Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04716/11
Secção:CT -2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/11/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:SUJEITO PASSIVO DA RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA DE SISA. MATÉRIA COLECTÁVEL DO IMPOSTO DE SISA.
ARTº.2, § 2, DO C.I.M.S.I.S.S.D. TRADIÇÃO FICCIONADA OU PRESUMIDA DE IMÓVEL.
AJUSTE DE REVENDA. CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL. BEM FUTURO.
MATÉRIA COLECTÁVEL CORRESPONDE AO VALOR DO PRÉDIO OU AO PREÇO CONVENCIONADO.
Sumário:1. O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de sisa era o transmissário, ou seja, aquele que recebia os bens imóveis transmitidos (no caso de venda é o comprador) e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) era constituída pelo valor do imóvel, correspondendo o conceito fiscal de transmissão ao do direito privado, isto é, só é transmissão a perda relativa e a aquisição derivada de direitos, exceptuando os casos em que a lei fiscal dispuser o contrário (artºs.7 e 19, do C.I.M.S.I.S.D.).
2. De acordo com o artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., o legislador basta-se com uma tradição ficcionada ou presumida do imóvel em causa, verificados que estejam os pressupostos em que a mesma assenta, a saber: o ajuste pelo promitente-comprador da revenda do imóvel a terceiro; a posterior realização da escritura de venda entre este terceiro e o primitivo promitente-vendedor.
3. O “ajuste de revenda” é um contrato inominado, ou seja, não se acha expressamente previsto e regulado na lei que não o consagra, nem lhe dá denominação, não tem “nomen júris”. Dentro daquilo que se pode chamar “ajuste de revenda” poderão ser encontradas diversas figuras contratuais, como o contrato de agência, o contrato de concessão, o contrato de mediação ou a cessão da posição contratual, sendo esta última definida, nos termos do artº.424, nº.1, do Código Civil, como a possibilidade que as partes, num contrato com prestações recíprocas, têm de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente consinta na transmissão. A figura da cessão da posição contratual insere-se, sem dúvida, no conceito amplo de ajuste de revenda e tem acolhimento claro no artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D.
4. Este §2 constitui, justamente, um alargamento da incidência da sisa a outras situações não contempladas nas regras anteriores do preceito, contentando-se a lei, neste caso, com uma tradição ficcionada, a chamada “traditio ficta”, sendo por isso irrelevante que à data da cedência da posição contratual, a fracção prometida comprar ainda se encontrasse em fase de construção e se dever considerar um bem futuro.
5. A teleologia da tributação destes factos tributários (artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D.), igualmente levando em consideração o estatuído no artº.19, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., determinam que o valor a ter em conta seja o preço convencionado. E compreende-se a opção do legislador, já que o que se pretende tributar é a revenda ou agenciação de bens alheios feita ao promitente-comprador, pelo que a matéria colectável corresponderá ao valor do prédio ou ao preço convencionado, caso aquele seja menor, mais não fazendo sentido a interpretação de que deva consubstanciar-se nos montantes já pagos a título de sinal, a qual não encontra qualquer correspondência na letra da lei e também não vimos que a encontre no seu espírito.


