Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10240/13.7BCLSB-A
Secção:CA- 2ºJUÍZO
Data do Acordão:07/05/2017
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
ACTO TÁCITO
ANULAÇÃO ADMINISTRATIVA
ARTIGO 168º DO CPA DE 2015
Sumário:I – De acordo com o estatuído no n.º 1 do art. 130º do CPA de 2015, a formação de deferimento tácito tem de estar expressamente prevista em lei ou regulamento extravagante, sendo certo que in casu existe tal lei extravagante a prever a formação de deferimento tácito - art. 25º n.ºs 1 e 2, da Lei 34/2004, de 29/7.

II – A anulação administrativa (anterior revogação anulatória) é o acto administrativo pelo qual a Administração destrói os efeitos jurídicos de um acto administrativo anterior com fundamento em invalidade, conforme previsto no art. 165º n.º 2, do CPA de 2015.

III - Quando a destruição dos efeitos resultar de um novo acto relativo à mesma situação concreta, de conteúdo ou efeitos incompatíveis com o conteúdo ou efeitos de outro acto anterior, sem declaração anulatória ou explícita referência ao acto anulado, estamos perante uma anulação administrativa implícita.

IV – No caso vertente o acto de indeferimento expresso do apoio judiciário de 13.4.2017 não faz qualquer referência ao acto tácito de deferimento que se formou em 25.11.2016, mas, tendo tal acto de indeferimento um conteúdo incompatível com o conteúdo desse acto tácito anterior, tem de se considerar que aquele procedeu à anulação administrativa (implícita) do acto de deferimento tácito do apoio judiciário, entretanto, formado.

V – Sendo o acto tácito de deferimento que se formou em 25.11.2016 um acto constitutivo de direitos [cfr. art. 167º n.º 3, do CPA de 2015], o mesmo podia ser objecto de anulação administrativa no prazo de seis meses, a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro, em qualquer dos casos desde que não tenha decorrido um ano, a contar da respectiva emissão - cfr. art. 168º n.ºs 1 e 2, do CPA de 2015 -, ou desde que não tenham decorrido cinco anos, a contar da respectiva emissão, nos casos previstos no n.º 4 desse art. 168º.

VI – O referido prazo de seis meses suspende-se aos Sábados, Domingos e feriados (cfr. art. 87º, als. c) e d), a contrario, do CPA de 2015, ex vi art. 37º, da Lei 34/2004) – ou seja, corresponde a 180 dias úteis -, pelo que, tendo-se formado em 25.11.2016 o acto tácito de deferimento, é evidente que em 13.4.2017 - data em que tal acto tácito foi (implicitamente) objecto de anulação administrativa - ainda não tinha decorrido o citado prazo de seis meses.

VII – Dado que o impugnante reside em Lisboa, a decisão de indeferimento de 13.4.2017 é da competência da Directora de Segurança Social do Centro Distrital de Lisboa, excepto se se verificar a existência de delegação e subdelegação de poderes.

VIII – In casu o despacho de indeferimento de 13.4.2017 foi praticado por um Técnico Superior, o qual tinha poderes subdelegados para a sua prática, pelo que não se verifica qualquer vício de incompetência e muito menos de usurpação de poderes, sendo certo que a falta de menção a tal subdelegação de poderes nesse despacho de 13.4.2017 – imposta pelos arts. 48º n.º 1 e 151º n.º 1, al. a), ambos do CPA de 2015 – não afecta a sua validade (cfr. art. 48º n.º 2, 1ª parte, do CPA de 2015).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: *
I - RELATÓRIO
Joaquim ………………………. apresentou na Segurança Social impugnação judicial – enviada por correio registado em 3.6.2017, aí dando entrada em 4.6.2017 – da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário que formulou na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, solicitando que o tribunal declare a nulidade de tal decisão de indeferimento.

