Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9060/15.9BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/04/2020
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IRC
CUSTOS
COMPROVAÇÃO
Sumário:Em sede de IRC, para efeitos de determinação do lucro tributável, admite-se que, no caso de inexistência de documento de origem externa, a prova dos custos possa ser feita por documento interno, que deverá conter os elementos essenciais das facturas, desde que a veracidade da operação subjacente seja inequivocamente assegurada por outros meios de prova.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


l – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário (TT) de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela M... – Sociedade de E..., S.A., contra o acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) nº8..., do exercício de 1995, na parte referente à correcção efectuada à “linha 14 do Q. 20 da DC. Mod. 22, no valor de 4.118.396$00”, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

«I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M..., Sociedade E..., SA, contra a liquidação adicionais de IRC do exercício de 1995, por não se conformar com a correcção efectuada a linha 14 do Q. 20 da DC. Mod. 22, no valor de 4.118.396$00.

II. Na base da liquidação adicional de IRC, estão correcções resultantes da não aceitação como custos de despesas cujas facturas justificativas não reúnem os requisitos previstos no art°35° do CIVA, mais concretamente, não indicam a denominação social da impugnante, nem sequer o seu numero de identificação fiscal.

III. Pese embora assim se verifique, considerou o tribunal a quo "...que os documentos que suportam as ditas "despesas de representação", acrescidos da prova do efectivo pagamento pela impugnante e, sendo realizadas no interesse e por causa da actividade da impugnante, devem ser aceites nos termos do art°41°, n°1 al. h) CIRC."

IV. Com tal entendimento não nos podemos conformar, porquanto entendemos que a sentença de que ora se recorre padece não só da incorrecta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação da lei.

V. Assim, entendemos que o decisor não fez uma correcta interpretação da lei ao considerar que as normas contidas no Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas, não obrigado à observância de requisitos tão exigentes como os previstos no art°35° do CIVA, não impõem, à documentação justificativa dos custos declarados, quaisquer elementos identificativos do sujeito passivo que os suporta.

VI. Isto é, em nossa opinião, ao considerar que "...à data do facto tributário a lei não impunha requisitos específicos a que devia obedecer a documentação da despesa, i.e., não decorre do CIRC qualquer exigência de forma quanto aos documentos que suportam este tipo de gastos, e por isso, a correcção não poderá manter-se tendo em conta este fundamento" não cuidou o decisor de observar, de acordo com o que dispõe a art°98, n°3, al. a), do CIRC, sob o titulo Obrigações contabilísticas das empresas se refere, que "todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de ser apresentados sempre que necessário";

VII. Ora assim sendo, consideramos que a total ausência de identificação da impugnante nos documentos de suporte dos custos declarados, não pode deixar de ser considerada impeditiva da sua dedução fiscal, porquanto não cumpre a necessidade de as despesas serem devidamente documentadas.

VIII. Alias, atento a necessidade de comprovação prevista no art°41° do CIRC, o nosso entendimento aqui exposto encontra reconfortante apoio no Parecer do Ministério Publico datado de 2005.02.03, e constante dos autos a fls 146 e ss, em que se refere que "As despesas de representação em causa, traduzidas em despesas de refeições e combustíveis, a nosso ver, não estão devidamente documentadas. (...) Efectivamente, não consta das facturas respectivas o nome do adquirente dos bens ou serviços...".

IX. Consideramos ainda que se impunha decisão diversa porquanto convêm não olvidar que as exigências formais em sede de comprovação de custos visam propiciar à Administração Fiscal um eficaz controlo das relações económicas quer do lado do adquirente quer do fornecedor, uma vez que à revelação de um custo para um agente, contrapõe-se um proveito para o outro, ora a não exigência mínima de identificação do sujeito passivo nas facturas, levaria à total impossibilidade do cumprimento de tal desiderato.

X. Mas ainda, e para além do vício de violação da lei imputado, que a nosso ver, não poderia deixar de levar a improcedência da impugnação, consideramos que a decisão tomada se encontra inquinada de erro de apreciação da prova no sentido em que analisando parte das facturas não aceites como custos o decisor assume a legalidade de todas as outras.

XI. Ou seja, atento à prova efectivamente produzidas nos autos, não poderemos deixar de concluir que não foram efectivamente analisadas todas as facturas cujas irregularidades já mencionadas levaram a desconsideração do custo.

