Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:21/15.9BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/04/2019
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
FUNCIONAMENTO LENTO DO APARELHO DE JUSTIÇA
PRESCRIÇÃO
Sumário:I – Qualquer prazo de prescrição do direito de ação de responsabilidade civil extracontratual conta-se como manda o artigo 498º-1 do CC, ex vi artigos 5º e 12º do RRCEEP.
II - A duração razoável de um processo jurisdicional deve ser apreciada casuisticamente, de acordo com as circunstâncias de cada caso [e não, portanto, de forma abstrata ou automática], e com a ajuda de vários critérios ou parâmetros, quais sejam: a complexidade da causa, o comportamento do requerente e das autoridades competentes e o objetivo do litígio para o interessado.
III - A “morosidade processual indevida” inclui-se no “mau funcionamento do aparelho de justiça”, onde releva, por exemplo, a organização judiciária em sentido amplo gizada pelo poder político-legislativo e pelo poder político-governamental, bem como os poderes dados pelas leis aos tribunais para evitarem delongas processuais.
IV – O prazo de prescrição de três anos do direito de ação de indemnização tem início com o conhecimento pelo lesado da possibilidade legal do ressarcimento dos danos que ocorrem por virtude de certo facto danoso ou atuação danosa. Aquele conhecimento, na prática, presume-se com o conhecimento da ocorrência da factualidade, simples ou complexa, geradora de danos.
V – O citado prazo de prescrição começa a correr no momento em que o lesado tem consciência de que o processo jurisdicional ou judiciário tem uma duração excessiva e que tal facto lhe está a causar danos. No caso presente, o pedido de responsabilidade civil extracontratual, por demora ilícita num processo jurisdicional, diz apenas respeito ao período que alegadamente decorreu entre 14/04/2004, data de interposição da ação principal, e 09/12/ 2008, data em que foi dado início à negociação para obtenção de acordo entre as partes.
VI - Resultando dos factos provados que foram encetadas negociações para obtenção de acordo na ação principal a 09/12/2008, motivadas pela demora do processo e receio do desfecho do mesmo, é evidente que, tendo a presente ação sido intentada em 07/01/2015 e o Estado citado em 26/01/2015, caso existisse algum direito a indemnização com fundamento na referida responsabilidade civil do Estado, já teriam decorrido mais de 3 anos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

V………, advogado, aqui em causa própria, melhor identificado nos autos, intentou ação administrativa comum contra o ESTADO PORTUGUÊS.

A pretensão formulada ao T.A.C. foi a seguinte:

- Declarar-se que o Estado Português violou o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o Artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e a Segurança Jurídica, bem como

- declarar-se que, ao abrigo dos arts. 6.º da CEDH, 20.º da Lei Fundamental e 2.º e 12.º da Lei 67/2007 de 31/12, 2.º do CPC e 483.º do CC, o Estado Português deve pagar 7.000 euros ao A., pela violação de obrigação de proferir decisão judicial em prazo razoável,

- Mais peticionando que seja condenado o Estado Português ainda a pagar ao A. as despesas no quantum de 1.000 euros.

Após a discussão da causa, o T.A.C. decidiu “declarar a caducidade do direito de ação, com absolvição do pedido”.

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Inconformada, a autora interpôs o presente recurso de apelação contra aquela decisão, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

1. A presente ação foi instaurada em 2015; o caso trazido ao Douto TAC traduz SITUAÇÃO CONTÍNUA no tempo e só a partir do transito em julgado se contabiliza o prazo para demandar o Estado Português: artº 35°-1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem: Affair BLOKIN contra a Rússia, Grand Chamber & 102 e Affair CHAPMAN contra a Bélgica, & 34.