O Centro Distrital de Lisboa, do Instituto da Segurança Social, IP, manteve o despacho de indeferimento do benefício de apoio judiciário, por entender que, face aos rendimentos apurados e aplicados os critérios de apreciação, o requerente não tem direito a apoio judiciário e, no que respeita ao acto de deferimento tácito, sendo o mesmo um acto constitutivo de direitos, está o mesmo sujeito ao regime da anulação previsto nos arts. 165º e 168º, ambos do CPA, ou seja, pode ser anulado por acto expresso, o que veio a acontecer no prazo de um ano a constar da respectiva emissão.

II - FUNDAMENTAÇÃO
Com interesse para a decisão consideram-se assentes os seguintes factos:
1) Por requerimento formulado junto da Segurança Social em 26.10.2016, Joaquim …………………… solicitou a concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo n.º 86/2002, tramitado neste TCA Sul sob o n.º 10240/13, indicando residir na Rua …………….. n.º 30, 3º Dt., em Lisboa (cfr. fls. 58 a 62, destes autos em suporte de papel, e fls. 438 a 441, dos autos de execução n.º 10240/13 em suporte de papel).
2) O primeiro acto que os serviços da Segurança Social praticaram, após a apresentação do requerimento descrito em 1), foi o cálculo, em 2.3.2017, do valor de rendimento para efeitos de protecção jurídica (cfr. fls. 41, destes autos em suporte de papel).
3) Em 7.3.2017 foi remetido pelo Centro Distrital de Lisboa, do Instituto da Segurança Social, IP, a Joaquim …………………… ofício para efeitos de audiência prévia nos seguintes termos:
Em conformidade com o disposto no art. 121º e 146º e 171º do Decreto-Lei 4/2015, de 7 de Janeiro do Código do Procedimento Administrativo e do artigo 23º da Lei 34/2004, de 29 de Julho com as alterações introduzidas pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto, informa-se V. Ex.ª que é intenção deste serviço INDEFERIR o pedido de apoio judiciário, com o seguinte fundamento:
O requerente reuniu alguns elementos de prova que permitem aferir dos seus rendimentos.
Deste modo, atendendo aos documentos anexados pelo requerente em conjugação com outros elementos obtidos pela consulta no Sistema de Informação da Segurança Social, verificou-se que não teria direito à Protecção Jurídica, atendendo a:
· O agregado familiar é composto pelo requerente + 1
· O agregado familiar tem um rendimento líquido anual correspondente a € 74 063,02
Razão pela qual, atendendo à situação factual comprovada, a requerente não reúne as condições para beneficiar de protecção jurídica nas modalidades requeridas, nos termos dos artigos 7º e 8º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, por aplicação dos critérios estabelecidos e publicados em anexo à citada Lei conjugados com a Portaria 1085-A/2004, de 31 de Agosto.
Caso V. Exª queira pronunciar-se, poderá alegar por escrito o que tiver por conveniente, juntando os documentos solicitados, no PRAZO DE 10 DIAS ÚTEIS a partir da data da recepção da presente notificação (…)
Na falta de resposta, a proposta de decisão converte-se em decisão definitiva, não havendo lugar a nova notificação. A decisão final sobre o pedido de apoio judiciário é susceptível de impugnação judicial que deve ser enviada ao serviço de segurança social que apreciou o mesmo, no PRAZO DE 15 DIAS – cfr. Artigos 26º e 27º da Lei 34/2004, de 29 de Julho com as alterações introduzidas pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto.” (cfr. fls. 35 e 36, destes autos em suporte de papel).
4) Joaquim Pinheiro Martins Coelho pronunciou-se em sede de audiência prévia nos termos constante de fls. 34, dos autos em suporte de papel, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde consignou designadamente o seguinte:
(…)
2 - Sem prejuízo de melhor opinião, estamos em crer que o técnico encarregue de proceder à análise das contas apuradas, enveredou por grave erro contabilístico dos números observados e, em vez de € 74 043, pretendia dizer 24,043€.E por identidade de razões, logo a conclusão teria de ser a vertida na formulação tendente ao indeferimento pretendido.
3 – Motivo pelo qual, deve alterar-se a putativa decisão formulada e,em consequência, deferir-se o pedido de Protecção Jurídica, tal como, em tempo, foi requerido.”.
5) Em 13.4.2017 foi proferido por Joaquim …………….., Técnico Superior, despacho de indeferimento do requerimento descrito em 1), nos termos constante de fls. 22, dos autos em suporte de papel, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde se consignou designadamente o seguinte:
(…)
O (A) requerente veio alegar grave erro contabilístico, nomeadamente que o valor correcto, não seria o valor apurado de € 74 043,00, contrapondo o valor de € 24.043.00, não juntando contudo qualquer documento comprovativo que sustenta-se as declarações prestadas.
O requerente é maior, casado.
O agregado familiar subsiste com rendimentos anuais de pensões, que foram confirmados, no valor de € 74.063,02, (acrescendo o valor de € 2684.90, Mod. 39) conforme se comprova pelos documentos juntos ao processo administrativo.
Face aos rendimentos apurados e aplicados os critérios de apreciação verifica-se que o requerente não tem direito ao apoio judiciário nas modalidades requeridas.
Compreendendo que as suas condições de vida não sejam de abastança sucede que a regulamentação Lei 34/2004, de 29/07, com as alterações da Lei 47/2007, de 28/08, pretendeu restringir os casos em que os cidadãos devem beneficiar do acesso gratuito à justiça e reduzindo os casos de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo a pessoas. Simultâneamente através das fórmulas matemáticas estabelecidas na Portaria 1085-A/2004, de 31 de Agosto introduzem-se os critérios de dedução a que a lei chama “relevante para efeitos de protecção jurídica”.
Não resta ao aplicador senão seguir esses critérios subsumindo a eles o caso concreto, sob pena de subverter a intenção da Lei. Assim sendo e, contabilizando o rendimento anual de € 74.063.02,00, ( + € 2684.90) deduz-se para despesas de necessidades básicas e encargos com habitação o valor total de € 13628.,00, sendo que o rendimento contabilizado para efeitos de protecção jurídica monta o valor de € 37.847,00.
O/A requerente não reúne as condições para beneficiar de protecção jurídica nas modalidades requeridas, nos termos dos artigos 7º e 8º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, por aplicação dos critérios estabelecidos e publicados em anexo à citada Lei conjugados com a Portaria 1085-A/2004, de 31 de Agosto.
Assim, no uso da competência prevista no art.º 20.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho com as alterações introduzidas pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto, INDEFIRO o presente requerimento de Apoio Judiciário.”.
6) O despacho descrito em 5) foi notificado a Joaquim ………………………… através de ofício expedido em 17.4.2017, dando-se também conhecimento do mesmo a este TCA Sul por ofício expedido em 17.4.2017 que aqui deu entrada em 20.4.2017 (cfr. fls. 19 e 20, destes autos em suporte de papel, e fls. 457, dos autos de execução n.º 10240/13 em suporte de papel)
*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos da presente impugnação.

