Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06120/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/28/2013
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Sumário:1. A tutela cautelar, no campo do contencioso tributário estrito, a favor do contribuinte (ou outros obrigados tributários), encontra expressão, explícita, na letra do art. 147.º n.º 6 CPPT, do qual, objetivamente, se retira a ideia central de que o requerente, da providência que identifica pretender, tem de invocar e demonstrar o “fundado receio de uma lesão irreparável”, que possa ser causada pela atuação da administração tributária/at (ou equivalente).
2. Outrossim, é imperioso, mesmo decisivo, atentar em que, no âmbito do direito tributário, por norma, se versam meros interesses patrimoniais, pelo que, para existir prejuízo/lesão irreparável é de exigir estar-se na presença de realidade cuja extensão não possa ser avaliada ou quantificada de forma pecuniária; noutros termos, irreparáveis serão os prejuízos que não se prestem a uma “quantificação pecuniária minimamente precisa”.
3. Sem prejuízo das razões coligidas, pelos requerentes, no sentido de que as normas visadas - artigo 22.º n.º 1 do Regulamento n.º 430/2011, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 135, de 15 de julho de 2011 e do artigo 21.º n.º 1 do Regulamento n.º 481/2011, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 153, de 10 de agosto de 2011 -, a suspender, devem ser consideradas ilegais e, também, inconstitucionais, a impetrada providência cautelar de suspensão da eficácia de normas não reúne as condições, os mínimos requisitos, estabelecidos na lei tributária, para ser concedida.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I
A..., B...e C..., contribuintes n.ºs ..., ...e ..., com os demais sinais dos autos, requereram, junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, contra a CÂMARA DOS SOLICITADORES, ao abrigo do disposto no art. 130.º CPTA, providência cautelar de suspensão da eficácia de normas (regulamentares).
Em síntese, invocam a ilegalidade, dos arts. 22.º n.º 1 Regulamento n.º 430/2011, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 135, de 15 de julho de 2011 e 21.º n.º 1 Regulamento n.º 481/2011, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 153, de 10 de agosto de 2011, por “incompetência do seu autor, por inconstitucionalidade da norma superior em que se baseiam e por violação direta de normas e princípios legais e constitucionais - no seu conteúdo essencial - designadamente o da legalidade, igualdade e proporcionalidade, da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses do cidadão, da justiça, da colaboração da Administração com os particulares.”.
Terminam impetrando a suspensão imediata das normas contidas nos identificados artigos.
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A entidade requerida (Câmara dos Solicitadores) deduziu oposição, sustentando, essencialmente, que a presente providência cautelar deve ser julgada improcedente, por não provada. Outrossim, nos termos e para os efeitos do art. 128.º n.º 1 CPTA, anexou resolução fundamentada, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
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Não foram ordenadas diligências de prova.
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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido de ser julgada procedente a pretensão dos requerentes, com as legais consequências.
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Dispensados, em função da natureza urgente do processo, os pertinentes vistos, compete conhecer.
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II
Com base, entre outros, nos elementos documentais disponíveis nos autos, julgam-se assentes os factos que seguem:
1. Os requerentes exercem as funções de solicitadores, e desde setembro de 2003, as de agentes de execução, com as respectivas inscrições vigentes – art. 1. p.i. e fls. 92 a 94.
2. A requerida (Câmara dos Solicitadores) é uma associação profissional de direito público, dotada de personalidade jurídica e judiciária, com Estatuto aprovado pelo DL. 88/2003 de 26.4., com as alterações do DL. 226/2008 de 20.11. – art. 2. p.i.
3. Os requerentes, desde 2003, tramitaram e tramitam milhares de processos, relativamente aos quais, tendo recebido os honorários pagos pelos exequentes, não se encontra efetuado o respectivo pagamento da permilagem à caixa de compensações – art. 67. p.i.
