Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10025/13
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/16/2017
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:CONTRATAÇÃO PÚBLICA.
ILEGITIMIDADE ACTIVA.
Sumário:I).Os critérios para a escolha do procedimento pré-contratual estão fixados nos artigos 17.º a 33º do Código dos Contratos Públicos e apenas da violação desses preceitos poderá resultar não ter sido adoptado o procedimento pré-contratual legalmente exigido, pois, no direito adjudicatório vigora o princípio da tipicidade dos procedimentos: salvo quando da lei resulte o contrário, a entidade adjudicante está vinculada a seguir um determinado procedimento, não podendo socorrer-se de outros criados por si, ou seja, estas entidades só podem lançar mão de um procedimento quando se verifiquem os pressupostos de que depende a sua adopção (artigos 24º a 27º, 29º e 30º do CCP).

II). E, por injunção normativa dos artigos 17.º a 33.º do CCP, a selecção do procedimento pré­ contratual é efectuada de acordo com o valor e tipo de contrato em causa, sendo que, de acordo com o disposto no art. 20º n.º 1, al. b), do CCP, relativo, designadamente, aos contratos de aquisição de serviços, a escolha do concurso público ou do concurso limitado por prévia qualificação permite a celebração de contratos de qualquer valor.

III).- Tendo presente o quadro normativo fixado em I) e II), há que aferir que o artigo 40º do CPTA consagra uma regra especial em matéria de legitimidade para a impugnação de contratos administrativos e, para que se concluísse pela aplicação da sua al. c), teria a Autora de ter alegado que o contrato (in casu, o Acordo Quadro) padecia de ilegalidade por não ter sido adoptado o procedimento pré-contratual legalmente exigido.

IV) - Não o tendo feito a Autora porque baseia a ilegalidade do Acordo Quadro exclusivamente na ilegalidade dos requisitos mínimos de capacidade técnica e não alegando ou demonstrando que a Ré não tenha adoptado o procedimento pré-contratual legalmente exigido, em vista do disposto na alínea c) do artº 40º do CPTA, não é parte legítima na acção de invalidação do contrato porque não foi prejudicada pelo facto de o procedimento pré-contratual adoptado não corresponder àquele que a lei determinava para a formação do contrato em apreço.

V) – À luz do antes exposto, o factor de legitimidade do interessado para a acção de invalidação do contrato limita a respectiva causa de pedir, cingindo-a a esse único fundamento, de não ter sido adoptado o procedimento pré-contratual legalmente obrigatório.

VI) – Assim, a legitimidade activa atribuída pela alínea c) do n.º 1 do art. 40º do CPTA, só opera no caso de não ter sido adoptado o procedimento pré-contratual legalmente obrigatório, ou seja, quando o procedimento pré-contratual adoptado não corresponder àquele que a lei determinava para a formação do contrato em apreço.

VII) – Tal impede que a Autora discuta, na acção principal, a legalidade dos requisitos de capacidade técnica definidos na al. b) do art. 8º do PC por carecer de legitimidade para impugnar o Acordo Quadro celebrado.
Votação:COM UM VOTO DE VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I- RELATÓRIO

R……………. - RONDAS E SEGURANÇA, LDA., Pessoa Colectiva nº 507 011 724, m. id. a fls. dos autos, veio, intentar a presente acção administrativa comum, para «anulação do acto de adjudicação efectuado pela Agência Nacional de Compras Públicas» e «concludentemente, anulado o acordo quadro celebrado» e, bem assim, «declarada a nulidade do concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para a prestação de serviços de vigilância e segurança (anúncio de procedimento n.º 3781/2009) por violação das normas legais aplicáveis», Contra a AGÊNCIA NACIONAL DE COMPRAS PÚBLICAS, E.P.E., sita na Rua Laura Alves, nº 4, 1050-198 Lisboa, mais indicando, como contra-interessadas, as seguintes empresas:
1. S…………….. SEGURANÇA, S.A., com sede no Largo do Movimento das …………………., lote 13, …………………, 2610-123 Lisboa;
2. 2……… – G……….. - CONSÓRCIO …………….., com sede na Rua …………….., n°1,2665-291 Malveira;
3. GRUPO …. - ……………….., LDA., com sede na Av. ……………………., nº 23, 1° D, 1749-089 Lisboa;
4. S………………….. - SERVIÇOS …………, S.A., com sede na Rua ………., nº 2, ………………………., 2799-553 Linda-a-Velha;
5. P.……….. - COMPANHIA ……………., LDA., com sede na …………………., nº 326, 1849-006 Lisboa;
6. C………………. - PRESTAÇÃO ………………………., S.A., com sede na Praça ……………….., nº 5-A, 1900-098 Lisboa;
7. P……………- EMPRESA ………………, S.A., com sede na Av. …………………., nº 24, 1400- 343 Lisboa;
8.C…………..- SEGURANÇA ………. S.A., com sede na Rua Dr. …………….., n.0 84 - Edifício Camões - loja 0.10, …………. …………...

Irresignada, com a sentença do TAC de Lisboa que julgou procedente a excepção de ilegitimidade activa, absolvendo, em consequência, a R. e as Contra-Interessadas, da instância, veio recorrer para este Tribunal Central, apresentando alegação e formulando as seguintes conclusões:

“i) Face aos factos dados como provado, impunha-se decisão diversa da recorrida;
ii) O Mº Juiz do Tribunal a quo julgou procedente a excepção da ilegitimidade processual activa da Recorrente absolvendo a Ré e Contra­ interessadas da instância;
iii) A Recorrente entende, que a decisão judicial recorrida quando julga a Autora como parte ilegítima incorreu em erro;
iv) Porquanto a Recorrente terá sempre legitimidade passiva;
v) A Recorrente tem interesse directo e pessoal na impugnação do contrato em causa;
vi) O artigo 40º nº1 al. c) do CPTA confere à Recorrente legitimidade para intentar a presente acção, independentemente de esta ter tomado parte no procedimento que precedeu a celebração do contrato e/ou tiver impugnado as decisões no âmbito desse procedimento (al. d) do referido artigo);
vii) Efectivamente, o artigo 40º abre a legitimidade para a acção sobre a validade ou execução de contratos administrativos, não apenas aos contratantes, mas a todos aqueles que estiveram (ou gostariam de ter estado) no procedimento pré-contratual - neste sentido Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, em Código do Processo nos Tribunais Administrativos, volume I, pág. 282 a 285;
viii) A douta decisão recorrida viola os artigos 7º. 9º, 40º, 41º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
Nestes termos e nos melhores de Direito, conforme douto provimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:
1.- Ser revogada a decisão judicial recorrida, e m consequência, ser julgada improcedente a excepção da ilegitimidade da Recorrente, e
2.- Serem julgadas improcedentes as excepções alegadas pela Ré e contra-interessadas contestantes, e
3.- Ser conhecido o mérito da causa, julgando procedente a acção por provada;
Em alternativa;
4. Ser julgada improcedente a excepção da ilegitimidade da Recorrente, ordenando-se o prosseguimento dos autos para conhecimento do mérito: do pedido da Recorrente.
Fazendo-se, desta forma, a acostumada JUSTIÇA!”

