Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8894/15.9BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:CONSTITUIÇÃO E EXTINÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL;
PRORROGAÇÃO DO PRAZO DO PROCESSO ARBITRAL;
PRONÚNCIA INDEVIDA.
Sumário:I – Nos termos imperativamente determinados pelo legislador, a decisão arbitral deve ser emitida e notificada às partes no prazo de seis meses a contar da data do início do processo arbitral, salvo se, por despacho fundamentado do Juiz for determinada a prorrogação desse prazo, podendo esta ser realizada até a um máximo de três vezes, por sucessivos períodos de 2 meses (artigo 21.º n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico de Arbitragem Tributária – RJAT).
II – Da conjugação da disciplina jurídica referida em I., com os demais preceitos contidos no RJAT, no Código de Processo Civil e no Código Civil, subsidiariamente aplicáveis, resulta que: (i) o prazo limite – quer o prazo regra consagrado no n.º 1, quer o prazo excepcional até 12 meses estabelecido no n.º 2 – é um prazo de duração máxima do processo arbitral; (ii) o prazo aplicável inicia-se com a constituição do Tribunal Arbitral, por força do preceituado no artigo 15.º do RJAT; (iii) o prazo a relevar (regra ou excepcional) não se suspende nas férias judiciais, ou seja, conta-se seguidamente, de harmonia com o preceituado no artigo 279.º, al. c) do Código Civil, terminando às 24 horas do dia que corresponda, dentro do último mês, à data de início ou, não existindo no último mês dia correspondente, finda no último dia desse mês”, à mesma conclusão se chegando por aplicação do disposto no artigo 138.º, n.º1, do CPC, já que aí se prevê o decurso contínuo de prazos processuais, sem qualquer suspensão, mesmo em períodos de férias judiciais, quando a duração é de seis meses ou mais; (iv) a prorrogação do prazo regra pressupõe necessariamente a prolação de despacho (um ou, no limite, três, atento o prazo máximo de duração do processo previsto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT – mais 6 meses) determinando essa prorrogação, por um ou sucessivos períodos de dois meses (n.º 2, 1ª parte, do artigo 21.º do RJT); (v) o despacho de prorrogação tem que explicitar os motivos que a determinam, isto é, as razões concretas que, no caso, justificam a prorrogação (por imperativo constitucional e expressa imposição legal contida no n.º 2, in fine, do citado artigo 21.º do RJAT); (VI) independentemente de o prazo a considerar ser de 6, 8, 10 ou 12 meses (consoante seja aplicável o prazo regra consagrado no n.º 1 ou o prazo que, por força dos despachos de prorrogação proferidos, deva ser relevado) a sua integral observância pressupõe a prolação da decisão e a sua notificação; (vii) decorrido o prazo máximo que no caso deva ser considerado, extinguem-se os poderes jurisdicionais do Tribunal Arbitral, “terminando o processo”.
III – Se a sentença arbitral apenas foi proferida pelo Tribunal Arbitral após o decurso integral do prazo-regra de 6 meses previsto no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, sem que, antes desse prazo findar, tenha sido dado qualquer despacho de prorrogação do prazo e, posteriormente, dos múltiplos despachos de prorrogação proferidos, apenas dois observaram o prazo de 2 meses legalmente imposto e a fundamentação de todos eles se esgota numa remissão para o artigo 21.º n.º 2 do RJAT, há que julgar verificada a nulidade da sentença com fundamento em pronúncia indevida (artigo 28.º do RJAT).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

1. Relatório

1.1.L... PORTUGAL - COMÉRCIO E ALUGUER DE AUTOMÓVEIS E EQUIPAMENTOS UNIPESSOAL, LDA”, impugnou, ao abrigo do preceituado nos artigos 26º e 27º, ambos do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária, doravante apenas designado por RJAT), a decisão do Tribunal Arbitral proferida no processo arbitral nº327/2014-T que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral que lhe formulou com vista à anulação de atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) no montante global de € 40.066,84.

1.2. No articulado inicial, resumindo a sua pretensão, formulou a Impugnante as seguintes conclusões:

«I) Considerou a decisão recorrida que, improcede a pretensão da Impugnante quanto à ilegalidade das liquidações impugnadas com base em erro nos pressupostos de Direito, por falta dos pressupostos da incidência subjectiva do Imposto quanto à Impugnante.

A Impugnante não se pode conformar com a presente decisão arbitral.

II) Nos termos do disposto no art.° 21.° do RJAT a decisão deve ser emitida e notificada no prazo de 6 meses a contar do início do processo arbitral, podendo este prazo ser prorrogado com um limite de 6 meses. Ora, o Tribunal Arbitral foi constituído em 20 de Junho de 2014, sendo certo que a decisão proferida no dia 19 de Junho de 2015, foi notificada via CTT, tendo o mandatário da requerente procedido à abertura da caixa postal no dia 20 de Junho de 2015 (sábado). A notificação num dia não útil deve considerar-se efectuada no primeiro dia útil posterior, ou seja na segunda-feira - dia 22 de Junho de 2015.

III) Conforme sustenta o Sr. Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, o art.° 40.° do CPPT aplica-se às notificações a mandatários tanto no procedimento como em processos judicias tributários. À notificação de mandatários nos processos judiciais aplica-se, no que não está expressamente regulado neste artigo, o regime previsto no art.° 254.° do CPC (actual art.° 248°).

IV) Estando em causa uma notificação a mandatários, é aplicável o disposto no art.° 40.° do CPPT e o art.° 248.° do CPC. Conforme resulta do disposto no art.º 248.° do CPC e da Portaria n.° 280/2013, de 26 de Agosto, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do art.° 29.° do RJAT, a notificação presume-se efectuada no 3.º dia posterior o da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse quando o não seja. Nestes termos, a notificação deve considerar-se efectuada no dia 22 de Junho, ou seja, estando excedido o limite previsto no n.º 2 do art.° 21.º do RJAT.

V) Estando extintos os poderes jurisdicionais, a decisão arbitral produzida é inexistente. Como é sabido, entre os vícios da sentença figuram os chamados vícios de essência - aqueles que atingem a sentença nas suas qualidades essenciais, dando lugar à sua inexistência jurídica, e como tal a decisão arbitral não pode produzir quaisquer efeitos jurídicos. Por outro lado,

VI) Foram proferidos 10 despachos por parte do Tribunal Arbitral a prorrogar a data da decisão, que acabou por ser tomada no dia 19 de Junho de 2015. Nos dois primeiros Despachos arbitrais, datados de 23 de Dezembro de 2014 e de 24 de Fevereiro de 2015, o prazo foi prorrogado com respeito pelos períodos consagrados na lei (2 meses), ainda que sem qualquer fundamentação.

Os restantes 8 despachos proferidos, além da ausência de fundamentação, prorrogaram o prazo de decisão em clara violação ao disposto na lei, já que os períodos foram inferiores ao prazo fixado na lei (ou seja, os 2 meses), vícios estes que inquinam igualmente as decisões de prorrogação do prazo.

VII) Conforme resulta do disposto no art.° 125.° do CPPT e da alínea b) do n.° 1 do art.° 615.° do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.° 1 do art.° 29.° do RJAT, é nula a sentença - por maioria de razão os despachos - em que haja absoluta falta de motivação, como é manifestamente o caso em apreço nos autos, o que constitui causa de nulidade da decisão que desde já se vem invocar.

VIII) Em causa nos presentes autos está a interpretação do art.° 3.° do Código de Imposto Único de Circulação (CIUC), nomeadamente no que diz respeito à elisão da presunção estabelecida no referido normativo. Por outras palavras, importa apurar se a presunção estabelecida no normativo supra mencionado, é elidível e se a mesma foi ou não elidida pela Impugnante.

IX) Salvo melhor opinião, a Impugnante considera que a decisão do Tribunal Arbitrai Singular além dos vícios acima invocados, padece de (i) violação do princípio de contraditório; (ii) a não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (iii) a oposição dos seus fundamentos com a decisão e (iv) omissão de pronúncia, em violação do artigo 28.° do RJAT, vícios esses que constituem causas de nulidade da decisão recorrida nos termos do art.° 125.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e do art.° 615 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.° 1 do artigo 29.° do RJAT.

A - DA VIOLAÇÃO DO PRINCIPIO DO CONTRADITÓRIO:

X) A conclusão que os documentos juntos pela Impugnante não logram provar quem é o titular do direito registado, aquando da data do facto tributário e de que as facturas titulam vendas efectuadas há vários anos, não haviam sido invocados em qualquer momento, sendo que as partes deveriam ter tido a possibilidade de se pronunciarem sobre tal questão, antes do Tribunal Arbitral emitir o seu juízo decisório.

XI) A Impugnante protestou juntar outros elementos contabilísticos, conforme resulta do art.° 57.° do pedido de pronúncia arbitral, que o Tribunal Arbitral considerou não terem qualquer valor probatório e interesse para a decisão da causa.

XII) As facturas têm a seu favor a presunção de veracidade que lhes é conferida nos termos do disposto no n.° 1 do art.° 75 ° da LGT que, assim, se afiguram idóneos e com força bastante para ilidir a presunção em que se suportam aquelas liquidações.

XIII) Decidir-se com base no fundamento exposto na decisão arbitral, quando não havia sido abordada tal questão é colocar a discussão jurídica num plano diferente daquele em que as partes o haviam feito.

XIV) O princípio da liberdade do Juiz no tocante à indagação, interpretação e aplicação do direito (art.º 664.° do CPC), aplicável ex vi alínea e) do n.° 1 do art.° 29.° do RJAT deve ser compatibilizado com a proibição das decisões surpresa, atendo o disposto no n.° 3 do art.° 3.° do CPC.

XV) Os documentos constantes do processo administrativo são facturas/recibos - conforme requerimento apresentado no dia 27 de Maio de 2015 - que como é evidente não são meros documentos unilaterais, já que tiveram a intervenção do comprador que facultou os dados - nome, morada e NIF e que os registou na sua contabilidade.

XVI) O princípio do contraditório está igualmente vertido na alínea a) do n.° 1 do art.° 16.° do RJAT, sendo que o princípio do contraditório é assegurado através da faculdade conferida às partes de se pronunciarem sobre questões de facto ou de direito suscitadas no processo.

XVII) Caso o Tribunal Arbitral tivesse considerado necessário, face às dúvidas que tinha, poderia ter promovido a realização da reunião, consagrada no art.° 18.° do RJAT, convidando a Impugnante a corrigir as peças processuais e a juntar documentação, que na sua perspectiva seria necessária para a decisão a proferir e para esclarecer quem seriam os proprietários à data do facto tributário.

XVIII) Tendo o julgador decidido com fundamento não considerado previamente pelas partes, cujos factos que a sustentam não foram alegados em momento algum pelas partes, e não tendo efectuado o convite à Impugnante, a decisão arbitrai é nula, que se vem arguir desde já.

XIX) A violação do princípio do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais, constante do n.º 1 do art° 201° do CPC - aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do art.º 29.° do RJAT - e uma vez que inquina a decisão recorrida, como é o caso dos autos, a invocação da nulidade pode ser feita nas alegações da impugnação judicial que se interpuser, como é o caso em apreço. Sendo a decisão arbitrai nula, fica prejudicada a apreciação das demais questões. Sem prejuízo do exposto, à cautela e sem conceder.

