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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07119/13
Secção:CT-2ºJUÍZO
Data do Acordão:12/12/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL.
VÍCIOS DE ACTIVIDADE CONTRAPÕEM-SE AOS VÍCIOS DE JULGAMENTO.
QUESTÕES NOVAS.
INDEFERIMENTO LIMINAR DEVIDO A MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA DO FUNDAMENTO DE OPOSIÇÃO.
ARTº.209, Nº.1, AL.C), DO C.P.P.T.
PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL.
PRESSUPOSTOS DA CONVOLAÇÃO DA FORMA DE PROCESSO.
Sumário:1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr.artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil).

2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma.

3. A sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso.

4. O direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição.

5. A manifesta improcedência motivo de rejeição liminar nos termos do artº.209, nº.1, al.c), do C.P.P.T., somente se verifica quando do exame do articulado inicial se conclua, de forma manifesta, que nos encontramos perante inviabilidade de pretensão que torna inútil qualquer instrução e discussão posteriores, isto é, quando o seguimento do processo não tem razão de ser.

6. A análise da propriedade do meio processual empregue pela parte e da sua consequente e eventual admissibilidade legal, deve ser efectuada levando em atenção o princípio da economia processual que enforma todo o direito adjectivo (cfr.artº.130, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P. Tributário).

