Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:315/07.7BEFUN
Secção:CA
Data do Acordão:03/03/2022
Relator:ALDA NUNES
Descritores: LICENCIAMENTO DE CONSTRUÇÃO
PDM
PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM
Sumário:I- Por efeito do princípio do tempus regit actum (cfr art 67º do RJUE) aos atos de licenciamento de obra de construção aplicam-se as normas legais e regulamentares em vigor à data da sua prática, nomeadamente de planeamento territorial.

II-Tal apenas assim não será se à alteração ou revisão do Plano de Ordenamento do Território for atribuída eficácia retroativa.

III- Por efeito da lei, a consequência jurídica da violação de normas de Plano de Ordenamento do Território é a nulidade do ato de licenciamento.

IV- Ora, a nulidade é insanável, quer pelo decurso do tempo – por isso é que é invocável a todo o tempo por qualquer interessado (134º, nº 2 do CPA/1991) – quer por ratificação, reforma e conversão (137º, nº 1 do CPA/91).

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Processo nº 315/07.7BEFUN

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Relatório

Município da Calheta recorre da sentença proferida pelo TAF do Funchal na presente ação administrativa especial, movida por M… contra o ora recorrente e contra os contrainteressados P…, «G…, Lda» e M…, com pedido (alterado, nos termos do art 70º, nº 3 do CPTA/ 2002) de declaração de nulidade do ato administrativo de licenciamento de obras de construção, praticado a 8.5.2008, titulado pelo alvará de obras de construção nº …/08, de X.

A sentença proferida, a 30.6.2021, julgou a ação procedente quanto ao ato de licenciamento praticado pela entidade demandada no processo nº …/05-CN, em 8.5.2008, a favor da contrainteressada G…, Lda e, em consequência, declarou a nulidade do mesmo.
Inconformado com o decidido, o Município interpôs recurso da sentença, concluindo as respetivas alegações do seguinte modo:
1. Deverá ser dado provimento ao recurso apresentado pelo réu Município da Calheta e, em consequência:
a) Ser corrigido o valor da ação nos termos do art 33º, al a) do CPTA
b) E determinar ao juiz a quo que analise e decida o ato recorrível face às novas regras do PDM válido à data da sentença.


O autor contra-alegou o recurso e formulou as seguintes conclusões:
A) Ser o presente Recurso considerado como não admitido por falta de valor, nos termos do nº 1 do artigo 142.º do CPTA em conjugação com o artigo 24.º da LOFTJ aplicável ex vi artigo 6.º do ETAF e tendo em consideração o previsto no n.º 3 do referido artigo da LOFTJ;

Caso assim V.Ex. ªs não entendam, o que apenas se concede por mero dever de patrocínio,

B) Ser negado provimento ao presente Recurso por ineptidão dos pedidos e violação do ónus de alegação, confirmando-se a douta decisão recorrida, consequentemente mantendo a declaração de nulidade do ato de licenciamento praticado pela Entidade Demandada/Recorrente no processo …/05-CN, em 08/05/2008, a favor da Contrainteressada G…, Lda;

Caso assim V.Ex. ªs não entendam, o que apenas se concede por mero dever de patrocínio,

C) Ser negado provimento ao presente Recurso por não provado, confirmando-se a douta decisão recorrida, consequentemente mantendo a declaração de nulidade do ato de licenciamento praticado pela Entidade Demandada/Recorrente no processo …/05-CN, em 08/05/2008, a favor da Contrainteressada G…, Lda;

D) Ser a Entidade Demandada/Recorrente condenada no pagamento de custas e no que demais houver.

Os contrainteressados silenciaram sobre o recurso.

O Exmo Procurador Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º, ambos do CPTA, não emitiu parecer.


Colhidos os vistos vêm os autos à Conferência para decisão.

Objeto do recurso:
Considerando o disposto no art 144º nº 2 do CPTA e nos artigos 5º; 608º nº 2; 635º nº 4 e 5 e 639º do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas alegações e respetivas conclusões, verificamos que cumpre saber se a sentença recorrida incorreu em:
i) erro de julgamento de direito na fixação do valor da causa;
ii) erro de julgamento da matéria de facto provada nos nº 4 e 5;
iii) erro de julgamento de direito em virtude do tribunal a quo não ter excecionado a aplicação ao caso do princípio tempus regit actum.