B - DA FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO:

XX) O Tribunal Arbitral deu como provado que as facturas foram emitidas a diversas entidades antes dos períodos de tributação - facto que a AT não contesta - a pessoas singulares ou colectivas.

XXI) O Tribunal Arbitral não verificou quais os proprietários das viaturas titulados nas facturas/recibo juntas pela Impugnante, não se dignou a fazer referência a quais as viaturas objecto de liquidação identificadas nas facturas.

XXII) A decisão impugnada não procedeu a qualquer exame ou análise crítica dos documentos juntos pela Impugnante, limitando-se a uma mera referência genérica das facturas sem se dar ao cuidado de as verificar cuidadosamente, como seria exigível.

XXIII) A conclusão de que estamos perante facturas, errada como se pode constatar pela análise do processo administrativo, apenas serviu para legitimar a posição de que a factura é um mero documento unilateral.

Como resulta do Acórdão do TCA Sul, de 19 de Março de 2015, a emissão da factura/recibo ou de recibo faz prova do pagamento e quitação, e portanto encontra-se provado que se concluiu a compra e venda das viaturas.

XXIV) De acordo com o preceituado no artigo 123.° do CPPT na sentença o juiz deve discriminar a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.

XXV) Das facturas juntas pela Requerente resulta que foram emitidas a diversas entidades (pessoas singulares ou colectivas) antes dos períodos de tributação em causa, facto que a AT não contesta.

XXVI) O Tribunal apesar de considerar provados os factos indicados com base na prova documental constante dos processos administrativos juntos ao processo, nem tão pouco verificou que os documentos juntos são maioritariamente facturas/recibos.

XXVII) A nulidade abrange não só a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo n.° 2 do art.° 123.° do CPPT, mas igualmente a falta de exame crítico das provas, prevista no n.° 3 do art.° 659.° do CPC.

XXVIII) Resulta assim do exposto, face á falta de discriminação dos factos provados da decisão impugnada e à falta de exame crítico das provas, a decisão da Mm.° Árbitro do Tribunal Arbitral Singular do Centro de Arbitragem Administrativa deve ser declarada nula nos termos do artigo 125°, n°1 do CPPT, tal como o 615.° n.° 1 alínea b), do CPC aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.° 1 do artigo 29.° do RJAT.

Á cautela e sem conceder.

C - DA OPOSIÇÃO DOS FUNDAMENTOS COM A DECISÃO:

XXIX) Refere a decisão recorrida que o art.° 3º n.º 1 do CIUC contém uma presunção em matéria de incidência tributária, relativa à qualidade de proprietário de um veículo.

Nos termos da decisão recorrida, a Impugnante teria que provar que o direito pertence a outrem, ou seja provar a quem pertence o direito de propriedade registado em seu nome. Designadamente, a Impugnante tinha de provar que não era proprietária à data a que dizem respeito as liquidações, o que implicaria, no caso concreto, provar quem era o actual proprietário.

XXX) Como é manifesto existe uma clara contradição entre a interpretação que o Tribunal Arbitrai faz do art.° 3º n.º 1 do CIUC, de que é possível elidir a presunção e depois a posição inverosímil de que a Impugnante teria de apurar e informar as eventuais vendas sucessivas, por forma a identificar quem seria o proprietário à data da liquidação do imposto.

XXXI) Ou seja ainda que provasse que tinha celebrado um contrato de compra e venda, que o Tribunal Arbitral, no auge da sua produção jurídica considera que tem de obedecer a um formalismo que a lei não determina e que a jurisprudência não dá acolhimento, a verdade é que teria a Impugnante de indagar quem seria o proprietário á data da liquidação do imposto.

XXXII) Por forma a elidir a presunção consagrada no art0 3.° do CIUC, e contrariamente ao que afirma o Tribunal Arbitrai a Impugnante não tem de provar quem era o proprietário à data do facto tributário. O que a Impugnante tem de provar é que já não é proprietário à data desse facto e foi isso exactamente que a Impugnante fez.

XXXIII) O entendimento de que a factura é uma declaração unilateral equivale a ignorar o facto de que a mesma foi aceite pela AT, tendo a Impugnante liquidado IVA que recebeu pela venda das facturas identificadas nos autos e tendo a mesma sido registada na contabilidade para efeitos de determinação da respectiva matéria colectável. Aliás, os documentos constantes do processo administrativo são maioritariamente facturas/recibo.

XXXIV) O Decreto-Lei n.° 177/2014, de 15 de Dezembro de 2014, veio regular a alteração dos procedimentos para registo de propriedade de veículos adquirida por contrato verbal de compra e venda. Ou seja, a legislação em causa confirma-se que é suficiente um mero contrato verbal para a alienação de uma viatura, ao contrário da tese peregrina vertida na decisão arbitrai.

XXXV) A legislação acima mencionada prevê a possibilidade do vendedor poder solicitar a mudança do registo de propriedade. De notar que nos termos do n.° 2 do art.° 2º do diploma acima mencionado, são considerados documentos que indiciam a compra e venda do veículo, designadamente as facturas, recibos, vendas a dinheiro ou outros documentos de quitação dos quais conste a matrícula do veículo, o nome e morada do vendedor e do comprador.

XXXVI) Ou seja, o que para a lei é suficiente para indiciar a compra e venda de uma viatura, não é relevante para o Tribunal Arbitral.

XXXVII) O art.° 3.° n.° 1 do CIUC consagra uma presunção relativa à qualidade de proprietário, mas essa presunção é de tal forma forte que a mera prova documental, com a junção de facturas, que titulam um negócio bilateral, devidamente registado na contabilidade da alienante e da adquirente (nos casos em que a mesma é uma pessoa colectiva) não é suficiente para abalar essa presunção.

XXXVIII) É assim manifesto que o Tribunal de forma enviesada está claramente a admitir, com as conclusões a que chega, que a presunção decorrente do registo é de tal maneira forte que se torna inilidível.

XXXIX) Não há nada na lei civil que nos leve a afirmar que os documentos particulares têm um valor de prova diminuto para efeitos de ilisão de uma presunção legal ou para qualquer outro valor probatório face aos documentos extraídos de registos públicos.

XL) Caso o entendimento do Tribunal Arbitral procedesse, o registo automóvel (enquanto registo público) ao invés de estabelecer uma presunção ilidível relativamente aos factos a ele sujeitos, estabelecia uma presunção inilidível, o que iria contra a natureza legal de qualquer registo público, para mais de um registo de bens móveis, como é o caso do registo automóvel.

XLI) Acresce que, se a Autoridade Tributária considera as facturas como documentos relevantes na determinação da liquidação de impostos, não pode agora, sob pena de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprum, vir agora não aceitar essas mesmas facturas para efeitos probatórios, alegando que são meros documentos particulares e unilaterais, excepto se viesse arguir a sua falsidade, o que não fez.

XLII) Ao invés da posição do Tribunal, a questão não está na validade das facturas, mas sim no efeito probatório das mesmas e por conseguinte não pode a Impugnada aceitar as mesmas para as finalidades que lhe convém (liquidar impostos) e recusar os mesmos documentos para elidir uma presunção e obstar ao pagamento de impostos, que não são devidos.

XLIII) Pelo que se verifica uma contradição manifesta entre os fundamentos e a decisão que é proferida.

XLIV) Face ao exposto, estamos perante uma nulidade da decisão arbitral, nos termos do n.° 1 do art.º 125.º do CPPT, tal como o art.º 615.° n.º 1 alínea c), do CPC aplicável ex vi alíneas c) e e) do n.° 1 do artigo 29.º do RJAT.

À cautela, sem se conceder.

D - DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA:

XLV) Conforme resulta do pedido de pronúncia arbitral e das respectivas alegações escritas apresentadas pela Impugnante, foi peticionado o pagamento de juros indemnizatórios e a restituição das coimas indevidamente pagas.

XLVI) Na decisão arbitrai, o Tribunal apenas decidiu nos seguintes termos: “julgar totalmente improcedente o presente pedido arbitral.

XLVII) No entender da Impugnante, o imposto foi liquidado por erro imputável à Autoridade Tributária e como é manifesto o Tribunal Arbitral não se pronunciou sobre o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

XLVIII) O Tribunal tinha o dever de conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.

XLIX) É assim manifesto que o Tribunal Arbitral não se pronunciou sobre o pedido formulado pela Impugnante, no que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios.

L) Mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o Tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela. 

LI) 0 Tribunal nem sequer mencionou que o conhecimento destas questões fica prejudicado pela solução dada no pleito, pelo que simplesmente omitiu na sua apreciação os pedidos formulados.

LII) Nestes termos, verifica a nulidade da decisão arbitral, atento o disposto no n.° 1 do art° 125.º do CPPT, tal como o art ° 615 ° n ° 1 alínea d), do CPC aplicável ex vi alíneas c) e e) do n.° 1 do artigo 29.° do RJAT.

Nos termos supra expostos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a presente impugnação ser julgada procedente, tudo com as devidas e legais consequências.»

1.3. A Administração Tributária, notificada da apresentação da Impugnação e da sua admissão, apresentou resposta, aí concluindo da seguinte forma:

«57°. A decisão arbitral não é inexistente por extinção dos poderes do Tribunal Arbitrai, nem sequer nula por falta de fundamentação dos despachos de prorrogação do prazo de decisão.

58º. Na verdade, a decisão foi proferida e notificada à Recorrente antes de decorrido o prazo de um ano constante do art.° 21.° do RJAT.

59°. Por outro lado, não podemos deixar de considerar que, face aos princípios da informalidade e da celeridade que dominam o regime jurídico da arbitragem tributária, os despacho de prorrogação do prazo de decisão se encontram fundamentados e podem obviamente ser fixados por um prazo inferior a 2 meses, sendo certo que a recorrente nem sequer levantou qualquer destas questões na pendência do processo arbitral.

60°. A Recorrente não tem ainda qualquer razão nos fundamentos que invoca, sendo claro que a decisão arbitral objecto de recurso não padece de nenhum dos alegados vícios.

61°. Aliás, o que a A. realmente impugna - não o podendo fazer -, é o sentido da decisão arbitral, que lhe foi desfavorável, procurando, de alguma maneira, para atingir este objectivo, identificar os vícios típicos que poderiam justificar, face à lei, a possibilidade de impugnação da decisão.

62°. Não existe qualquer vício de violação do princípio do contraditório, que aliás é de alegação dificilmente compreensível. As partes tiveram as mesmas oportunidades ao longo de todo o processo, não tendo a A., sequer, em qualquer fase do processo arbitrai e designadamente em sede de alegações, referido tal facto, apenas descobrindo que existia uma alegada violação do princípio do contraditório quando foi notificada da decisão desfavorável.

63°. De resto a pretensão da A. até parece inverosímil, de prolongamento eterno do processo em infinitas diligências até que - talvez pelo cansaço lhe viesse a ser dada razão!

64°. O tribunal e a AT não podem ser os “culpados” da insuficiência de prova evidenciada no processo arbitral, e muito menos teria o Tribunal de adiar sucessivamente a sua decisão até que a Recorrente reunisse, hipoteticamente, todos os documentos que pudessem fundamentadamente sustentar uma decisão que lhe fosse favorável.

65°. Claramente, a decisão arbitral objecto de recurso não incorre no alegado vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito que a justificaram.