O impugnante entende que a decisão de indeferimento – descrita em 5), dos factos provados – é ilegal pelas seguintes quatro razões:
1) O apoio judiciário já foi tacitamente concedido em 27.11.2016, pelo que é estranho que a segurança social venha indeferir o pedido de protecção jurídica que está deferido;
2) O acto de indeferimento carece em absoluto de forma legal, já que a única maneira de fazer cessar os efeitos do acto administrativo legalmente praticado seria através da prática de um outro acto que determine a cessação dos efeitos do acto anterior, no qual fundamente as razões de mérito, conveniência ou oportunidade, de harmonia com o preconizado no n.º 1 do art. 165º, do CPA, pelo que a Segurança Social ao indeferir um pedido tacitamente deferido, querendo antes revogá-lo, incorre na nulidade prevista na al. g) do n.º 2 do art. 161º, do CPA, além de que tal acto de indeferimento é nulo nos termos do art. 161º n.º 1, al. c), desse mesmo Código, por o seu teor se revelar ininteligível ao tentar ardilosamente revogar um acto através de um despacho de indeferimento;
3) O acto de indeferimento é nulo nos termos do art. 161º n.º 2, al. a), do CPA, por vício de usurpação de poderes, dado que, por um lado, e de acordo com o disposto no art. 20º, da Lei do Apoio Judiciário, a decisão de concessão do apoio judiciário compete ao dirigente máximo de serviço da Segurança Social da área de residência do requerente, e, por outro lado, tal acto de indeferimento é subscrito por um técnico superior – Joaquim Gonçalves -, sem fazer e provar qualquer referência a hipotética delegação de poderes que é obrigatória;
4) O acto de deferimento tácito formou-se há mais de cinco meses e é um acto constitutivo de direitos, pelo que a sua revogação apenas podia ocorrer no circunstancialismo previsto no art. 167º n.º 2, do CPA, o qual não se verifica.