7. A possibilidade de convolação da forma de processo pressupõe que todo o processo passe a seguir a tramitação adequada, sendo que o pedido formulado no final do articulado inicial constitui um dos elementos que se deve adequar à nova forma processual a seguir.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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JOÃO ………………, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto despacho de indeferimento liminar proferido pelo Mmº. Juiz do T.A.F. do Funchal, exarado a fls.19 e 20 do presente processo, através do qual rejeitou liminarmente a p.i. de oposição que originou os presentes autos, devido a manifesta improcedência do articulado inicial, tal como a inutilidade do eventual acto de convolação para a forma processual de impugnação, tudo ao abrigo do disposto no artº.209, nº.1, al.c), do C.P.P.T.
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O recorrente termina as alegações (cfr.fls.46 a 48 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-É vício gerador de nulidade do título executivo a não junção de cópia de documentos nele expressamente mencionados, sobretudo quando dos mesmos constam elementos essenciais;
2-Ao não mencionar que a dívida exequenda provem da alienação do veículo, o título executivo é nulo, pelo que a douta sentença viola o disposto no artº.165, nº.4, considerando a al.b), do nº.1, do mesmo artigo, e o artº.163, nº.1, al.e), todos do Código do Procedimento e do Processo Tributário;
3-A douta sentença ora recorrida incorre em nulidade atento o disposto no artº.125, nº.1, e viola o disposto no artº.209, nº.1, al.c), do Código do Procedimento e do Processo Tributário;
4-Deve a douta sentença ser revogada e substituída por outra que, com as legais consequências:
a) declare a nulidade do título executivo, ou
b) dê provimento à oposição nos termos nela pedidos, uma vez que a dívida do imposto sobre os veículos sob execução resultou efectivamente da transmissão do veículo que entretanto foi judicialmente anulada.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr.fls.63 e 64 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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Visando a decisão do presente recurso, este Tribunal dá como provada a seguinte matéria de facto:
1-Em 13/12/2012, no 1º. Serviço de Finanças de Funchal, foi instaurado o processo de execução fiscal nº………………., visando a cobrança de dívida de Imposto sobre Veículos (I.S.V.), no montante total de € 9.514,24, cujo prazo de pagamento voluntário teve o seu termo final em 21/11/2012, no qual surge como executado João ………………., com o n.i.f. 176 228 438 (cfr.documentos juntos a fls.1 e 4 da certidão do processo de execução fiscal apensa aos presentes autos; informação exarada a fls.17 dos presentes autos);
2-A dívida exequenda do processo de execução fiscal nº……………. deriva de liquidação de I.S.V., datada de 10/10/2012, efectuada no âmbito do processo de cobrança a posteriori nº.149/2012, ao abrigo do artº.26, do Código do I.S.V., visando a transmissão antecipada da propriedade do veículo de matrícula ……….., objecto de benefício fiscal e consequente liquidação das imposições fiscais em dívida (cfr. documentos juntos a fls.50 a 53 dos presentes autos; documento junto a fls.4 da certidão do processo de execução fiscal apensa aos presentes autos; informação exarada a fls.17 dos presentes autos);
3-Em 24/12/2012, o executado foi citado no âmbito do processo de execução fiscal nº…………………….. (cfr.documento junto a fls.9 da certidão do processo de execução fiscal apensa aos presentes autos; informação exarada a fls.17 dos presentes autos);
4-Em 1/2/2013, o executado/recorrente apresentou junto do 1º. Serviço de Finanças de Funchal a p.i. de oposição que originou o presente processo, na qual alega (cfr.p.i. junta a fls.3 e 4 dos presentes autos):
a)que a presente execução fiscal tem origem em dívida relativa a I.S.V. devido pelo executado em virtude da transmissão da propriedade do veículo de matrícula …………………..;
b)que o executado apenas procedeu à transmissão da propriedade do veículo porque estava convencido que ao fazê-lo não incorreria na obrigação de pagamento de qualquer imposto;
c)que já intentou acção visando a anulação da transmissão da propriedade, tudo conforme documento que junta;
d)que caso seja anulada a transmissão do direito de propriedade, igualmente ficará anulada a liquidação e, por consequência, a dívida exequenda;
e)que a execução deve ser suspensa e aguardar a decisão final da acção referida que lhe é prejudicial;
f)termina pedindo que seja anulada a obrigação de pagamento de I.S.V. em consequência da anulação do negócio que a originou;
5-Em 14/5/2013, transitou em julgado a sentença lavrada no âmbito do processo nº………./13.0TBFUN, o qual corre termos no 3º. Juízo Cível do Tribunal Judicial do Funchal, tendo decretado a anulação do negócio de transmissão da propriedade do veículo com a matrícula ………… para Daniel ……………., mais ordenando o cancelamento do respectivo registo e a reversão da propriedade do mesmo a favor de João …………… (cfr.cópia de certidão junta a fls.25 a 27 dos presentes autos).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto estruturada supra, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, o despacho recorrido decidiu, em síntese, rejeitar liminarmente a p.i. de oposição que originou os presentes autos, devido a manifesta improcedência do articulado inicial, tal como a inutilidade do eventual acto de convolação para a forma processual de impugnação, tudo ao abrigo do disposto no artº.209, nº.1, al.c), do C.P.P.T.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Alega o apelante, em primeiro lugar, que a sentença recorrida incorre em nulidade atento o disposto no artº.125, nº.1, do C.P.P.T. (cfr.conclusão 3 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar, supomos, nulidade por omissão de pronúncia.
Deslindemos se procede a nulidade da sentença suscitada pelo recorrente.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.615, do C.P.Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/5/2011, proc.4629/11).
Mais se dirá que a sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).
Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P. Tributário).
Mais, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.577 e 578, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº.133, nº.2, do C.P.Administrativo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac.T.C.A.Sul-2.ªSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365).
Revertendo ao caso dos autos, desde logo se deve vincar que este Tribunal não sabe qual a causa de omissão de pronúncia alegada pelo apelante, o qual igualmente não concretiza a mesma nas conclusões do recurso.
Contemplando as alegações de recurso, conclui este Tribunal que o recorrente centra a omissão de pronúncia no facto de o Tribunal “a quo” não ter levado em consideração que a dívida exequenda deriva da transmissão do veículo de matrícula 90-73-MD.
Ora, examinando o despacho de indeferimento liminar objecto do recurso, no mesmo o Tribunal “a quo” analisa a questão da transmissão do direito de propriedade do veículo, embora conclua que tal questão não constitui, certamente, fundamento da dívida exequenda, atento o conteúdo do artº.5, do Código do I.S.V., norma que define o facto gerador do tributo, daqui concluindo que a eventual convolação da p.i. para a forma de impugnação judicial levaria à sua manifesta improcedência, pelo que se estaria a praticar um acto inútil.