66°. Na verdade, os fundamentos de facto e de direito foram devidamente analisados, enunciados e explicados, tendo a decisão arbitral considerado, e muito bem, que face aos factos constantes do processo, e provados, não tinha a Recorrente conseguido ilidir a presunção presente no art.°3.°, n.° 1, do CIUC.

67°. É assim evidente que o Tribunal Arbitral explicitou com exactidão todos os fundamentos de facto (e de direito) da sua decisão, tendo decidido em função de todos os elementos de prova de que dispunha, expressamente referidos como motivação.

68°. Todos os factos considerados provados e não provados, e todas e cada uma das facturas foram devidamente ponderadas na decisão arbitrai.

69°. Sendo para mais evidente o erro cometido pela A., partindo sempre do pressuposto de que por considerar ter feito prova da alienação das viaturas - que não fez e isso é bem claro na decisão nada mais precisa de provar!

70°. Tal como não incorre a decisão arbitrai recorrida no vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, sendo clara, fundamentada, e coerente, ao decidir face aos elementos documentalmente provados no processo.

71°. A decisão considera que o art.° 3.°, n.° 1, do CIUC, consagra uma presunção ilidível, simplesmente que a A. foi incapaz de fazer a suficiente provar de contrariar os elementos constantes do registo automóvel da propriedade dos veículos em seu favor,

72°. Por fim, a decisão recorrida não incorre no vício de omissão de pronúncia, pelo facto de a questão do pagamento dos juros indemnizatório ser absolutamente destituída de sentido a partir do momento em que o Tribunal considera legais todas as liquidações de IUC.

73°. Como é por demais evidente, a pretensão acessória do reconhecimento do direito ao pagamento de indemnizatórias estaria sempre dependente da procedência do pedido principal de declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de IUC, que não aconteceu.

74°. A decisão arbitral é, nos seus fundamentos e sentido, absolutamente idêntica a várias outras decisões arbitrais da mesma Recorrente.

Nestes termos, e nos demais que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser julgado totalmente improcedente o presente recurso, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade recorrida do pedido.»

1.4. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal Central, notificada nos termos do disposto no artigo 146.º, nº1, do CPTA ex vi artigo 27º, nº2, do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro, defendeu a improcedência da impugnação porque, em seu entender “a decisão não merece a censura invocada pela recorrente não padecendo de nenhum dos vícios invocados “, uma vez que “ A decisão recorrida fez uma correcta análise dos factos e correcta foi a sua subsunção jurídica, tendo-o feito em tempo”.
1.5. A Impugnante, após ter tido conhecimento do parecer do Ministério Público apresentou requerimento pugnando pela inadmissibilidade da referida pronúncia, considerando que desta resulta uma apreciação sobre o mérito da decisão arbitral e não sobre as questões suscitadas na Impugnação, sendo estas, e não aquela, que cabem nas competências deste Tribunal Central Administrativo Sul.

1.6. Cumpre, agora, julgar, submetendo-se, para esse efeito, os autos à conferência.

2. Objecto da Impugnação da Decisão Arbitral

Como é sabido, o legislador optou por qualificar o meio processual através do qual são sindicadas as decisões dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do RJAT, no que aos Tribunais Centrais Administrativos respeita, como “Impugnação de Decisão Arbitral”, vincando, dessa forma, do ponto de vista formal, uma distinção entre o tipo de sindicância que é atribuída a esses Tribunais e o tipo de controlo que é atribuído ao Supremo Tribunal Administrativo e ao Tribunal Constitucional.

Na sua essência, todavia, do que se trata é de um verdadeiro recurso com a particularidade de que, o leque de questões de mérito - distintamente do que ocorre nos recursos clássicos ou, dito de outro modo, regulamentados no Código de Processo Civil ou em diplomas com uma matriz muito próxima da aí estruturada - se encontra pré-definido pelo legislador e reduzido aos fundamentos previstos no artigo 28.º do RJAT, aqui se incluindo a violação dos princípios consagrados no artigo 16.º (para que somos remetidos pela al. d) daquele artigo 28.º) e, excepcionalmente, nulidades processuais cujo reconhecimento se mostre imposto pela unidade e completude do sistema jurídico (imposta pelo artigo 29.º do mesmo diploma legal) de cuja verificação resulte a subsequente nulidade da decisão arbitral.

2.1. Posto isto, e revertendo ao caso concreto, começamos por dizer que não subsistem dúvidas de que os vícios que formal e expressamente foram invocados pela Impugnante se integram nos fundamentos legalmente previstos no artigo 28.º do RJAT. Assim, e ainda que, em bom rigor, pelo menos pontualmente, a qualificação jurídica que lhe foi atribuída pela Impugnante não tenha sido a mais correcta, porque a esta não está o Tribunal vinculado, não obsta à apreciação do que foi alegado, desde que subsumível a qualquer um dos demais fundamentos previstos no identificada norma e diploma legais.
A relevância do que vimos expondo decorre de, como se vê da análise da petição de Impugnação da Decisão Arbitral, a Impugnante, para além de ter suscitado a violação dos princípios do contraditório, a falta de especificação na decisão dos fundamentos de facto, a oposição dos fundamentos com a decisão e a omissão de pronúncia (pontos A., B., C. e D. da Impugnação da Decisão arbitral), que, indiscutivelmente, fazem parte dos fundamentos previstos no artigo 28.º do RJAT (respectivamente, nas als. d), a), b) e c), 2ª parte, do citada norma legal) invoca ainda as questões “Da inexistência da decisão arbitral” e “ Da nulidade da decisão arbitral” como “Ponto prévio”.
Ora, atento os fundamentos invocados, para uma e outra das questões, e acolhendo a doutrina que de forma mais intensa se tem debruçado sobre a densificação dos fundamentos de Impugnação da Decisão Arbitral consagrados no artigo 28.º do RJAT, que vem sendo também cada vez mais perfilhada por este Tribunal Central, afigura-se-nos que os pontos prévios e a fundamentação neles aduzida se reconduzem, verificando-se, a uma “pronúncia indevida”, fundamento de impugnação que se encontra previsto na al. c), 1ª parte, do normativo em referência
De facto, segundo a doutrina e a jurisprudência, que acolhemos, o fundamento “pronúncia indevida” não é equivalente ao conceito de “excesso de pronúncia”, devendo este último ter-se por verificando não só nas situações em que o Tribunal Arbitral conhece de questões de que não podia tomar conhecimento (“excesso de pronúncia”) como nas situações em que lhe está vedado decidir, designadamente por não deter competência para apreciar o objecto do litígio que lhe foi apresentado ou por, a nível procedimental e/ou processual, terem ocorrido vícios graves relativos à constituição do Tribunal Arbitral ou na formação da decisão com reflexos graves ao nível da sua validade formal. (1)
2.3. É, pois, com esta amplitude, imposta pela necessária conformidade constitucional deste regime especial, e com a qualificação jurídica adiantada que nos cumpre sindicar formalmente a decisão arbitral impugnada, o que iremos fazer tendo por referência as seguintes questões concretas:
2.3.1. A sentença arbitral deve ser declarada inexistente por ter sido proferida e notificada às partes após o decurso do prazo previsto nos n.ºs 1 do artigo 21.º do RJAT, isto é, quando já estavam extintos os poderes do Tribunal Arbitral para decidir (conclusões I a V da petição inicial)?
2.3.2. A sentença impugnada deve ser anulada por ter sido proferida após a prolação de 10 (dez) despachos de prorrogação, todos sem fundamentação e, os últimos 8 (oito), por prazos inferiores a 2 (dois) meses, em violação do disposto no artigo 21.º n.º 2 do RJAT (conclusões VI e VII da petição inicial)?
2.3.3. A sentença arbitral deve ser anulada com fundamento em ter existido violação do princípio do contraditório, uma vez que: (i) as partes não foram notificadas para se pronunciarem sobre a força probatória dos documentos juntos, designadamente sobre “A conclusão que os documentos juntos pela Impugnante não logram provar quem é o titular do direito registado, aquando da data do facto tributário e de que as facturas titulam vendas efectuadas há vários anos, não haviam sido invocados em qualquer momento”; (ii) o Tribunal Arbitral considerou, mal, que os documentos que a Impugnante protestara juntar aos autos, não tinham qualquer valor probatório e interesse para a decisão da causa e apreciou mal a prova documental produzida, como se vê da deficiente apreciação dos documentos e da desconsideração da presunção de veracidade que deles resultava face ao artigo 75.º da LGT; (iii) o Tribunal Arbitral decidiu o pedido formulado numa perspectiva jurídica não abordada por qualquer uma das partes e quanto à qual igualmente não lhes foi dado oportunidade de se pronunciarem, sendo que, se tinha dúvidas, ou achava esse plano relevante, devia ter promovido a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT ou convidado as partes a aperfeiçoarem os articulados (conclusões X a XIX da petição inicial)?

2.2.4. A sentença arbitral ser anulada, por falta de especificação dos fundamentos de facto, uma vez que o Tribunal, apesar de ter dado como provado que as facturas foram emitidas a diversas entidades antes dos períodos de tributação, não verificou quem eram os proprietários das viaturas titulados nas facturas/recibo nessa período, juntas pela Impugnante, o que revela que não fez qualquer exame ou análise crítica dos documentos, limitando-se a referi-los genéricamente (conclusões XX a XXVIII da petição inicial)?

2.2.5. A sentença arbitral deve ser anulada por existir uma oposição entre os fundamentos e a decisão, sendo evidente a contradição entre a interpretação que o Tribunal Arbitral faz do artigo 3º n.º 1 do CIUC, de que é possível elidir a presunção e o posterior e inverosímil entendimento de que a Impugnante devia ter apurado quais as vendas que sucessivamente se foram realizando por forma a que estivessem devidamente identificados os respectivos proprietários à data em que o imposto foi liquidado (conclusões XXIX a XLIV da petição inicial?

2.2.6. A sentença arbitral deve ser anulada com fundamento em omissão de pronúncia, porque o Tribunal apenas conheceu do pedido arbitral relativo à legalidade das liquidações e não conheceu o pedido indemnizatório que a Impugnante também formulou, não tendo justificado porque o julgava prejudicado (conclusões XLV a LII da petição inicial)?

3. A sentença impugnada detém o seguinte teor:

I. Relatório

1. A sociedade A… –, Lda., NIPC …, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com vista à anulação de atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) no montante global de € 40.066,84.

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 14-04-2014 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 16-04-2014.

3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o ora signatário, que comunicou a aceitação do correspondente encargo no prazo aplicável.

4. Em 30.12.2013 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.ºe 7.º do Código Deontológico.

5. Assim, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 20.06.2014.

6. No dia 29.10.2014 teve lugar a primeira reunião do Tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º do RJAT, tendo sido lavrada ata da mesma, que igualmente se encontra junta aos autos.

7. Iniciada a reunião, foi dada a palavra à Representante da Requerida para se pronunciar sobre a manutenção do ato, que a mesma declarou manter.

8. De seguida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º do RJAT, foi dada a palavra às representantes da Requerente e da Requerida para, por esta ordem, se pronunciarem sobre a necessidade de marcação de uma nova reunião para a realização de alegações orais.