Foram apresentadas contra-alegações pela entidade demandada , com o seguinte quadro conclusivo:

“A Nas suas alegações de recurso jurisdicional, a Recorrente limita-se a reeditar, ipsis verbis, a argumentação expendida na petição inicial, sem impugnar especificadamente - como lhe competia - os pontos concretos da douta sentença recorrida que, no seu entender, contêm errada interpretação e aplicação do direito e que, por essa razão, devem merecer nova ponderação e exame por parte desse Venerado Tribunal Superior.
B Nestes termos, deve ser liminarmente rejeitado o presente recurso, por não terem sido devidamente "indicados os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão'', nos termos do art. 685.º-A, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 1.0 do CPTA (cfr. no mesmo sentido, o douto Acórdão do STA de 12.03.2008, Proc. N.º 0818/07, in www.dgsi.pt), ou, caso assim não se entenda, deve o recurso ser julgado improcedente.
C No que respeita aos fundamentos do recurso, entende a Recorrida que não podem proceder as razões nele invocadas, atentos os fundamentos da Contestação e o manifesto acerto da douta decisão recorrida.
D. Com efeito, é indiscutível que o Tribunal a quo apreciou expressa e fundamentadamente todas as questões que lhe cabia conhecer e analisar, valorando correctamente toda a prova produzida em juízo.
E. No que se refere à invocada "ilegitimidade activa", a Recorrida salientou que a Recorrente, então A, sustentou a sua legitimidade para intentar a acção no art. 40.º, n.º 1, al. c), do CPTA, afigurando-se, porém, à Recorrida que o citado preceito não confere à Recorrente a necessária legitimidade activa para propor a dita acção, na medida em que, no caso vertente, não foi preterido nenhum procedimento pré-contratual obrigatório, conclusão partilhada pelo Tribunal a quo na douta sentença recorrida.
F. Em face do exposto, é por demais evidente que, no presente caso vertente, se verifica a excepção dilatória da "ilegitimidade activa", que é fundamento de rejeição da acção e obsta ao prosseguimento do processo, implicando a absolvição da instância da Recorrida e das Contra-Interessadas (cfr. arts. 89º, nº 1, al. d), do CPTA, 493º, nº 2, 494º, al. e), e 288º, n.º 1, al. d), do CPC ex vi art. 1° do CPTA).
G Nesta conformidade, deve improceder o presente recurso jurisdicional, mantendo-se, nos seus exactos termos, a douta sentença recorrida.
H. Caso assim não se entenda, ou seja, na hipótese de o presente recurso vir a ser julgado procedente - o que se admite como mero raciocínio, sem, contudo, conceder - a Recorrida, requer, nos termos e para os efeitos do art. 684º-A do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA, a ampliação do objecto do presente recurso aos restantes fundamentos da defesa invocados na Contestação, na medida em que, no caso subjudice, apenas um desses fundamentos foi julgado procedente pelo Tribunal a quo.
I Com efeito, entende a Recorrida que, nos presentes autos, se verifica também a excepção da "impropriedade do meio processual" tendo em conta que a Recorrente, para obter a anulação do acordo quadro celebrado em 15.04.2010, impugnou directamente a validade do procedimento pré-contratual adaptado pela Recorrida, mormente os requisitos de capacidade técnica fixados no art. 8º, al. b), do PC, bem como contesta a validade do acto de adjudicação praticado em 12.03.2010.
J Para esse efeito, a aqui Recorrente escolheu como meio processual a acção administrativa comum, sob a forma de processo ordinário, para o efeito, o art. 40.º, n.º 1, al. c), do CPTA.
K Ora, a forma processual utilizada pela Recorrente não se revela correcta, porquanto na acção de anulação do contrato baseada na prática de acto procedimental tido por ilegal, em que se cumula o pedido de anulação desse mesmo acto, a forma processual adequada não é a da acção administrativa comum, mas antes a da acção administrativa especial, devendo fazer-se, nesse caso, as adaptações que se revelem necessárias, conforme determina o art. 5º,nº1, do CPTA.
L. Acresce que a impugnação de actos relativos à formação de contratos, incluindo os documentos conformadores do Concurso, tem de ocorrer, obrigatoriamente, no âmbito da acção administrativa especial de contencioso pré-contratual, cujo regime vem previsto nos arts. 100.º a 103.º do CPTA.
M. Com efeito, a acção de contencioso pré-contratual é o meio processual próprio, e o único adequado, para impugnar os actos relativos à formação de contratos, nos quais se enquadram, como se disse, os actos, os contratos, e o procedimento em causa.
N. Assim, a inadequação do meio processual ou conduz à absolvição da instância por impropriedade do meio escolhido, por se tratar de uma excepção dilatória inominada, que aqui se verifica, obstativa do conhecimento do mérito da causa e que importa a absolvição da instância da Recorrida e das Contra-Interessadas (cfr. arts. 493º,494.º e 288.º , n.º 1, e), do CPC aplicável ex vi art. 1.º do CPTA).
Caso assim não se entenda, o que se admite, sem contudo conceder,
O A Recorrida defende também que, no caso dos autos, se verifica também a excepção dilatória da "inimpugnabilidade do acto", entendimento igualmente confirmado na douta sentença recorrida.
P Com efeito, atendendo aos fundamentos da acção - "pelo facto de não preencher os requisitos técnicos exigidos, a Autora ficou impossibilitada de apresentar a sua proposta de preços a concurso" (cfr. art. 19.º da p.i.) -, afigura-se-nos evidente que, a ter existido um acto lesivo "dos direitos e legitimas expectativas" da Recorrente, esse acto consubstancia-se na deliberação do Conselho de Administração da Recorrida de 31.07.2009, que, entre o mais, aprovou as peças do procedimento, as quais, segundo a Recorrente alega, contêm regras que a impediram de se candidatar ao Concurso e, mais tarde, de apresentar a respectiva proposta.
Q. Temos, pois, como certo que o acto lesivo, com eficácia externa, é a deliberação da Recorrida de 31.07.2009 (na verdade, resulta claro da p.i. que, no entender da Recorrente, os vícios assacadas ao acordo quadro e ao acto de adjudicação derivam, ou são consequentes, das ilegalidades existentes no art. 8.º, al. b), do PC, no que respeita aos requisitos de capacidade técnica a preencher pelos candidatos).
R. Ora, sendo a deliberação da Recorrida de 31.07.2009 que determinou a exclusão da Recorrente do procedimento, esta deveria ter reagido, oportunamente, contra esse mesmo acto, não podendo agora impugnar o acordo quadro com fundamento na ilegalidade de um acto procedimental que, entretanto, se consolidou na ordem jurídica.
S Na verdade, exceptuando todos os outros actos praticados no decurso de um procedimento pré-contratual, o acto de exclusão do procedimento não pode ser impugnado simultaneamente com o acto final do procedimento, na medida em que para o interessado excluído aquele acto já representa a decisão final do procedimento (cfr. 1ª parte do n.º 3 do art. 51.º do CPTA).
T. Resulta do exposto que a deliberação do Conselho de Administração da Recorrida de 31.07.2009 se consolidou na ordem jurídica, tornando-se inimpugnável, ficando também, desse modo, prejudicada a impugnação, quer do acto de adjudicação, quer do próprio contrato.
U Apesar de se entendermos que, ao utilizar a acção administrativa comum para invalidação do contrato, a Recorrente cingiu a causa de pedir "a [um] único fundamento, de não ter sido adaptado o procedimento pré-contratual legalmente obrigatório", sempre se dirá que, de acordo com o disposto no art. 283.º, n.ºs 2 e 3, do CCP, o acordo quadro não poderá ser anulado, porquanto o acto procedimental considerado ilegal pela Recorrente (o que determinou a sua exclusão do procedimento), já se consolidou na ordem jurídica.
V Por conseguinte, a excepção da inimpugnabilidade do acto, prevista na al. c) do n.º 1 do art. 89.º do CPTA, verifica-se sempre que estejamos perante uma situação em que não se achem preenchidos os requisitos (processuais) especificados nos arts. 51.º a 54.º do mesmo Código.
W Está demonstrado nos autos que, por falta de impugnação atempada, a deliberação do Conselho de Administração da Recorrida de 31.07.2009 se consolidou na ordem jurídica, cristalizando todos os seus efeitos, tornando-se, por isso, inimpugnável.
