqui em causa que pretendendo proteger as situações de trabalhadores no desemprego, visa também combater a fraude e promover a poupança de recursos na segurança social (cfr. preâmbulo do referido diploma);
V - O legislador pretendeu consagrar a responsabilidade do empregador nos termos indicados no art. 63º referido, assim o expressando nos termos inscritos no preceito, sendo certo que a solução por que o acórdão optou não parece ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (cfr. art. 9º, nºs 1 e 3 do CC).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

Vem interposto recurso do acórdão do TAF- Sintra que anulou o despacho de 06.02.2008 do Director do Núcleo de Desemprego/ISS relativamente aos montantes despendidos a titulo de subsídio de desemprego pela segurança social com o beneficiário aí identificado.
Em alegações são formuladas as seguintes conclusões:
1. O acórdão proferido procede a uma leitura do art.º 63.º do Decreto-Lei n.º220/2006, de 3 de Novembro, que incorre em violação de lei, merecendo ser revogada a decisão nele contida, na parte em que determinou anular o despacho impugnado relativamente aos montantes que excediam os valores efectivamente despendidos a título de subsidio, de desemprego pela Segurança Social com o beneficiário.
2. No acórdão sob recurso foram incluídos na matéria de facto provada, com interesse para a decisão, designadamente, os factos elencados nas alíneas 3, 4 e 6, dos quais resultam verificados os requisitos cumulativos dos quais depende a aplicação do art.º 63.º do Decreto-Lei n.º 220/2006;
3. O art.° 63.º do Decreto-Lei n.° 220/2006 impõe que, verificados que sejam os referidos pressupostos, a entidade empregadora proceda à devolução do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego;
4. Trata-se aqui de uma obrigação de fonte legal, dando o acórdão recorrido por verificados os pressupostos cumulativos de que depende a responsabilidade prevista no artº 63.º do Decreto-Lei n.º 220/2006;
5. A análise cuidada do art.º 63.° do Decreto-Lei n.° 220/2006, feita no estrito respeito do art.° 9.º do Código Civil, não admite outra interpretação que encontre correspondência verbal na letra do preceito que não seja a devolução de montante equivalente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego;
6. Ao contrário do sustentado no acórdão recorrido, é o próprio critério sistemático que remata de forma conclusiva a única leitura possível do preceito - não só através da conjugação do art.º 63 .º do Decreto-Lei 220/2006, de 3 de Novembro, com o art° 37.º e 52.º do diploma, como também pela sua inclusão no capítulo designado "responsabilidade e regime sancionatório";
7. Designadamente, a responsabilidade exigida pelo art.º 63.º do Decreto-Lei 220/2006 não pode deixar de ser lida em articulação com a figura da suspensão da prestação de desemprego alínea a) do n.º 1 do artº 52.° do Decreto-Lei n.º 220/2006], sendo que pode vir a verificar-se o reinicio do pagamento das prestações suspensas, podendo a segurança social ter de vir a pagar ao beneficiário a totalidade do subsídio;
8. O acórdão recorrido, ao considerar que os factos provados consubstanciam responsabilidade do empregador nos termos do citado art.° 63,º e que a aplicação do mesmo artigo se justifica, tendo reconhecido os factos nele descritos como provados, não podia ter decidido como decidiu pelo que deverá ser considerado nulo nos termos do art.º 668.º, n.º 1, c) do CPC, aplicável ex vi do disposto no art° 140.º do CPTA, por os seus fundamentos contrariarem a decisão;
9. O acórdão recorrido não podia ter decidido como decidiu, fundamentado numa interpretação restritiva do art.º 63.º do Decreto-Lei 220/2006, pelo que deverá ser considerado nulo nos termos do art.º 668.º, n.º 1, c) do CPC, aplicável ex vi do disposto no artº 140.º do CPTA, por novamente os seus fundamentos contrariarem a decisão.
EM CONCLUSÃO:
Dando como provada a factualidade descrita e assumida a aplicabilidade do preceito "sub judice", em virtude do douto aresto recorrido fazer uso de uma fundamentação que não poderia conduzir ao resultado expresso na decisão, importará decretar a sua nulidade, nos termos do art.º 668.º, n.° 1, d) do CPC, aplicável ex vi do disposto no art.º 140.º do CPTA, por se encontrarem os seus fundamentos em oposição com o decidido, e assim se decidir pela validade do despacho impugnado,
E, ainda que assim não se entenda, porquanto foi acima dito, merece o acórdão recorrido ser revogado, por incorrer no vício de violação de lei (art.º 63.º do Decreto-Lei n,°220/2006 e art. 9.º do Código Civil)

