Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07027/13
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/16/2015
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IVA/ FACTURAS/ REQUISITOS
Sumário:1 - Atento o mecanismo específico de apuramento do imposto pelo sujeito passivo, constante dos art.ºs 19.º e segs do CIVA, por expressa disposição do seu n.º2, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal (…), o que constitui, para esse sujeito passivo, um verdadeiro requisito substancial em ordem a poder exercer o direito à dedução nos seus inputs produtivos, como constitui jurisprudência corrente.

2 - Entre esses requisitos legais para as facturas, figuram os constantes no n.º5 do art.º 35.º do mesmo CIVA, entre eles avultando a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados.

3 - Nas facturas em análise não se mostram cumpridas as exigências formais contidas na alínea b) do citado n.º 5 do artigo 35.º do CIVA, pois, num caso, não estão discriminados os serviços que em concreto foram prestados; noutros, faltam as quantidades respeitantes aos serviços prestados.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

G………..-Construção Civil, Lda, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra os actos tributários de liquidação adicional de IVA respeitantes aos períodos de 0503T, 0506T, 0509T, 0512T e 0606T, emitidos com os nºs ………………, no montante total de €19.560,00, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

«i) Pela sentença que ora se recorre a G……….. - ……………., Lda., viu a sua impugnação julgada improcedente;

ii) Sendo a Fazenda Pública absolvida do pedido;

iii) A Recorrente não se conforma com a decisão proferida, estando em desacordo relativamente à matéria de facto dada como provada, quanto à qualificação jurídica dos factos, bem como à improcedência da sua Impugnação;

iv) A Recorrente é uma sociedade por quotas que se dedica à actividade de construção de edifícios;

v) Na contabilidade da Recorrente constam como custos suportados nos anos de 2005 e 2006, constam 9 facturas tituladas por "B………….., Construção Civil, Lda", NIPC ……………….;

vi) Facturas essas correspondentes a serviços efectivamente prestados à Recorrente;

vii) O que, não veio, materialmente, a ser contestado;

viii) A referida sociedade só prestou serviços à recorrente no distrito de Lisboa e limítrofes;

ix) Nunca por nunca de Norte a Sul do país;

x) A própria AT admite que a Recorrente adquiriu serviços à "B………………., Lda";

xi) Como é bom a Recorrente não sabe, nem tem de saber que existam fortes indícios de emissão de facturas falsas quer por parte da "Braima Balde, Lda." ou de terceiros, uma vez que tal assunto não lhe diz respeito;

xii) Dúvidas não podem haver, no caso vertente que os trabalhos facturados foram efectivamente realizados, não se tratando de pretensas facturas falsas;

xiii) Nem tal foi dado como provado;

xiv) O depoimento das testemunhas arroladas pela Recorrente – donos das obras onde os trabalhos foram realizados - mereceram a credibilidade do Tribunal a quo;

xv) Não se tratou de negócio jurídico simulado;

xvi) Aliás competia à própria AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja de que existem indícios sérios de que a operação constante das facturas não corresponde à realidade;

xvii) Não se verificou tal no caso em apreço;

xviii) A AT vem suportar s suas conclusões com o resultado obtido na acção de inspecção externa desenvolvida a "B………………., Lda.", donde resultou que a referida sociedade não possui estrutura empresarial compatível com as operações descritas nas facturas emitidas;

xix) Bem como nas declarações do sócio gerente da mesma sociedade que apenas declarou nunca ter ordenado a emissão de livros de facturas em qualquer tipografia de Queluz;

xx) No referido Relatório da AT não aparece uma única expressão que mostre que tenha feito uma efectiva inspecção à contabilidade da Recorrente;

xxi) Limitou-se a fazer correcções com base em elementos retirados de outra inspecção;

xxii) Fazendo fé plena em declarações proferidas nessa mesma inspecção por um representante de uma sociedade que a própria AT tem como total incumpridora das suas obrigações fiscais;

xxiii) Não foi colocado em causa que a Recorrente tenha recorrido à subcontratação;

xiv) Nem questionou que os valores das facturas que documentam os serviços contratados se situam dentro dos limites da sua própria facturação aos donos de obra;

xxv) Tendo a AT admitido, de modo evidente, que a "B………………, Lda", se dedicava, efectivamente, ao fornecimento de mão de obra para a Tendo em conta o valor das facturas em cada uma das obras identificadas nos Autos e o número de trabalhadores - cinco – o próprio Tribunal a quo considerou que a falta de estrutura da empresa subcontratada deixa de ter relevância;

xxvi) Donde resta que o único indicio que poderia relevar para a consideração de que as facturas constantes dos Autos não correspondem a verdadeiras e efectivas prestações de serviços, é o que concerne com a identificação das tipografias conforme consta da declaração do sócio gerente da "B………………, Lda":

xxvii) Tais indícios são claramente insuficientes para suportar a conclusão pretendida pela AT, conforme atesta a douta Sentença do Tribunal a quo;

xxviii) Resta, afinal, a falta de requisitos formais das facturas;

xxix) À data da liquidação, atento o disposto no art°19°, n°s 2 e 6 do CIVA;

xxx) Na linha tradicional da jurisprudência nacional em tal matéria, vem o Tribunal a quo considerar que as liquidações impugnadas são legais;

xxxi) Pois não cumprem os requisitos do n°5 do art°35° do CIVA;

xxxii) Isto em contradição com as modernas decisões do TJCE, que vão contra este entendimento;

xxxiii) De enorme relevância nesta matéria a Directiva n°77/388 e o Acórdão do TJCE de l de Abril de 2004 - Proc° n° C-90/02;

xxxiv) Em que faz jurisprudência no sentido de que "Um sujeito passivo que seja devedor do imposto sobre o valor acrescentado, enquanto destinatário dos serviços .... não é obrigado a possuir uma factura emitida nos termos do n°3 do art°22° da referida Directiva para poder exercer o direito à dedução"

Termos em que se requer seja revogada a douta Sentença recorrida, substituindo-a por outra que, reconhecendo o erro de julgamento e de apreciação, absolva a Recorrente e seja dado procedimento, na totalidade à impugnação apresentada, com as legais consequências,

Assim se fazendo,

Justiça!»