Passando à análise de cada uma delas, tendo presente que, de acordo com o disposto no art. 28º n.º 4, da Lei 34/2004, de 29/7, a impugnação judicial do despacho sobre o pedido de apoio judiciário é objecto de decisão concisamente fundamentada.


1)
Dispõe o art. 130º, do CPA de 2015, ex vi art. 37º, da Lei 34/2004, de 29/7, o seguinte:
1 - Existe deferimento tácito quando a lei ou regulamento determine que a ausência de notificação da decisão final sobre pretensão dirigida a órgão competente dentro do prazo legal tem o valor de deferimento.
2 - Considera-se que há deferimento tácito se a notificação do ato não for expedida até ao primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo da decisão.
3 - O prazo legal de produção de deferimento tácito suspende-se se o procedimento estiver parado por motivo imputável ao interessado e só se interrompe com a notificação de decisão expressa.
(…)”.

De acordo com o estatuído no n.º 1 deste art. 130º a formação de deferimento tácito tem de estar expressamente prevista em lei ou regulamento extravagante, sendo certo que in casu existe tal lei extravagante a prever a formação de deferimento tácito.

Efectivamente estatui o art. 25º, da Lei 34/2004, de 29/7, o seguinte:
1 - O prazo para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de protecção jurídica é de 30 dias, é contínuo, não se suspende durante as férias judiciais e, se terminar em dia em que os serviços da segurança social estejam encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte.
2 - Decorrido o prazo referido no número anterior sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de protecção jurídica.
(…)”.

Atenta a factualidade dada como provada em 1) e 2) – dedução de pedido de apoio judiciário em 26.10.2016 e prolação do primeiro acto pelos serviços da Segurança Social em 2.3.2017 – tem de concluir-se que no caso sub judice se formou acto tácito de deferimento em 25.11.2017.

De todo o modo, e como se salientou no Ac. do TCA Norte de 15.11.2007, proc. n.º 845/06.8BEPRT, há que aplicar as “(…) demais regras que disciplinam o procedimento administrativo em presença, mormente, as regras que prevêem a possibilidade de prolação de acto expresso de indeferimento por parte da entidade administrativa sobre a pretensão formulada pelo interessado revogando (1) o deferimento tácito (cfr. arts. 135.º, 136.º, 138.º, 139.º, 140.º, 141.º, 142.º, 143.º, 144.º, 145.º todos do CPA (2)), aplicáveis por força do disposto no art. 37.º da Lei n.º 34/04.
É certo que a formação de acto tácito de deferimento concederia ao recorrente o direito que aqui reclama, mas a prolação do acto expresso de que o mesmo recorre e impugna fez desaparecer da ordem jurídica o mencionado acto tácito.
E fê-lo desaparecer porque o acto tácito constitui uma manifestação de vontade presumida.
A lei, em determinadas circunstâncias, manda interpretar para certos efeitos a passividade ou o silêncio de um órgão administrativo como significando o deferimento ou o indeferimento do pedido sobre o qual tinha obrigação de se pronunciar.
Não obstante e, porque assim é, a manifestação expressa da vontade contrária à vontade presumida faz com que deixe de fazer sentido falar em vontade presumida, pelo que existindo vontade real expressa através de um acto administrativo deixa de haver vontade presumida.
Contudo a prolação de acto expresso não significa por si só que este seja legal e que, portanto, o acto tácito esteja definitivamente arredado da ordem jurídica.
Na verdade, a revogação (3) dos actos administrativos, ainda que estes sejam tácitos, está sujeita à disciplina decorrente dos arts. 138.º e segs. do CPA (em especial, arts. 140.º e 141.º (4)) supra enunciados, pelo que essa revogação pode ser contenciosamente impugnada e desta impugnação pode resultar decisão judicial que anule o acto expresso revogatório, o que implicaria a repristinação do acto tácito.
Nessa medida, o acto revogatório só se consolida na ordem jurídica se não for judicialmente impugnado ou se, sendo-o, essa impugnação não tiver êxito.
Daí que o interessado, uma vez notificado do acto expresso de indeferimento, deve reagir à prolação deste, impugnando-o contenciosamente se o reputar de ilegal, pugnando pela manutenção do acto tácito.”.