Em contra-alegações são formuladas as seguintes conclusões:
a) A Segurança Social notificou a A. para proceder à restituição da totalidade do subsídio de desemprego deferida, apesar do trabalhador apenas ter recebido subsídio de desemprego correspondente a 2 meses;
b) A notificação atrás referida foi feita ao abrigo do disposto no Decreto-Lei 133/88 de 20 de Abril, diploma que apenas prevê a responsabilidade emergente das prestações indevidamente recebidas;
c) A obrigação de restituição prevista no diploma atrás referido restringe-se apenas aos valores efectivamente pagos e que não sejam devidos;
d) Face ao disposto no Decreto-Lei 133/88 de 20 de Abril, não podia o artigo 63° do Decreto-Lei 220/2008 de 3 de Novembro ser interpretado de modo a entender-se que a obrigação de restituição abrange todo o período de concessão do subsídio de desemprego, ainda que não tenha sido efectivamente pago pela Segurança Social;
e) A interpretação do artigo 63° do Decreto-Lei 133/88 formulada pela Segurança Social no despacho impugnado excede o âmbito da responsabilidade por restituição de prestações, assumindo um carácter sancionatório ou de penalização, pelo que é incorrecta e ferida de ilegalidade;
f) A inserção do preceito em questão no capítulo da responsabilidade e fora da secção dedicada à contra-ordenações evidencia que não houve por parte do legislador a intenção de criar uma norma sancionatória e de penalização, mas de mera restituição de prestações, demonstrando assim que a interpretação da Entidade Demandada atrás referida é incorrecta e está ferida de ilegalidade;
Foi dado cumprimento ao disposto no art. 146º, nº 1 do CPTA.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Os Factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
1)
Pelo ofício nº 19099 de 06-02-2008 da Segurança Social, a A. foi notificada para “proceder à restituição do montante de € 24.418,80” que corresponde “à totalidade do subsídio de desemprego deferido ao beneficiário em referência" - 1140 dias - (Cfr. Doc 1 e 2 PI).
2)
Em 7 de Março de 2008 a aqui Autora interpôs Recurso Hierárquico do mesmo (Registo n° 20214/089) (Cfr. Doc 3 Pi);
3)
A aqui Autora tinha à data da cessação dos 4 contratos de trabalho (31/08/2007) 7 trabalhadores (Cfr. doc 1 Contestação)
4)
Refere-se na Orientação Técnica da DGSS (Circular n° 1) datada de 07/02/2007, II - 3 sob a epígrafe "Contagem do número de trabalhadores por triénio", que: "Para efeitos da aplicação do disposto nos n°s 4 e 5 do art° 10° do Decreto-lei n° 220/2008, o número de trabalhadores da empresa é aferido no mês anterior ao limite do período retrospectivo de três anos, o qual corresponde ao mês temporalmente mais distante. Enquanto não tiver decorrido um período de três anos, contados da data da entrada em vigor das citadas normas (4 de Novembro de 2006), o número de trabalhadores para apuramento das quotas é o verificado em Outubro de 2006.". conforme, Doc. 2 contestação.
5)
Em Outubro e Novembro de 2006 a aqui Autora tinha ao seu serviço 10 trabalhadores (Cfr. Doc 3 e 4 Contestação);
6)
A data do deferimento da pretensão respeitante ao trabalhador Álvaro Guedes Peixoto ocorreu em data posterior à dos restantes 3 trabalhadores da Autora. (Cfr. Doc 5 Contestação);
7)
O Beneficiário da Segurança Social n° 11217687224, Álvaro Guedes Peixoto, encontra-se a trabalhar desde 1 de Novembro de 2007 na Gooseconstroi - Construção Civil, Lda., efectuando os respectivos descontos para a Segurança Social (Por acordo);
8)
A Segurança Social apenas pagou ao beneficiário referido no precedente facto, as prestações referentes ao Subsidio de Desemprego face aos meses de Setembro e Outubro de 2007 (Por acordo);
9)
A presente Acção deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, em 23 de Junho de 2008, (Cfr. fls. 2 e sg SITAF)