9. No uso da palavra, os representantes da Requerente e da Requerida declararam prescindir das alegações orais.

11. O Tribunal designou o dia 20.12.2014 para a prolação da decisão arbitral.

12. Foram proferidos despachos de prorrogação de decisão em 23/12/2014, 24/02/2015, 23/03/2015, 11/04/2015, 20/04/2015, 28/04/2015, 12/05/2015.

13. Em 22/05/2015 foi admitida a junção de requerimento da requerida AT e notificou-se a Requerente para contraditório, sem prejuízo do disposto no artigo 19.º do RJAT.

14. No mesmo dia, prorrogou-se por mais 10 dias a emissão da decisão, ao abrigo do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, sendo essa prorrogação estendida até 20/06/2015, por via dos despachos de 05/06/2015 e 16/06/2015.

15. Os fundamentos do pedido da Requerente são os seguintes:

- No âmbito da atividade de compra e venda e aluguer de máquinas e de veículos automóveis que realiza, a Requerente concede soluções para a aquisição de viaturas automóveis, no âmbito do aluguer de longa duração e venda de veículos automóveis.

- A AT liquidou oficiosamente IUC à Requerente e notificou diversas notas de liquidação oficiosa de IUC e respetivos juros compensatórios, bem como de coimas relativas às viaturas indicadas e referentes aos anos de 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013.

- A Requerente foi notificada no dia 31 de janeiro de 2014, do indeferimento das seguintes reclamações graciosas (relativas aos IUC, juros compensatórios e respetivas coimas):

a) Reclamação graciosa n.º ... 2014..., relativa às liquidações oficiosas de IUC dos anos de 2009, 2010, 2011, 2012 e de 2013, referente aos DUC identificados no requerimento inicial e reproduzido no documento n.º 2, referente à cópia da notificação do indeferimento da reclamação;

b) Reclamação graciosa n.º ... 2014..., relativa às liquidações oficiosas de IUC dos anos de 2009, 2010, 2011, 2012 e de 2013, referente aos DUC identificados no requerimento inicial e reproduzido no documento n.º 3, referente à cópia da notificação do indeferimento da reclamação;

c) Reclamação graciosa n.º ... 2014..., relativa às liquidações oficiosas de IUC dos anos de 2009, 2010, 2011, 2012 e de 2013, referente aos DUC identificados no requerimento inicial e reproduzido no documento n.º 4, referente à cópia da notificação do indeferimento da reclamação;

-A Requerente invoca e requer a cumulação de pedidos, uma vez que no caso em apreço estão em análise atos de liquidação de IUC em relação aos anos de 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013 relativas à ora requerente e que estão em apreciação os mesmos princípios ou regras de direito, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do RJAT.

- A requerente para evitar futuras execuções fiscais e os custos inerentes à prestação de garantias para a suspensão dos referidos processos, optou por liquidar os IUC’s em causa, juros compensatórios e respetivas coimas, tendo pago o montante total de 45.066,84 Euros, valor este que vem peticionar nos presentes autos.

- Está assim em causa IUC dos anos de 2008 a 2013, referentes aos veículos, identificados no processo administrativo:

a) que foram objeto de venda a terceiros (clientes da requerente) em momento anterior ao período da tributação – conforme resultam das faturas de venda juntas nas reclamações graciosas (constantes do processo administrativo);

b) que foram dados como perda total e em relação aos quais já foram canceladas as respetivas matrículas, em momento anterior ao período de tributação - conforme resultam das faturas de venda juntas nas reclamações graciosas (constantes do processo administrativo);

- Nos termos do artigo 3.º do CIUC: “1- São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.” e “2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.” O legislador presume, portanto, que os proprietários são as pessoas em nome das quais os veículos se encontram registados.

- Segundo a Requerente, o sujeito passivo é o proprietário ou equiparado, considerando-se como tal a entidade que figura no registo automóvel como proprietário, mas admitindo-se prova em contrário, invocando para tal a presunção constante do artigo 7.º do Código do Registo Predial, aplicável ao registo automóvel, firmada por jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra, de 3 de junho de 2008 e

- A Requerente apresentou, durante o decurso do processo administrativo, prova em contrário, a qual consiste, relativamente aos veículos vendidos, as faturas de venda e relativamente aos veículos perdidos, as faturas dos salvados.

- Acrescenta ainda que os adquirentes dos veículos não vieram oportunamente efetuar os respetivos registos dos veículos, na Conservatória de Registo Automóvel, pelo que na base de dados a requerente continua a figurar como proprietária dos mesmos.

- Finalmente invoca que, nos termos do disposto do artigo 73.º da LGT, as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, sendo que por outras palavras, são proibidas as presunções ilidíveis – invocando nesse sentido o Acórdão n.º 211/2003, de 28 de abril do Tribunal Constitucional, que conclui que uma presunção inilidível violaria o princípio constitucional da igualdade conexionado com o da capacidade contributiva.

- Face ao exposto, requerem a procedência do pedido de anulação das decisões da AT de indeferimento das reclamações graciosas, em virtude de tais decisões se fundarem em errada interpretação da lei, nomeadamente o disposto no artigo 3.º, n.º 1 do CIUC e, consequentemente dos atos tributários de liquidação dos IUC constantes dos Documentos de cobrança identificados e que foram objeto das reclamações graciosas ... 2014..., ... 2014..., ... 2014... invocadas que foram integralmente indeferidas, com fundamento em erro sobre os pressupostos de facto, nos termos do artigo 99.º, alínea a) do CPPT, conjugado com o artigo 3.º, n.º 1, do CIUC.

16. Em resposta ao pedido da Requerente, a AT:

A AT mantém os atos objeto do requerimento inicial com os seguintes fundamentos:

O artigo 3.º do CIUC não contém uma presunção, mas sim uma previsão expressa e intencional de quem se considera ser sujeito passivo do CIUC;

· O sujeito passivo é o proprietário do veículo, sendo a propriedade atestada pela matrícula ou registo em território nacional (art. 6.º, n.º 1 do CIUC).

· Em relação aos atos tributários que continuam em discussão, os veículos a que os mesmos respeitam estavam registados a favor do sujeito passivo no período em causa, pelo que deve ser esse o sujeito passivo a tributar.

- Fundamenta amplamente na resposta que o entendimento propugnado pela requerente decorre de uma enviesada leitura da letra da lei:

· Como a adoção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC, e,

· Mais amplamente em todo o sistema jurídico-fiscal;

· Mas também de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC.

- Para tal a requerida socorre-se de exemplos do ordenamento, bem como atas das sessões parlamentares de 2008-03-12, na qual se consagra que “a entrada em vigor no imposto único de circulação (…) passa a tributar o proprietário do veículo e não a circulação.

- A AT mais alega que do confronto das faturas juntas pela Requerente resulta somente que as mesmas foram emitidas a diversas entidades – pessoas singulares ou coletivas – sendo o descritivo “venda do bem”, “valor residual”, e pontualmente “venda de viatura usada”, concluindo assim que a Requerente falha em demonstrar quais os veículos que foram objeto de venda a terceiro e quais os veículos que foram dados como perda total e que afirma já terem as respetivas matrículas canceladas (em data anterior ao período de tributação).

- Nestes termos, requer a AT que o pedido de pronúncia arbitral seja considerado improcedente quanto aos atos de liquidação do IUC que se mantêm.

II. SANEAMENTO

1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

3. O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias que importe analisar.

4. Estão, pois, reunidas as condições para se apreciar o mérito do pedido.

III. FUNDAMENTAÇÃO

iii.a FACTOS PROVADOS

Antes de entrar na apreciação das questões de mérito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e o processo administrativo tributário junto aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:

- No âmbito da atividade de compra e venda e aluguer de máquinas e de veículos automóveis que realiza, a Requerente concede soluções para a aquisição de viaturas automóveis, no âmbito do aluguer de longa duração e venda de veículos automóveis.

- A AT liquidou oficiosamente IUC à Requerente e notificou diversas notas de liquidação oficiosa de IUC e respetivos juros compensatórios, bem como de coimas relativas às viaturas indicadas e referentes aos anos de 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013.

- A Requerente foi notificada no dia 31 de janeiro de 2014, do indeferimento das seguintes reclamações graciosas (relativas aos IUC, juros compensatórios e respetivas coimas):

a) Reclamação graciosa n.º ... 2014..., relativa às liquidações oficiosas de IUC dos anos de 2009, 2010, 2011, 2012 e de 2013, referente aos DUC identificados no requerimento inicial e reproduzido no documento n.º 2, referente à cópia da notificação do indeferimento da reclamação;

b) Reclamação graciosa n.º ... 2014..., relativa às liquidações oficiosas de IUC dos anos de 2009, 2010, 2011, 2012 e de 2013, referente aos DUC identificados no requerimento inicial e reproduzido no documento n.º 3, referente à cópia da notificação do indeferimento da reclamação;

c) Reclamação graciosa n.º ... 2014..., relativa às liquidações oficiosas de IUC dos anos de 2009, 2010, 2011, 2012 e de 2013, referente aos DUC identificados no requerimento inicial e reproduzido no documento n.º 4, referente à cópia da notificação do indeferimento da reclamação;

- Está assim em causa IUC dos anos de 2008 a 2013, referentes a veículos, identificados no processo administrativo:

a) que foram objeto de venda a terceiros (clientes da requerente) em momento anterior ao período da tributação – conforme resultam das faturas de venda juntas nas reclamações graciosas (constantes do processo administrativo);

b) que foram dados como perda total e em relação aos quais já foram canceladas as respetivas matrículas, em momento anterior ao período de tributação - conforme resultam das faturas de venda juntas nas reclamações graciosas (constantes do processo administrativo);

- Das faturas juntas pela Requerente resulta que foram emitidas a diversas entidades antes dos períodos de tributação em causa, facto que a AT não contesta – pessoas singulares ou coletivas

· Sendo o descritivo geral “venda do bem”, “valor residual”, e pontualmente “venda de viatura usada”,

· Sendo o descritivo especial “venda de salvado” (fatura 99.09090, de 10/08/2012 referente ao veículo …-…-…), “indemnização por perda total” (nota de transferência n.º 22.00405, de 14/05/2013, referente ao veículo …-…-… e fatura 72.11591, de 26/11/2012, referente ao veículo …-…-…).

III.B FACTOS NÃO PROVADOS

Não há, alegados ou de conhecimento oficioso, factos relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados.

III. C MOTIVAÇÃO

A fixação da matéria de facto baseou-se no processo administrativo, nos documentos juntos à petição inicial ou no decurso do presente processo e em afirmações da Requerente que não são impugnadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

III.D Da cumulação de pedidos

Considerada a identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, nada obsta, face ao disposto nos arts. 104.º do CPPT e 3.º do RJAT, à cumulação de pedidos verificada in casu.

III.E do direito

a) Quanto à ilisão da presunção de titularidade do direito de propriedade que recai sobre a Requerente

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente invoca duas circunstâncias que, no seu entender, a desqualificam da posição de sujeito passivo do IUC relativamente aos veículos e períodos de tributação em causa circunstância de, à data a que se reporta o facto tributário que originou a liquidação, não ser a proprietária do veículo.

Entende, assim, a Requerente não ser sujeito passivo do IUC em virtude de não estarem satisfeitos os requisitos de incidência subjetiva do imposto previstos no artigo 3.º do CIUC, conjugado com os artigos 4.º e 6.º do mesmo Código.