Ora, no caso vertente, o impugnante não se limita a sustentar a existência do acto tácito de deferimento, pois assacou ao acto expresso de indeferimento de 13.4.2017 ilegalidades que na sua perspectiva são susceptíveis de o invalidar, concretamente os fundamentos acima descritos em 2), 3) e 4).

Assim, cumpre averiguar se procede algum deles, pois nessa hipótese há que concluir no sentido da manutenção do acto tácito.


2)
Improcede este fundamento, pelas razões a seguir indicadas.

Antes, porém, cumpre salientar que – conforme já referido na nota de rodapé n.º 1 -, actualmente, e de acordo com o disposto no art. 165º, do CPA 2015, ex vi art. 37º, da Lei 34/2004, é atribuída a designação de revogação [acto administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro acto, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade – cfr. n.º 1 desse art. 165º] à anterior revogação abrogatória ou extintiva e a designação de anulação administrativa [acto administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro acto, com fundamento em invalidade – cfr. n.º 2 desse art. 165º] à anterior revogação anulatória.

Como a este propósito ensina Marco Caldeira, A figura da “Anulação Administrativa” no novo Código do Procedimento Administrativo de 2015, Coordenação de Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves e Tiago Serrão, Volume II, 3ª Edição, 2016, págs. 474 e 476:
A primeira novidade que nos traz a anulação administrativa prende-se, desde logo, com a respectiva denominação: enquanto, ao abrigo do CPA de 1991, a figura da revogação abrangia duas modalidades – a revogação de actos válidos, por um lado (9 Cf. artigo 140.º do CPA de 1991), e a revogação de actos inválidos, por outro (10 Cf. artigo 141.º do CPA de 1991) -, o CPA de 2015 vem autonomizar esta segunda modalidade, dissociando-o do conceito de revogação e atribuindo-lhe um nomen específico. Ou seja, o que antes era uma sub-espécie da revogação passa, agora, a constituir uma “espécie” autónoma, reconduzindo-se a outro conceito distinto: a tradicional “revogação anulatória” deixa, a partir deste momento, de representar legalmente uma verdadeira e própria revogação.
De facto, à luz do novo CPA, a revogação passa a incluir unicamente a prática de actos com vista à cessação dos efeitos do acto “por razões de mérito, conveniência ou oportunidade” (12 Cf. artigo 165.º, n.º 1 do novo CPA), sendo a anulação administrativa, por seu turno, definida como “o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade” (13 Cf. artigo 165.º, n.º 2 do novo CPA).
Como o legislador expressamente reconhece, esta alteração de denominação visa essencialmente seguir a “generalidade da doutrina dos países europeus” (14 Cf. o já citado n.º 18 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 4/2015) (…)” – também neste sentido, Mário Aroso de Almeida, Comentários à revisão do Código do Procedimento Administrativo, 2016, pág. 337 [o qual, em anotação ao art. 165º refere o seguinte: “É assumida no presente artigo a opção adoptada na presente Secção da atribuição da designação de revogação à anterior revogação abrogatória ou extintiva e da designação de anulação administrativa à anterior revogação anulatória”], e Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, O Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo, 3ª Edição, 2016, págs. 321 e 322.