Nas contra-alegações o autor/ recorrido pugnou pela não admissão do recurso por falta de valor.

Fundamentação
De facto.
Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto:
1. «A 30/07/2007, o Autor dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal da Entidade Demandada um requerimento, do qual consta, designadamente:




2. A 08/05/2008, a Entidade Demandada deliberou a emissão da licença de construção no Processo n.º …/…-CN, em nome da Contrainteressada G…, Lda, da qual consta:


3. A 16/05/2008, a Entidade Demandada emitiu o alvará de obras de construção n.º …/08, no âmbito do processo n.º …/…-CN, do qual consta, designadamente:

4. O prédio dos Contrainteressados fica situado no Sitio da Igreja, freguesia do Paúl do Mar, descrito na Conservatória do Registo Predial da Calheta sob o n.º 0…./0…, com a área de 670 m2 de quintal e 115 m2 de área coberta.
5. Por desanexação a superfície descoberta do prédio dos Contrainteressados referido em 4 supra passou para 330 m2.
6. A implantação do prédio licenciado dista, no lado oposto ao Caminho Municipal, dos limites do prédio 1,50 a 1,54 metros.
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Factos não provados
Inexistem factos alegados relevantes para a decisão da causa a considerar como não provados.
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Motivação de Facto
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado e consignar se a considera provada ou não provada.
Os factos dados como provados nos presentes autos foram os considerados relevantes para a decisão da causa controvertida segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito.
A formação da nossa convicção para efeitos da fundamentação dos factos 1., 2. e 3. atrás dados como provados teve por base os documentos juntos aos autos.
Os factos 4., 5. e 6. são dados como provados por acordo das partes, tendo em conta que, pese embora notificados para o efeito, a Entidade Demandada e os Contrainteressados não impugnaram os fundamentos [causa de pedir] alegados pelo Autor no requerimento de 04/07/2016, relativos à impugnação da licença de construção concedida pela deliberação de 08/05/2008 e a que se refere o Alvará de Obras de Construção n.º …/08, de 16 de maio de 2008».

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Nos termos do art 662º nº 1 CPC (art 712, nº 1, al a) do CPC/1961), ex vi arts 1º e 140º do CPTA, e art 342º do CC, e porque resulta da documentação junta aos autos, adita-se ao probatório novo facto que se mostra necessário à apreciação das questões suscitadas:
7. A presente ação entrou em juízo a 17.12.2007 – cfr petição inicial.