2. Inexiste prescrição; o processo pendeu até 2014; a ação foi instaurada em 2015; a aplicação da Convenção Europeia, que versa sobre direitos efetivos e práticos, e não teóricos ou ilusórios, é assim: "99. O período de seis meses decorre da decisão final no processo de esgotamento dos recursos internos (Paul e Ewards v. Reino Unido. O aplicador deve ter feito uso normal dos recursos internos que provavelmente serão eficazes e suficientes (Moreira Barbosa contra Portugal) ... -in Guia Prático dos Critérios de Admissibilidade - 4ª edição, página 27-28- Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

3. Na ordem jurídica interna o prazo de 3 anos da responsabilidade civil - arts 483 e 498 do Cod. Civil- só se contabiliza a partir do transito em julgado do caso Português, face á hermenêutica dos Senhores Juízes de Estrasburgo;

4. A vingar a tese do Mº Público e da Douta Sentença sob recurso estaria encontrada a fórmula mágica, sob cripto-argumento, para improcederem todos os pedidos contra o Estado Português...ostracizando o Princípio comunitário da ‘'SITUAÇÂO CONTINUA'' in art. 35º- 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que é direito positivo Português...

5. A Sentença violou os arts. 6º-1, 35-1 da CEDH, 483º, 498º do Cod Civil e 20º da lei Fundamental, pelo que deve ser revogada.

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O recorrido contra-alegou, concluindo assim:

1. Fundando-se a presente ação em responsabilidade civil extracontratual do Estado, o prazo geral de prescrição do direito de indemnização é o estabelecido no arts 498º, nº 1, do Código Civil, aplicável «ex vi» arts 5º da Lei nº 67/2007, de 31-12.

2. Este prazo de 3 anos começa a correr a partir da data em que o lesado teve conhecimento dos elementos constitutivos ou dos pressupostos do direito à indemnização.

3. O que releva para o início do prazo de prescrição é o momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito e não o momento em que cessou a sua eventual violação.

4. Com a notificação do douto Acórdão do Tribunal Constitucional a 16-2-06, no âmbito da providência cautelar e com o início das negociações tendo em vista a obtenção de acordo entre as partes (em 09/12/2008), mas seguramente, com a apresentação deste acordo extrajudicial, em 29 de Dezembro de 2008, ficou o A. a conhecer, em toda a sua extensão, os factos alegadamente ilícitos que agora invoca como causadores dos supostos danos.

5. Pelo que, quando a presente ação foi intentada, em 7 de janeiro de 2015 e o Réu Estado foi citado em 25 de janeiro de 2015 - já há muito se mostrava esgotado o putativo direito de indemnização.

6. Assim, bem andou o Mmª Juiz ao julgar procedente, por fundamentada e provada, a arguida exceção perentória da prescrição, e em consequência absolver o R. dos Pedidos.

7. E, decidindo como decidiu, o Tribunal, subsumiu corretamente os factos ao direito e não violou qualquer preceito legal.

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Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – FACTOS PROVADOS

O tribunal recorrido decidiu estar provada a seguinte factualidade:

1. A 31/03/2003, deu entrada no Tribunal Judicial da Comarca de Torres Vedras, Providência Cautelar, contra o aqui autor, que correu termos com o n.º de Proc. 917/04.3TBTVD (cfr. artigo 1 da p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) e fls. 1 do 1.º volume do referido Proc. apenso aos autos),

2. A providência cautelar pendeu de 31-03-2003 até 15-02-2006 (cfr. confissão no artigo 8 da p.i., idem);

3. “A A. e demais sócios e empresa tiveram que negociar com os condóminos face à demora dos Tribunais em solucionar o caso e receio de que, apesar de terem Alvará Camarário, pagarem impostos, como IVA, IRC, Segurança Social, etc., o Tribunal mandasse encerrar em definitivo a empresa” (facto confessado, cfr. artigo 10 da p.i, ibidem);

4. A 09/12/2008, foi requerido pelos mandatários das partes a suspensão da audiência, pelo prazo de 30 dias com vista à obtenção de acordo com as partes (cfr. fls. 650, do 3.º Volume do Proc. 917/04.3TBTVD. Ação de Processo Ordinário, apenso aos autos);

5. A 22/03/2013 as partes no proc. 917/04.3TBTVD apresentaram acordo extrajudicial (cfr. fls. 652 e segs., do 3.º Volume do Proc. 917/04.3TBTVD. Ação de Processo Ordinário, apenso aos autos);