Além disso, e conforme se esclarece no Ac. do TCA Sul de 15.1.2015, proc. n.º 11726/14, relatado pela ora relatora:
“A revogação é o acto administrativo pelo qual a Administração destrói (revogação anulatória/revogação de actos inválidos (5)) ou faz cessar (revogação em sentido estrito (6)) os efeitos jurídicos de um acto administrativo anterior (neste sentido, cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, 10ª ed., 7ª reimpressão, 2001, págs. 531 e 532; Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2ª Edição, 2003, pág. 667).
Quando a destruição ou cessação dos efeitos resultar de um novo acto relativo à mesma situação concreta, de conteúdo ou efeitos incompatíveis com o conteúdo ou efeitos de outro acto anterior, sem declaração revogatória ou explícita referência ao acto revogado, estamos perante uma revogação implícita. O que caracteriza o acto revogatório implícito é precisamente a falta de declaração expressa da intenção de revogar - isto é, o mesmo não contém qualquer referência ao acto anterior -, a qual, no entanto, é implícita, resultando da incompatibilidade com o acto anterior, ou seja, na revogação implícita existe a intenção de revogar acto anterior, mas tal vontade é implícita.
A admissibilidade da revogação implícita, por incompatibilidade, impõe-se por si como um modo de assegurar a harmonia, a coerência e a eficiência do sistema, que não pode consentir a vigência de duas decisões administrativas que se chocam entre si, mormente quando esteja em causa a definição de situações jurídicas individuais.
A revogação implícita é admitida na doutrina [cfr. Marcello Caetano, cit., págs. 531 e 552, Robin de Andrade, A Revogação dos Actos Administrativos, 2ª ed., 1985, págs. 37 a 40, Mário Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, Vol. I, 2ª reimp., 1984, págs. 614-615, Osvaldo Gomes, Revogação Implícita dos Actos Tácitos Positivos, Separata do BMJ n.º 294 (onde claramente admite que a revogação implícita possa abranger os actos tácitos positivos), e Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, cit., págs. 667 a 669] e largamente aceite na jurisprudência [a título de exemplo, indicam-se os Acs. do STA de 7.11.1991 (Pleno), proc. n.º 24.420, 7.4.1992, proc. n.º 28.902, 5.12.1996, proc. n.º 33.857, 9.10.1997, proc. n.º 40.225, 17.2.1998, proc. n.º 42.176, 5.11.1998, proc. n.º 43.283, 25.2.1999, proc. n.º 42.332, 15.6.2004, proc. n° 721/03, 14.4.2005, proc. n° 984/04, 14.12.2005, proc. n° 905/05, e 23.5.2006 (Pleno), proc. n.º 01233/04 (“I - Além das revogações expressas, são admissíveis as revogações implícitas, por incompatibilidade entre o acto anterior e o segundo, na ausência de declaração revogatória”), os Acs. do TCA Sul de 2.3.2000, proc. n.º 1.112/98, e 27.1.2011, proc. n.º 06397/10, e o Ac. do TCA Norte de 15.7.2014, proc. n.º 01563/05.0BEPRT]”.

Ora, no caso sub judice verifica-se que o acto de indeferimento de 13.4.2017 – que assentou na consideração de que o ora impugnante, e face aos rendimentos apurados, não tem direito ao apoio judiciário – não faz qualquer referência ao acto tácito de deferimento que se formou em 25.11.2016, mas, tendo tal acto de indeferimento um conteúdo incompatível com o conteúdo desse acto tácito anterior, tem de se considerar que aquele procedeu implicitamente à destruição dos efeitos do acto tácito com fundamento em invalidade (face aos rendimentos apurados, o ora impugnante não tem direito ao apoio judiciário), ou seja, que o acto de 13.4.2017 procedeu à anulação administrativa (anterior revogação anulatória) implícita do acto tácito, conforme previsto no art. 165º n.º 2 (e não n.º 1), do CPA de 2015.