*

Não foram apresentadas contra-alegações.

*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

*

Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão

*

2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

«A) A Impugnante é uma sociedade por quotas cuja actividade consiste em "Construção de Edifícios (Residenciais e Não Residenciais) " (cfr. fls. 3 e 8 dos autos).

B) Na contabilidade da Impugnante constam, como custos suportados nos anos de 2005 e 2006, 9 facturas tituladas por "B…………… ,Construção Civil, Lda", NIPC …………, cuja descrição de serviços prestados é "Trabalhos de Pedreiro" (ou "Trabalhos de Construção Civil") nas obras situadas no …………….., Lote …… Amadora (3 facturas com os n°s 82, 89 e 97, no valor total de 44.000,00€, IVA excluído), no ……………, Lote 10, ………. (4 facturas com os n°s 112, 114, 131 e 142, no valor total de 44.000,00€, IVA excluído) e na Urbanização ………………., Lote n° 2, …………. (2 facturas com os n°s 154 e 169, no valor total de 30.000,00€, IVA excluído), tendo todas as referidas facturas sido emitidas por gráfica sita em Queluz (cfr. docs. de fls. 78 a 86 do PAT).

C) Em 04.07.2006, foi assinado, perante funcionário da A.T., auto de declarações por ………………., com o NIF. …………, na qualidade de sócio-gerente de "……………. - Construção Civil, Lda", onde consta o seguinte:
"Declarou:
- Que é sócio-gerente da sociedade …………. - Construção Civil, Lda, com o NIPC ………….., desde a sua constituição em Dezembro 2001.
- Tendo-lhe sido perguntado se alguma vez mandou fazer facturas em tipografias sitas em Queluz, ou no Alto ……………. - Buraca, ou em Sacavém, respondeu ter a certeza absoluta de que nunca mandou fazer facturas da sociedade B……………..- Construção Civil, Lda em qualquer tipografia situada naqueles locais.
- Acrescenta que no início da firma, mandou fazer 3 livros de facturas numa tipografia em Odivelas e l livro numa tipografia no Cacem. A partir daí, todas as facturas têm sido feitas em Beja, na Tipografia ………………., Limitada.
Mais não disse, lidas as suas declarações, as achou conformes, verificou e vai assinar. (...)" (cfr. doc. de fls. 172 e 173 do PAT).

D) Em cumprimento do disposto nas Ordens de Serviço n°s OI200702508 e OI200802079, foi desenvolvida acção de inspecção aos anos de 2005 e 2006 ao sujeito passivo "B……………..Construção Civil, Lda", constando do relatório final da mesma, para além do mais, o seguinte:
"(...)
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL
III. l Imposto Sobre o Valor Acrescentado III.1.1. Correcções em sede de IVA
III1.1.1. Imposto liquidado, ainda que indevidamente, a ser entregue nos cofres do Estado
Face à informação transmitida pela Direcção de Serviços da Fraude e de Acções Especiais (DSIFAE), a qual destaca, nomeadamente, a ordem de grandeza dos valores em causa, considerando que se está perante um pequeno empresário, que não sabe ler nem escrever, e cuja actividade consiste em fornecer mão de obra de operários africanos para trabalhos de construção civil e, face aos elementos recolhidos, mediante circularização efectuada junto dos "alegados clientes" da sociedade, conforme referido no ponto III.3.9.1. do presente relatório, considera-se que a facturação conhecida não corresponde, na sua totalidade, a serviços prestados pela B……………….Construção Civil, Lda".
No caso particular das facturas impressas na Tipografia ………….. Lda, apesar do sócio gerente da sociedade ter declarado, em auto de declarações, ter mandado imprimir facturas na mesma, existem fortes indícios que os serviços a que elas se referem não foram efectivamente prestados, uma vez que., de acordo com os elementos recolhidos, não se vislumbra que a entidade em análise, disponha de estrutura empresarial compatível com as operações descritas nas facturas, e principalmente, com o elevado montante de serviços prestados, dispersos de norte a sul do pais.
Todavia, tendo sido mencionado IVA nas respectivas facturas, este torna-se exigível nos termos da al. c) do n.° l do art.° 2° do CIVA, a qual estabelece que "são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou colectivas que, em factura ou documento equivalente, mencionem indevidamente IVA". (...)" (cfr. doc. de fls.160 a 170 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

E) Por despacho proferido em 09/07/2009, foram emitidas as Ordens de Serviço n°s OI200905427 e OI200905428, com vista à realização de acção de inspecção interna à Impugnante com referência aos exercícios de 2005 e 2006 e a IRC e IVA (cfr. fls. 62 e 63 do P AT - que correspondem às págs. 4 e 5 do Relatório de Inspecção).