6. “Com exceção do período de negociação entre a A. e a parte contrária, que culminou com o acordo em 22-3-2013 – folhas 818 da Ação Principal – a A. não contribuiu para a demora do caso e ficou chocado com o sucedido;” (facto confessado, cfr. artigo 12 da P.I.);

7. A 17/04/2013, o acordo extrajudicial a que se reporta a alínea e) do probatório, foi homologado por sentença, (cfr. fls. 818., do 4.º Volume do Proc. 917/04.3TBTVD. Ação de Processo Ordinário, apenso aos autos);

8. A 07/01/2015, deu entrada neste Tribunal, a petição inicial que deu origem aos presentes autos (cfr. fls. 1 dos autos, da numeração SITAF);

9. A 26/01/2015, o R. recebeu a respetiva citação (cfr. fls. 7 da numeração SITAF).

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II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Delimitação do objeto do recurso:

Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso - cf. artigos 144º-2 e 146º-4 do CPTA, artigos 5º, 608º-2, 635º-4-5 e 639º do CPC-2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA -, alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas; sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo - cf. artigos 73º-4, 141º-2-3, 143º e 146º-1-3 do CPTA. Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule - isto no sentido muito amplo utilizado no CPC - deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e as condições legalmente exigidos para o efeito.

Ora, tudo visto, as questões a resolver contra a decisão ora recorrida são as seguintes:

- Erro de julgamento quanto à existência de prescrição nos termos do artigo 498º do CC.

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Temos presente tudo o que já expusemos, bem como: (1º) que a ordem jurídica (1) posta através de atos humanos – o jurídico real e social - se refere a um conjunto de regras e princípios jurídicos (2) ordenado em função de um ou mais pontos de vista [sistema], sendo o ordenamento jurídico um sistema social - no sentido do jurista e sociólogo N. Luhmann: um sistema da sociedade moderna, funcionalmente diferenciado, autopoiético, coerente e racional, cuja função é manter estáveis as expectativas socio-normativas independentemente da sua eventual violação - mas sistema aberto e alterável, nomeadamente em consequência de novos objetivos e do acoplamento estrutural entre sistemas sociais; (2º) que o Direito administrativo é Direito constitucional democrático concretizado; (3º) que existe uma correta, objetiva e racional metodologia jurídica para conhecer o direito objetivo e uma correta, objetiva e racional metodologia jurídica para decidir processos jurisdicionais (3) [cf. os essenciais artigos 8º a 11º do CC quanto à interpretação dos enunciados normativos infraconstitucionais: o elemento filológico ou gramatical, o elemento lógico-sistemático, o elemento pragmático-teleológico-objetivo (4) e o elemento genético-histórico; vd. Miguel Nogueira de Brito, Introdução ao Estudo do Direito, 2ª ed., AAFDL Edit., Lisboa, 2018, capítulo I, nº 3, e capítulo III], no âmbito de um Estado democrático e social de Direito Constitucional - cf. os artigos 1º a 3º, 9º, 110º-1, 112º, 202º-1-2, 203º e 204º da CRP e os artigos 1º a 11º, 335º, 342º e 343º do CC; (4º) que, para compreender objetivamente o direito objetivo [por contraposição: a direito subjetivo, a “right” na língua inglesa (5)] aplicado, é mister assumir (i) que o direito objetivo vigente não é a opção político-jurídica ou valorativa que está a montante das fontes, (ii) que metódica da dogmática jurídica, metódica jurisdicional e metódica filosófica são três coisas distintas, (iii) que o direito objetivo tem na sua natureza o princípio estrutural da segurança jurídica [cf. artigos 1º e 2º da CRP], e (iv) que as máximas metódicas ou postulados aplicativos da igualdade e da proporcionalidade administrativas, fora das vinculações jurídicas estritas, implicam um específico dever de fundamentação expressa - cf. artigos 1º e 2º da CRP e 7º do CPA; (v) destaca-se ainda, nesta Jurisdição, o princípio jurídico geral da prossecução do interesse coletivo por parte de todas as atividades de administração pública - cf. artigos 266º(6) e 268º-3-4 da CRP. (7)

Passemos, pois, à análise do recurso de apelação.