O Direito
O acórdão recorrido anulou o despacho de 06.02.2008 do Director do Núcleo de Desemprego/ISS relativamente aos montantes despendidos a titulo de subsídio de desemprego pela segurança social com o beneficiário aí identificado, por ter considerado ilegal a interpretação que o aqui Recorrente fez do art. 63º do DL nº 220/2006, de 3/11.
O Recorrente alega que o acórdão recorrido padece da nulidade de sentença prevista no art. 668º, nº 1, al c) do CPC, por os seus fundamentos contrariarem a decisão, ou, caso assim se não entenda, deverá tal acórdão ser revogado, por incorrer no vício de violação de lei (art.º 63.º do Decreto-Lei n.º 220/2006 e art. 9.º do Código Civil)
Quanto à invocada nulidade de sentença prevista no art. 668º, nº 1, al c) do CPC, apenas se verifica quando os fundamentos invocados na decisão, deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vem expresso na sentença. Ou seja, tal nulidade pressupõe um erro lógico na parte final da argumentação jurídica, uma vez que os fundamentos apontariam em direcção diferente daquela em que se decide.
Ora, tal divergência não ocorre no acórdão recorrido, uma vez que os fundamentos de facto podem conduzir à decisão tomada.
O que acontece é que o acórdão faz uma interpretação diferente da defendida pelo Recorrente do art. 63º do DL. nº 220/2006, podendo esta constituir erro de julgamento, mas, nunca, a nulidade prevista na al. c) do nº 1 do art. 668º do CPC, que, assim, improcede.

Quanto à invocada violação de lei por errada interpretação do referido art. 63º do DL. nº 220/2006 e do art. 9º do CC, vejamos se assiste razão ao Recorrente:
A situação verificada no caso presente, e na qual as partes estão de acordo, é a de que a aqui Recorrida cessou o contrata de trabalho com quatro trabalhadores, quando apenas o poderia ter feito com três trabalhadores, nos termos previstos no art. 10º, nº 4, al. a) do DL nº 220/2006.
Assim, e verificando-se que o contrato de trabalho cuja data de cessação era a mais recente era o do trabalhador indicado em 6 do probatório, foi em relação a esse (que requereu prestação de desemprego) que os Serviços do Recorrente elaboraram nota de reposição, para os efeitos do art. 63º do DL nº 220/2006 (conjugado com o nº 2 do art. 4º da Portaria nº 8-B/2007, de 3/1).
Em causa no presente recurso está apenas determinar qual a interpretação a dar ao referido art. 63º: se a da sentença, que considerou que o empregador apenas é responsável pela restituição de prestações efectivamente pagas pela Segurança Social; se a do recorrente que defende ser exigível à entidade empregadora o pagamento da totalidade do período concedido a título de prestação inicial de desemprego.
O DL nº 220/2006, no seu Capítulo X, sob a epígrafe Responsabilidade e regime sancionatório, prevê na Secção I, Responsabilidade no art. 63º, com a epígrafe Responsabilidade pelo pagamento das prestações, que:
Nas situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção do trabalhador, criada pelo empregador, do preenchimento das condições previstas no n.º 4 do artigo 10.º, e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a segurança social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego.
Conforme resulta do probatório ao trabalhador em causa foi deferida a prestação de desemprego por um período de 1140 dias, ao qual corresponde o montante a restituir (cfr. al. A) do probatório), e que é estabelecido de acordo com o disposto no art. 37º do DL. nº 220/2006.
Ora, se o art. 63º (acima transcrito), estabelece a obrigação do empregador, perante a segurança social, do pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego, não se nos afigura como a mais correcta a interpretação do acórdão recorrido de que apenas seria devido o pagamento das prestações efectivamente pagas.
De facto, parece que a lei entendeu que se o empregador não cumpriu os pressupostos legais para fazer cessar contratos de trabalho (cfr. arts. 9º, nº 1, al d) e 10º, nºs 1 e 4 do DL nº 220/2006) deve ser responsabilizado pelo pagamento da totalidade do período para que é concedida a prestação inicial de desemprego. Solução que parece enquadrar-se nos objectivos do diploma aqui em causa que pretendendo proteger as situações de trabalhadores no desemprego, visa também combater a fraude e promover a poupança de recursos na segurança social (cfr. preâmbulo do referido diploma).
Com efeito, apesar de a solução legislativa poder ser discutível (como admite o próprio recorrente), o certo é que se nos afigura que o legislador pretendeu consagrar a responsabilidade do empregador nos termos acima indicados, assim o expressando nos termos inscritos no preceito, sendo certo que a solução por que o acórdão optou não parece ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (cfr. art. 9º, nºs 1 e 3 do CC).
Termos em que, o acórdão recorrido enferma do erro de julgamento que o Recorrente lhe imputa, procedendo, consequentemente, o presente recurso.

Pelo exposto, acordam em:
a) - conceder provimento ao recurso, revogando acórdão recorrido e julgando improcedente a acção interposta;
b) - condenar a Recorrida nas custas, fixando a taxa de justiça em 2 e 4 UC, respectivamente, em 1ª instância e neste Tribunal, já com redução a metade (arts. 73º-D, nº 3 e 73º-E, nº 1, al. b) CCJ).

Lisboa, 19 de Novembro de 2009

Teresa de Sousa
Coelho da Cunha
Fonseca da Paz