F) Em 07/12/2009 foi elaborado o Relatório Final da acção de inspecção mencionada na alínea antecedente, onde consta o seguinte:
“(…)
II - Objectivos, Âmbito e Extensão da Acção Inspectiva
(...)
II.2 - Motivo, Âmbito e Incidência Temporal
Os referidos procedimentos de inspecção, de natureza interna e de âmbito parcial, em sede de IRC e de IVA, com enquadramento no Código de actividade 12121045, incidiram sobre os exercícios de 2005 e de 2006, e tiveram por objectivo averiguar o cumprimento das obrigações tributárias, no sentido de se proceder às correcções que se mostrarem devidas, relativamente ao sujeito passivo, como utilizador de facturas indiciadas como falsas e, emitidas pela sociedade B ……………………………… CONSTRUÇÃO CIVIL LDA, com o NIPC ……………………..
(…)
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E'FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL
Do cruzamento de elementos disponíveis nestes serviços, nomeadamente dos anexos O/P da declaração anual de informação contabilística e fiscal, foi possível apurar que o sujeito passivo sob análise adquiriu os seguintes serviços à sociedade B……….. …………… CIVIL LDA, com o NIPC …………….., nos exercícios em análise, como a seguir se discrimina:
PRESTADOR DE SERVIÇOS ANEXO R
DESIGNAÇÃO NIPC 2005 2006
BRAIMA BALDE CONSTRUÇÃO CIVIL LDA …………. €99.410,00 €36.300,00
Em resposta à notificação mencionada no ponto II.3.7.1. do presente relatório, foram remetidos, a estes serviços, diversos elementos, de que se destaca:
- cópia do extracto da conta corrente do fornecedor acima relacionado,
- cópia das respectivas facturas.
Da análise às facturas "formalmente" emitidas em nome deste subempreiteiro, constatou-se que na emissão das mesmas, não foram cumpridos os requisitos estabelecidos no n°5 do artº35° do CIVA (actual art°36° do CIVA), conjugado com o ofício circulado n°181044 de 1991.12.06 do SIVA, por não conterem todos os elementos formais, quer quanto às quantidades quer quanto à descrição dos serviços prestados.
O prestador de serviços, acima identificado, foi objecto de acção externa de "consulta, recolha e cruzamento de elementos" realizada pelos Serviços de Investigação da Direcção de Serviços de Investigação de Fraude e de Acções Especiais, conforme informação nº13/2007, de 16.01, daqueles Serviços, cuja folha de rosto, que integra as conclusões, parecer e consequente despacho do Subdirector Geral da Inspecção Tributária, se junta como anexo II.
Esta acção concluiu pela existência de fortes indícios de emissão de facturas falsas, quer por parte de B …………… CONSTRUÇÃO CIVIL LDA, quer por terceiros alheios à sociedade.
Estes serviços de inspecção levaram a cabo, igualmente, procedimentos inspectivos externos a esta entidade, nos quais se concluiu que a mesma não possui estrutura empresarial compatível com as operações descritas nas facturas emitidas e, principalmente, com o elevado montante de serviços prestados, dispersos de norte a sul do país.
Assim, foram relacionadas as facturas "formalmente" emitidas em nome deste prestador de serviços ao sujeito passivo em análise, nos exercícios de 2005 e de 2006, cuja cópia se junta como anexo III.
Exercício de 2005 (em euros)
Nº Factura Data Valor IVA Valor Total
082 01-03-2005 4.000,00 760,00 4.760,00
089 30-03-2005 15.000,00 2.850,00 17.850,00
097 30-05-2005 15.000,00 2.850,00 17.850,00
112 29-06-2005 2.000,00 380,00 2.380,00
114 29-06-2005 15.000,00 2.850,00 17.850,00
131 15-09-2005 2.000,00 420,00 2.420,00
142 30-09-2005 15.000,00 3.150,00 18.150,00
154 30-12-2005 15.000,00 3.150,00 18.150,00
Total 83.000,00 16.410,00 99.410,00


Exercido de 2006 (em euros)
Nº Factura Data Valor IVA Valor Total
169 30-04-2006 15.000,00 3.150,00 18.150,00
III.1. IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLECTIVAS
III.1.1. CORRECÇÕES AO LUCRO TRIBUTÁVEL
Conforme anteriormente referido, existem fortes indícios de que os serviços "formalmente" prestados pela sociedade B ………………. CONSTRUÇÃO CIVIL LDA não correspondem a serviços efectivamente realizados por esta, pelo que não serão de aceitar fiscalmente, em sede de IRC, os referidos custos, por infracção ao disposto nos artigos 23° e 42°, n°l, al. g), ambos do CIRC.
Assim, não serão de aceitar fiscalmente estes custos para a determinação do respectivo lucro tributável, nos exercícios em análise, nos montantes que a seguir se discriminam.
Exercício 2005 (em euros)
B ……………. CONSTRUÇÃO CIVIL LDA 83.000,00
Total 83.000,00