O cerne da discussão que subjaz aos presentes autos prende-se com a definição da incidência subjetiva do IUC: de acordo com a tese da AT, o sujeito passivo deste imposto é a pessoa em nome da qual o veículo se encontra registado; para a Requerente, a norma de incidência prevista no n.º 1 do artigo 3.º do IUC estabelece uma presunção, derivada do registo, ilidível por força do disposto no artigo 73.º da LGT.

Assim, sobre a qualidade de sujeito passivo da obrigação de imposto que lhe é imputada, alega a Requerente que, à data da ocorrência dos factos tributários, já tinha vendido ou declarado perdidos os veículos. Como prova do alegado, junta ao pedido de decisão arbitral cópias das faturas de venda ou que documentam a perda total em que são identificados os veículos bem como os respetivos adquirentes.

Sucede, porém, que, de acordo com as diligências efetuadas pela AT, no caso dos veículos relativamente aos quais se mantêm os atos tributários, os respetivos adquirentes não tinham, à data dos factos tributários, efetuado os registos de aquisição ou cancelamento de matrículas junto da Conservatória do Registo Automóvel, pelo que, na base de dados desta, a Requerente continuava a figurar como proprietária dos mesmos.

O artigo 3.º do CIUC, sob a epígrafe “incidência subjetiva”, prevê o seguinte:

1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.

Com relevância para a decisão a proferir no presente processo, a questão a analisar centra-se, portanto, na interpretação da norma do n.º 1 daquele art. 3.º do CIUC, no sentido de determinar se a norma de incidência subjetiva nela inscrita admite, ou não, que a pessoa em nome da qual o veículo se encontra registado na Conservatória possa demonstrar, através dos meios de prova admitidos em direito, que não obstante tal facto, não é proprietário[1] do veículo no período a que o imposto respeita e, assim, afastar a obrigação de imposto que sobre ela recai. Trata-se, por conseguinte, da questão de saber se tal norma consagra uma presunção legal de incidência tributária, suscetível de ilisão, nos termos gerais, como pretende a Requerente ou se, como entende a AT, “o legislador tributário, ao estabelcer no artigo 3.º, n.º 1, quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontram registados”.

Ora, sendo verdade que o legislador do CIUC elegeu o registo automóvel como elemento estruturante deste imposto (o que resulta, desde logo, do artigo 6.º do Código, relativo à definição do facto gerador da obrigação de imposto, cujo n.º 1 prevê ser constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional), sendo, além disso, dos elementos do registo automóvel que se extrai o momento do início do período de tributação (artigo 4.º, n.º 2, do CIUC), bem como o momento até ao qual o imposto é devido (artigo 4.º, n.º 3, do CIUC) e a respetiva base tributável (artigo 7.º do CIUC), outra questão é a da interpretação que deve ser dada à norma de incidência subjetiva prevista no artigo 3.º do CIUC, a qual deve obedecer a princípios gerais da interpretação das normas tributárias, não se cingindo apenas ao ambiente normativo criado pelas restantes normas do CIUC.

Nos termos do disposto no artigo 73.º da LGT, as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário. Porém, para ser detetada a consagração de uma presunção numa norma de incidência tributária, será que esta tem sempre que a prever expressamente, ou poderá, pelo contrário, extrair-se de uma norma de incidência tributária uma presunção que nela não esteja expressamente enunciada?

Por exemplo, no âmbito do regulamento do Imposto Municipal de Veículos[2], que o atual IUC substituiu, estabelecia-se uma presunção de forma expressa, dizendo a lei que “o imposto é devido pelos proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas em nome de quem os mesmos se encontrem matriculados ou registados”. Ora, no âmbito do CIUC, o legislador entendeu substituir a palavra “presumindo-se” pela palavra “considerando-se”. Será que esse facto deve ser relevado da forma defendida pela AT, ao ponto de se dizer que a norma não prevê uma presunção, mas antes estabelece que os proprietários dos veículos como tal constantes do registo automóvel são sempre os sujeitos passivos do imposto?

Não é esta a nossa interpretação do texto legal. Com efeito, não existindo razões substantivas que permitam detetar uma razão para a alteração de postura do legislador relativamente a este ponto – ou seja, não havendo razões para crer que o legislador quis efetivamente afastar a possibilidade de outras pessoas, além do proprietário do veículo, serem sujeitos passivos do IUC, parece-nos que se deve ler a referida alteração semântica como isso mesmo – uma mera alteração semântica, sem impacto na norma que decorre do texto legal. Assim, entendemos que a norma que decorre do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC continua a ser uma presunção de incidência subjetiva relativamente ao proprietário do veículo como tal registado junto da Conservatória do Registo Automóvel, que não afasta a possibilidade de prova em contrário. Com efeito, parece-nos que a norma consagrada no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC tem a estrutura de uma norma de presunção tal como esta é descrita no artigo 349.º do Código Civil, ou seja, como uma ilação que a lei, ou o julgador, tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. No caso concreto, a lei retira do facto conhecido (a propriedade do veículo nos termos do registo automóvel), a presunção acerca do sujeito que deve suportar o encargo tributário relativo ao veículo em causa. No entanto, será sempre possível ao proprietário constante do registo afastar a aplicação a si próprio da norma de incidência, posto que faça prova de que a capacidade contributiva que justifica a imposição tributária pertence a outrem, por exemplo, em função da venda do veículo em momento prévio ao da ocorrência do facto tributário, ou da celebração de contrato de locação financeira do qual o mesmo seja objeto.

As presunções de incidência tributária podem ser ilididas através do procedimento contraditório próprio previsto no art. 64.º do CPPT ou, em alternativa, pela via de reclamação graciosa ou de impugnação judicial dos atos tributários que nelas se baseiem. No presente caso, a Requerente não utilizou aquele procedimento próprio, pelo que o presente pedido de decisão arbitral é meio próprio para ilidir a presunção de incidência subjetiva do IUC que suporta as liquidações tributárias cuja anulação constitui objeto do pedido, pois que se trata de matéria que se situa no âmbito da competência matéria deste tribunal arbitral nos termos do disposto nos artigos 2.º e 4.º do RJAT.

b) Quanto à prova da transmissão da propriedade dos veículos

Admitindo-se a ilisão da presunção, cumpre agora analisar se no caso sub judice é suficiente para afastar a presunção constante do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC.

Para ilidir a presunção derivada da inscrição do registo automóvel, a Requerente oferece os seguintes elementos relativos aos veículos que estão agora em apreciação:

a) cópias das faturas dos veículos que foram objeto de venda a terceiros (clientes da requerente) em momento anterior ao período da tributação;

b) cópias das faturas dos veículos que foram dados como perda total, em momento anterior ao período de tributação.

Torna-se, assim, necessário analisar que valor deve ser reconhecido a estes elementos para provar a transmissão da propriedade dos veículos por parte da Requerente.

Para isso deverá começar por se aflorar a questão da força probatória do registo automóvel.

O registo automóvel é um registo público, que tem a finalidade de “dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respetivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico” (art.º 1º do Cód. do Registo Automóvel (CRA)). Na noção de segurança do comércio jurídico cabe, evidentemente, o exercício de direitos por parte de terceiros com base nos factos registados.

Como se afirma no acórdão do TRL de 24-3-2011 (processo n.º 195/09.8TBPTS.L1-2), “o registo predial prossegue, a um tempo, fins de natureza privada e fins de natureza caracteristicamente pública. Prossegue fins de natureza privada, dado que garante a segurança no domínio dos direitos privados, especificamente no plano dos direitos com eficácia real – segurança do comércio jurídico (…), globalmente considerado – facilita o tráfico e o intercâmbio de bens, e assegura o cumprimento da função social dos direitos reais; prossegue finalidades de interesse público, enquanto instrumento da certeza do direito, da tutela de terceiros e da segurança do comércio jurídico, e de garante da atualização do registo face ao facto publicitado”.

Ora, o que a Requerente pretende nestes autos não é meramente ilidir uma presunção fiscal. É ilidir a presunção de veracidade dos factos que se encontram registados publicamente, e que se encontram registados para finalidades de interesse público, presunção esta da qual qualquer pessoa deve poder valer-se, sob pena de inutilidade do registo.

Em condições de cumprimento da lei, a ilisão da presunção de veracidade do registo é muito simples. Quando ocorre a compra e venda de um veículo, é preenchido um documento destinado ao registo automóvel – preenchimento que não constitui formalidade essencial do negócio – e que contém uma declaração de ambas as partes quanto à celebração do contrato (conforme o artigo 25º, n.º 1, alíneas a) e b) do DL n.º 55/75).

Este documento é um instrumento particular bilateral, porque assinado por ambas as partes do contrato. E precisamente porque a compra e venda de uma coisa móvel é um negócio não formal, aos serviços do Registo Automóvel basta este instrumento particular como prova para se proceder à alteração do registo. O vendedor pode então promover o registo em nome do adquirente, munido de uma simples cópia dessa declaração.

Mas já referimos também que, se o vendedor é uma entidade que se dedica ao comércio de veículos automóveis, este pode promover o registo, em nome do adquirente, através de um simples requerimento, conforme previsto no art.º 25, n.º 1, alíneas c) e d) do Regulamento do Registo Automóvel.

O que a Requerente apresenta como prova, porém – faturas não assinadas pelo comprador/adquirente/transmissão – que são unicamente documentos particulares, de caráter comercial, e unilaterais, i.e., para emissão dos quais não se verificou qualquer intervenção do comprador. O que significa que o comprador pode negar que a fatura corresponda a qualquer negócio efetivamente celebrado, invalidando com isso qualquer valor probatório da fatura e não lhe sendo exigido, sequer, produzir qualquer contraprova nesse sentido (TRL, Acórdão de 4-2-2010, Proc. n.º 224338/08.7YIPRT.L1-8).

A estes documentos particulares, por serem unilaterais, não pode reconhecer-se senão um valor probatório muito limitado[3].

Se é assim no plano das relações entre comerciantes quanto a factos do seu comércio, que valor pode ser atribuído a este tipo de documentos no âmbito de relações com terceiros não comerciantes?

Sobre esta matéria, também se têm pronunciado os tribunais superiores. Assim, num acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-11-2009 (TRL, Acórdão de 26-11-2009, Proc. n.º 29158/03.5YXLSB.L1-2), afirma-se que “a força probatória do documento particular se limita às declarações do respetivo subscritor”.

Entendemos assim neste caso, como já ficou dito acima, o que a Requerente teria de provar, a fim de ilidir a presunção que decorre, quer do artigo 3º, n.º 1 do CIUC quer do próprio Registo Automóvel, é que ela, Requerente, não era proprietária dos veículos em causa no período a que dizem respeito as liquidações impugnadas, pois é este o facto que resulta da presunção registal.

Para isso não bastaria provar que, um dia, há vários anos, havia celebrado um contrato de compra e venda de um veículo, pois ainda que esse contrato tivesse sido celebrado, a propriedade de algum veículo poderia ter retornado à titularidade da Requerente. Ou seja, provar que A, no ano 2001, alienou o bem X, não implica deixar provado que A, no ano 2011, não é proprietário do bem X.

Assim, a Requerente teria de provar que não era proprietária dos veículos à data a que dizem respeito as liquidações, o que implicaria, no caso concreto, provar quem era o atual proprietário.