Atento o acabado de mencionar, não estamos perante qualquer omissão de pronúncia da decisão recorrida, mas antes perante eventual erro de julgamento.
Em suma, não se vê que a sentença recorrida tenha omitido pronúncia e, nestes termos, devendo improceder este fundamento do recurso.
O recorrente argui, igualmente e conforme supra se alude, que é vício gerador de nulidade do título executivo a não junção de cópia de documentos nele expressamente mencionados, sobretudo quando dos mesmos constam elementos essenciais. Que ao não mencionar que a dívida exequenda provem da alienação do veículo, o título executivo é nulo, pelo que a douta sentença viola o disposto no artº.165, nº.4, considerando a al.b), do nº.1, do mesmo artigo, e o artº.163, nº.1, al.e), todos do Código do Procedimento e do Processo Tributário (cfr.conclusões 1 e 2 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar, supomos, erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
O fundamento de recurso ora sob apreciação constitui questão que não foi invocada no articulado inicial do presente processo (cfr.nº.4 do probatório). Na verdade, não se alcança da p.i. que a matéria vertida nas conclusões que se deixaram expostas haja sido alegada em 1ª. Instância, pelo que não poderia ser objecto de conhecimento e correcção pelo Tribunal “a quo”, sendo nesta sede de recurso pela primeira vez suscitada. Igualmente sendo matéria que não é de conhecimento oficioso.
É que o direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/1992, rec.13331; ac.S.T.J., 25/2/1993, proc.83552; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/8/2012, proc.5857/12). Não vale, contudo, também entre nós, em toda a sua pureza, o modelo de recurso de reponderação. Além de outras excepções (v.g.as partes podem acordar, em 2ª. Instância, a alteração ou ampliação do pedido - cfr.artº.264, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), o Tribunal “ad quem” pode conhecer de questões novas, ou seja, não suscitadas no Tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado. E essas questões podem referir-se, quer à relação processual (v.g.excepções dilatórias, atento o disposto no artº.578, do C.P.Civil), quer à relação material controvertida (v.g.prescrição e duplicação de colecta - cfr.artº.175, do C.P.P.Tributário). No que respeita à matéria de direito, são os Tribunais de recurso inteiramente livres quanto à determinação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso ajuizado, devendo, mesmo, tomar em consideração as modificações da lei sobrevindas após o julgamento ocorrido na instância inferior, caso elas abranjam a relação jurídica litigiosa (cfr.António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.92 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.153 e seg.; Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III, Recursos, AAFDL, 1982, pág.174).
Concluindo, o recorrente pretende a emissão de pronúncia sobre questão nova, o que o mesmo é dizer que o tema suscitado nas conclusões apelatórias em análise excede o objecto do recurso, implicando a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição, pelo que dela se não conhece.
Por último, o recorrente aduz que a decisão recorrida viola o disposto no artº.209, nº.1, al.c), do Código do Procedimento e do Processo Tributário (cfr.conclusão 3 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A manifesta improcedência motivo de rejeição liminar nos termos do artº.209, nº.1, al.c), do C.P.P.T., somente se verifica quando do exame do articulado inicial se conclua, de forma manifesta, que nos encontramos perante inviabilidade de pretensão que torna inútil qualquer instrução e discussão posteriores, isto é, quando o seguimento do processo não tem razão de ser (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/10/1996, rec.19410; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 11/12/2012, proc.6061/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, III volume, 6ª. edição, 2011, pág.564).
Revertendo ao caso dos autos, atenta a factualidade constante do probatório (cfr.nº.4 da matéria de facto), deve este Tribunal confirmar o despacho recorrido, visto que o articulado inicial deste processo, desde logo, não consubstancia qualquer fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, do C.P.P.T.
No entanto, conforme mencionado supra, a decisão recorrida considerou que a eventual convolação da p.i. para a forma de impugnação judicial levaria à sua manifesta improcedência, pelo que se estaria a praticar um acto inútil.
Não pode este Tribunal concordar com este esteio da decisão recorrida.
Antes de mais, recorde-se que o objecto material do processo de impugnação é o acto de liquidação, acto tributário em sentido estrito (cfr.artºs.5 e 89, do C.P.C.Impostos; artºs.120 e 123, do C.P.Tributário; artºs.99 e 102, do C.P.P.Tributário; artº.62, nº.1, al.a), do E.T.A.F.), dado ser esse o acto administrativo do qual resulta, com carácter definitivo e executório, a declaração do direito do Estado a um determinado quantitativo pecuniário (cfr.artºs.2 e 3, do C.P.C.Impostos; artº.18, do C.P.Tributário; artº.60, do C.P.P.Tributário).
A análise da propriedade do meio processual empregue pela parte e da sua consequente e eventual admissibilidade legal, deve ser efectuada levando em atenção o princípio da economia processual que enforma todo o direito adjectivo (cfr.artº.130, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário).
A possibilidade de convolação pressupõe que todo o processo passe a seguir a tramitação adequada, sendo que, no caso concreto, o pedido formulado no final do articulado inicial identificado no probatório se adequa à convolação do processo para a forma de impugnação (cfr.artº.98, nº.4, do C.P.P.T.; nº.4 da factualidade provada).
Por outro lado, deve considerar-se tempestivo o articulado inicial do presente processo, enquanto p.i. de impugnação judicial, atenta a factualidade provada (cfr.nºs.1 e 4 do probatório) e o disposto no artº.102, nº.1, al.a), do C.P.P.T.
Por último, igualmente se dirá ser o processo de impugnação judicial o indicado para a discussão das eventuais consequências da anulação da transmissão da propriedade do veículo de matrícula …………., já decidida com trânsito em julgado na Jurisdição Comum (cfr.nº.5 do probatório), visto que tal transmissão se deve visualizar como facto tributário pressuposto da liquidação oficiosa que constitui a dívida exequenda objecto do processo de execução fiscal nº…………………. (cfr.nº.2 do probatório).
Arrematando, sem necessidade de mais amplas ponderações, deve julgar-se procedente o presente recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida a qual padece do vício de erro de julgamento de direito que se consubstancia na violação do regime previsto nos artºs.98, nº.4, e 110, nº.1, ambos do C.P.P.T., ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
1-CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO e revogar a decisão recorrida;
2-CONVOLAR A P.I. DO PRESENTE PROCESSO para a forma processual de impugnação judicial;
3-Ordenar a baixa dos autos à 1ª. Instância para que se exare despacho de admissão liminar da p.i., enquanto articulado inicial de processo de impugnação judicial, se nenhuma outra excepção/questão prévia a tal obstar.
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Sem custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 12 de Dezembro de 2013

(Joaquim Condesso - Relator)
(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)

(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)