X E, conforme estabelece o n.º 2 do art. 38.º do CPTA, "a acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável."
Y Em face do exposto, verifica-se a excepção dilatória da "inimpugnabilidade do acto", que é fundamento de rejeição da presente acção e obsta ao prosseguimento do processo, implicando a absolvição da instância da Recorrida e das Contra-Interessadas (cfr. arts.89.º, n.º 1, al. c), do CPTA, 493º n.º 2, 494º, al. e), e 288º, n.º 1, al. d), do CPC ex vi art. 1° do CPTA).
Para o caso de assim não se entender, o que se admite, sem contudo conceder,
Z A Recorrida defende que no caso vertente se verifica, também, a excepção da "caducidade do direito de acção". Com efeito, o presente Concurso foi publicitado através dos Anúncios: n.º 215549-2009-PT, publicado no JOUE S 147, de 04.08.2009, e n.º 3781/2009, publicado no Diário da República, 2ª Série, n.º 148, de 03.08.2009.
AA A data relevante para início da contagem do prazo de impugnação é 03.08.2009. Deste modo, o prazo para impugnação das peças concursais terminou em 03.09.2009 (cfr. art. 101.º do CPTA).
BB Com efeito, nos termos dos arts. 100.º, n.º 2, e 101.º, do CPTA, a Recorrente dispunha apenas de um mês para impugnar o referido 8.º do PC, sob pena de caducidade do direito de acção (cfr. neste sentido, o citado Acórdão desse Venerando Tribunal Superior de 29.01.2009, Proc. N.º 04218108, in www.dgsi.pt).
CC Note-se que os processos de contencioso pré-contratual têm carácter urgente (cfr. art.36.º, n.º 1, al. b), do CPTA), correndo, por isso, em férias (cfr. n.º 2 do citado art. 36º).
DD Nesta conformidade, em 18.10.2010, data da propositura da acção principal de contencioso pré-contratual, já o direito da Recorrente a impugnar directamente ou a invocar a ilegalidade do art. 8º do PC se encontrava extinto por caducidade (pelo menos, a partir de 03.09.2009).
EE O mesmo raciocínio aplica-se, ipsis verbis, em relação ao acto de adjudicação praticado em 12.03.2010.
FF Caso se entenda que os autos não dispõem de elementos que permitam saber em que data a Recorrente tomou conhecimento das regras concursais impugnadas - o que se admite sem, contudo, conceder -, sempre será de concluir que esse conhecimento teve lugar, seguramente, até ao termo do prazo para apresentação de candidaturas, ou seja, 17.09.2009 (cfr. art. 13º, n.º 1, do PC).
GG Pelo que, atendendo ao exposto, a data relevante para início da contagem do prazo de impugnação das normas concursais referidas não pode, em caso algum, ultrapassar a data em que terminou o prazo para apresentação das candidaturas.
HH Nesta perspectiva, o prazo para impugnação das peças concursais terminou em 17.09.2009. Logo, não tendo exercitado esse seu direito no prazo devido, tal direito extinguiu-se por caducidade, não podendo vir agora exigir a esse Venerando Tribunal Superior que declare a invalidade do art. 8º do PC ou tão pouco que declare a nulidade do procedimento pré-contratual.
II Note-se que o prazo de um mês previsto no art. 101.º do CPTA é aplicável á impugnação da peça do procedimento, uma vez que, conforme se demonstrou acima, os fins visados pelo legislador com a instituição do meio processual previsto no art. 100.º do CPTA, nomeadamente os que se prendem com a celeridade, estabilidade e segurança jurídica da relações contratuais entre a Administração e os particulares, valem mutatis mutandis quer para a impugnação dos actos administrativos relativos a formação dos contratos quer para a impugnação das peças do procedimento, ou seja, os actos normativos pré­ contratuais.
JJ Aliás, atentos os fundamentos e as conclusões firmadas no recente Acórdão do STA, de 26.08.2009, Proc. Nº 471/09, in www.dgsi.pt, é possível concluir, com segurança, que o prazo para a impugnação de normas constantes da peça concursais - como no caso vertente - é o prazo de um mês fixado no art. 101.º do CPTA
KK Do exposto resulta que, nos presentes autos, não é de admitir a impugnação da apontada norma do PC, uma vez que a mesma não pode ser impugnada «a todo o tempo», caso contrário - o que se admite como mera hipótese, sem contudo conceder -, estar-se-á a violar o disposto nos arts. 100º, n.ºs 1 e 2, e 101º, do CPTA, que estabelecem um regime unitário para todos os casos de contencioso pré-contratual, com o propósito de assegurar a estabilidade e segurança jurídica das relações contratuais entre a Administração e os particulares.
LL Em conclusão, a acção intentada pela Recorrente, em 18.10.2010, é manifestamente extemporânea.
MM.A terminar este ponto, refira-se que, mesmo que se entendesse que a acção administrativa comum era o meio processual adequado para o caso dos autos - e já vimos que não é -, sempre se dirá que a sua apresentação em juízo também foi intempestiva. Com efeito,
NN Dispõe o art. 41.º n.º 2, do CPTA, que "os pedidos de anulação, total ou parcial, de contratos podem ser deduzidos no prazo de seis meses contados da data da celebração do contrato ou, quanto a terceiros, do conhecimento do seu clausulado."
00 Aplicando a doutrina acima enunciada ao caso vertente temos que o contrato foi celebrado em 15.04.2010, pelo que o prazo de seis meses previsto no art. 41.º, nº 2, do CPTA, terminou em 15.10.2010 (cfr. artº 279.º, al. c), do Código Civil). Nesta conformidade, é também extemporânea a acção proposta pela Recorrente em 18.10.2010.
PP Em face do exposto, verifica-se a excepção dilatória insuprível da caducidade do direito de acção (prevista na al. h) do nº 1 do art. 89.º do CPTA), o que obsta ao prosseguimento do processo e implica a absolvição da instância da Recorrida e das Contra-Interessadas (nos termos do disposto na al. e) do n.º 1 do artº 288.º do CPC aplicável ex vi do artº 1º do CPTA).
QQ Ao contrário do que vem alegado, no presente Concurso não foram violados nenhum dos princípios invocados pela Recorrente, nem tão pouco esta o demonstra, ainda que indiciariamente, na sua p.i., nem nas suas alegações de recurso. Na verdade, ao longo de todos os seus extensos arrazoados, a Recorrente não provou qualquer ilegalidade originária do presente Concurso.
RR Em suma: as exigências fixadas nos arts. 8º e 9º do Programa de Concurso não violam os principias da igualdade, da concorrência e da proporcionalidade, nem quaisquer outros. Bem pelo contrário, as regras definidas na apontada norma são perfeitamente adequadas e proporcionais aos fins de interesse público visados com o presente Acordo Quadro.
SS Ao contrário do que a Recorrente invoca - mas não demonstra, ainda que indiciariamente -, os enunciados requisitos coadunam-se plenamente com as regras previstas nos arts. 164º , nº 1, al. h), 165.º, n.º 1, do CCP, bem como nos arts. 23.º, n.º 2, e 48.º, n.º 5, da Directiva 2004118/CE, respeitando, rigorosamente, os princípios norteadores da actividade contratual pública.
TT Saliente-se ainda que ao nível da definição dos requisitos de admissão a concurso, bem como no plano dos requisitos técnicos a satisfazer pela proposta, existe uma certa margem de conformação do procedimento por parte das entidades pública, que também se insere no domínio da designada "discricionariedade técnica".
UU Logo, é a Recorrida que define, incontestavelmente, mesmo em Tribunal (salvo erro absurdo, grosseiro ou manifesto), quais são os critérios e os elementos ou aspectos que lhe permitem a comparação pretendida.
WW Face ao que antecede, e atendendo a que, quer a norma impugnada, quer o acto de adjudicação, e, consequentemente, o acordo quadro, não padecem dos vícios que lhes são assacados, nem de quaisquer outros, devem improceder todos pedidos formulados pela Recorrente.
NESTES TERMOS
Deve o presente recurso ser julgado improcedente, com base na matéria das Contra-alegações, mantendo-se, por conseguinte, a douta sentença recorrida de 15.04.2011, nos seus precisos termos, com as legais consequências, ou, caso assim não se entenda,
Deve ser dado provimento ao Recurso na parte cuja ampliação foi requerida pela Recorrida, julgando-se, em qualquer caso, improcedentes todos os pedidos formulados pela Recorrente, com as legais consequências.”