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
A..., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.79 a 95 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação pelo recorrente intentada, visando acto de liquidação de Sisa e juros compensatórios, no montante total de € 34.416,86.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.106 a 113 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-O recorrente celebrou, na qualidade de promitente-comprador, um contrato-promessa de aquisição de um bem futuro;
2-O recorrente cedeu a sua posição contratual no referido contrato-promessa a um terceiro e entre este terceiro e o promitente-comprador veio a ser celebrado o contrato definitivo de compra e venda;
3-Estes três factos não permitem considerar que houve um ajuste de revenda e, portanto, considerar que é devida Sisa nos termos do § 2, do artº.2, do C.I.M.S.I.S.S.D.;
4-Como defendeu o Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão de 22/11/2005, no Processo nº.698/05, para haver ajuste de revenda é necessário que a Administração Fiscal demonstre “que a cessão da posição contratual (...) constitui uma operação económica” e que o cedente “obteve para si lucro com a referida cessão”, isto é, “enriqueceu com ela de forma indirecta, fazendo uso atípico do contrato-promessa”;
5-Ainda de acordo com o mesmo Acórdão, se provado fica apenas, com base no Relatório da Administração Fiscal, que houve um contrato-promessa, que houve uma cedência da posição contratual a favor de um terceiro e este outorgou a escritura de compra e venda com o promitente alienante, a Administração Fiscal “não demonstrou ter havido ajuste de revenda”;
6-A douta sentença recorrida fez, assim, um errado julgamento da matéria de facto, ao considerar ter havido ajuste de revenda, apenas com base na referida existência do contrato-promessa, da cedência da posição contratual e da celebração da escritura de compra e venda entre o promitente vendedor e o cessionário;
7-Mesmo que se considerasse estar provado o ajuste de revenda, sempre a liquidação da sisa teria que ser julgada ilegal por ter incidido sobre o valor convencionado no contrato-promessa e não sobre o preço efectivamente pago pelo recorrente ao promitente-vendedor;
8-Ao não incidir sobre o preço efectivamente pago, a liquidação é ilegal por violação do artigo 119, § 2, alínea a), do C.I.M.S.I.S.S.D., que estatui a incidência sobre a importância paga em dinheiro;
9-Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, anulando-se a sentença recorrida como é de justiça.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.125 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.127 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.80 a 84 dos autos):
1-Por ofício de 20/09/04, do 7º. Serviço de Finanças de Lisboa, foi o ora impugnante notificado da liquidação adicional de SISA no valor de € 33.120,18 (a que acrescem € 1.296,68 de juros compensatórios), respeitante à “cedência de posição contratual 31/10/01, pelo valor de 331.201,80 Euros (previsão do §2°, artigo 2, do CIMSISD)”, do prédio urbano correspondente à fracção autónoma BA, apartamento 150, do prédio sito na Rua ..., Quinta de Santo António, Caselas, inscrito na matriz da Freguesia de São Francisco Xavier, sob o artigo 1079, com o valor patrimonial de Eur.253.285,50 (cfr. documento junto a fls.18 dos presentes autos);
2-A notificação da liquidação, para além dos elementos referidos, foi acompanhada de nota demonstrativa da liquidação, da indicação do prazo de pagamento, do início de contagem dos juros de mora e dos prazos e meios de contestação da liquidação comunicada (cfr.documentos juntos a fls.18 e 19 dos presentes autos);
3-A liquidação de SISA resultou de acção inspectiva levada a efeito pelos Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, no termo da qual foi elaborado o relatório constante de fls.46 a 52 dos autos;
4-Sob a epígrafe DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL, pode ler-se no relatório o seguinte:
“(…)
Situação de facto:
Que o sujeito passivo celebrou com a empresa B..., Lda. com o NIPC 5000010005, um contrato de promessa de compra e venda de uma fracção autónoma que constitui o 2° Esqº, Apartamento 46- Bloco E , do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ... - Villa Restelo — Caselas, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de São Francisco Xavier, inscrito na matriz sob o artigo 1079, sendo o preço acordado de 331.201,80 €.
No entanto, pelo mesmo preço, viria a ceder a sua posição a C..., Nif ..., conforme contrato de cessão de posição contratual celebrado em 31/12/2001, o que configura um ajuste de revenda, dado que foi celebrada a escritura entre o primitivo promitente vendedor e este.
Assim, e por força do § 2° do Artigo 2° do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, deveria ter solicitado o pagamento da sisa devida, no Serviço de Finanças referido no Artigo 46° e no prazo referido no Artigo 115, nº 4, todos do mesmo Código, o que não fez em devido tempo, nem até apresente data.
Valor Sujeito a sisa - € 331.201,80
Taxa 10%
Parcela a abater 0
Imposto € 33.120,18
(...)”.