Nestes termos, o acto expresso de indeferimento de 13.4.2017 não é ininteligível, nem carece em absoluto de forma legal, sendo os fundamentos do acto – implícito – de anulação administrativo os mesmos em que assenta tal acto de indeferimento.


3)
Prescreve o art. 20º, da Lei 34/2004, de 29/7, na redacção da Lei 47/2007, de 28/8, o seguinte:
1 - A decisão sobre a concessão de protecção jurídica compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área de residência ou sede do requerente.
(…)
3 - A competência referida nos números anteriores é susceptível de delegação e de subdelegação.
(…)”.

Dado que o impugnante reside em Lisboa, a decisão de indeferimento de 13.4.2017 é da competência da Directora de Segurança Social do Centro Distrital de Lisboa (cfr. arts. 2º n.º 3 e 10º, do DL 83/2012, de 30/3, e arts. 1º n.ºs 1 e 9, e 17º n.ºs 1 e 3, ambos dos Estatutos do Instituto da Segurança Social, IP, aprovadas pela Portaria 135/2012, de 8/5, alterada pela Portaria 102/2017, de 8/3), excepto se se verificar a existência de delegação e subdelegação de poderes.

Ora, pelo despacho n.º 11352/2013, de 30.7.2013 – publicado no DR, 2ª Série, n.º 168, de 2.9.2013, págs. 27502 e 27503 -, a Directora de Segurança Social do Centro Distrital de Lisboa, Susana ……………., delegou no Director da Unidade de Apoio à Direcção, Nuno ……………., nomeadamente o seguinte poder:
(…)
3 — Em matéria de segurança social, desde que, precedendo o indispensável e prévio cabimento orçamental, sejam observados os condicionalismos legais, os regulamentos aplicáveis e as orientações técnicas sobre a matéria:
3.1 — Decidir os requerimentos de proteção jurídica que se situem na área geográfica de intervenção do Centro Distrital, nos termos da Lei n.º 34/2004, de 29 julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007 de 28 de agosto;
(…)”.

Acresce que, pelo despacho n.º 3711-A/2017, de 7.1.2014 – publicado no DR, 2ª Série, n.º 84, de 2.5.2017, 1º Suplemento, pág. 2 -, o Director da Unidade de Apoio à Direcção, Nuno ……………….., subdelegou no Técnico Superior, Joaquim …………………, nomeadamente o seguinte poder:
(…) em matéria de segurança social, desde que, precedendo o indispensável e prévio cabimento orçamental, sejam observados os condicionalismos legais, os regulamentos aplicáveis e as orientações técnicas sobre a matéria:
1 - Decidir os requerimentos de proteção jurídica que se situem na área geográfica de intervenção do Centro Distrital, nos termos da Lei n.º 34/2004, de 29 julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007 de 28 de agosto;
(…)
Nos termos do disposto no artigo 137.º do Código do Procedimento Administrativo, a presente subdelegação de competências é de aplicação imediata, considerando-se ratificados os atos que se insiram no seu âmbito, entretanto praticados pelo delegado.”.

No caso vertente o despacho de indeferimento de 13.4.2017 foi praticado por Joaquim …………………, Técnico Superior (cfr. n.º 5), dos factos provados), o qual, conforme decorre do ora exposto, tinha poderes subdelegados para a sua prática, pelo que não se verifica qualquer vício de incompetência e muito menos de usurpação de poderes, sendo certo que a falta de menção a tal subdelegação de poderes nesse despacho de 13.4.2017 – imposta pelos arts. 48º n.º 1 e 151º n.º 1, al. a), ambos do CPA de 2015 – não afecta a sua validade (cfr. art. 48º n.º 2, 1ª parte, do CPA de 2015).