XII. Ora, é nossa convicção que a decisão de procedência total da presente impugnação, obrigava o decisor a uma análise exaustiva dos documentos que justificam os custos não aceites, ate porque a justificação apresentada para cada um deles é bastante diversa.

XIII. Ou seja, afirma-se na sentença de que se recorre que os custos incorridos encontram justificação na política de Marketing da impugnante que " ...implicava o pagamento de almoços aos seus clientes...".

XIV. No entanto, na informação contida no verso de algumas das facturas refere-se que tais almoços foram realizados com funcionários de bancos e de sindicatos.

XV. Assim, a menos que tais pessoas representem clientes da impugnante a fundamentação da decisão padece de erro de apreciação da prova.

XVI. Por fim, veio a RFP em sede de alegações, referir a necessidade de se verificar o momento em que a informação contida no verso das facturas ai foi inscrita.

XVII. Isto porque quer das fotocópias das facturas juntas ao relatório de inspecção tributária, quer aquelas juntas aos autos no início do processo, não é possível verificar do seu rosto que existe algo escrito no seu verso.

XVIII. No entanto, das fotocópias das mesmas facturas juntas após a inquirição de testemunhas, já se verifica que o verso das mesmas facturas é possível verificar que há algo inscrito no seu verso.

XIX. Razão pela qual se nos afigura que os escritos que actualmente se encontram nas referidas facturas lá foram inscritos em momento posterior.

XX. Aliás essa é, em nossa opinião, a única razão pela qual a impugnante não veio apresentar tal justificação em sede de inspecção tributaria.

XXI. Ora, tendo a decisão, de que ora se recorre, sido fundada em tal documentação, é nossa convicção que a mesma padece de erro de apreciação da prova produzida, porquanto entendemos que a livre apreciação da prova não pode deixar de encontra limite na inconsistência resultante da documentação junta aos autos.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão recorrida ser revogada e a impugnação judicial declarada totalmente improcedente.

PORÉM V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1. A impugnante, M... Sociedade de E..., SA, é uma sociedade anónima com sede em território português, que exerce a título principal a atividade de serviço público de movimentação de cargas, CAE 63110 - cfr. fls. 17 a 20 do processo administrativo em apenso aos autos:

2. Na sequência de análise interna à declaração de rendimentos do exercício de 1995, foram efetuadas correções aos custos - cfr. fls. 17 20 do processo administrativo em apenso aos autos:

3. A A. T. acresceu ao lucro tributável do exercício de 1995, o valor de Esc.4.118.396$00, correspondente a despesas de representação pagas através de cartão VISA, com o seguinte fundamento "encontram-se indevidamente documentadas, pelo que não são dedutíveis para efeitos fiscais, nos termos da al. h) do artº41° do CIRC" - cfr. fls. 17 20 do processo administrativo em apenso aos autos e fls. 73 a 76 dos autos;

4. Em 03/08/1999, através do Oficio n°20779 da A.T., foi remetido à, ora impugnante, notificação da fundamentação das correções efetuadas à liquidação de IRC do exercício de 1995 com o respetivo D.C. Mod. 22/95 - cfr. fls. 73 a 76 dos autos;

5. Em 27/05/1999, é efetuada a liquidação adicional do exercício de IRC/95, com n°8..., apurando o imposto a pagar no valor de Esc. 3.029.911$00 (€15.115,13) - cfr. fls. 61 dos autos;

6. A liquidação adicional, referida no ponto anterior, tem data limite de pagamento de 04/08/1999 - cfr. fls. 61 dos autos;

7. Não tendo sido efetuado o pagamento voluntário do imposto, foi extraída certidão de dívida e instaurado o processo de execução fiscal com n°3328-01/1… - cfr. fls. 172 a 176 dos autos;

8. Em 04/10/2001, o Chefe do Serviço de Finanças declara extintos os autos de execução fiscal, referido no ponto anterior, por pagamento efetuado nos termos do D. L. 124/96, de 10 Agosto - cfr. fls. 186. dos presentes autos;

9. As facturas/recibos do ano de 1995 constantes da contabilidade da M... Sociedade de E..., SA, reportados a almoços e a abastecimento de combustível, não identificam o nome, morada ou número de contribuinte do adquirente dos bens e serviços, sendo certo que no verso de alguns desses recibos, é feita alusão ao banco e ao cliente com quem o administrador da impugnante almoçou - cfr. fls. 323 a 400 dos autos e depoimento da testemunha C...;