Também a S…………..e a S……………. apresentaram contra-alegações pugnando, no essencial, pela manutenção do julgado.

O Ministério Público, foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA e silenciou.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
2.- DA FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DOS FACTOS

Na decisão recorrida e para a decisão das excepções suscitadas nos presentes autos, consideraram-se provados os seguintes factos:

“Através do anúncio n.º 3781/2009, publicado na li série do Diário da República de 03.08.2009, foi lançado o "Concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para a prestação de serviços de vigilância e segurança";
B. A entidade adjudicante neste concurso limitado é a aqui Requerida Agência Nacional de Compras Públicas, E.P.E. ("ANCP");
C. A decisão de contratar foi tomada pelo Conselho de Administração da ANCP por deliberação de 31.07.2009 (cfr. artigo 3º do PC do programa do concurso);
D Nos termos dos artigos 1º n.º 2 do Programa de Concurso ("PC") e 2º n.º 2 do Caderno de Encargos ("CE"), o concurso limitado em causa tinha por objecto "a selecção de co­ contratantes no acordo quadro para a prestação dos seguintes serviços de vigilância e segurança em todo o território nacional, ou partes do mesmo:
a) Serviços de vigilância e segurança humana;
b) Serviços de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes;
c) Serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes";
E.O acordo quadro a ser celebrado na sequência do concurso limitado compreendia os seguintes lotes (cfr. artigos 1º n.º 3 do PC e 2º n.º 3 do CE):
a) Serviços de vigilância e segurança humana:
(i) Lote 1 - Prestação de serviços de vigilância e segurança humana na Região Norte;
(ii) Lote 2 - Prestação de serviços de vigilância e segurança humana na Região Centro;
(iii) Lote 3 - Prestação de serviços de vigilância e segurança humana na Região de Lisboa e Vale do Tejo;
(iv) Lote 4 - Prestação de serviços de vigilância e segurança humana na Região do Alentejo;
(v) Lote 5 - Prestação de serviços de vigilância e segurança humana na Região do Algarve;
(vi) Lote 6 - Prestação de serviços de vigilância e segurança humana na Região Autónoma dos Açores;
(vii) Lote 7 - Prestação de serviços de vigilância e segurança humana na Região Autónoma da Madeira;
(viii) Lote 8 - Prestação de serviços de vigilância e segurança humana em todo o território nacional.
b) Serviços de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes:
(i) Lote 9 - Prestação de serviços de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes na Região Norte;
(ii) Lote 10 - Prestação de serviços de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes na Região Centro;
(iii) Lote 11 - Prestação de serviços de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes na Região de Lisboa e Vale do Tejo;
(iv) Lote 12 - Prestação de serviços de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes na Região do Alentejo;
(v) Lote 13 - Prestação de serviços de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes na Região do Algarve;
(vi) Lote 14 - Prestação de serviços de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes na Região Autónoma dos Açores;
(vii) Lote 15 - Prestação de serviços de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes na Região Autónoma da Madeira;
(viii) Lote 16 - Prestação de serviços de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes em todo o território nacional.
c) Serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes:
(i) Lote 17 - Prestação de serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes na Região Norte;
(ii) Lote 18 - Prestação de serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes na Região Centro;
(iii) Lote 19 - Prestação de serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes na Região de Lisboa e Vale do Tejo;
(iv) Lote 20 - Prestação de serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes na Região do Alentejo;
(v) Lote 21 - Prestação de serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes na Região do Algarve;
(vi) Lote 22 - Prestação de serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes na Região Autónoma dos Açores;
(vii) Lote 23 - Prestação de serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes na Região Autónoma da Madeira;
(viii) Lote 24 - Prestação de serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes em todo o território nacional.
F. Nos termos do artigo 1º n.º 4 do PC e 2º n.º s do CE, "O âmbito geográfico definido para os lotes de prestação de serviços é o seguinte:
a) lotes 1 a 7,9 a 15 e17 a 23 - Regiões definidas pelo Nível li das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos (NUTS li);
b) Lotes 8, 16 e 24 - A totalidade do território nacional, incluindo Portugal Continental e Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira"
G. O acordo quadro a celebrar na sequência do concurso limitado tem a duração de dois anos a contar da data da sua entrada em vigor, sendo automaticamente prorrogável por períodos sucessivos de u m ano, até ao limite de quatro anos (cfr. artigo 3.º, n.º 1 do CE);
H. O modelo de qualificação adaptado no concurso limitado era o modelo simples, pelo que seriam qualificados todos os candidatos que preenchessem os requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira (cfr. artigos 7.º e 16.º do PC);
I. Os requisitos de capacidade técnica e de capacidade financeira que os candidatos deveriam preencher para efeitos de qualificação encontravam-se previstos, respectivamente, nos artigos 8.º e 9.º do PC;