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O TAC apresentou assim – para falar em prescrição do direito nos termos do artigo 498º do CC, embora depois tenha incorretamente referido “caducidade”, por lapso – os seus fundamentos:

“Veio o Digníssimo Magistrado do Ministério Público excecionar pela prescrição do Direito, invocando para o efeito as alegações através das quais o aqui autor funda a sua pretensão indemnizatória, por atraso na justiça, designadamente a invocação de atraso ocorrido, apenas pelo período fora da negociação das partes, ou seja, de 2004 a 2008, ficando logo nesse ano a conhecer, em toda a sua extensão, os factos alegadamente ilícitos que agora invoca como causadores dos supostos danos, termos em que defende a prescrição do direito indemnizatório, cuja citação do réu Estado Português apenas ocorreu a 26/01/2015.

Em resposta à exceção, veio o autor pugnar pela sua improcedência. Vejamos.

Aos factos em apreço é aplicável o regime da responsabilidade civil do Estado e demais pessoas coletivas públicas, por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos e agentes, prevista no artigo 22.º da CRP e artigo 2.º, n.º1 do Decreto 48051, de 21/11/1967, e no artigo 12.º da Lei 67/2007, de 31/12 (RRCEE), considerando que os factos dos presentes autos, abrangem os últimos dois normativos, em termos de vigência temporal.

No que se refere ao prazo de prescrição do direito à indemnização, aplica-se por remissão do artigo 5.º do RRCEE, o disposto no artigo 498.º do Código Civil (CC), bem como o regime da suspensão, previsto nos artigos 321.º e 322.º do CC, e o de interrupção da prescrição, previsto nos artigos 323.º a 327.º do CC.

Acresce que, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 298.º do CC “estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição”.

E, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 498.º do CC, o prazo de prescrição do direito de indemnização dos lesados em relação ao Estado é de três anos a contar da data em que estes tiveram conhecimento do direito respetivo, embora sem conhecimento da extensão integral do dano, sem prejuízo do da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.

Deste modo, o direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos prescreve no prazo de três anos, a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, ou seja, “a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu”( cfr. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, pág. 649, 9.ª Edição).

Sendo, pois, pacificamente entendido pela jurisprudência que esse prazo começa a correr a partir do momento em que o lesado teve conhecimento dos elementos constitutivos ou dos pressupostos do direito à indemnização, ainda que não conheça, nessa data, a extensão integral dos danos (cfr. Acórdão do STA de 23-06-2005, proc. n.º 01401/04 e do TCA Sul de 07-12-2011, proc. n.º 00867/05).

Assim, o conhecimento do direito indemnizatório deve ser entendido como o conhecimento dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, ou seja, facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade, e não com a tomada de consciência do respetivo direito pelo seu titular. Sendo o início do prazo de prescrição igualmente independente do conhecimento da extensão integral dos danos.

Pretendeu o legislador, dessa forma, aproximar o mais possível a data da apresentação da matéria em juízo do momento em que os factos se verificaram, tendo em conta a possibilidade de o lesado formular pedido genérico de indemnização (cfr. Acórdão do STA de 11-05-2004, proc. n.º0258/04, do TCAN de 08-05-2015, proc. n.º 01727/09.7BEBRG-A e do TRC de 29-11-2011, proc. 834/09.0TBTMR.C1, in www.dgsi.pt).

Em síntese, o legislador definiu como determinante do início da prescrição o conhecimento pelo lesado dos factos constitutivos do direito à indemnização, ou seja, o conhecimento de «factos bastantes para poder qualificar o facto como ilícito como gerador de responsabilidade e percecionar que sofreu danos em consequência dele, não se exigindo “um conhecimento jurídico ”». (cfr. Acórdão do STA de 06-07-2004, proc. n.º 0597/04, in www.dgsi.pt).