10. Essas facturas/recibos encontram-se suportados pelo pagamento efetuado através de cartão de crédito da empresa/impugnante respetivos extratos bancários referentes aos dois cartões de crédito - cfr. depoimento da testemunha C...;

11. Era prática da empresa/impugnante, que os seus administradores, que possuíam cartão de crédito da empresa, realizassem despesas de representação da empresa, nomeadamente, levando os seus clientes a almoçar, considerado como uma efetiva operação de Marketing no sector de atividade em que se encontravam - cfr. depoimento da testemunha L... e da testemunha C...;

12. Contabilisticamente, essas faturas eram conferidas com os respetivos extratos bancários de cada cartão de crédito (dois cartões) - cfr. fls. 329, 346, 384 e depoimento da testemunha C....

II. 2- DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.

II.3 - MOTIVAÇÃO

A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e expressamente referidos no probatório supra e, com base nos depoimentos das testemunhas, L... e C..., cujos depoimentos foram credíveis e encontram-se em harmonia com a restante prova, nomeadamente de origem documental.»


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- De Direito

No caso em apreciação, a questão decidenda consiste em saber se a Recorrida tinha, ou não, o direito a considerar como custos fiscalmente relevantes, no exercício de 1995, os valores pagos através do cartão Visa respeitantes a despesas com refeições e com o abastecimento de combustíveis.

Antes de prosseguir, importa ter presente que a dilucidação de tal questão se tem de operar, exclusivamente, por referência à fundamentação, formal e substancial, em que a AT se ancorou para proceder às correcções em causa. Em concreto, e tal como consta do Mapa de Apuramento Mod. DC 22 a que se reportam os pontos 3 e 4 do probatório, tal fundamentação corresponde apenas ao seguinte: “Linha 14, Esc. 4.118.369$00 – referem-se a despesas pagas através de cartão Visa, despesas de representação, cujos suportes se encontram indevidamente documentados (artigo 41º, al. h) do CIRC)”.

Assim sendo, torna-se incontornável a conclusão de que as correcções em causa, operadas pela AT, se ancora(ra)m apenas (e só) na insuficiência da documentação das despesas em questão (consumo de combustível e refeições), nos termos do preceituado na alínea h), do n.º 1, do artigo 41.º, do CIRC, na redacção em vigor à data dos factos. Consequentemente, não cabe aqui indagar se tais custos, uma vez assentes, foram ou não indispensáveis à realização dos proveitos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora, pois – repete-se – os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) não fizeram assentar a apontada correcção em fundamentação relativa à indispensabilidade dos custos, nos termos previstos no artigo 23º do CIRC.

Nesta vertente do problema “tem-se por pacífico o entendimento, quer doutrinal, quer jurisprudencial que, mau grado os custos incorridos devam estar suportados pelos documentos externos respectivos, na medida em que adequados a conferirem-lhes credibilidade e, na medida em que compondo uma contabilidade legalmente organizada, à luz do direito (comercial, fiscal e contabilístico), criadores de uma presunção de verdade, a circunstância de o não estarem não tem, necessária e vinculadamente, a respectiva desconsideração no apuramento do lucro tributável, em consonância da prevalência da substância sobre a forma, no sentido de que o que, nuclearmente, releva, para o direito fiscal, é o apuramento da efectiva realidade acontecida e relevante para efeitos de tributação” – cfr. ac. do TCA Sul de 13/10/09, processo nº 2305/08.

No mesmo sentido, o ac. deste Tribunal, de 01/06/04, tirado no processo n.º 6.615/02, e onde se escreveu, além do mais, que “[...] contrariamente ao que acontece em sede de IVA para efeitos de dedução (onde apenas se admite que seja deduzido o imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes que respeitem os requisitos formais do art. 35.º, n.º 5, do CIVA - cfr. art. 19.º, n.º 2, do CIVA), já em sede de IRC, para efeitos de determinação do lucro tributável, admite-se que, no caso de inexistência de documento de origem externa (nos casos em que este devesse existir), a prova dos custos possa ser feita por documento interno, que deverá conter os elementos essenciais das facturas, desde que a veracidade da operação subjacente seja inequivocamente assegurada por outros meios de prova. Independentemente, pois, da questão de saber se é, ou não, admissível a prova de um custo exclusivamente com base em prova testemunhal [...], não se nos afigura correcta a afirmação, sem mais, de que, face ao disposto no art. 41.º n.º 1 al. h) do CIRC, haja de improceder a impugnação, com fundamento apenas em que este normativo não permite a dedução fiscal dos encargos não devidamente documentados, mesmo quando contabilizados como custos”.