Nestes termos, improcede o presente fundamento.


4)
Como acima explicitado, o acto de 13.4.2017, além de indeferir o pedido de apoio judiciário, também se traduziu numa anulação administrativa (anterior revogação anulatória) implícita do acto tácito de deferimento, ao abrigo do art. 165º n.º 2, do CPA de 2015.

Os condicionalismos a que está sujeita tal anulação administrativa encontram-se previstos no art. 168º, do CPA de 2015 (e não no art. 167º, o qual regula os condicionalismo aplicáveis à revogação, anterior revogação abrogatória ou extintiva, sendo certo que, de acordo com o disposto no art. 5º n.º 3, do CPC de 2013, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação das regras de direito).

Ora, sendo o acto tácito de deferimento que se formou em 25.11.2016 um acto constitutivo de direitos [cfr. art. 167º n.º 3, do CPA de 2015 (“Para efeitos do disposto na presente secção, consideram-se constitutivos de direitos os atos administrativos que atribuam ou reconheçam situações jurídicas de vantagem ou eliminem ou limitem deveres, ónus, encargos ou sujeições, salvo quando a sua precariedade decorra da lei ou da natureza do ato.”)], o mesmo podia ser objecto de anulação administrativa no prazo de seis meses, a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro, em qualquer dos casos desde que não tenha decorrido um ano, a contar da respectiva emissão - cfr. art. 168º n.ºs 1 e 2, do CPA de 2015 -, ou desde que não tenham decorrido cinco anos, a contar da respectiva emissão, nos casos previstos no n.º 4 desse art. 168º.

O referido prazo de seis meses suspende-se aos Sábados, Domingos e feriados (cfr. art. 87º, als. c) e d), a contrario, do CPA de 2015, ex vi art. 37º, da Lei 34/2004) – ou seja, corresponde a 180 dias úteis -, pelo que, tendo-se formado em 25.11.2016 o acto tácito de deferimento, é evidente que em 13.4.2017 - data em que tal acto tácito foi (implicitamente) objecto de anulação administrativa - ainda não tinha decorrido o citado prazo de seis meses.

Dito por outras palavras, a anulação administrativa do acto tácito de deferimento respeitou os condicionalismos previsto no art. 168º, do CPA de 2015, razão pela qual igualmente improcede este fundamento.
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Pelo exposto, cabe julgar improcedente a presente impugnação, mantendo-se na ordem jurídica o despacho expresso de indeferimento de 13.4.2017.
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Uma vez que o impugnante (Joaquim ……………….) ficou vencido, as custas ficam a seu cargo (cfr. art. 527º n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA), nos termos do art. 12º n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas Processuais.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:
I – Julgar improcedente a presente impugnação, mantendo na ordem jurídica o despacho de indeferimento de 13.4.2017.
II – Custas pelo impugnante.
III – a) Registe e notifique (impugnante, Presidente da Câmara Municipal de Sintra e Ministério Público).
b) Transitada, comunique a presente decisão à Segurança Social.
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Lisboa, 5 de Julho de 2017


(Catarina Gonçalves Jarmela - relatora)


(Conceição Silvestre – 1ª adjunta)


(Carlos Araújo – 2º adjunto)
(1)Actualmente, e de acordo com o disposto no art. 165º, do CPA 2015, é atribuída a designação de revogação [acto administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro acto, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade – cfr. n.º 1] à anterior revogação abrogatória ou extintiva e a designação de anulação administrativa [acto administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro acto, com fundamento em invalidade – cfr. n.º 2] à anterior revogação anulatória.
(2)Actualmente arts. 163º, 166º, 167º, 168º, 169º, 170º e 171º, todos do CPA de 2015.
(3) Actualmente, e como salientado na nota de rodapé n.º 1, a revogação e a anulação administrativa.
(4) Actualmente arts. 167º e 168º, respectivamente, do CPA de 2015.
(5) Actualmente anulação administrativa.
(6)Actualmente revogação.