Pode ainda ler-se naquele Acórdão que “Só assim, partindo-se do facto danoso, a problemática da prescrição pode discutir-se em bases objetivas e controláveis “in judicio”, o que não sucederia se o prazo prescricional dependesse das condições psicológicas do lesado.

(…) O que o autor não pode é, excluindo do início do prazo prescricional uma das linhas de causalidade do evento danoso por si já conhecido, diferir para o futuro um conhecimento dessa linha, já detetável “ex ante”, e colocar, assim, o “dies a quo” do prazo na sua inteira disponibilidade – por só ele ser capaz de indicar o exato momento em que obteve a nítida consciência de que o assunto podia também ser encarado pelo prisma da responsabilidade dos agora réus”.

Por outro lado, resulta do disposto nos artigos 306.º e 323.º do CC que, o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido e interrompe-se com a citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, tendo-se a prescrição por interrompida dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente.

Regressando aos autos, considerando os factos constantes do probatório e as alegações de direito do autor, resulta claramente que o mesmo teve conhecimento do direito à indemnização há mais de três anos, porquanto é o própria que confessa que “o caso só cessou porque a A., demais sócios e empresa tiveram que negociar com os condóminos face à demora dos Tribunais em solucionar o caso e receio de que, apesar de terem Alvará Camarário pagarem impostos, como Iva, IRC, Segurança Social, etc., o Tribunal mandasse encerrar em definitivo a empresa”.

Por outro lado, reconhece ainda o mesmo que, “com exceção do período de negociação entre a A. e a parte contrária, que culminou com o acordo em 22-03-2013 (…) a A. não contribuiu para a demora do caso (…)”.

Donde resulta que o autor não assaca responsabilidade civil ao Estado Português, no período em que decorreram negociações para obtenção de acordo entre as partes, ou seja, de 09/12/2008 até 22/03/2013, data em que as partes no proc. 917/04.3TBTVD (ação principal) apresentaram Acordo extrajudicial, pelo que o seu pedido de responsabilidade civil diz apenas respeito ao período que alegadamente decorreu entre 14/04/2004, data de interposição da ação principal, e 09/12/ 2008, data em que foi dado início à negociação para obtenção de acordo entre as partes.

Deste modo, tendo em consideração os factos confessados pelo autor, resulta que, quer em 15/02/2006 (data do alegado termo da providência cautelar) quer em 09/12/2008 (data do início das negociações tendo em vista a obtenção de acordo entre as partes no processo), o mesmo já tinha seguramente conhecimento da verificação de todos os pressupostos que condicionam a responsabilidade extracontratual do Estado, por alegado atraso na decisão da Providência Cautelar e da ação principal.

Assim, resultando dos factos provados, que foram encetadas negociações para obtenção de acordo na ação principal a 09/12/2008, motivadas pela demora do processo e receio do desfecho do mesmo, é por demais evidente que tendo a presente ação sido intentada em 07/01/2015 e a R. Estado, citado em 26/01/2015, caso existisse algum direito a indemnização com fundamento na referida responsabilidade civil do Estado, há muito que tal direito se mostrava extinto por prescrição.

Nestes termos, é assim forçoso julgar-se procedente a exceção perentória suscitada de prescrição do alegado direito indemnizatório invocado pelo R., por o prazo de prescrição se encontrar esgotado quando o autor deu entrada da presente ação, o que implica a absolvição daquele do pedido, em conformidade com as disposições conjugadas dos arts. 498.º, n.º 1, do CC, e 576.º, n.ºs 1 e 3, e 579.º, do CPC ex vi arts. 1.º e 42.º do CPTA.”.

Nada mais acertado. Concordamos, pois, com o TAC.

Pelo menos desde 09-12-2008 que o autor tem conhecimento daquilo que invoca como violação do prazo razoável para existir uma decisão judicial. Porém, interpôs esta ação em 2015. Muito para além dos 3 anos previstos no artigo 498º-1 do CC.