Exercício 2006 (em euros)
B ………………. CONSTRUÇÃO CIVIL LDA 15.000,00
Total 15.000,00
III.1.2. CORRECÇÕES À MATÉRIA COLECTÁVEL
Exercício 2005 Exercício 2006
Lucro Tributável! Matéria Colectável declarado(a) 4.623,42 2.500,93
Correcções ao Lucro Tributável! Matéria Colectável 83.000,00 15.000,00
Lucro Tributável I Matéria Colectável proposta 87.623,42 17.500,93
III.2. IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO
III.2.1. IVA INDEVIDAMENTE DEDUZIDO
Face ao anteriormente exposto, concluímos que, apesar de estarmos perante a regularidade formal dos documentos - facturas -, contrapõem-se os mesmos à inexistência material das operações económicas subjacentes aos mesmos, realizadas com o prestador de serviços supra identificado.
Pelo que, se propõe a correcção do IVA, indevidamente deduzido pelo sujeito passivo, nos exercícios de 2005 e de 2006, nos termos do artigo 19° n°2 e n°3 e artigo 20°, ambos do CIVA, nos montantes que a seguir se discriminam:
(em euros)
Períodos de 2005 Iva indevidamente dedu.
0503 T 3.610,00
0506T 6.080,00
0509T 3.570,00
0512T 3.150,00
Total em 2005 16.410,00
(em euros)
Períodos de 2006 Iva indevidamente dedu:
0606T 3.150,00
Total em 2006 3.150,00
(…)
VII - INFRACÇÕES VERIFICADAS
Face ao exposto no capítulo III foram praticadas as seguintes infracções:
- Em sede de IRC
A contabilização de custos, corporizados por facturas formalmente emitidas que, por não corresponderem a serviços efectivamente prestados (negócio jurídico simulado), aos quais não correspondem quaisquer gastos ou perdas efectivas, são objecto de correcção, por se considerarem dispensáveis à obtenção dos proveitos, nos termos do disposto nos artigos 23° e 42° n°l alínea g) do CIRC,
- Em sede de IVA
A dedução indevida de IVA, por infracção ao disposto nos artigos 19° n°2 e nº 3, e 35° n°5 (actual artigo 36°), ambos do CIVA, por as operações em causa, terem subjacentes negócio jurídico simulado e, simultaneamente não reunirem todos os requisitos impostos legalmente para a possível dedução.
As infracções, supra descritas, consubstanciam uma situação de crime fiscal previsto e punido pela alínea c) do n°l do artigo 103° do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) face à existência de negócio jurídico simulado. Porém, face ao disposto no n°2 do referido artigo, porque a vantagem patrimonial ilegítima em sede de cada período de imposto é inferior a € 15.000,00, são as mesmas puníveis como contra-ordenação, nos termos do disposto nos artigos 114° e 119° do referido diploma legal
Todavia, dado que as infracções supra descritas, têm subjacentes as facturas emitidas pela empresa B ………………. CONSTRUÇÃO CIVIL LDA, serão as mesmas punidas através do auto instaurado conjuntamente com este emitente das facturas, indiciadas como falsas.
VIII - OUTROS ELEMENTOS RELEVANTES
NÃO APLICÁVEL NO CASO EM ANÁLISE.
IX-DIREITO DE AUDIÇÃO- FUNDAMENTAÇÃO
O sujeito passivo foi notificado para exercer o direito de audição prévia sobre o projecto de conclusões do relatório da inspecção tributária, nos termos dos artigos 60° da Lei Geral Tributária (LGT) e Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT), mediante o ofício nº098300 de 2009.11.16 (cf. anexo IV).
IXI. REQUERIMENTO APRESENTADO PELO SUJEITO PASSIVO
Aos 2009.11.30, mediante requerimento que deu entrada nestes serviços sob o nº125434, vem o sujeito passivo, através de mandatário - Dr. João …………….. -, exercer, por escrito, o direito de audição sobre o projecto conclusões do relatório de inspecção tributária (cf. anexo V).
No exercício do direito de audição, vem o sujeito passivo alegar, resumidamente, que:
“…
3° - A título de intróito, importa referir que o sujeito passivo G………………, Lda não era responsável pela emissão das facturas da sociedade "B ……………. Construções, Lda. ", não sendo por isso possível ser-lhe assacada qualquer consequência resultante de qualquer inexactidão que as mesmas pudessem eventualmente comportar.
4° - Por outro lado, cabe referir que todas as facturas formalmente emitidas, e objecto da inspecção levada a cabo pela Administração Fiscal, no que ao sujeito passivo exclusivamente diz respeito, são também substancialmente correctas, correspondendo a serviços efectivamente prestados.

6° - Isto porque, a B ……………… - Construções, Lda., foi efectivamente contratada em subempreitada pela G…………….., Lda., para prestar os serviços prestados em obras em que esta também tinha a qualidade de subempreiteira.
7° - Obras essas situadas geograficamente próximas da sua sede social, e onde a B ……………, Lda. Colocou pessoal seu, tendo inclusive estado por vezes o seu homónimo gerente a trabalhar nas mesmas.