Esta prova seria fácil de fazer, bastando à Requerente atualizar o registo, para o que tem a legitimidade como vendedor – e não só a legitimidade como a obrigação, desde 2001, à luz do Código da Estrada – promovendo o registo dos veículos em nome do comprador, através de um simples requerimento, nos termos do artigo 25º, n.º 1, alíneas c) e d) do Regulamento do Registo Automóvel (preceitos que estabelecem um regime especial de promoção do registo para entidades que comercializam veículos automóveis).

A tese da Requerente, no que diz respeito à parte probatória, pretendendo neutralizar a prova legal que constitui o registo mediante a apresentação de documentos unilaterais, que têm valor probatório diminuto no âmbito do direito probatório material, implicaria tornar impossível à administração fiscal administrar o Imposto Único de Circulação.

E o certo é que, da valência em contencioso tributário dos princípios do inquisitório ou da investigação e da livre apreciação das provas, e ainda do princípio da aquisição processual, decorre que, inexistindo embora um ónus da prova formal, a cargo, especial ou exclusivamente, de algum dos participantes processuais, releva sobremodo neste campo um ónus da prova substancial, objetivo, ou material, no sentido de que a decisão tem de desfavorecer naturalmente quem não consiga ver materialmente provados os factos em que assenta a sua posição (cf. a este respeito Vieira de Andrade, J. C., “Direito Administrativo e Fiscal, Lições ao 3.º ano do Curso de 1995/96”, Coimbra, 1996, p. 186; e Saldanha Sanches, J. L., “O Ónus da Prova no Processo Fiscal”, Cadernos de Ciência Técnica e Fiscal n.º 151, pp. 122 e ss.).

Resumindo, a prova apresentada pela Requerente é constituída, exclusivamente, por documentos particulares, unilaterais e internos, com um valor insuficiente para, à luz do direito probatório material, negar a validade de factos – a propriedade de veículos – sobre os quais existe uma prova legal – uma presunção legal – que isenta a Requerida de qualquer ónus probatório, e que não é contrariável através de mera contraprova, que lance dúvida sobre os factos provados pela presunção.

De todo o exposto[4] resulta que a Requerente não ilide a presunção que sobre si recai quanto à titularidade da propriedade dos veículos sobre os quais incidem as liquidações de IUC impugnadas e que, por conseguinte, as liquidações impugnadas não enfermam de qualquer ilegalidade.

Improcede portanto, a pretensão da Requerente quanto à ilegalidade das liquidações impugnadas com base em erro nos pressupostos de Direito, por falta dos pressupostos da incidência subjetiva do Imposto quanto à Requerente.

O entendimento sufragado na presente decisão é, no entender do Tribunal, o que melhor concilia a legalidade da tributação, os direitos dos contribuintes, os deveres dos contribuintes e o princípio da eficiência na tributação.

Tal entendimento, baseado, por um lado, na aceitação da tese de que o artigo 3º, n.º 1 do CIUC contém uma presunção ilidível, e, por outro, na convicção de que a presunção de propriedade derivada do registo automóvel não pode ser ilidida com o mero recurso a documentos unilaterais, não deixa sem defesa o titular do registo que, eventualmente, não tivesse a efetiva posse dos veículos à data dos factos tributários, uma vez que sempre lhe assistirá o direito de deduzir oposição à execução, nos termos da al. b) do n.º1 do art.º 204º do CPPT, alegando e provando não ter sido, durante o período a que diz respeito a dívida exequenda, o possuidor dos veículos.

IV. Decisão

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

Fixa-se o valor do processo em € 40.066,84, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2 142.00, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar totalmente pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

Lisboa, 18 de junho de 2015». (cfr. processo arbitral junto aos autos).

4. Por serem relevantes para a apreciação da presente Impugnação e estarem documentalmente comprovados nos autos, julgam-se assentes os seguintes factos:

1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no Centro de Arbitragem Administrativa no dia 10 de Abril de 2014, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu conteúdo [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls. 1 a 23)].

2. A 14 de Abril de 2014 foi validado e aceite pelo Centro de Arbitragem Administrativa o pedido referido em 1. [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls. 43)].

3. A 16 de Abril de 2014 foi notificada a Autoridade Tributária e Aduaneira da apresentação do pedido de constituição de Tribunal Arbitral e emissão de pronúncia arbitral [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls. 46 verso)].

4. A 3 de Junho de 2014 foi nomeado árbitro para presidir ao julgamento [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls.47 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)].

5. A 20 de Junho de 2014 foi constituído o Tribunal Arbitral e as partes notificadas dessa constituição (cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel, fls. 52-62, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)].

6. A 1 de Julho de 2014 o Tribunal Arbitral determinou a notificação do Director–Geral dos Impostos para, querendo, responder, o que este fez [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls. 63 e 1240-1273 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)].

7. O Tribunal Arbitral, por despacho proferido a 13 de Outubro de 2014, designou para o dia 29 de Outubro de 2014 a realização da primeira reunião, a que ambas as partes, notificadas, compareceram, aí tendo sido fixado, para além do mais, que a decisão arbitral seria proferida até ao dia 20 de Dezembro de 2014 [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls.1277-1284, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)].

8. A 23 de Dezembro de 2014, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho: «Notifique-se as partes da prorrogação do prazo da decisão por dois meses, nos termos do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT» (cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls. 1289, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)].

9. O despacho referido em 8. foi disponibilizado para consulta das partes no Sistema de Gestão Processual e dessa disponibilização notificadas as partes [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel [fls. 1290-1292, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)].

10. A 24 de Fevereiro de 2015, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho: «Notifique-se as partes da prorrogação do prazo da decisão por mais dois meses, nos termos do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT» [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls. 1293, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)].

11. O despacho referido em 10. foi disponibilizado para consulta no Sistema de Gestão Processual e dessa disponibilização notificadas as partes [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls. 1294-1298, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)].

12. A 23 de Março de 2015, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho: «Prorroga-se a decisão até ao dia 10 de abril de 2015, nos termos do n.º 1 do artigo 21.º do RJAT. Notifique-se. [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls. 1297, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)].

13. O despacho referido em 12. foi disponibilizado para consulta no Sistema de Gestão Processual e dessa disponibilização notificadas as partes [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel [fls. 1298-1300, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)].

14. A 11 de Abril de 2015, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho: « Prorroga-se a decisão até ao dia 20 de abril de 2015, nos termos do n.º 1 do artigo 21.º do RJAT. Notifique» [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls. 1301), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)].

15. O despacho referido em 14) foi disponibilizado para consulta das partes no Sistema de Gestão Processual e dessa disponibilização notificadas as partes [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls. 1302-1304, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

16. A 20 de Abril de 2015, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho: «Estando já em fase final de elaboração, prorroga-se a decisão até ao dia 27 de abril de 2015, nos termos do n.º 1 do artigo 21.º do RJAT. Notifique-se» [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls. 1305, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)].

17. O despacho referido em 16. foi disponibilizado para consulta das partes no Sistema de Gestão Processual e dessa disponibilização notificadas as partes [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls. 1306-1308, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)].

18. A 28 de Abril de 2015, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho: « «Estando já em fase final de elaboração, prorroga-se a decisão até ao dia 30 de abril de 2015, nos termos do n.º 1 do artigo 21.º do RJAT. Notifique-se» [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls. 1309, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)].

19. O despacho referido em 18. foi disponibilizado para consulta das partes no Sistema de Gestão Processual e dessa disponibilização notificadas as partes [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel [fls. 1310-1312, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)].

20. A 12 de Maio de 2015, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho: «Estando já em fase final de elaboração, prorroga-se a decisão até ao dia 14 de maio de 2015, nos termos do n.º 1 do artigo 21.º do RJAT. Notifique-se» [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls. 1313, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)].

21. O despacho referido em 20. foi disponibilizado para consulta das partes no Sistema de Gestão Processual e dessa disponibilização notificadas as partes [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls. 1314-1316, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)].

22. A 22 de Maio de 2015, a Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira requereu a junção aos autos do requerimento que constitui fls. 1321-1322 do processo arbitral apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

23) Na mesma data (22-5-2015), o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho: «Admite-se a junção do requerimento junto pela AT. Notifique-se a Requerente para contraditório, sem prejuízo do disposto no artigo 19.º do RJAT.

Prorrogue-se por mais 10 dias a emissão de decisão ao abrigo do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT.» [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls. 1317, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)].

24. O despacho referido em 23. foi disponibilizado para consulta das partes no Sistema de Gestão Processual e dessa disponibilização notificadas as partes [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls. 1323-1325, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)].

25. Na sequência da notificação do requerimento e despacho referidos em 23., a Impugnante, a 27 de Maio de 2015, requereu a junção aos autos do requerimento e documentos que constituem fls. 1328-1333 do processo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

26. A 5 de Junho de 2015, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho: «Prorrogue-se por mais 10 dias a emissão da decisão, ao abrigo do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT»[cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls. 1336, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)].

27. O despacho referido em 26. foi disponibilizado para consulta no Sistema de Gestão Processual e dessa disponibilização notificadas as partes [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls. 1337-1339, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)].

28. A 16 de Junho de 2015, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho: «Prorrogue-se por mais 3 dias a emissão da decisão, ao abrigo do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT» [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls. 1340, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)].

29. O despacho referido em 28. foi disponibilizado para consulta no Sistema de Gestão Processual e dessa disponibilização notificadas as partes [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls. 1341-1343, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)].

30. A decisão arbitral impugnada está data de 18 de Junho de 2015, data em que foi enviada, ViaCTT, a sua notificação às partes [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls. 1344-1365, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)].

31. A notificação referida em 30. foi entregue na Caixa Postal Electrónica da Impugnante no mesmo dia (19-6-2015), tendo à mesma acedido a Impugnante no dia 20 do mesmo mês e ano [cfr. processo arbitral anexo a estes autos, em CD e em formato de papel (fls. 1387-1390, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