Com efeito, ao contrário do que invoca o recorrente, qualquer prazo de prescrição do direito de ação de responsabilidade civil extracontratual conta-se como manda o cit. artigo 498º-1 do CC, ex vi artigos 5º e 12º do RRCEEP, e acima exposto.

Cf., assim, o Ac. deste TCA Sul de 07-02-2019, P. nº 3/16…:

“I - Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial.

II - A não morosidade da justiça não é uma questão puramente quantitativa, não bastando, para atestar um atraso da justiça, balizar os marcos temporais de início [ou a data da prática dos factos] e fim de um processo.

III - A lentidão ou morosidade de um processo judicial não é apenas ou nem sempre é imputável ao sistema judiciário, havendo vários fatores que a determinam, uns de natureza objetiva, outros de natureza subjetiva.

IV - A duração razoável de um processo deve ser apreciada casuisticamente, de acordo com as circunstâncias de cada caso [e não, portanto, de forma abstrata], e com a ajuda de vários critérios ou parâmetros, quais sejam: a complexidade da causa, o comportamento do requerente e das autoridades competentes e o objetivo do litígio para o interessado.

V - A “morosidade processual indevida” inclui-se no “mau funcionamento da administração da justiça”.

VI – O prazo de prescrição de três anos do direito de ação de indemnização tem início com o conhecimento pelo lesado da possibilidade legal do ressarcimento dos danos que ocorrem por virtude de certo facto danoso ou atuação danosa. Aquele conhecimento, na prática, presume-se com o conhecimento da ocorrência da factualidade, simples ou complexa, geradora de danos.

VII – O citado prazo de prescrição começa a correr no momento em que o lesado tem consciência de que o processo tem uma duração excessiva e que tal facto lhe está a causar danos. E não após o transito em julgado da sentença emitida no processo alegadamente moroso.

Contra este entendimento não vai, minimamente, qualquer disposição legal supranacional, qualquer “direito objetivo” pretoriano supranacional, nem muito menos o cit. artigo 35º-1 da CEDH:

“Condições de admissibilidade

1. O Tribunal só pode ser solicitado a conhecer de um assunto depois de esgotadas todas as vias de recurso internas, em conformidade com os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos e num prazo de seis meses a contar da data da decisão interna definitiva.

2. O Tribunal não conhecerá de qualquer petição individual formulada em aplicação do disposto no artigo 34° se tal petição: a) For anónima; b) For, no essencial, idêntica a uma petição anteriormente examinada pelo Tribunal ou já submetida a outra instância internacional de inquérito ou de decisão e não contiver factos novos.

3. O Tribunal declarará a inadmissibilidade de qualquer petição individual formulada nos termos do artigo 34° sempre que considerar que: a) A petição é incompatível com o disposto na Convenção ou nos seus Protocolos, é manifestamente mal fundada ou tem carácter abusivo; ou b) O autor da petição não sofreu qualquer prejuízo significativo, salvo se o respeito pelos direitos do homem garantidos na Convenção e nos respetivos Protocolos exigir uma apreciação da petição quanto ao fundo e contanto que não se rejeite, por esse motivo, qualquer questão que não tenha sido devidamente apreciada por um tribunal interno.

4. O Tribunal rejeitará qualquer petição que considere inadmissível nos termos do presente artigo. O Tribunal poderá decidir nestes termos em qualquer momento do processo.”

A parte final do nº 1 deste artigo 35º reporta-se à decisão a emitir no presente processo e não no processo em que assenta o pedido de indemnização.

Fica claro, no entanto, que tal acertado entendimento não abarca eventuais danos específicos ou autónomos - naturalmente raros - advindos porventura do facto de a decisão final ter sido emitida em certa data.