9° - Com efeito, a G …………, Lda., contratou em subempreitada os serviços daquela, tendo sempre aferido a regularidade e capacidade da mesma, nomeadamente solicitando-lhe a apresentação dos documentos legitimadores da sua actividade, que ora se juntam ...
11° - Pagamentos esses efectuados nas datas apostas nas facturas, em dinheiro, conforme pedido da própria B …………., Lda ....
13° - A G…………… Lda. desconhece qualquer envolvimento da B…………………., Lda., ou de terceiros com ela relacionados, na emissão de facturas apenas formalmente verdadeiras, apenas sabendo que, no que a si diz respeito, as facturas que ora se pretendem apenas formalmente verdadeiras, o são também substancialmente.
…”
IX.2. ANÁLISE AO REQUERIMENTO
Analisados os argumentos invocados pelo sujeito passivo, é de referir que, cabe à administração tributária a prova dos pressupostos da sua actuação, e ao sujeito passivo, a prova de que as questionadas operações tiveram, efectivamente lugar, conforme artigos 74° e 77.° da LGT. Assim, obtendo a administração tributária indícios sérios e credíveis de que determinada operação titulada por uma factura não é real, cabe ao sujeito passivo o ónus da prova da veracidade dessa transacção.
Ora, no caso em apreço, e conforme relatado no capítulo III do presente relatório, a administração tributária, para sustentar a sua actuação, apresentou as conclusões dos procedimentos inspectivos levados a cabo ao prestador de serviços em causa, quer por parte da Direcção de Serviços de Investigação de Fraude e de Acções Especiais, que por parte dos serviços de inspecção tributária desta Direcção de Finanças, que concluíram pela existência de fortes indícios de emissão de facturas falsas.
Relativamente aos documentos apresentados pelo sujeito passivo, que alega solicitar ao seu prestador de serviços, como legitimadores da actividade deste, a saber:
i) Fotocópia do cartão de identificação fiscal emitido em nome de B………………….Construção Civil Lda,
ii) Fotocópia de pedido de declaração de situação contributiva no Instituo da Segurança Social,
iii) Fotocópia da apólice de seguros nº………….sobre a seguradora ……………, de 2005.04.04, iv) Fotocópia de certidão da conservatória do registo comercial de Sintra,
v) Fotocópia da Autorização de Residência, emitida pelos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, em nome de B………………, nascido na Guiné-Bissau, em 1974.11.16,
vi) Fotocópia do Alvará de Construção nº…………, emitido em nome de B…………………– Construção Civil, Lda, cumpre informar que, relativamente ao documento referido no ponto v) - fotocópia de autorização de residência - constata-se que o mesmo se refere a "B……………….", nascido na Guiné-Bissau, em 1974.11.16, que não corresponde à identificação do sócio-gerente da firma em questão - "B………………….Construção Civil, Lda" -, bem como a assinatura aposta neste documento, não coincide com a aposta nos documentos identificados nos pontos iii) e iv), apenas coincidindo sim, com a aposta nas respectivas facturas emitidas e indiciadas como falsas.
Assim, face ao exposto pelo sujeito passivo, em momento algum, comprova, mediante documentos fidedignos, quer as prestações de serviços em causa, quer os pagamentos das mesmas.
Nos termos do disposto no artigo 75° n° l da LGT e, até prova em contrário, presumem-se verdadeiras e, de boa fé, as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei.
De referir que, a presunção da veracidade do declarado pelo contribuinte cessa, quando a administração fiscal recolhe indícios sérios e credíveis, de que as operações constantes das facturas não se realizaram efectivamente, ou seja, que as mesmas são indiciadas como simuladas.
E, não será de considerar indício sério e credível, de que a operação seja simulada, a própria declaração, do sócio-gerente do presumível prestador dos serviços – B……………-? A saber: "... que, no início da sociedade B ……………, Lda, mandou fazer 3 livros de facturas numa tipografia em Odivelas e l livro numa tipografia no Cacém, tendo acrescentado que, a partir daí, todas as facturas têm sido feitas em Beja, na tipografia ............, Lda ..." (conforme página 7 da informação n°13/2007, de 16.01, da DSIFAE, cuja folha de rosto, que integra as conclusões, parecer e consequente despacho do Subdirector Geral, consta do anexo II) e que as restantes tipografias, pelo menos quinze, não foram reconhecidas por B……………..e, que pela análise às facturas que se juntam ao presente relatório como anexo III, constata-se que foi a tipografia denominada A……………Lda, com sede em Queluz, que as emitiu.
Para além do facto de que, após análise e investigação da DSIFAE - Direcção vocacionada para a análise e investigação deste(s) tipo(s) de actos ilícitos - ter sido elaborada a informação nº13/2007 de 2007.01.16, a qual foi aceite pelo Subdirector Geral da Direcção Geral dos Impostos e, inclusive, na sequência da qual, proferiu despacho no sentido de se proceder às correcções que se mostrarem devidas, relativamente aos utilizadores das facturas indiciadas como falsas.
Perante os factos e, considerando a repartição do ónus da prova por ambas as entidades - administração fiscal e contribuinte - e, fazendo a administração fiscal prova, através de factos objectivos e materialmente fundamentados, supra plasmados, reunindo assim, todos os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, compete ao contribuinte o ónus de provar a existência dos factos tributários que alega, como fundamento, quando do exercício do direito de audição.
Quando, numa qualquer relação de prestador / adquirente de serviços, a administração fiscal tem declarações prestadas por uma das partes, presumivelmente interveniente na operação comercial, no sentido de não ter prestado esses serviços, até prova em contrário, tem que aceitar as declarações como verdadeiras e, salvo melhor opinião, mais não era necessário, para fundamentar a conclusão de que os custos subjacentes às referidas facturas e correspondente IVA, então deduzido pelo sujeito passivo em análise, não são de aceitar fiscalmente.
Perante os factos, que constituem o núcleo essencial da fundamentação, estava o sujeito passivo apto, a optar entre, aceitar as correcções propostas, ou reagir apresentando prova documental de que o emitente das facturas prestou os serviços, nela(s) referidos, como subempreiteiro, nomeadamente, mediante contrato legalmente válido, isto é, elaborado e assinado pelas partes, que tais serviços foram pagos por meio de cheques emitidos à ordem daquele emitente, que estes cheques foram debitados das contas bancárias do sujeito passivo em análise e, ainda apresentando medições efectuadas nas obras, anteriores aos pagamentos e para efeitos destes.
É de referir, ainda, que mesmo que se não considerasse estarmos presente facturas indiciadas como falsas, as mesmas não reúnem, na sua emissão, os requisitos impostos pelo n.° 5 do artigo 35° do CIVA (actual artigo 36° por força da renumeração determinada pelo DL nº102/2008 de 20/06) conjugado com o ofício circulado nº181044 de 1991.12.06 do SIVA, como exposto no capítulo III do presente relatório.
Face ao exposto, propomos converter em definitivo as correcções inicialmente propostas, cujo resumo se apresenta nas primeiras páginas do presente relatório." (cfr. fls. 62 a 71 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

G) Em consequência do relatório mencionado e em parte transcrito na alínea antecedente, em 15/12/2009 foram emitidas em nome da Impugnante as seguintes liquidações em sede de IVA:
Número
Natureza
Período Valor
…………..
LA Imposto0503T 3.610,00
………………
Juros Compensat.0503T 65346
…………..
LA Imposto0506T 6.080,00
………………
Juros Compensat.0506T 1.048,76
………….
LA Imposto0509T 3.570,00
…………….
Juros Compensat.0509T 579,02
…………….
LA Imposto0512T 3.150,00
………….
Juros Compensat.0512T 478,45
………..
LA Imposto0606T 3.150,00
09223368
Juros Compensat.0606T 417,35
(cfr. fls. 16 a 25 dos autos).

H) A Impugnante foi a responsável pelos trabalhos de pedreiro nas obras identificadas em B), designadamente trabalhos de reboco, para os quais recorreu a subempreitada dirigida por B----------------.

I) A presente acção foi intentada em 12.03.2010 (cfr. fls. 9 dos autos)».

Factos não Provados

«Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados».