J. Para efeitos de capacidade técnica, os candidatos deveriam "comprovar a sua capacidade técnica cumprindo os seguintes requisitos:
a) Para os lotes 1 a 7,9 a 15 e 17 a 23 (lotes regionais):
i) Experiência em prestações de serviços semelhantes ao objecto do presente concurso na Região correspondente ao lote a que se candidata por um valor mínimo de 100.000€ (cem mí/ euros), a pelo menos um cliente institucional ou empresarial e desde que os serviços tenham sido prestados entre 1 de Julho de 2008 e 1 de Julho de 2009;
ii) Os candidatos devem ter, no mínimo, 60 (sessenta) trabalhadores remunerados e registados na declaração de Informação Empresarial Simplificada (IES) de 2008.
b) Para os lotes 8, 16 e 24 (lotes nacionais):
i) Experiência em prestações de serviços semelhantes ao objecto do presente concurso a nível nacional por um valor mínimo de 500.000€ (quinhentos mil euros), a pelo menos um cliente institucional ou empresarial e desde que os serviços tenham sido prestados entre 1de Julho de 2008 e 1de Julho de 2009;
ii) Os candidatos devem ter, no mínimo, 420 (quatrocentos e vinte) trabalhadores remunerados e registados na declaração de IES de 2008" (cfr. artigo 8.º do PC).
K Por seu turno, para efeitos de capacidade financeira, os candidatos deveriam preencher os requisitos previstos no artigo 9.º do PC, ou seja, e em síntese:
(i) Cumprimento da expressão matemática prevista no artigo 9.º n.º 1 a) do PC, em conformidade com o disposto no artigo 165.º n.º 2 e no Anexo IV, ambos do Código dos Contratos Públicos ("CCP");
(ii) Em alternativa, conforme previsto no artigo 9.º n.º 1 b) do PC, apresentação de declaração bancária em conformidade com o disposto no artigo 179.º, n.º 3, al. a) e no Anexo VI do CCP ou, no caso de o candidato ser um agrupamento, prova de que um dos membros desse agrupamento é uma instituição de crédito com sede ou sucursal em Estado membro da União Europeia, conforme o disposto no artigo 179.º n.º 3, al. b) do CCP;
(iii) Adicionalmente, e nos termos do disposto no artigo 9.°, n.° 2 do PC, os candidatos deveriam ainda "cumprir, no mínimo, dois dos três seguintes requisitos de capacidade financeira, consoante os lotes a que se candidatam:
a) A média aritmética do Volume de Negócios, nos exercícios de 2007 e 2008, deve ser superior ou igual a:
i) lotes 1 a 7, 9 a 15 e 17 a 23 - 1.000.000 Eur, nos dois exercícios indicados;
ii) Lotes 8, 16 e 24 - 7.000.000 Eur, nos dois exercícios indicados;
b) A média aritmética da Liquidez Geral nos exercícios de 2007 e 2008 deve ser igual ou superior a 1,1 para qualquer um dos lotes, conforme cálculo constante no Anexo 11-B deste programa de concurso.
c) A média aritmética da Autonomia Financeira nos exercícios de 2007 e 2008 deve ser igual ou superior a 0,25, conforme cálculo constante no Anexo /l-B deste programa de concurso".
L O prazo para apresentação das candidaturas terminava em 17.09.2009 (cfr. artigo 13.°, n.° 1do PC);
M.A Requerente não apresentou candidatura no concurso limitado (artigos 16.º, 19.º, 81º e 144.º da petição inicial);
N Em 17.11.2009, o Conselho de Ad ministração da ANCP deliberou aprovar o Relatório Final da fase de qualificação elaborado pelo Júri do concurso limitado e, em consequência, decidiu pela qualificação dos seguintes candidatos, por lote:
(i) P…………, Empresa ……………….., S.A., para os lotes 1a 5, 8 a 13, 16 a 21e 24;
(ii) S……………. S……………., S.A., para os lotes 1 a 5, 8 a 13, 16 a 21 e 24;
(iii) S……….., Serviços e ………………, S.A., para os lotes 1 a 8 e 17 a 24;
(iv) P………………, ora Contra-interessada, para os lotes 1a 24;
(v) GRUPO……, Vigilância ………………., Lda., para os lotes 1 a 5, 8, 17 a 21 e 24;
(vi) (Agrupamento) 2………., Empresa …………, S.A. e G……….., Empresa de Segurança, Lda., para os lotes 1 a 5, 8 a 13, 16 a 21 e 24;
(vii) C………….., Segurança Privada, S.A., para os lotes 2 a 5 e 18 a 21;
(viii) C……., Prestação ………………., S.A., para os lotes 1a 5, 7 a 13, 15 a 21, 23 e 24.
O Através da mesma deliberação de 17.11.2009, o Conselho de Administração da ANCP concedeu aos candidatos qualificados o prazo de 54 dias para a apresentação das respectivas propostas no concurso limitado;
P Prazo esse que, de acordo com o disposto no artigo 8.º do convite para a apresentação de propostas, terminava em 08.02.2010;
Q Nos termos do disposto no artigo 26.º do PC, a adjudicação seria efectuada de acordo com os critérios da proposta economicamente mais vantajosa (para os lotes 1a 8 e 17 a 24) e do mais baixo preço (para os lotes 9 a 16) (cfr. Documento n.º 2 da Contestação da contra-interessada P…………….);
R Por deliberação de 12.03.2010, o Conselho de Administração da ANCP proferiu a decisão de adjudicação no âmbito do concurso limitado, seleccionando os concorrentes para a prestação de serviços de vigilância e de segurança ao abrigo do acordo quadro a ser celebrado (cfr. Documento n.º 5 da Contestação da contra­ interessada P………………..);
S Na sequência da referida decisão de adjudicação, em 15.04.2010 a AN CP veio a celebrar o correspondente acordo quadro com todos os concorrentes adjudicatários;
T. A decisão de adjudicação foi publicitada no Jornal Oficial da União Europeia n.º 2010/S 76-112882 -JO/S 576, em 20.04.2010 (cfr. artigo 2.0 da petição inicial);
U A acção administrativa comum, n.º 2162/10.0BELSB, de que os presentes autos são instrumentais, deu entrada em tribunal a 10.10.2010 (cfr. carimbo aposto a fls. 3 dos autos).