Isto mesmo parece, também, ter sido o entendimento da Mma. Juíza a quo, face ao discurso da sentença aqui em apreciação, tal como consta de fls. 428 e ss dos autos. Com efeito, aí se lê, entre o mais, que:

“A al. h), do n°1, deste preceito (art°41, do C.I.R.C.), concretamente, não permite a dedução, para efeitos de determinação do lucro tributável, além do mais, dos encargos não devidamente documentados.

E, despesas não documentadas são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico.

Por sua vez, as despesas não devidamente documentadas serão aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação (cfr.F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, ob.cit., pag.347). Nesse aspeto, se pode defender que o preceito em análise (art°.41, n°1, al.h), do C.I.R.C.) constitui um afloramento do princípio da prova legal, dado exigir uma formalidade especial (prova documental) formalidade esta que não pode ser dispensada (cfr.art°s.364 e 393, do C.Civil; art°.655, n°.2, do C.P.Civil; ac.S.T.A.-2a.Secção, 6/10/99, Ac.Dout, n°.463, pág.969 e seg.).

Dos autos resulta que as despesas de representação encontram suporte documental, pois apoiam-se nas faturas/recibos, porém apenas não identificam a impugnante.

Mas tal insuficiência não basta para corrigir com o fundamento do artº41°, n°1 al.h) CIRC.

Na verdade, o formalismo dos documentos para efeitos de IRC não é idêntico ou tão exigente como o que perpassa nos termos do disposto no artº35° do CIVA.

O formalismo dos documentos do IVA não é transposto para o IRC, imposto que ora está em causa.

E, apesar das facturas/recibos e talões de restaurante não identificarem o contribuinte/impugnante podem utilizar-se outros meios de prova para o efeito.

O custo não devidamente documentado pode relevar fiscalmente se o contribuinte/impugnante provar, por qualquer meio admissível, a efetividade da operação e o montante do gasto (cfr. ac. TCA Sul de 01/06/2004, proc. n° 06615/02, in www. dgsi.pt).

É sabido, que nos anos 90 (em causa está exercício de 1995) as faturas eram preenchidas de forma manual e que, não era usual que os prestadores de serviços da restauração preenchessem o cabeçalho das facturas/recibo, com o nome do cliente, morada ou mesmo a sua identificação fiscal.

Por outro lado, resulta provado nos autos que a impugnante prosseguia uma política de Marketing, o que implicava o pagamento de almoços aos seus clientes e tal permite concluir que as despesas, ora em crise, foram realizadas em benefício da atividade da impugnante. Para além do mais, é feita a prova documental de que tais despesas se encontram pagas através dos cartões de crédito da empresa.

Do exposto conclui-se que os documentos que suportam as ditas "despesas de representação", acrescidos da prova do efetivo pagamento pela impugnante e, sendo realizadas no interesse e por causa da atividade da impugnante, devem ser aceites nos termos do disposto no art.41°, n°l al. h) CIRC.

Note-se que, à data do facto tributário a lei não impunha requisitos específicos a que devia obedecer a documentação da despesa, i.e., não decorre do CIRC qualquer exigência de forma quanto aos documentos que suportam esse tipo de gastos, e por isso, a correção não poderá manter-se tendo em conta este fundamento”.

A Fazenda Pública, tal como resulta das conclusões, discorda do assim decidido, sustentando que foi feita uma “incorrecta valoração da factualidade assente” e, bem assim, uma “errónea interpretação da lei”.

Vejamos, desde já se adiantando que, face ao enquadramento legal e jurisprudencial supra delineado, o entendimento do Tribunal a quo é de manter relativamente às despesas com refeições.

Com efeito, relativamente a estas há um documento externo (facturas/recibos), ainda que não identifique a impugnante, percebendo-se a operação em causa, a sua data e valor, sendo indiscutível que associado às facturas e recibos existe o comprovativo de pagamento através de cartão Visa (e respectivos extratos bancários) de que é titular a M... – cfr. documentos de fls. 18, 20, 22 a 51, 53 e 54 dos autos.