Cf. ainda:

· Ac. do STA de 07-03-2006, P. nº 0889/05;

· Ac. do STA de 25-02-2010, P. nº 01112/09;

· Ac. do STA de 25-10-2007, P. nº 0834/06;

· Ac. do STA de 21-11-2013, P. nº 0929/12;

· Ac. do STA de 09-06-2011, P. nº 0410/11;

· Ac. do STA de 26-10-2011, P. nº 083/11;

· Ac. do STA de 27-01-2010, P. nº 01088/09;

· Ac. deste TCA Sul de 23-10-2014, P. nº 08088/11;

· Ac. deste TCA-Sul de 07-03-2013, P. nº 08971/12;

· Ac. do STJ de 07-05-74, P. nº 065121;

· Ac. do TRL de 02-07-2009, P. nº 387/08-6;

· Ac. do STA de 25-11-2015, P. nº 0617/15.

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III - DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, os juizes do Tribunal Central Administrativo Sul acordam em negar provimento ao recurso, confirmando assim a prescrição do direito à indemnização exercitado.

Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 04-04-2019


Paulo H. Pereira Gouveia (Relator)

Pedro Marchão Marques

Alda Nunes



(1) Sistema geralmente coativo de normas - referido à conduta externa humana - cuja unidade é constituída pelo facto de todas elas terem um mesmo e autónomo ou específico fundamento lógico-jurídico de validade-existência-vinculatividade, o qual é pressuposto ou pensado necessariamente por todas as pessoas e é diferente das outras ordens sociais e das outras ordens normativas. Esse pressuposto lógico-normativo apenas diz, segundo o pensamento humano não anárquico e a prática social, que se deve obedecer a certa norma ou comando emitido por uma determinada autoridade – legislador formal ou comunidade - produtora de normas jurídicas. Tal sistema é essencialmente ou naturalmente de supra-infra-ordenação entre normas.
(2) As normas jurídicas são sentidos ou significados de um ato fáctico ou de um pensamento resultante do legislador ou da comunidade. Aponta para a conduta devida, o dever-ser; é este o conteúdo típico da norma jurídica perfeita. Esta norma é, em rigor, uma medida de valor relativamente a uma conduta humana. Com efeito, os valores das normas jurídicas são de origem humana, relativos. Mas nem os valores delas são elas próprias, nem elas são os enunciados normativos-legais, nem elas são as afirmações produzidas pela política do Direito e pela jurisciência – utilizadora do princípio da imputação à vontade humana em vez do princípio da causalidade. Note-se, por outro lado, que a ciência jurídica ou “jurisprudência teorética” não dita normas, muito menos em democracias dos séculos XX e XXI. E só assim poderia ser, pois que os ideais de justiça são presença constante nas sociedades humanas, democráticas ou não.
(3) Porém, não olvidemos que as “metodologias teoréticas jurídico-construtivistas” chocam frequentemente com o “princípio democrático fundamental da fidelidade à lei ou ao costume”; e o mesmo choque só não acontecerá com uma “metodologia jurídica teleológica” se - e apenas se - esta for objetiva ou objetivante. Por outro lado, o pensamento jurídico-teorético “da consideração dos interesses” e o pensamento jurisdicional “da consideração dos interesses” são diferentes do - mais racional - pensamento jurídico-teorético “da apresentação das razões para” e do pensamento jurisdicional “da apresentação das razões para”. Também há outra distinção, entre “conhecer ou descrever o direito objetivo através de metodologia própria” e “aplicar o direito objetivo através de metodologia própria” [cf., claramente quanto às interpretações em Direito, H. KELSEN, no último capítulo da sua 2ª edição de 1960 da “Teoria Pura do Direito”]. É que “direito objetivo” é uma coisa e “jurisciência ou opinio iuris” é outra [v. a ambiguidade deste termo em TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR., A Ciência do Direito, 3ª ed., Atlas ed., S. Paulo, 2014, e na Teoria Pura do Direito de Kelsen]; como a Moral é uma coisa [conjunto de normas morais] e a Ética é outra [conhecimento dessas normas ou o saber acerca dessas normas morais]. Mas com isto não se está a negar que o direito objetivo [conjunto de normas jurídicas vigentes] ou ordenamento jurídico, de