5. Fundamentação de Direito

5.1. Expostos os fundamentos da presente Impugnação de Decisão Arbitral e enunciadas as questões nesta suscitadas, importa, agora, das mesmas decidir, o que faremos pela precisa ordem porque foram enunciadas no ponto 2. deste acórdão, uma vez que, se as duas primeiras forem julgadas procedentes, resultará inútil a apreciação e decisão sobre as demais que nos foram colocadas.
5.1.1. Do excesso de pronúncia por a sentença arbitral te sido proferida e notificada às partes após o decurso do prazo previsto no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, isto é, quando o processo já findara e os poderes do Tribunal Arbitral estavam extintos
O legislador, no artigo 21.º do RJAT, sob a epígrafe “Prazo”, estabeleceu o seguinte:
1 – A decisão arbitral deve ser emitida e notificada às partes no prazo de seis meses a contar da data do início do processo arbitral.
2 – O tribunal arbitral pode determinar a prorrogação do prazo referido no número anterior por sucessivos períodos de dois meses, com o limite de seis meses, comunicando às partes essa prorrogação e os motivos que a fundamentam.”.
Da disciplina consagrada resulta, assim, que o legislador optou, no n.º 1, por estabelecer um prazo regra de 6 meses, que funciona como um limite temporal para a emissão e notificação às partes da decisão arbitral, admitindo, no n.º 2, excepcionalmente, que esse prazo seja estendido até um máximo de mais 6 meses, por sucessivos períodos de 2 meses, desde que o Tribunal assim o determine por despacho em que fiquem explicitados os fundamentos, as razões ou motivos, que, no caso concreto, justificam a prorrogação do prazo regra.
Tendo presente a interpretação que acolhemos e ainda as questões porque iniciamos a nossa apreciação, entendemos realçar sete aspectos essenciais.
Primeiro, o prazo limite – quer o prazo regra consagrado no n.º 1, quer o prazo excepcional até 12 meses estabelecido no n.º 2 é um prazo de duração máxima do processo arbitral.
Segundo, o prazo aplicável inicia-se com a constituição do Tribunal Arbitral, por força do preceituado no artigo 15.º do RJAT.
Terceiro, o prazo a relevar (regra ou excepcional) não se suspende nas férias judiciais, ou seja - e citando Jorge Lopes de Sousa, (2) “conta-se seguidamente, de harmonia com o preceituado no artigo 279.º, al. c) do Código Civil, terminando às 24 horas do dia que corresponda, dentro do último mês, à data de início; no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês”. Sendo que, à “mesma que solução se chega por via do artigo 138.º, n.º1, do CPC, que prevê o decurso contínuo de prazos processuais, sem qualquer suspensão, mesmo em períodos de férias judiciais, quando a duração é de seis meses ou mais”.
Quarto, a prorrogação do prazo regra pressupõe necessariamente a prolação de despacho (um ou, no limite, três, atento o prazo máximo de duração do processo previsto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT – mais 6 meses) determinando essa prorrogação, por um ou sucessivos períodos de dois meses (n.º 2, 1ª parte, do artigo 21.º do RJT).
Quinto, o despacho de prorrogação tem que explicitar os motivos que a determinam, isto é, as razões concretas que, no caso, justificam a prorrogação (por imposição do n.º 2, in fine, do citado artigo 21.º do RJAT).
Sexto, independentemente de o prazo a considerar ser de 6, 8, 10 ou 12 meses (consoante seja aplicável o prazo regra consagrado no n.º 1 ou o prazo que, por força dos despachos de prorrogação proferidos, deva ser relevado) a sua integral observância pressupõe a prolação da decisão e a sua notificação.
Sétimo, decorrido o prazo máximo que no caso deva ser considerado, extinguem-se os poderes jurisdicionais do Tribunal Arbitral, “terminando o processo”. (3)
Transpondo para o caso concreto os pressupostos que ficaram enunciados, e tendo em consideração a factualidade apurada, uma primeira conclusão temos que extrair: o prazo regra de 6 meses previsto no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT não foi respeitado, uma vez que, tendo-se a fase processual iniciado a 20 de Junho de 2014 e a sentença impugnada sido proferida a 18 de Junho de 2015, há muito, nesta última data, esse prazo se encontrava ultrapassado.
A questão, naturalmente, que se coloca, é a de saber se, não obstante isso, a sentença proferida e impugnada deve ser considerada válida, atentos os despachos de prorrogação que foram sendo proferidos e, consequentemente, que por via desses despachos, foi respeitado o prazo limite de 12 meses previsto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT.
Adiantamos, desde já, que a resposta que nos merece esta questão é negativa.
Explicitando, começamos por salientar, antes de mais, que, a admissibilidade de prorrogação do prazo regra, tal como a terminologia utilizada pelo legislador indicia, constitui um poder-dever que o Tribunal Arbitral pode e deve exercer antes de terminado o prazo regra. Ou seja, a prorrogação pressupõe o curso de um prazo, pelo que, se antes de terminado o prazo de 6 meses não houver despacho de prorrogação, tem que entender-se que o prazo findou e, com ele, necessariamente, o processo arbitral e extintos os poderes jurisdicionais do Tribunal Arbitral.
Ora, como se vê da factualidade apurada, a reunião a que se reporta o artigo 18.º do RJAT, foi realizada no dia 29 de Outubro de 2014, tendo nesta o Tribunal Arbitral decidido que a decisão seria proferida até ao dia 20 de Dezembro de 2014 - data que corresponde ao último dia do prazo estabelecido o n.º 1 do artigo 21.º do RJAT.
Donde, a existir alguma circunstância que justificasse a prorrogação do prazo, tinha o Tribunal Arbitral, antes daquela data, que ter proferido um despacho prorrogando o prazo de duração do processo arbitral, no qual ficassem a constar os motivos que determinavam essa prorrogação.
Não tendo tal ocorrido - como se constata do probatório, o primeiro despacho a determinar a prorrogação do prazo de duração do processo arbitral apenas foi proferido a 23 de Dezembro de 2014 - ou seja, após o curso integral do prazo previsto no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT –, pelo que, há que concluir que nessa data já findara o processo arbitral e os poderes do Tribunal Arbitral para nele proferir despachos u sentença, substanciando a prolação daqueles despachos e da subsequente sentença arbitral, em violação do mencionado preceito, uma “pronúncia indevida”.
É, pois, em conformidade com este julgamento, de anular a sentença arbitral com fundamento no preceituado no artigo 28.º, n.º 1 al. c) do RJAT, isto é, por ter existido pronúncia indevida.
5.1.2. Mas, mesmo que assim se não entendesse, à mesma conclusão chegamos por ser manifesto que, como alegado pela Impugnante, foi violado o preceituado no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, ou seja, tendo a sentença impugnada sido proferida após a prolação de 10 (dez) despachos de prorrogação, todos sem fundamentação e, os últimos 8 (oito), por prazos inferiores a 2 (dois) meses, há que julgar, pelas razões anteriormente apontadas, que se verifica uma situação de pronúncia indevida.
Na realidade, como deixámos já consignado, a faculdade ou poder-dever do Tribunal Arbitral prorrogar o prazo de duração do processo arbitral e, concomitantemente, de proferir decisão, encontra-se claramente condicionado por duas formas. Por um lado, as prorrogações têm que ser feitas por períodos sucessivos de dois meses (até ao limite máximo de seis meses). Por outro, as prorrogações – de 2, 4 ou 6 meses – têm, obrigatoriamente, que ser fundamentadas.
Em suma, o poder-dever do Tribunal Arbitral prorrogar o prazo de duração do processo arbitral de seis (6) meses até um limite de doze (12) meses está legalmente vinculada ao preenchimento de dois pressupostos: um, relativo ao prazo de prorrogação – invariavelmente de 2 meses; outro, à exigência de uma expressa indicação dos motivos legitimadores do exercício desse poder-dever.
É esta dupla vinculação, legalmente imposta, que nos leva a concluir que o prazo previsto no n.º 2 do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT é um prazo verdadeiramente excepcional e que o legislador quis que com essa natureza fosse considerado, interpretação que, se bem vemos, é a única compatível com os particulares objectivos que estiveram na base da criação deste mecanismo alternativo de resolução de litígios emergentes das relações tributárias, especialmente o objectivo de celeridade na sua resolução. (4)
Ora, a análise da factualidade apurada demonstra, à saciedade, que nem um nem outro dos apontados pressupostos de legitimação e de validade da prorrogação excepcional do processo arbitral foram cumpridos, uma vez que, quanto aos dois primeiros despachos, embora observando o requisito de duração do prazo de prorrogação (as prorrogações foram determinadas pelo período de dois meses), não estão fundamentados. Os subsequentes oito despachos nem observaram a exigência do “tempo de prorrogação”, nem de fundamentação.
Resulta do que vimos dizendo que nos afastamos totalmente da argumentação da Impugnada, quer quando defende que o prazo de prorrogação estabelecido no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT é um “mero” prazo máximo a observar em cada despacho, quer quando defende que os despachos estão fundamentados por mencionarem o normativo legal que prevê a possibilidade dessa prorrogação ser determinada.
No que concerne ao período de tempo de prorrogação, a nossa posição decorre do facto de a interpretação veiculada pela Administração Tributária não ter o mínimo de correspondência no texto da lei, o que, como bem sabemos, se mostra exigível atento o preceituado no artigo 9.º do Código Civil. Aliás, a redacção do RJAT é, neste ponto, absolutamente clara: “O Tribunal pode determinar a prorrogação do prazo referido no número anterior por sucessivos períodos de dois meses, com o limite de seis meses”.
Como é evidente, salvo o devido respeito, se o legislador não quisesse impor que as prorrogações fossem sempre de dois meses teria, muito simplesmente, consagrado a possibilidade de serem efectuadas prorrogação até ao limite de seis meses, não realizando qualquer menção ao período a que as mesmas se têm obrigatoriamente de submeter. O que, insista-se, não fez, nem, face à clareza da redacção, terá querido admitir.
Este é, aliás, o entendimento uniforme da doutrina, como se pode constatar das anotações que a este preceito vêm sendo realizadas. (5)
Quanto à questão da fundamentação, a argumentação da Impugnada carece de qualquer suporte legal e, se nos é permitido, de qualquer sentido.
A fundamentação dos despachos judiciais é uma imposição transversal ao ordenamento jurídico, constituindo um pilar fundamental da sua legalidade, sindicabilidade e transparência.
Note-se que, no ordenamento jurídico português, em que o RJAT obviamente se integra, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente, por imposição constitucional, têm que ser fundamentadas na forma prevista na lei (artigo 205.º da CRP).
E que, nos termos do artigo 154.º do CPC, são decisões de mero expediente as que se destinam a prover ao andamento regular do processo.
Ora, no caso concreto, os despachos de prorrogação não se limitavam a prover ao andamento regular do processo. Antes se destinavam a prover à regularização do andamento anormal do processo.
É precisamente por essa razão, se bem vemos, que o legislador do RJAT foi tão cuidadoso ao estabelecer “a forma” a que essa prorrogação do processo arbitral deve obedecer, determinando - diga-se, mais uma vez, numa redacção que não permite que se criem dúvidas -, que os despachos que apreciamos devem ser comunicados às partes com “os motivos” que os fundamentam, devendo estes ser entendidos na economia do processo arbitral exactamente com o mesmo sentido que a doutrina e a jurisprudência sempre lhes atribuíram: a ou razões concretas que determinaram o julgador a prorrogar o prazo do processo arbitral e, consequentemente, de prolação da decisão.
Acontece, porém, que nenhum dos dez (10) despachos de prorrogação proferidos no processo arbitral contém a mínima indicação sobre os motivos, as razões que os determinaram, limitando-se a remeter para o artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, que, como vimos já, prevê a possibilidade da sua existência (prolação) com a indicação dos motivos. Ou seja, esgotando-se os despachos numa determinação de prorrogação do prazo acrescida de uma singela citação do artigo que a prevê de forma fundamentada, ficam os destinatários no absoluto desconhecimento de qual o motivo ou motivos que, no caso concreto, legitimam a prorrogação.
Em suma, porque os despachos de prorrogação do processo arbitral não estão fundamentados e essa fundamentação é exigível, há que os julgar nulos e, por essa razão, insusceptíveis de produzir os efeitos que com ele se visavam assegurar, isto é, a validade da prorrogação do prazo limite de duração da fase processual e a manutenção dos poderes do Tribunal Arbitral para decidir.
Recuando à posição que antecipamos: mesmo que se entendesse, e não entendemos, que é admissível prorrogar um prazo de duração do processo após o prazo a prorrogar ter decorrido integralmente - obstando, através desse renascimento processual às consequências de extinção do processo e dos poderes jurisdicionais do Tribunal Arbitral - afigura-se-nos indiscutível que os despachos - de renascimento e de consecutivas prorrogaçõespor não obedecerem às exigências legais, quer de duração quer de fundamentação, são nulos e, consequentemente, não produzem quaisquer efeitos, mormente os que com o preceituado no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT se tiveram em vista.
Pelo que, também por esta via, há que considerar que o processo arbitral e os poderes jurisdicionais se extinguiram com o curso do prazo previsto no n.º 1 do arrigo 21.º do RJAT, constituindo ou subsumindo-se a decisão proferida a uma “pronúncia indevida” determinante da sua anulação.
É verdade que a Impugnada no seu articulado adiantou ainda outros dois argumentos que importa enfrentar, pese embora a falta de impacto no sentido da nossa decisão.
O primeiro prende-se com a alegação de que a pretensão é “estranha” porque “além de injustificada e contrária à lei, se revela contrária aos interesses da própria Recorrente, já que teria como consequência a impugnabilidade dos actos tributários contestados” (artigo 3.º da resposta da Impugnada).
O segundo com a alegação de que “a recorrente” nunca “levantou qualquer destas questões na pendência do processo arbitral” (2ª conclusão - artigo 59.º do mesmo articulado).
Quanto ao primeiro argumento – e estamos a presumir que a Impugnada pretendia escrever “a inimpugnabilidade dos actos tributários contestados” – este Tribunal Central apenas cumpre dizer que resulta de tudo quanto ficou exposto que a pretensão dos autos nem é injustificada nem contrária à lei. Quanto às consequências da não prolação de decisão dentro do prazo de vida do processo arbitral, ainda que estejamos cientes de que a doutrina vem defendendo que, por analogia com o preceituado no artigo 24.º, n.º 3 do RJAT, se deve entender que, não sendo essa não prolação de decisão imputável ao sujeito passivo, se reiniciam os prazos de reclamação, impugnação, revisão, promoção, de revisão oficiosa, revisão da matéria tributável ou para suscitar nova pronúncia arbitral (6), o certo é que esta questão, constitui matéria que extravasa o objecto desta Impugnação.
Relativamente à questão de a Impugnante nunca ter suscitado na pendência do processo arbitral a questão que aqui convocou, de que, presume-se, teria decorrido a preclusão do seu direito de invocar a questão nesta Impugnação Judicial também temos que discordar.
Na verdade, aquela singela alegação, que, no limite, poderá ser entendida como a invocação de que, tratando-se de uma nulidade secundária e não tendo sido suscitada perante o Tribunal arbitral no prazo de 10 dias após o seu conhecimento deve ter-se por sanada, não pode ser acolhida.
Na verdade, como é sabido, o RJAT não é um regime completo, nem se nos afigura que o legislador tenha tido essa pretensão, limitando-se, se bem o interpretamos, a constituir um corpo normativo claro e rígido nos seus elementos essenciais, isto é, um regime que quis assegurar de forma especial a concretização dos seus principais objectivos - especialmente os de celeridade e simplicidade, a idoneidade dos árbitros nomeados (bem como a transparência do seu processo de nomeação), a transparência e validade formal da sua decisão e a conformidade constitucional da interpretação das normas jurídicas aplicadas pelos Tribunais Arbitrais.
No mais, como se vê da amplitude da sua norma de “direito subsidiário” – marcadamente de aproximação intencional aos corpos jurídicos que regem as decisões proferidas pelos tribunais estaduais – as vicissitudes que se verificam ao nível do processo, no que não esteja expressamente regulado no RJAT, não são rígidas, devendo ser resolvidas através da já mencionada remissão operada pelo artigo 29.º do RJAT.
Para o que ora releva, a alegação da Impugnada remete-nos – sublinhamos, no limite – para os artigos 195.º a 199.º do CPC onde se encontram regulados os regimes relativos às nulidades que a doutrina vem dividindo em nulidades principais e secundárias.
Todavia, sem prejuízo do respeito que nos mereça tese distinta, essa regulamentação processual geral, em nosso entender, nos termos em que esta arquitetura legal se mostra construída no CPC, não é integralmente transponível para o RJAT, desde logo por não ter sido desenhada para despachos proferidos após a extinção do processo e dos poderes do Tribunal, como é o caso.
Mas outras três razões nos impedem de subsumir a realidade jurídica que apreciámos a uma mera nulidade secundária.
A primeira é a de que a tese de qualificar a prolação de despachos em violação do preceituado no artigo 21.º do RJAT após o termino do processo arbitral e dos poderes do Tribunal como uma mera nulidade processual secundária, conduz, por aplicação do CPC, a que os despachos do Tribunal Arbitral que as apreciassem nunca seriam recorríveis por se não reconduzirem à exepção prevista no artigo 195.º, n.º 1 do CPC – artigo 630.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
Ou seja, um despacho do Tribunal Arbitral que apreciasse a nulidade fundada na inexistência de poderes desse Tribunal para decidir e a julgasse improcedente – e note-se que estamos a falar de uma ilegalidade grave na economia de um regime vincadamente rígido no que respeita à duração máxima do processo e às consequências ou efeitos da não observância dessas normas especiais de natureza imperativa - nunca seria recorrível.
A segunda razão prende-se ainda com as consequências de uma hipotética apresentação da arguição desta nulidade perante o próprio Tribunal Arbitral fundada na falta de fundamentação ou não respeito pelo prazo de prorrogação exigível. Na verdade, mesmo que admitíssemos que o Tribunal Arbitral é o Tribunal competente para apreciar da subsistência dos seus próprios poderes, estar-lhe-ia sempre vedado – reconhecendo razão à Impugnante na questão da não observância do prazo de prorrogação exigível ou quanto à falta de fundamentação, - proferir novo despacho, uma vez que, a aplicar-se o regime do CPC, estava, na situação concreta, já ultrapassada a possibilidade de renovação do acto, uma vez que o acto nulo não pode ser renovado se entretanto tiver expirado o prazo dentro do qual pode ser praticado – artigo 202.º, do CPC.
E se é verdade que a norma citada excepciona a situação de a renovação aproveitar a quem não tenha responsabilidade na nulidade cometida – e aqui parece claro que a nulidade não é imputável a nenhuma das partes – o certo é que o próprio despacho “anulado” nunca podia ser repetido por essa prática implicar a ficção de uma data (e reportamo-nos ao primeiro despacho) em que não foi proferido. Ou seja, tendo o primeiro despacho de prorrogação sido proferido após o processo ter findado, não é de mera renovação de acto que estamos a falar, mas da criação de um despacho (mesmo que com fundamentação) a que fosse atribuída uma data anterior à do despacho anulado e para vigorar num tempo já decorrido.
A terceira, e decisiva, razão é a de que, como já dissemos, o legislador do RJAT regulou e quis regular de forma muito rigorosa os princípios e pilares processuais a que o processo arbitral tinha necessariamente que obedecer, sendo que esta norma, artigo 22.º do RJAT, ao regular o tempo máximo do processo arbitral, isto é, ao determinar imperativamente que a decisão arbitral só nesse tempo pode ser proferida é, indiscutivelmente, uma sua norma estrutural.
Ou seja, considerando que o prazo limite (e o das fundadas prorrogações) da decisão arbitral é assumido pelo legislador como um prazo peremptório (aquele de cujo decurso resulta a extinção do direito de praticar o acto, no caso a própria decisão sobre o objecto da pretensão arbitral) justificado pela celeridade estruturante do processo arbitral, não faz sentido que a violação desse prazo peremptório se possa caracterizar como nulidade processual e que seu controlo não deva ser exercido por um tribunal estadual, no caso e como entendemos, por via da impugnação da decisão Arbitral prevista nos artigos 27.º e 28.º do RJAT.
Admitir-se que o regime consagrado pode ser violado, bastando que as partes a essa violação se não oponham, deixando para estas ou para o Tribunal Arbitral a duração do próprio processo arbitral e o tempo de prolação da decisão, é desvirtuar, podemos mesmo dizer, menorizar um regime legal construído com o objectivo de impedir, em absoluto, esse tipo de situações. Admitir-se essa possibilidade é aceitar que uma parte fundamental do regime legal tal como foi autorizado, um seu princípio estruturante e determinante dessa autorização não está sujeito no seu controlo à reserva dos tribunais estaduais, o que não aceitamos, podendo e devendo esse controlo ser feito por via da Impugnação da Decisão Arbitral.
Em suma, em nosso entender o regime das nulidades secundárias previsto no CPC, não é, sem mais, integralmente transponível para todas as vicissitudes processuais verificadas no processo arbitral e, definitivamente, não constitui regulamentação aplicável às situações em que o primeiro (e os subsequentes despachos de prorrogação) foram todos proferidos após o curso integral do prazo regra previsto no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT. Antes deve admitir-se que essas situações, a verificarem-se, constituem fundamento de Impugnação da Decisão Arbitral, nos termos previstos na al. c) do artigo 28.º do RJST, ou seja, que a prolação de sentença arbitral após a prolação desses despachos e em violação do artigo 21.º do RJAT substancia pronúncia indevida.
Donde, sendo para nós manifesto, que a sentença arbitral foi proferida por um Tribunal cujos poderes já se tinham extinto e num processo que já findara, deve ser anulada, nos termos e com fundamento no artigo 28.º n.º 1 al. c) do RJAT.
Ficam, assim, prejudicadas todas as demais questões suscitadas - incluindo a da alegada notificação da decisão arbitral no dia 19 de Junho de 2015 (sábado) à Impugnante - uma vez que, como deixámos ab initio expresso, independentemente da solução a que chegássemos quanto a essa questão, ou às demais, a decisão de anulação sempre se manteria.

6. Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, julgando procedente a Impugnação da Decisão Arbitral, anular a sentença proferida no processo arbitral n.º 327/2014-T, por ter sido proferida após esse processo arbitral ter findado e já estarem extintos os poderes jurisdicionais do Tribunal Arbitral que a esse processo presidiu.

Custas pela Impugnada.

Registe e notifique.

Lisboa, 7 de Maio de 2020.


[Anabela Russo]

[Vital Lopes]

[Luísa Soares]

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(1) Neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, 3ª edição, Almedina, 2017; No mesmo sentido, Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – Anotado, Almedina, 2016, pág. 545
(2) Jorge Lopes de Sousa, “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, 3ª edição, Almedina, páginas 201-202.
(3) Jorge Lopes de Sousa, “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, 3ª edição, Almedina, 2017; páginas 201-202, No mesmo sentido de, na circunstância referida, a consequência ser a ”dissolução do tribunal arbitral”, vide, Carla Castelo Trindade, “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”, 2016, Almedina, pág. 418.
(4) Objectivos expressamente identificados na Lei de Autorização Legislativa e expressamente invocados no preâmbulo do DL 10/2011 e que o regime positivado visou efectivar - designadamente através de um princípio tendencialmente orientador de irrecorribilidade da decisão arbitral, assegurado pela limitada sindicabilidade das suas decisões pelos tribunais da nossa jurisdição e pelo Tribunal Constitucional e pela simplicidade da tramitação processual.
(5) Neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, ob. cit. páginas 201-202. No mesmo sentido, Carla Castelo Trindade, “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”, 2016, Almedina, pág. 418.
(6) Jorge Lopes de Sousa, “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, 3ª edição, Almedina, 2017, anotação ao artigo 21.º, pág. 201.