A isto acresce que a produção da prova testemunhal, complementar à documental, esclareceu (sem que tal venha impugnado) que era prática da empresa/impugnante, que os seus administradores, que possuíam cartão de crédito da empresa, realizassem despesas, levando os seus clientes a almoçar, o que era considerado como uma efetiva operação de marketing no sector de atividade em que se encontravam (cfr. ponto 11 dos factos provados).

Mais. A impugnante, ora Recorrida, instada a juntar os originais dos recibos dos restaurantes, veio a fazê-lo, sendo apreensível que no verso dos originais se mostra aposto o nome dos beneficiários das refeições pagas pela M.... Isto mesmo foi evidenciado pela sentença no ponto 9 dos factos provados, com a explicitação, através da aprova testemunhal, do modo de proceder do sujeito passivo.

Portanto, do nosso ponto de vista, quanto às despesas com refeições, mostram-se reunidas provas adicionais que atestam a autenticidade dos movimentos que os documentos emitidos pelos restaurantes reflectem. Assim, a falta do preenchimento total do documento externo (concretamente a identificação da Impugnante na factura/recibo, o que correspondia, aliás, a uma prática habitual nos idos anos 90) pôde ser suprida por outros meios de prova (como é o caso da prova testemunhal e de outros documentos auxiliares) que demonstram a conformidade do lançamento efectuado.

A propósito, Tomás de Castro Tavares (Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos, estudo publicado na CTF n.º 396, págs. 7 a 177), pronuncia-se no sentido de que “ao comprador compete, pois, a prova da ocorrência do custo, com a determinação do seu efectivo montante. Para tal, não basta que evidencie um documento interno (por si mesmo realizado). Ao lado desse suporte terá de demonstrar, por qualquer outro meio, a existência e principais características da transacção. Nessa tarefa poderá carrear quaisquer meios de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade), competindo ao juiz aquilatar sobre o preenchimento da prova. Deste modo, um custo não documentado assume efeitos fiscais se o contribuinte provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efectividade da operação e o montante do gasto.”

É verdade, e não se desconsidera, que a Recorrente menciona que “na informação contida no verso de algumas das facturas refere-se que tais almoços foram realizados com funcionários de bancos e sindicatos”. Pretendendo retirar um sentido útil a tal constatação, evidencia a Recorrente que “… a menos que tais pessoas representem clientes da impugnante a fundamentação da decisão padece de erro na apreciação da prova”.

Como se constata, nem nas conclusões, nem no corpo das alegações, a Recorrente justifica minimamente, indicando os respectivos documentos, a afirmação feita, sendo certo, porém, que a não aceitação dos custos em causa apenas tem que a ver com a sua indevida documentação.

Por outro lado, a Fazenda Pública realça a necessidade de “se verificar o momento em que a informação contida no verso das facturas aí foi inscrita”, “isto porque quer das fotocópias das facturas juntas ao relatório de inspecção tributária, quer aquelas juntas aos autos no início do processo, não é possível verificar do seu rosto que existe algo escrito no seu verso”. Prossegue a Recorrente dizendo que “no entanto, das fotocópias das mesmas facturas juntas após a inquirição de testemunhas, já se verifica que o verso das mesmas facturas é possível verificar que há algo inscrito no seu verso”, “razão pela qual se nos afigura que os escritos que actualmente se encontram nas referidas facturas lá foram inscritos em momento posterior”. Aliás, por ser assim, defende a Recorrente que essa é a “… única razão pela qual a impugnante não veio apresentar tal justificação em sede de inspecção tributaria”.

Diga-se, desde já, que as asserções acabadas de transcrever não passam, smo, de opiniões da Recorrente, opiniões estas que os documentos juntos aos autos não permitem suportar.

Vejamos a razão de assim entendermos. É que os documentos inicialmente juntos com a p.i são cópias da frente das facturas. Por seu turno, os documentos cujo verso tem aposto o nome dos beneficiários da operação titulada pela factura/recibo são originais, entregues na sequência de solicitação do Tribunal e após o depoimento de uma testemunha que referiu, tal como consta da acta de fls. 319 e ss, que “todas as facturas se encontravam no respectivo verso com a referência escrita do cliente com quem o administrador da Impugnante almoçou e o número de pessoas presentes em cada almoço”.