Motivação da Decisão de Facto

«Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na posição factual expressa pelas partes na p.i. e contestação, na prova documental junta aos autos e no processo administrativo em apenso, resultando o facto constante da alínea H) do teor dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante, as quais mereceram credibilidade por o seu testemunho se ter revelado espontâneo e sincero, não obstante a maior parte das respostas não ter revelado um grau de concretização suficiente de modo a permitir dar outros factos como provados».


* * *

2.2. De direito

Como é entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, na conclusão C) – onde a Recorrente faz uma súmula do seu desacordo com a decisão recorrida – vem aí referida a discordância com a sentença por, alegadamente, a mesma ter errado no julgamento de facto e no julgamento de direito. Com efeito, quanto ao erro de julgamento de facto, refere a Recorrente estar em desacordo relativamente à matéria de facto dada como provada.

Vejamos, então, este primeiro aspecto, importando ter presente que a impugnação da matéria de facto, tal como resultava do disposto no artigo 685º -B do CPC (a que corresponde o actual artigo 640º do CPC), obedece a regras que não podem deixar de ser observadas. Na verdade, em tal preceito se dispõe que:

1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.

3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe ao recorrido, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, podendo, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.

4 - Quando a gravação da audiência for efectuada através de meio que não permita a identificação precisa e separada dos depoimentos, as partes devem proceder às transcrições previstas nos números anteriores.

5 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 684.º-A.

Ora, a leitura da citada disposição legal, no confronto com as conclusões da alegação de recurso (e até, diga-se, do teor das alegações – cfr. ponto B/ dos factos), mostra à saciedade que a matéria de facto não foi impugnada de forma que, nos termos da lei, permita qualquer alteração da mesma. Com efeito, lida a globalidade da exposição recursória não se constata a indicação de um único ponto de facto que a Recorrente considere incorrectamente julgado, nem tão-pouco se indicam os meios de prova constantes dos autos que, correctamente ponderados, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto, designadamente, e no que toca à produção de prova testemunhal, não há qualquer referência às passagens da gravação (ou a transcrição dos excertos considerados relevantes) em que pretensamente se funda o ataque ao julgamento de facto.

É, pois, evidente, face ao que ficou dito, que este esteio do recurso está incontornavelmente condenado ao insucesso, sendo inútil, por ser manifesto o não cumprimento do ónus de impugnação por parte da Recorrente, alongarmo-nos em considerandos adicionais a este propósito.

Assim, improcede a primeira questão respeitante ao erro de julgamento da matéria de facto.


*

Prosseguindo, deparamo-nos com o ataque à sentença recorrida com base em erro de julgamento de direito.

E a este propósito, a leitura das conclusões não deixa margem para dúvidas: da conclusão vi até à conclusão xxvii (inclusive), a Recorrente insurge-se contra o entendimento da AT (e dos seus serviços inspectivos) que a levou a desconsiderar diversas facturas emitidas por Braima Baldé, Lda., por alegadamente as mesmas não terem subjacentes reais operações económicas, ou seja, por as ter reputado de falsas; já a partir da conclusão xxviii, a Recorrente insurge-se contra a sentença recorrida por a mesma ter considerado, na senda da AT, que as facturas em causa não se mostravam passadas na forma legal, concretamente por as mesmas não conterem todos os elementos exigidos pelo artigo 35º, nº5 do CIVA.

Ora, aqui chegados, importa esclarecer o que se segue: como a própria Recorrente reconhece, a decisão recorrida foi, quanto à questão da facturação falsa, favorável à argumentação desenvolvida na p.i pela impugnante - lê-se na conclusão xxvii, que “Tais indícios são claramente insuficientes para suportar a conclusão pretendida pela AT, conforme atesta a douta Sentença do Tribunal a quo”.

E na verdade, assim é. Lida a sentença, é claro que aí foram analisados dois diferentes fundamentos de impugnação: por um lado, a questão de ser ilegal a não aceitação da dedução do IVA constante das facturas emitidas por B………………., Lda por, segundo a AT, se tratar de facturação falsa; por outro, a alegada violação do artigo 35º, n,º 5 do CIVA.

Ora, não restam dúvidas que o primeiro fundamento foi acolhido pela sentença no sentido propugnado pela impugnante, deixando-se aí expressamente dito, no que para aqui releva, que “se o que importa aferir é se os factos indiciários trazidos pela A.T. permitem suportar a conclusão primordial, de que a sociedade emitente das facturas em causa não prestou os serviços de construção civil identificados nas nove facturas em posse da Impugnante, então, analisados tais indícios, parece-nos evidente que os mesmos, no contraponto com aqueles outros que já referimos, são claramente insuficientes para suportar a conclusão pretendida pela A.T”, o que, então, levou o Mmo. Juiz a quo a concluir que “De tudo isto resulta que os indícios recolhidos pela A.T. não permitem suportar, objectivamente e à luz das regras da experiência comum, a conclusão a que chegou e na qual fez repousar a decisão de anular o direito à dedução do IVA contido nas nove facturas em questão e proceder às correspondentes liquidações, ora impugnadas, não se chegando, sequer, a inverter o ónus da prova para a Impugnante”

Ora, assim sendo, como se pronuncia o EMMP junto deste TCA, “perante o teor da sentença recorrida e o estatuído no artigo 280º, nº1 e 3 do CPPT e arts. 680, nº1, do “antigo” CPC e 631º do “novo” CPC, ex vi art. 2º do CPPT, a recorrente Gravimaq (…) carece de legitimidade para a suscitar perante este tribunal. Na verdade, a questão das “facturas falsas” examinando a sentença recorrida não foi decidida contra a recorrente e não foi fundamento da decisão que julgou improcedente a impugnação por ela deduzida. (…) Assim sendo, e perante o disposto nos normativos indicados que determinam que os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido, ou seja directa e efectivamente prejudicado pela decisão, o que não acontece relativamente à recorrente, quanto à questão em análise, afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que não deve ser conhecido o recurso desta parte da sentença que é favorável à recorrente, por, nessa parte, carecer de legitimidade”.