4. O Presidente da Câmara dos Solicitadores produziu, nos termos e para os efeitos do art. 128.º n.º 1 CPTA, resolução fundamentada, em que decide o seguinte: «
a) Reconhecer a existência de grave prejuízo para o interesse público resultante do impedimento da prática de actos de execução das normas contidas no artigo 21.º, n.º 1, e 22, n.º 1, do Regulamento n.º 430/2011, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 135, de 15 de Julho de 2011, e da norma contida no artigo 21.º, n.º 1, do Regulamento n.º 481/2011, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 153, de 10 de Agosto de 2011;
b) Determinar, ao abrigo dos mesmos preceitos legais, a manutenção dos efeitos das normas dos referidos regulamentos;
c) Por cautela, submeter, nesta data, a presente decisão ao Conselho Geral da CÂMARA DOS SOLICITADORES, a realizar extraordinariamente, para feitos de ratificação/aprovação;
d) (…). » - cfr. fls. 96 segs.
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A tutela cautelar (1), no campo do contencioso tributário estrito, a favor do contribuinte (ou outros obrigados tributários), encontra expressão, explícita, na letra do art. 147.º n.º 6 CPPT (2). Além de aspectos de cariz processual, do conteúdo deste normativo, retira-se, objetivamente, a ideia central de que o requerente, da providência que identifica pretender, tem de invocar e demonstrar o “fundado receio de uma lesão irreparável”, que possa ser causada pela atuação da administração tributária/at (ou equivalente). Perante esta incontornável especificidade é, ainda, imperioso, mesmo decisivo, atentar em que, no âmbito do direito tributário, por norma, se versam meros interesses patrimoniais, pelo que, para existir prejuízo/lesão irreparável é de exigir estar-se na presença de realidade cuja extensão não possa ser avaliada ou quantificada de forma pecuniária; noutros termos, irreparáveis serão os prejuízos que não se prestem a uma “quantificação pecuniária minimamente precisa” (3).
Com estes contornos e princípios orientadores, excursionados os 407 artigos que integram o articulado inicial desta providência cautelar, em matéria de, possíveis, prejuízos alegados, pelos requerentes, além do anúncio, no ponto 45., da ulterior justificação de “prejuízos irreparáveis”, bem como, da alusão, no art. 57., à perda de “80% dos seus clientes”, surge a invocação, em 331., referente “à produção de danos dificilmente reparáveis”. Após, nos arts. 332. a 353., 354. a 378. e 379. a 395., cada um dos requerentes expõe factualidade relativa aos prejuízos que pode vir a registar.
Ora, avaliado o conteúdo fáctico dos três identificados núcleos, descartando as razões do foro pessoal/individual coligidas, com expressão numérica, encerrando algum tipo de quantificação, somente, achamos a alegação, pela requerente A..., de que impedimentos, para o exercício da sua atividade, provenientes das normas visadas, “se estimam em montantes nunca inferiores a € 150.000,00” (341.), pelo requerente B..., de a limitação da atividade ditada pelas normas suspendendas ser “causa direta da perca de mais de 80% dos clientes” (373.) e pelo impetrante C... de que o impacto de uma redução de tarifas cobradas da Fase 1, imposta por pressão dos grandes litigantes, “implicou uma redução na faturação (…) pelo menos de 50%” (389.). Acresce registar que, segundo cálculos dos requerentes, em função do número de processos abrangidos, os montantes a pagar, à requerida, nos termos das disputadas normas regulamentares, seriam, respectivamente, de € 65.000,00, € 230.000,00, € 365.000,00 (4).
Neste cenário, mesmo concedendo que o pagamento destas últimas importâncias pode encerrar algum tipo de prejuízo, enquanto diminuição patrimonial, derivada da necessidade de eventual financiamento, podendo todas as verbas, potencialmente, envolvidas, apresentar uma expressão numérica significativa (5), as lesões, que os requerentes venham a sofrer, como causa adequada e necessária de lhes ser exigido um valor (devido à caixa de compensações) ilegal/inconstitucional e que venha a ser anulado judicialmente, podem sempre, enquanto concernentes a interesses de nítido cunho patrimonial, ser avaliadas ou quantificadas pela via pecuniária.