Sendo os documentos inicialmente juntos cópias da frente dos originais, não se estranha que tais cópias não permitam verificar se “existe algo escrito no seu verso”. Muito naturalmente, tratando-se de uma reprodução da frente do documento, não é expectável que se visualize o que está escrito no verso.

De todo o modo, a Recorrente apenas ensaia pôr em causa a originalidade das aposições inscritas no verso dos documentos, jamais suscitando a falsidade dos mesmos, designadamente a exactidão da sua reprodução. Este juízo opinativo é, em nosso entendimento, claramente insuficiente para retirar consistência aos documentos em causa.

Considerações idênticas aplicam-se relativamente ao que refere a EMMP no seu parecer, a propósito da factura junta a fls. 32 e do documento junto a fls. 354. Aí se lê que “se verifica que a cópia da factura junta a fls. 32 – Restaurante Quinta dos Frades – que foi junta pela impugnante não contém qualquer serviço descriminado, todavia a mesma impugnante vem a fls. 354 juntar o original da factura do qual já consta tal serviço descriminado assim como o seu montante, não se tendo pronunciado a douta sentença sobre a justificação de tal incongruência”.

Ainda que este Tribunal perceba o alcance das palavras transcritas, a verdade é que basta a simples comparação do teor de fls. 32 e de fls. 354 para se perceber que o original da factura, a fls. 354, na parte relativa à descrição da operação, está impressa numa tonalidade tão clara que, numa reprodução em fotocópia (fls. 32), a mesma não surge perceptível. De todo o modo, percebe-se que o documento, num e noutro caso, é o mesmo, o recibo nº 36351 e o talão do cartão Visa nº 5553263.

Portanto e quanto aos aspectos vistos, nenhum erro na apreciação da prova se vislumbra.

Até aqui, portanto, não reconhecemos razão à Recorrente e confirmamos a sentença recorrida.

Contudo, relativamente às despesas com combustíveis, o entendimento adoptado pelo TT de Lisboa, e sufragado por este Tribunal para as despesas com refeições, já não pode manter-se.

Aqui, para além dos documentos apresentados (recibos emitidos pelos postos de abastecimento) não identificarem a beneficiária da compra de combustível, nem a viatura abastecida, a verdade é que, nem por apelo a outros elementos de prova produzidos, se demonstra a existência e principais características das transacções em causa e a efectividade das operações.

Na verdade, o alcance da prova testemunhal relativamente às despesas com refeições não teve reflexo relativamente às despesas com combustíveis, sendo certo que a prova do pagamento (através dos talões Visa) não permite esclarecer que a M... foi a beneficiária das operações em questão. Competia à Impugnante fazer esta prova que, nos termos expostos, não logrou fazer.

Nesta conformidade, há que reconhecer razão à Recorrente, Fazenda Pública, e revogar a sentença recorrida que, no caso, fez errada aplicação da lei. Contrariamente ao decidido, os custos com combustíveis foram correctamente corrigidos com fundamento na alínea h) do nº 1 do artigo 41º do CIRC, nos termos do qual se prescreve não serem dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável (ainda que contabilizados como custos ou perdas), entre outros, os encargos não devidamente documentados.

Nesta parte, como tal, o recurso jurisdicional merece provimento, o que significa a revogação parcial da sentença e, consequentemente, a improcedência da impugnação judicial na parte relativa à correcção aos custos com combustíveis. Nesta exacta medida, a liquidação adicional de IRC sindicada deve manter-se, o que se decidirá na parte dispositiva do acórdão.


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III - Decisão




Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, em:


- revogar a sentença recorrida na parte em que anulou a liquidação de IRC (e juros compensatórios) por referência aos custos com combustíveis, com fundamento no artigo 41º, nº1, alínea h) do CIRC, julgando a impugnação judicial improcedente nesta parte;


- negar provimento ao recurso quanto ao demais.


Custas por ambas as partes na proporção do decaimento, sem prejuízo de, tratando-se de processo instaurado antes de 01/01/04, a FP se encontrar isenta do pagamento de custas, atento o disposto no artigo 3.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo DL n.º 29/98, de 11 de Fevereiro (cfr. os artigos 14.º, n.º 1, e 15.º, n.º 2, ambos do DL n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, bem como o artigo 18.º do DL n.º 324/2003, de 29 de Dezembro).

Registe e Notifique.

Lisboa, 04/06/20


(Catarina Almeida e Sousa)

(Isabel Ferreira)

(Benjamim Barbosa)