E, na verdade, assim é, sendo para nós claro, repete-se, que a Recorrente não deixou de perceber (como o mostra o teor do presente recurso jurisdicional) que o Tribunal a quo lhe deu razão quanto à questão da facturação falsa, alinhando com a argumentação desenvolvida na p.i apresentada.

Por conseguinte, acolhendo as razões invocadas pelo EMMP, e sem necessidade de considerações adicionais, entende-se não conhecer o esteio do recurso a que correspondem as conclusões vi a xxvii.


*

Ultrapassada a questão das facturas falsas, resta-nos a apreciação do erro de julgamento de direito correspondente à questão da falta de requisitos formais das facturas.

Como se refere na sentença recorrida, “as liquidações ora impugnadas seriam ilegais se apenas fundamentadas na conclusão de que as facturas que contêm o IVA deduzido pela Impugnante, correspondem a "facturas falsas". No entanto, para concluir pela ilegalidade das liquidações haverá ainda que levar em conta o outro fundamento utilizado pela A.T. e que se consubstancia no facto das mesmas facturas não preencherem todos os requisitos legais estabelecidos no actual artigo 36°, n°5 (anterior artigo 35°, n°5 do CIVA), em concreto, quer quanto às quantidades, quer quanto à descrição dos serviços prestados”.

Ora, a sentença recorrida julgou legais as liquidações de IVA impugnadas e, como tal, julgou a impugnação judicial improcedente, por, em síntese, ter concluído “… que as facturas em questão nos autos (e por cuja não aceitação - por parte da AF - da dedução do IVA nelas mencionado foram feitas as liquidações adicionais impugnadas) não se encontram passadas na forma legal, tal como impõe o artigo 35° do CIVA e sendo certo que as liquidações ora impugnadas foram feitas também porque a A.T. apurou este facto (como consta do respectivo relatório da fiscalização), actuou a mesma A.T. de acordo com a lei ao não aceitar a regularidade de tais facturas e a legalidade da dedução do imposto nelas mencionado”.

A Recorrente insurge-se contra tal conclusão do TT de Lisboa, defendendo que, e em síntese, a interpretação levada a cabo pelo Tribunal a quo do artigo 35º, nº 5 do CIVA está em contradição com as modernas decisões do TJCE, invocando, em concreto, o Acórdão do TJCE de l de Abril de 2004 - Proc° n° C-90/02, no sentido de que “Um sujeito passivo que seja devedor do imposto sobre o valor acrescentado, enquanto destinatário dos serviços .... não é obrigado a possuir uma factura emitida nos termos do n°3 do art°22° da referida Directiva para poder exercer o direito à dedução”.

Vejamos, então, se as 9 facturas m.i no ponto 2 dos factos provados preenchem, ou não, os requisitos previstos no artigo 35º, nº5 do CIVA (actual artigo 36º ).

Convocando o quadro legal com pertinência para o caso (na redacção aplicável à data dos factos), deve lembrar-se que dispunha o artigo 19º, nº2 do CIVA que “só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal …”, esclarecendo o nº 6 do mesmo preceito que “para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passados em forma legal as facturas ou documentos equivalentes que contenham os elementos previstos no artigo 35.º”

O referido artigo 35º do CIVA, concretamente o seu nº 5, alínea b), dispunha que:

“As facturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos:

(…)

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas deverão ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução”.

Em sede de IVA (diferentemente do que sucede em sede de IRC, onde as exigências formais não são tão severas) exige-se, como decorrência do próprio mecanismo do imposto (método indirecto subtractivo, método do crédito de imposto ou método das facturas) e fins visados, que o documento – a factura – respeite determinados requisitos, previstos no artigo 35º, n.º 5, do CIVA. Como refere José Guilherme Xavier de Basto, à factura é outorgado um carácter quase sacramental que, para efeitos de IVA, assume a natureza de um título de crédito. Afirma este Autor, impressivamente, que: “Em regime de IVA, como se sabe, cada factura mencionando imposto constitui um cheque sobre o Tesouro, pois atribui ao destinatário que seja sujeito passivo o direito de deduzir o IVA nela contido” (in A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 164, p. 140).

A este propósito, e como se deixou dito no acórdão deste TCA Sul de 28/05/13, proc. n.º 5786/12, “Atento o mecanismo específico de apuramento do imposto pelo sujeito passivo, constante dos art.ºs 19.º e segs do CIVA, por expressa disposição do seu n.º2, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal (…), o que constitui, para esse sujeito passivo, um verdadeiro requisito substancial em ordem a poder exercer o direito à dedução nos seus inputs produtivos, como constitui jurisprudência corrente. // Entre esses requisitos legais para as facturas, figuram os constantes no n.º5 do art.º 35.º do mesmo CIVA, entre eles avultando a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados – sua alínea b) (…)”.

Como a Recorrente não deixou de evidenciar, a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem feito uma interpretação constante e reiterada sobre a matéria em questão, ou seja, sobre os requisitos das facturas e o direito à dedução do IVA. Corresponde a um entendimento pacífico da jurisprudência aquele que vai no sentido de que:

“A previsão legal de uma determinada forma confere à factura a natureza de documento ad substantiam, um modo indispensável para que a operação tributável possa conferir o direito à dedução do imposto. Só através da factura (ou documento equivalente) que respeite todas as exigências do artigo 35°, n°5 do CIVA o sujeito passivo poderá provar o facto tributário e exigir o direito à dedução.

As facturas que não obedecerem aos requisitos legais exigidos pelo artigo 35° do CIVA obstavam à dedução do imposto".

(...)