5-Em 18/8/99, foi celebrado, entre a B... Lda e o ora impugnante, um contrato promessa de compra e venda, através do qual a B...prometeu vender, e o impugnante prometeu comprar, a fracção autónoma que vier a corresponder à habitação tipo T5A, apartamento nº.46, correspondente ao 2º. andar Esquerdo do Edifício E, com 4 lugares de estacionamento, com os números 86 a 89 na Cave -1, e uma arrecadação na Cave -1, com o número 47, a construir no imóvel denominado "Villa Restelo", sito na freguesia de São Francisco Xavier, em Lisboa, pelo preço de 66.400.000$00 (cfr.documento junto a fls.20 a 27 dos presentes autos);
6-No artigo décimo do supra referido contrato promessa foi estabelecido que (cfr.documento junto a fls.20 a 27 dos autos):
“(…)
A posição contratual e os direitos previstos no presente contrato podem ser cedidos ou transferidos pelo PROMITENTE COMPRADOR, até 30 dias antes da escritura definitiva de compra e venda e processar-se-á do seguinte modo:
a) O PROMITENTE COMPRADOR deverá comunicar por escrito à PROMITENTE VENDEDORA a sua intenção de ceder a posição contratual no presente contrato, bem como a indicação da entidade que lhe sucederá no mesmo;
b) No prazo de 10 (dez) dias úteis a contar da data da recepção da comunicação referida no número anterior, a PROMITENTE VENDEDORA, após aceite a cessão, elaborará o correspondente Contrato de Cessão da Posição Contratual, a favor da entidade que vier a ser indicada, o qual será assinado por todas as partes envolvidas, no qual esta última assumirá, expressamente, a obrigação de cumprir com todas as cláusulas e condições que tiverem sido contratualmente acordadas, entre a PROMITENTE VENDEDORA e o PROMITENTE COMPRADOR (…)”;

7-O contrato a que alude o ponto precedente foi, em 5/5/00, objecto de resolução e substituído por um contrato tripartido, em que além dos promitentes comprador e vendedor, passou a ser outorgante uma instituição de crédito, fínanciadora do promitente-comprador (cfr.documento junto a fls.34 e 35 dos presentes autos);
8-O impugnante, em cumprimento do contrato-promessa celebrado, efectuou pagamentos no montante de 19.500.000$00 (cfr.documentos juntos a fls.36, 41, 42 e 43 dos presentes autos - facto não contestado);
9-Em 31/10/01, o ora impugnante, A..., C... e a sociedade B... Lda celebraram um contrato de cessão de posição contratual, através do qual o ora impugnante cedeu a C... a sua posição contratual no contrato promessa m.i no ponto 7 supra, tendo a B...prestado o seu consentimento à cessão da posição acordada (cfr.documento junto a fls.44 e 45 dos presentes autos);
10-Em 24/3/03 foi celebrada, entre a B... Lda e C..., escritura pública de compra e venda da fracção autónoma designada pelas letras "BA", correspondente ao 2°, esq°, apartamento 46, do Bloco E, destinado a habitação, com 4 lugares de estacionamento identificados com os números 86 a 89 e uma arrecadação com o número 47, localizados na cave, do prédio urbano sito na Rua ..., Quinta de Santo António, Caseias, concelho de Lisboa, descrito na 3a Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número 614, freguesia da Ajuda, registado a favor da sociedade vendedora, pela inscrição G, apresentação dezoito de 9 de Junho de 1999, submetido ao Regime de Propriedade Horizontal pela inscrição F apresentação treze de 6 de Junho de 2002, inscrito na matriz da freguesia de S. Francisco Xavier sob o artigo 1.079, com o valor patrimonial correspondente á fracção de 253.285,50 € (cfr.documento junto a fls.64 a 73 do processo administrativo apenso);
11-Na pendência do processo de execução fiscal nº.3239-2004/102909.6, instaurado para cobrança da dívida correspondente à liquidação de Sisa impugnada, o impugnante efectuou um pagamento por conta no montante total de € 7.781,24, dos quais € 6.469,40 corresponde a imposto e € 1.311,84 a juros de mora, taxa de justiça e acrescido (cfr.documento junto a fls.74 do processo administrativo apenso; documento junto a fls.75 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa…”.
X
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto assenta na análise dos documentos constantes dos autos, não impugnados, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar totalmente improcedente a impugnação que originou o presente processo, em virtude do insucesso dos fundamentos da mesma.