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2.2.- MOTIVAÇÃO DE DIREITO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA (correspondentes aos artigos 660º nº 2, 664º, 684º nºs 3 e 4 e 690º do CPC antigo).
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelas recorrentes, a questão que cumpre decidir e que é, de resto, de cognição oficiosa, subsume-se a saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento sobre as excepções de que conheceu – ilegitimidade activa e caducidade do direito de acção.
Vejamos se lhe assiste razão.
Antes, porém, cumpre arredar a operância da questão prévia suscitada pela recorrida nas suas contra-alegações e consistente em que nas nas suas alegações de recurso jurisdicional, a Recorrente se ter limitado a reeditar, ipsis verbis, a argumentação expendida na petição inicial, sem impugnar especificadamente - como lhe competia - os pontos concretos da douta sentença recorrida que, no seu entender, contêm errada interpretação e aplicação do direito e que, por essa razão, devem merecer nova ponderação e exame por parte desse Venerado Tribunal Superior.
Entende a recorrida que por tal motivo deve ser liminarmente rejeitado o presente recurso, por não terem sido devidamente "indicados os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão'', nos termos do art. 685.º-A, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA (cfr. no mesmo sentido, o douto Acórdão do STA de 12.03.2008, Proc. N.º 0818/07, in www.dgsi.pt), ou, caso assim não se entenda, deve o recurso ser julgado improcedente.
Ora, accionando os princípios da tutela jurisdicional efectiva, do proactione ou anti-formalista que encontra consagração constitucional e legal (artº 20º da CRP e 7º do CPTA), mediante a leitura atenta do corpo alegatório e das conclusões que o condensam, concluímos que não procede essa questão prévia obstativa do conhecimento do próprio recurso porquanto é facilmente perceptível daquela peça que nela a recorrente manifesta discordância quanto à ocorrência das excepções suscitas e conhecidas na decisão recorrida ainda que o faça por apelo a tudo quanto em conexão com essas questões alegou no articulado inicial.
Termos em que não procede a questão prévia suscitada pela recorrida, impondo-se conhecer do mérito do recurso.
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A sentença recorrida delimitou o objecto da acção referindo que a Autora intentou a presente acção administrativa comum, pedindo, a final:
- A anulação do acto de adjudicação efectuado pela Agência Nacional de Compras Públicas;
- A anulação do acordo quadro celebrado e, bem assim,
- A declaração de nulidade do concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para a prestação de serviços de vigilância e segurança (anúncio de procedimento n°3781/2009) por violação das normas legais aplicáveis.
Com base nessas evidências, concluiu o Mº Juiz, e bem, que a Autora funda a ilegalidade do acto de adjudicação e do Acordo Quadro em ilegalidades do Programa do Concurso, designadamente, na ilegalidade dos requisitos mínimos de capacidade técnica que foram fixados isso cfr. artigos n.º 20.° a 28.º da petição inicial.
De seguida, assinala que a Autora e ora recorrente, funda a sua legitimidade para a presente providência no artigo 40° n°1 al. c) do CPTA, alegando, em síntese, que foi prejudicada «por não ter sido adoptado o procedimento pré-contratual legalmente exigido e ter fixado requisitos mínimos de capacidade técnica desadequados à natureza das prestações objecto do contrato a celebrar e discriminatórios» (artigos 3.º a 5.º da petição inicial).
Com esse enfoque, na sentença recorrida julgaram-se verificadas duas excepções: a ilegitimidade activa e a caducidade do direito de acção, exactamente por essa ordem.
De todo o modo, só uma análise mais ligeira dessas excepções e respectivas consequências jurídico-processuais é que explicam que se haja conhecido da segunda (caducidade do direito de acção) quando a procedência da primeiramente conhecida implicava que o Mº Juiz se abstivesse de conhecer da segunda.
Isso mesmo foi reconhecido implicitamente pelo Mº Juiz a quo no dispositivo em que só refere a consequência jurídico-processual decorrente da declaração de ilegitimidade activa, a saber: ”Nestes termos, julga-se procedente a excepção de ilegitimidade activa, absolvendo-se, em consequência, a R. e as Contra-Interessadas, da instância.”
E, na verdade, o nº 1 do artº 9º do CPTA, embora consagre um princípio geral de legitimidade activa por referência à titularidade da relação jurídica administrativa, salvaguarda expressamente o regime específico aplicável à acção sobre contratos regulada no artº 40º do mesmo Código e o disposto no âmbito da acção administrativa especial.
E na sentença foram respeitadas rigorosa e irrepreensivelmente essas distinções, como flui escorreito do discurso fundamentador nela vertido e que, no que tange à apreciação da legitimidade activa, se passa a excertar:
“Da ilegitimidade activa
A Autora intentou a presente acção administrativa comum, pedindo, a final:
- A anulação do acto de adjudicação efectuado pela Agência Nacional de Compras Públicas;
- A anulação do acordo quadro celebrado e, bem assim,
- A declaração de nulidade do concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para a prestação de serviços de vigilância e segurança (anúncio de procedimento n.° 3781/2009) por violação das normas legais aplicáveis.
A Autora funda a ilegalidade do acto de adjudicação e do Acordo Quadro em ilegalidades do Programa do Concurso, designadamente, na ilegalidade dos requisitos mínimos de capacidade técnica que foram fixados (cfr. artigos n.º 20.° a 28.º da petição inicial).
Por seu turno, funda a sua legitimidade para a presente providência no artigo 40.° n.°1 al. c) do CPTA, alegando, em síntese, que foi prejudicada «por não ter sido adoptado o procedimento pré-contratual legalmente exigido e ter fixado requisitos mínimos de capacidade técnica desadequados à natureza das prestações objecto do contrato a celebrar e discriminatórios» (artigos 3.º a 5.º da petição inicial).
Vejamos.