origem humana tal como os seus valores, é avaliável –a montante e a jusante - como justo ou injusto conforme o sistema moral-social que dê o critério de valoração ao avaliador; apenas se constata que a vinculatividade ou existência [vulgo, “validade”] do Direito [direito objetivo] não depende necessariamente da sua concordância com as normas morais vigentes [cf. assim o artigo 8º do nosso CC]. O “Direito da dogmática jurídica ou opinio iuris” [ou Jurisprudência romano-clássica, nada científica ou sistemática, transformada em “jurisciência” nos séculos XIX e XX germânicos, pela doutrina ou dogmática jurídicas] não é “Direito judicial, ou melhor, não é direito objetivo decorrente da jurisprudência dos tribunais”. Por outro lado, não compete à jurisprudência dos tribunais, nem à chamada jurisciência e sua dogmática [“jurisprudência teorética”, suposta herdeira da jurisprudência romana], justificar ou moralizar o Direito existente [cf. assim o artigo 8º do CC]; isto cabe à Ética e à Política do Direito: a valoração ou avaliação moral do direito objetivo é uma necessidade humana, mas não compete à atividade jurídica em sentido próprio de um Estado Constitucional pluralista e de direito democrático [cf., assim, de certo modo, o artigo 8º-2 do CC português: “o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo”].
(4) A que Anton Thibaut chamou, no início do séc. XIX, “o resultado do fundamento da lei”. Savigny, por sua vez, falando em “espírito do povo” [ideia-conceito de Hegel e depois apropriada pelos nazis, incluindo Karl Larenz] e retrocedendo ao morto Direito Romano, misturando Filosofia do Direito e História do Direito com “Direito vigente” e com “conhecimento objetivo do Direito vigente”, acabou por elevar a um grau elevado de preocupação o hoje importante elemento sistemático da interpretação das leis, elemento este que nada tinha a ver com o permanentemente invocado Direito Romano. Neste contexto genético longínquo do nosso artigo 9º do CC, deve-se concluir que toda a jurisciência [uma “quase-descendente” alemã da “jurisprudência” romana, com transmutação da suposta ascendência] e toda a jurisprudência dos tribunais, nas suas muito diferentes funções jurídicas, não têm liberdade para decidir como se devem interpretar os enunciados normativos, já que a interpretação das leis está vinculada à Constituição democrática e demais leis; a interpretação descritiva feita pela chamada ciência jurídica portuguesa e a interpretação prescritiva [ou “autêntica”, na linguagem pura objetiva e rigorosa de Kelsen] feita pelos tribunais portugueses estão, ambas, vinculadas ao disposto no artigo 9º do CC português atual. Pode não ser assim noutros países, mas é assim em Portugal.
(5) Cf. H. KELSEN, Teoria Pura do Direito, trad., 2019, pp. 145 ss.
(6) Devendo destacar-se (1º) que as Administrações Públicas se encontram impedidas de agir sem lei habilitante e (2º) que todo o agir administrativo se deve guiar pela satisfação do interesse coletivo, através do respeito (i) pelo princípio fundamental da juridicidade administrativa - ou seja, obediência ao direito objetivo vigente, à igualdade de tratamento perante a lei, à imparcialidade administrativa objetiva ou positiva, à não desproporcionalidade administrativa como postulado aplicativo, à boa fé objetiva e, talvez residualmente como padrões mínimos de conformidade com a razão justa, à ideia de justiça-razoabilidade – artigos 3º e 6º ss do CPA, e ainda (ii) pelo princípio jurídico da eficiência – artigo 5º do CPA. É que os interesse coletivos a prosseguir, constantes ou emanados da lei habilitante, são sempre o fundamento, o limite e o critério do agir de administração pública - Cf. PAULO OTERO, Manual de Direito Administrativo, I, p. 70.
(7) Isto, porém, num indesejável contexto (i) de uma pluralidade não harmonizada de preceitos normativos sobre a mesma matéria, cada vez mais frequente, e (ii) de uma CRP doutrinária e politicamente desfigurada para uma constituição “light” ou flexível, em detrimento da segurança jurídica de todos e da liberdade confiável para todos.