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Alega o recorrente, em síntese, que celebrou, na qualidade de promitente-comprador, um contrato-promessa de aquisição de um bem futuro. Que cedeu a sua posição contratual no referido contrato-promessa a um terceiro e entre este terceiro e o promitente-vendedor veio a ser celebrado o contrato definitivo de compra e venda. Que estes três factos não permitem considerar que houve um ajuste de revenda e, portanto, considerar que é devida Sisa nos termos do § 2, do artº.2, do C.I.M.S.I.S.S.D. Que a sentença recorrida fez um errado julgamento da matéria de facto, ao considerar ter havido ajuste de revenda, apenas com base na referida existência do contrato-promessa, da cedência da posição contratual e da celebração da escritura de compra e venda entre o promitente vendedor e o cessionário. E mesmo que se considerasse estar provado o ajuste de revenda, sempre a liquidação da sisa teria que ser julgada ilegal por ter incidido sobre o valor convencionado no contrato-promessa e não sobre o preço efectivamente pago pelo recorrente ao promitente-vendedor (cfr.conclusões 1 a 8 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
O Imposto Municipal de Sisa (o dec.lei 308/91, de 17/8, alterou a designação do imposto de sisa para imposto municipal de sisa, tendo em vista a afectação das respectivas receitas aos municípios), criado pelo dec.lei 41969, de 24/11/58 (diploma que aprovou o Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações), podia definir-se como um imposto directo, de obrigação única, características reais e sobre o património, incidindo nas transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade, ou de figuras parcelares desse direito, relativamente a bens imóveis (cfr.preâmbulo e artº.2, do C.I.M.S.I.S.S.D.; Pedro Soares Martinez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.588 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.285 e seg.).
O diploma em análise, encontra-se informado por um conjunto de regras ou princípios que se condicionam, restringem ou desenvolvem mutuamente. Entre esses princípios podemos citar o da irrelevância da forma do título translativo (cfr.artº.1, “in fine”) e o da prevalência do resultado económico sobre o rigor das figuras jurídicas susceptíveis de, nos termos do direito privado, operarem a transmissão de bens imóveis (cfr.v.g.artº.2).
O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de sisa era o transmissário, ou seja, aquele que recebia os bens imóveis transmitidos (no caso de venda é o comprador) e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) era constituída pelo valor do imóvel, correspondendo o conceito fiscal de transmissão ao do direito privado, isto é, só é transmissão a perda relativa e a aquisição derivada de direitos, exceptuando os casos em que a lei fiscal dispuser o contrário (artºs.7 e 19, do C.I.M.S.I.S.S.D.; Nuno Sá Gomes, Incidência da Sisa, Cadernos de C.T.Fiscal, nº.6, pág.35 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/1/2012, proc.3197/09).
Como é sabido, a liquidação da sisa devia preceder o acto ou facto translativo dos bens (artº.47, do C.I.M.S.I.S.S.D.).
Porém, também é certo que só o facto transmissão (na acepção ampla do artº.1, do C.I.M.S.I.S.S.D.) concretiza o direito do Estado à percepção da correspondente sisa, ou seja, é no momento da transmissão que se subjectiva a obrigação de pagar tal imposto. Até lá, existe apenas, do lado do contribuinte, um projecto de transmissão e, do lado do Estado, mera expectativa, situação esta que não é influenciada pela circunstância de a lei considerar condição legal de realização do acto a antecipação do pagamento da sisa que só será devida se ele se realizar e se no momento dessa realização se verificarem os pressupostos da tributação do mesmo. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
“In casu”, o recorrente defende, desde logo, que a factualidade provada nos presentes autos se não deve enquadrar no artº.2, §2, do C.I.M.S.I.S.S.D., pois que tal factualidade não permite considerar que houve um ajuste de revenda.
Haverá, portanto, que fazer a exegese do citado artº.2, §2, do C.I.M.S.I.S.S.D.