O artigo 40º do CPTA consagra uma regra especial em matéria de legitimidade para a impugnação de contratos administrativos.
Para que se concluísse pela aplicação do artigo 40 nº 1 al. c) teria a Autora de ter alegado que o contrato (in casu, o Acordo Quadro) padecia de ilegalidade por não ter sido adoptado o procedimento pré-contratual legalmente exigido, o que, em bom rigor, não fez.
Na verdade, a Autora baseia a ilegalidade do Acordo Quadro exclusivamente (na) ilegalidade dos requisitos mínimos de capacidade técnica (artigos 20.º a 28.º da petição inicial), constatando­ se, da leitura da petição inicial, que não é alegado ou demonstrado que a R. AGÊNCIA NACIONAL DE COMPRAS PÚBLICAS não tenha adoptado o procedimento pré-contratual legalmente exigido, pese embora seja tal invocado no citado artigo 2º do requerimento inicial.
Com efeito, a Autora invoca apenas que «O acto administrativo em causa não adoptou o procedimento pré-contratual legalmente exigido, tendo fixado requisitos mínimos de capacidade técnica desadequados, o que constitui uma violação da lei» (artigo 26.º do petição inicial), e que, «Ao fixar, como fixou, os requisitos mínimos de capacidade acima descritos, a Ré não adoptou o procedimento pré-contratual legalmente exigido e baseou-se num critério discriminatório» (artigo 65.º da petição inicial).
Os critérios para a escolha do procedimento pré-contratual estão fixados nos artigos 17.º a 33º do Código dos Contratos Públicos (doravante CCP).
Apenas da violação desses preceitos poderá resultar não ter sido adoptado o procedimento pré-contratual legalmente exigido, pois, no direito adjudicatório vigora o princípio da tipicidade dos procedimentos: salvo quando da lei resulte o contrário, a entidade adjudicante está vinculada a seguir um determinado procedimento, não podendo socorrer-se de outros criados por si, ou seja, estas entidades só podem lançar mão de um procedimento quando se verifiquem os pressupostos de que depende a sua adopção (artigos 24º a 27º, 29º e 30º do CCP).
Como se afere do teor dos referidos artigos 17.º a 33.º do CCP, a selecção do procedimento pré­ contratual é efectuada de acordo com o valor e tipo de contrato em causa.
E, de acordo com o disposto no art. 20º n.º 1, al. b), do CCP, relativo, designadamente, aos contratos de aquisição de serviços, "a escolha do concurso público ou do concurso limitado por prévia qualificação permite a celebração de contratos de qualquer valor (...)».
Sobre esta questão a doutrina tem pacificamente reconhecido que a escolha da entidade adjudicante entre concurso público e concurso limitado é uma decisão livre e discricionária, neste sentido, cita-se a título meramente exemplificativo: MARGARIDA OLAZABAL CABRAL, "Procedimentos clássicos no Código dos Contratos Públicos'', in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 64, Julho/Agosto de 2007, página 19; ANA GOUVEIA MARTINS, "Concurso limitado por prévia qualificação", in Estudos de Contratação Pública - 1, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, página 241, e MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2.ª edição, Dom Quixote, Lisboa, 2009, página 347.
Pelo que, a ilegalidade dos requisitos de qualificação especificamente adoptados no âmbito do procedimento seleccionado (in casu, a alegada ilegalidade dos requisitos mínimos de capacidade técnica no Concurso Limitado por Prévia Qualificação) não se confundem com a escolha do tipo de procedimento.
A Autora não alega que a escolha do procedimento de Concurso Limitado por Prévia Qualificação viole o disposto nos artigos 17.º a 33.º do CCP, limitando-se a invocar a ilegalidade dos requisitos mínimos de capacidade técnica consagrados (artigos 26.º e 65.º da petição inicial).
Pelo que, deveria, ter impugnado o acto de abertura do concurso, para que pudesse então beneficiar da impugnação, originária ou superveniente, da possibilidade de impugnação do contrato.
Ou seja, o CPTA permite que as invalidades decorrentes de ilegalidades cometidas pela Administração em momento anterior ao da celebração do contrato possam ser accionadas por quem tenha sido lesado nos seus direitos ou interesses, mas atribui, nestes casos, legitimidade activa, apenas, a quem, tendo tomado parte no procedimento que precedeu a celebração do contrato, tiver impugnado as decisões tomadas no âmbito desse procedimento (artigo 40º, nº 1, alínea d)).
Esta é a situação mais evidente e também será a mais frequente, a de um candidato preterido num concurso e que considera que o concurso está inquinado de ilegalidades que comprometem a validade do contrato que, na sequência dele, venha a ser celebrado. Esse candidato não só pode impugnar os actos pré-contratuais que considere ilegais, como, se tiver efectivamente procedido a tal impugnação, também pode impugnar o contrato, fazendo valer a invalidade (consequente) que para ele resulta das ilegalidades cometidas durante o procedimento pré-contratual. Mas esta legitimidade activa é atribuída, como se viu, ao(s) candidato(s) ao concurso e não a quem não tenha concorrido, como é o caso da Requerente.
A este propósito, CARLOS CADILHA, entende que, mesmo ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 40º do CPTA «Um concorrente num procedimento pré-contratual não dispõe de legitimidade para propor uma acção fundada na invalidade consequente do correspondente contrato se não tiver procedido à tempestiva impugnação do acto administrativo cuja ilegalidade compromete a validade do contrato. De outro modo, a acção seria utilizada para obter um fim que não pode ser obtido sem a anulação do acto pré-contratual, ao que claramente obsta o disposto no artigo 38°, nº 2.» (sublinhados nossos).
Acresce que, não tendo Autora apresentado a sua candidatura ao concurso em causa (cfr. alínea M) da matéria de facto), apenas podia fundar a sua legitimidade activa, na citada alínea c) do n.º 1 do art. 40.º do CPTA, pois esta alínea e).
Sobre esta matéria, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA in, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª Edição Revista, Almedina, 2010, pág. 265:
"O CCP, que hoje estabelece a disciplina aplicável à contratação pública, enuncia os tipos de procedimentos a observar, bem como os critérios que devem presidir à escolha do tipo de procedimento a adoptar em cada caso concreto, e que podem abranger, de acordo com o tipo de contrato em causa, o ajuste directo, o concurso público, o concurso limitado por prévia qualificação, o procedimento de negociação ou o diálogo concorrencial. A opção ilegal pelo a juste directo em detrimento de qualquer outra das modalidades procedimentais ou a utilização de um procedimento por negociação ou de um concurso limitado com preterição do regime de concurso público, podem ter como consequência a exclusão. à partida, de um potencial interessado na adjudicação do contrato, impedido de apresentar uma proposta em concorrência com outros possíveis candidatos.
Nestas circunstâncias, sem a necessidade de impugnar, seja o acto de escolha do tipo de procedimento, seja o acto de adjudicação, o lesado propor uma acção administrativa comum directamente dirigida a obter a anulação do contrato.» (sublinhados nossos).
Veja-se, no mesmo sentido, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA3 in, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Volume 1, Almedina, 2004, pág. 284:
"V. Nos termos da alínea c), é parte legítima na acção de invalidação do contrato quem tenha sido prejudicado pelo facto de o procedimento pré-contratual adoptado não corresponder àquele que a lei determinava para a formação do contrato em apreço.
A estatuição desta alínea funciona em qualquer sentido: tanto serve para anular um contrato celebrado por ajuste directo (ou por concurso limitado), quando o devia ser por concurso público - caso em que o interessado deverá demonstrar que reunia as condições legais para participar neste -, como para anular um contrato celebrado por concurso, se o autor invoca o direito a esse contrato (por gozar de um exclusivo, por exemplo), hipótese em que o mesmo devia ser celebrado por ajuste directo.
Mas, se é assim, então o factor de legitimidade do interessado para a acção de invalidação do contrato limita a respectiva causa de pedir, cingindo-a a esse único fundamento, de não ter sido adoptado o procedimento pré-contratual legalmente obrigatório.» (sublinhado nosso).
Pelo que, se conclui que a legitimidade activa atribuída pela alínea c) do n.º 1 do art. 40º do CPTA, só opera no caso de não ter sido adoptado o procedimento pré-contratual legalmente obrigatório, ou seja, quando o procedimento pré-contratual adoptado não corresponder àquele que a lei determinava para a formação do contrato em apreço.
E tal significa, na prática, uma limitação da causa de pedir da acção comum de impugnação do contrato intentada ao abrigo da citada alínea c), pelo que, teremos de concluir também que a Requerente não pode pretender discutir, na acção principal, a legalidade dos requisitos de capacidade técnica definidos na al. b) do art. 8º do PC, como o veio, efectivamente, a fazer.
Face ao que antecede, carece a Requerente/Autora de legitimidade para impugnar o Acordo Quadro celebrado em 15.04.2010, ao abrigo da al. e) do n.º 1 do art. 40º do CPTA.”
Antecipa-se que este tribunal inteiramente o sufraga o fundamentado e decidido, com os complementos a seguir expressos, salvo no que se refere à abstenção do conhecimento dos demais fundamentos por imperativo legal decorrente da declaração da ilegitimidade activa.
Com efeito e como já se disse supra, o nº 1 do artº 9º do CPTA, estabelece um princípio geral de legitimidade activa por referência à titularidade da relação jurídica administrativa embora com preconize expressamente o regime específico aplicável à acção sobre contratos regulada no artº 40º do mesmo Código e o disposto no âmbito da acção administrativa especial.
Ora, é por demais manifesto que do art. 40.º, n.º 1, al. c), do CPTA, não se retira que à Autora assista legitimidade para propor a acção pela singela mas determinante razão de que não houve a preterição de qualquer procedimento pré-contratual obrigatório.
Donde que, acolhendo de pleno os fundamentos da sentença sobre a questão da ilegitimidade a que acresceram as razões acabadas de precisar, confirma-se a mesma o que implica que, por mor da verificação da excepção dilatória da ilegitimidade activa, que era fundamento de rejeição da acção e obsta ao prosseguimento do processo, se declare a absolvição da instância da Recorrida e das Contra-Interessadas (cfr. arts. 89º, nº 1, al. d), do CPTA, 493º, nº 2, 494º, al. e), e 288º, n.º 1, al. d), do CPC ex vi art. 1° do CPTA) e que, contrariamente ao que na mesma se procedeu, haja abstenção do conhecimento das excepções da caducidade do direito de acção e da impropriedade do meio processual principal utilizado.

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3. DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os juízes deste TCA Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida com a fundamentação supra expressa.

Custas pela recorrente.

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Lisboa, 16 de Fevereiro de 2017

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(Gomes Correia)

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(António Vasconcelos)

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(Pedro Marchão)Voto de vencido
Salvo o devido respeito, não subscrevo a posição que logrou vencimento.
De acordo com o art. 40º, nº1, al. c), do CPTA, o facto de não ter apresentado proposta não retira legitimidade processual ao interessado, sendo a este exigível uma alegação mínima que permita caracterizar o seu interesse na impugnação da norma do concurso.
No caso, compulsada a causa de pedir constante da p.i., retira-se que vem alegado esse interesse e o prejuízo para a esfera jurídica da A.: art.s 5º, 7º a 18º, 34º, 35º 47º, 137º e 146° e, principalmente, os art.s 19º e 144ºº, Ou seja, a A. não pretende apenas um controle estrito de legalidade - se fosse o caso, faleceria a sua legitimidade activa -, mas invoca a violação da sua posição jurídica subjectiva (derivada, é certo, da ilegalidade que invoca).
Assim sendo, entendo que é parte legítima, contrariamente ao decidido.
Lisboa, 16.02.2017
Pedro Marchão Marques