Para ter "forma legal" a factura deve conter todos esses elementos, não havendo que distinguir, como se refere no Acórdão do STA de 17/2/1999, proferido no processo n° 020593, «entre aquelas exigências, as essenciais e acessórias, pois ao estabelecê-las, considerou-as todas necessárias para a identificação da operação a que respeitam, de modo a que possam extrair-se daqueles documentos as devidas consequências quanto à incidência do imposto, sua taxa, sujeitos, cobrança, deduções, etc.” - cfr. acórdão do STA, de 14/12/11 (processo nº 076/11); neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos deste TCAS, de 19/05/09 (processo nº 3026/09) e de 10/07/14 (processo nº 07282/14).

Ou seja, nas palavras usadas no acórdão citado deste TCA Sul, de 19/05/20, “A lei estabeleceu, determinadas exigências relativas à emissão de facturas com o objectivo claro de evitar a fuga e evasão fiscais e daí ter estabelecido requisitos vários e pormenorizados quanto ao preenchimento das facturas que devem ser cumpridos pelos operadores económicos sob pena de não ser possível a dedução do IVA liquidado em tais documentos. Desta forma se acautela o interesse da Fazenda Pública e se previne a fraude fiscal”.

Com isto dito, importa que nos foquemos no caso concreto e nas 9 facturas m.i no probatório.

Da análise às facturas que se mostram juntas a fls. 78 a 86 do PAT, e com excepção da factura nº 82, todas as restantes surgem, no campo reservado a designação, com a indicação Trabalhos de Pedreiro, seguido da identificação do local da obra, concretamente, …………….., Lote 41, Amadora, ………….., Lote 10, ………….. e Urbanização ……………, Lote n° 2, …………….; da factura nº 82 consta apenas a referência a trabalhos de construção civil .., Lote 41, Amadora. Por conseguinte, à parte a referida factura 82, os restantes 8 documentos identificam os serviços prestados.

Contudo, limitando-se a descrição dos serviços ao que ficou referido, como está bem de ver, nenhuma das apontadas facturas indica elementos quantitativos dos serviços prestados, concretamente, e como a sentença recorrida não deixou de salientar, a duração em horas, dias e funcionários afectos, entre quaisquer outros que permitissem aferir da concreta dimensão dos serviços prestados e da própria coerência da factura.

Ora, a par da denominação dos serviços prestados, as referências quantitativas, legalmente exigidas, correspondem a um elemento essencial que deve constar das facturas e que não é suprido por outro meio de prova para efeitos de dedução do IVA. Como assinalámos, só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal … (cfr. artigo 19º, nº 2 do CIVA). Nas facturas em causa não se mostram, pois, cumpridas as exigências formais contidas na alínea b) do citado n.º 5 do artigo 35.º do CIVA, pois, num caso, não estão discriminados os serviços que em concreto foram prestados; noutros, faltam as quantidades respeitantes aos serviços prestados.

Donde, como se concluiu na sentença recorrida, tais facturas não contêm todas as menções constantes do n.º 5 do artigo 35.º do CIVA, pelo que não está preenchido o requisito substancial em ordem ao exercício do direito de dedução do IVA, como pretendido pela Recorrente. Sendo que, como assinalado no citado acórdão deste TCA Sul de 19/05/05: “a exigência da observância desses requisitos nos referidos documentos «facturas» tem como escopo permitir à Administração tributária o controlo da situação tributária, e não apenas obter prova dos factos a controlar, motivo por que as facturas, emitidas de acordo com os termos da lei, constituem formalidade ad substantiam, insusceptível de substituição por um qualquer outro meio de prova.”

Ora, assim sendo, não respeitando as facturas identificadas no probatório os requisitos legais de forma prescritos no artigo 35.º, n.º 5, do CIVA, não conferem direito à dedução do IVA nelas mencionado. Donde, tendo sido o IVA indevidamente deduzido, não pode senão concluir-se, como o fez o Tribunal a quo, que as liquidações impugnadas não violam o disposto no artigo 19.º, n.º 2, do CIVA.

Contra este entendimento, já defendido na sentença, defende a Recorrente que o mesmo, apesar de espelhar o entendimento da jurisprudência dos Tribunais Superiores nacionais, não espelha – antes é contrário – a jurisprudência comunitária relevante. Invoca a Recorrente, a propósito, o Acórdão do TJCE de l de Abril de 2004 - Proc° n° C-90/02, nos termos do qual “Um sujeito passivo que seja devedor do imposto sobre o valor acrescentado, enquanto destinatário dos serviços .... não é obrigado a possuir uma factura emitida nos termos do n°3 do art°22° da referida Directiva para poder exercer o direito à dedução”.

Não cremos, porém, que a Recorrente tenha razão.

Na verdade, este Tribunal não desconhece tal acórdão, no qual se conclui, efectivamente, que um sujeito passivo que seja devedor do imposto sobre o valor acrescentado correspondente enquanto destinatário de serviços, nos termos do artigo 21.° n.° 1, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, não é obrigado a possuir uma factura emitida nos termos do n.° 3 do artigo 22.° da referida directiva para poder exercer o seu direito à dedução.

Contudo, como bem resulta do acórdão em questão, daquilo que aí se tratava era da apreciação de um litígio em que as questões em apreciação incidiam, no essencial, sobre as condições que permitem o exercício do direito à dedução, previstas no artigo 18.°, n.° 1, da Sexta Directiva, no caso de o sujeito passivo em causa ser ele próprio responsável pelo pagamento do referido imposto devido ao facto de o prestador de serviços em questão estar estabelecido fora do país em causa, o que manifestamente não é o caso ora em análise. Razão pela qual não se mostra aqui aplicável tal jurisprudência.

Termos em que, sem necessidade de mais e maiores considerações, improcedem na totalidade as conclusões da alegação de recurso, razão pela qual a sentença recorrida deve ser mantida.


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3 - DECISÃO

Em face do exsposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Oportunamente, preste a informação solicitada através do ofício de fls. 195.

Lisboa, 16/12/15


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Bárbara Tavares Teles)

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(Anabela Russo)