Dir-se-á que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.11, da L.G.T.; artº.9, do C.Civil; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Editorial Verbo, 4ª. edição, 1987, pág.335 e seg.; J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág.181 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de C.T.Fiscal, nº.174, 1996, pág.363 e seg.).
Prescrevia o artº.2, § 1, nº.2, do C.I.M.S.I.S.S.D., que se consideram transmissões de propriedade imobiliária, para efeito de incidência, as promessas de compra e venda ou de troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente-comprador ou para os promitentes-permutantes, ou quando aquele ou estes estejam usufruindo os bens.
Por sua vez o artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., ditava que nas promessas de venda se entende também verificada a tradição se o promitente-comprador ajustar a revenda com um terceiro e entre este e o primitivo promitente vendedor for depois outorgada a escritura de venda.
No caso dos autos, a A. Fiscal deu por verificados os pressupostos de aplicação do citado artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., em virtude do que efectuou a liquidação impugnada (cfr.nºs.1 e 4 da matéria de facto provada).
Na verdade, atenta a matéria de facto provada, deve concluir-se, como na decisão recorrida, que se encontram preenchidos os requisitos de incidência previstos no citado artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D.
De acordo com a norma em análise, o legislador basta-se com uma tradição ficcionada ou presumida do imóvel em causa, verificados que estejam os pressupostos em que a mesma assenta, a saber: o ajuste pelo promitente-comprador da revenda do imóvel a terceiro; a posterior realização da escritura de venda entre este terceiro e o primitivo promitente-vendedor. Nestes termos, independentemente da natureza que se atribua à presunção contida no citado preceito (a de que houve tradição do imóvel para o promitente-comprador), a mesma só releva desde que verificados os dois pressupostos mencionados, sendo que, quanto à prova destes a lei já não estabelece qualquer presunção, pelo que é à A. Fiscal que compete a prova dos mesmos (cfr.artº.342, nº.1, do C.Civil), enquanto factos constitutivos do seu direito à liquidação de imposto. Mas mais, será razoável presumir (presunção meramente judicial - cfr.artº.351, do C.Civil) a existência de um ajuste de revenda entre o primitivo promitente-comprador do imóvel e o terceiro que, afinal, vem a outorgar na escritura como comprador, provados que estejam os dois pressupostos a que se alude supra (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/3/1998, rec.20331; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/12/1998, rec.22820; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 31/10/2000, rec.24570; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 27/4/1999, proc.1557/98; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/10/2004, proc.61/03; F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, C.I.M.S.I.S.S.D. anotado e comentado, Rei dos Livros, 4ª. Edição, 1997, págs.60).
Entende o recorrente que, “in casu”, não ocorreu um ajuste de revenda mas apenas a celebração de contrato de cessão da posição contratual, pelo que a situação não cabe na norma de incidência correspondente ao artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D.
Resulta da matéria de facto provada que o recorrente, mediante contrato-promessa de compra e venda, prometeu comprar a fracção autónoma identificada no probatório, podendo o mesmo ceder a sua posição contratual e direitos previstos do referido contrato promessa. Com efeito, no contrato promessa de compra e venda ficou prevista a possibilidade de o recorrente ceder a sua posição contratual (de comprador) a outrem.
Está também assente que o apelante celebrou, efectivamente, com terceiro, C..., um contrato a ceder-lhe a sua posição no contrato promessa de compra e venda (entretanto objecto de resolução e substituído por um contrato tripartido, em que além dos promitentes comprador (o recorrente) e vendedor (a AFER), passou a ser outorgante uma instituição de crédito, financiadora do promitente-comprador, conforme resulta dos pontos 5, 6 e 7 do probatório, tendo o terceiro ficado a ocupar o lugar que ao primitivo promitente-comprador cabia naquele contrato. Resulta da matéria de facto, igualmente, que o terceiro, C..., veio a outorgar com o promitente vendedor, a “B..., L.da.”, a escritura pública de compra e venda do bem imóvel objecto do contrato promessa (cfr.nº.10 do probatório).
Com efeito, e contrariamente ao que decorre das palavras do recorrente, o “ajuste de revenda” é um contrato inominado, ou seja, não se acha expressamente previsto e regulado na lei que não o consagra, nem lhe dá denominação, não tem “nomen júris”.