Registe-se que, nem mesmo a possibilidade de as repercussões, do pagamento exigido pela requerida, virem a atingir a esfera moral daqueles, a conclusão assumida, pelo viável ressarcimento pecuniário dos danos, é susceptível de se mostrar afetada, porquanto, também, nesse quadrante, será, como a lei geral prevê, de avançar com uma compensação em dinheiro.
Destarte, a providência cautelar aprecianda, mesmo excluindo qualquer tipo de pronunciamento sobre as razões coligidas, pelos requerentes, no sentido de que as normas visadas (6), a suspender, devem ser consideradas ilegais e, também, inconstitucionais, não reúne as condições, os mínimos requisitos, estabelecidos na lei tributária, para ser concedida.
Antes de decidir, importa, ainda, dizer que, em função do expendido, quanto ao, inicialmente, identificado pressuposto da verificação de “fundado receio de uma lesão irreparável”, determinante do decesso da pretensão formalizada nos autos, decorre prejudicada a necessidade de apreciar a matéria da “exceção dilatória”, invocada, pela requerida, no art. 308.º da sua oposição, dado a proteção, que a eventual procedência desta conferiria aos desígnios processuais da beneficiária, ser mais ténue.
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III
Pelo expendido, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se indeferir, relativamente aos requerentes, o pedido de suspensão da eficácia do artigo 22.º n.º 1 do Regulamento n.º 430/2011, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 135, de 15 de julho de 2011 e do artigo 21.º n.º 1 do Regulamento n.º 481/2011, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 153, de 10 de agosto de 2011.
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Custas a cargo dos requerentes, em partes iguais (tabela II-A RCP).
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 28 de maio de 2013

ANÍBAL FERRAZ
JORGE CORTÊS
PEREIRA GAMEIRO


1- Incontornável, por imperativo constitucional – art. 268.º n.º 4 CRP.
2- « O disposto no presente artigo aplica-se, com as adaptações necessárias, às providências cautelares (…), devendo o requerente invocar e provar o fundado receio de uma lesão irreparável do requerente a causar pela actuação da administração tributária e a providência requerida. »
3- Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, 5.ª edição, 2007, Áreas Editora, I Vol., pág. 1095.
4- Arts. 335., 356. e 392.
5-Cogitamos, aqui, efeitos económico-financeiros conexos com a afecção que os requerentes alegam decorrer para o exercício da sua atividade profissional, no que respeita à diminuição de clientela e/ou de faturação, os quais, todos, omitiram quantificar, tendo-se limitado a avançar com percentagens, cujo produto não é possível de ser determinado, por falta de indicação da expressão real do número de clientes e/ou dos proveitos auferidos.
6- Estabelecendo que:
“Enquanto não se mostrar comprovado, na aplicação informática GPESE/SISSAE, o pagamento do valor da Fase 1 e, consequentemente, efectuado o pagamento da caixa de compensações, o agente de execução só pode praticar os actos resultantes do artigo 15.º A da Portaria 331-B/2009 de 30/03.” – art. 22.º n.º 1 Regulamento n.º 430/2011.
“Enquanto não se mostrar comprovado, na aplicação informática GPESE/SISSAE, o pagamento dos honorários devidos nos termos da Portaria n.º 708/2003 de 4 de Agosto e, consequentemente, efectuado o pagamento da caixa de compensações, o agente de execução só poderá praticar os actos resultantes do artigo 15.º A da Portaria 331-B/2009 de 30/03, aplicável por força do disposto no n.º 3 do artigo 4.º Portaria n.º 1148/2010 de 4 de Novembro.” – art. 21.º n.º 1 Regulamento n.º 481/2011.