Dentro daquilo que se pode chamar “ajuste de revenda” poderão ser encontradas diversas figuras contratuais, como o contrato de agência, o contrato de concessão, o contrato de mediação ou a cessão da posição contratual, sendo esta última definida, nos termos do artº.424, nº.1, do Código Civil, como a possibilidade que as partes, num contrato com prestações recíprocas, têm de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente consinta na transmissão (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/11/2011, proc.3130/09). Na verdade, e lançando mão da figura jurídica consistente na cessão da posição contratual, é habitual as partes celebrarem um contrato promessa de compra e venda sobre um imóvel e posteriormente, por motivos da mais diversa índole, o promitente-comprador ajustar com um terceiro a cessão da sua posição contratual assumindo assim este a posição daquele no referido convénio.
Ora, o legislador foi sensível precisamente a este tipo de operações, pelo que, no artº. 2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., decidiu submeter a tributação as mesmas. Neste caso, bastando-se o legislador com uma ficção jurídica, eram passíveis de tributação, quer a situação resultante do primeiro acordo constante do contrato de promessa originário, quer a situação em que o promitente-comprador ajustasse a revenda com um terceiro e entre este e o promitente-vendedor fosse depois outorgada a escritura de compra e venda.
Por que assim é, não colhe o argumento segundo o qual não existiu um ajuste de revenda (mas antes uma cessão da posição contratual). Como vimos, a figura da cessão da posição contratual insere-se, sem dúvida, no conceito amplo de ajuste de revenda e tem acolhimento claro no artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/3/1998, rec.20331; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 7/10/2003, proc.564/03).
O recorrente faz igualmente referência ao facto do contrato-promessa celebrado ter como objecto um bem futuro, pelo que não é possível considerar ter existido posse ou entrega do bem.
Mais uma vez, o apelante não tem razão. Para a incidência da sisa ao abrigo da norma do artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., não é necessário ocorrer o prévio ingresso do bem prometido comprar na esfera jurídica do promitente-comprador. Se assim fosse, então, a incidência de sisa já teria ocorrido por aquela outra norma de incidência prevista no §1, do mesmo artigo, onde, aí sim, se exige uma efectiva tradição dos bens para o promitente- comprador. Este §2 constitui, justamente, um alargamento da incidência da sisa a outras situações não contempladas nas regras anteriores, contentando-se a lei, neste caso, como acima se disse, com uma tradição ficcionada, a chamada “traditio ficta”, sendo por isso irrelevante que à data da cedência da posição contratual, a fracção prometida comprar ainda se encontrasse em fase de construção e se dever considerar um bem futuro (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/2/2009, rec.1005/08).
Passemos, seguidamente, ao último argumento invocado pelo recorrente. Em sua opinião a liquidação é, ainda, ilegal por violar o disposto no artº.19, § 2, al.a), do C.I.M.S.I.S.S.D., já que a sisa não pode incidir sobre o preço convencionado no contrato-promessa mas, antes, no montante que efectivamente foi pago pelo impugnante, de € 97.265,59 (cfr.nº.8 do probatório).
Entende-se que o recorrente também aqui não tem razão. Efectivamente, a teleologia da tributação destes factos tributários (artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D.) e o estatuído no artº.19, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., determinam que o valor a ter em conta seja o preço convencionado. E compreende-se a opção do legislador, já que o que se pretende tributar é a revenda ou agenciação de bens alheios feita ao promitente-comprador, pelo que a matéria colectável corresponderá ao valor do prédio ou ao preço convencionado, caso aquele seja menor, mais não fazendo sentido a interpretação de que deva consubstanciar-se nos montantes já pagos a título de sinal, a qual não encontra qualquer correspondência na letra da lei e também não vimos que a encontre no seu espírito (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2007, proc.1878/07), assim devendo confirmar-se a sentença recorrida, também neste segmento.
Sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 11 de Junho de 2013


(Joaquim Condesso - Relator)


(Pereira Gameiro - 1º. Adjunto)


(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)