O Direito
Erro de julgamento de direito na fixação do valor da causa.
O recorrente imputa à sentença sob recurso erro de julgamento na fixação do valor da causa, em €: 3.741,00, por violar o disposto nos arts 31º, 33º e 34º do CPTA, uma vez que nos casos de processos relativos à prática de atos de licenciamento de obras o valor da causa afere-se pelo custo da obra projetada (art 33º, al a) do CPTA). Assim, porque o presente processo é relativo a ato administrativo de licenciamento de obras, de acordo com o disposto no art 33º do CPTA, na fixação do valor atende-se ao conteúdo económico do ato em causa, que, no caso, se afere pelo custo previsto da obra projetada.
O recorrente aponta à sentença erro de julgamento na aplicação do critério especial de fixação do valor da ação previsto no art 33º, al a) do CPTA.
No entanto, como refere o recorrido nas alegações de recurso, o recorrente não especifica de que forma considera que tal critério não foi cumprido, nem tão pouco alega/ define qual o valor que entende que deveria ter sido fixado pelo Tribunal a quo.
Vejamos.
A presente ação entrou em juízo a 17.12.2007.
A sentença sob recurso tem data de 30.6.2021 e fixou à presente ação o valor indicado pelas partes, de €: 3.741,00 – art 33º, al a) do CPTA.
Uma nota prévia.
Na pendência da ação a legislação processual civil e de processo nos Tribunais Administrativos sofreu alterações.
A 26.6.2013 foi aprovado o «novo» Código de Processo Civil pela Lei nº 41/2013. Este diploma entrou em vigor no dia 1 de setembro de 2013 e foi imediatamente aplicável às ações declarativas pendentes, exceto no que diz respeito às normas relativas à determinação da forma de processo declarativo e às normas reguladoras dos atos processuais da fase dos articulados (cfr art 5º, nº 1, 2 e 3 da Lei nº 41/2013, de 26.6). Com a entrada em vigor deste diploma, passa a ser aplicável a todos os recursos – mesmo os interpostos de decisões proferidas em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 – o regime decorrente do DL nº 303/2007, de 24.8, com as alterações introduzidas pela Lei nº 41/2013, à exceção das alterações ao regime da dupla conforme (cfr art 7º da Lei nº 41/2013).
O que significa que ao presente recurso e às questões que nos vêm colocadas aplica-se o CPC de 2013.
Já quanto ao CPTA, por força do disposto no art 15º, nº 2 do DL nº 214-G/2015, de 2.10, aplica-se ao caso o Código de Processo nos Tribunais Administrativos em vigor à data da instauração da lide, ou seja, o CPTA aprovado pela Lei nº 15/2002, de 22.2 (que passamos a identificar como CPTA/2002).
De regresso à questão da fixação do valor da causa, cumpre referir que o art 299º, nº 1 do CPC ex vi art 31º, nº 4 do CPTA, define o momento a considerar para determinar o valor da causa, como sendo aquele em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal.
De acordo com a letra deste preceito legal, são irrelevantes as modificações posteriores, tais como a redução, a ampliação ou a alteração do pedido (cfr Ac do STJ, de 11.5.2011, processo nº 1071/08).
Nos termos do art 306º do CPC, que trata da fixação do valor,
1 - Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes.
2 – O valor da causa é fixado no despacho saneador, salvo nos processos a que se refere o nº 4 do art 299º e naqueles em que não haja lugar a despacho saneador, sendo então fixado na sentença.
Na petição inicial o autor, ora recorrido, pediu a condenação do Município da Calheta na prática do ato devido consubstanciado na determinação da legalização das obras executadas pela sociedade G…, Lda, no s… da Igreja, freguesia do Paúl do Mar, neste Município, ou caso não seja possível, seja ordenada a sua demolição e a reposição do terreno no seu estado anterior.
O autor indicou à ação o valor de €: 3.741,00.
Posteriormente, o autor promoveu a alteração da instância, ao abrigo do art 70º, nº 3 do CPTA, e formulou pedido de declaração de nulidade do ato administrativo de licenciamento da obra de construção aprovado por deliberação camarária de 8.5.2008.
O Município contestou a ação e indicou à causa o valor de €: 3.741,00.
Relativamente ao pedido de ampliação do autor, o Município nada disse.
O objeto da ação versa sobre o licenciamento de uma obra de construção e, nesse contexto, o critério de fixação do valor da causa constitui uma das situações especificas mencionada no art 33º, al a) do CPTA.
Ou seja, por estar em causa uma omissão (e depois a prática) de ato administrativo no âmbito de licenciamento de obras, o valor da causa afere-se pelo custo previsto da obra projetada.
Ora, no caso, as partes, portanto, autor e réu, indicaram à causa o mesmo valor de €: 3.741,00 e o tribunal, nos termos do art 33º, al a) do CPTA, atribuiu esse valor à ação, por ser o custo previsto no pedido inicial como correspondente ao conteúdo económico do ato omisso (a legalização das obras executadas pela sociedade G…, Lda, no s… da Igreja, freguesia do Paúl do Mar, neste Município, ou, caso não seja possível, a sua demolição e a reposição do terreno no seu estado anterior).
Em momento algum, inclusive na presente instância de recurso, o recorrente defendeu, indicou, demonstrou qualquer outro valor à ação.
Assim, não merece reparo a decisão recorrida, por fixar à causa o valor de acordo com o critério especifico do art 33º, al a) do CPTA.
Improcedendo, por isso, este fundamento do recurso.

Não admissão do recurso por falta de valor.
Refira-se ainda que este valor da causa, de €: 3.741,00, indicado na petição inicial, entrada em juízo a 17.12.2007, é superior ao valor da alçada dos tribunais de primeira instância então em vigor, que era de €: 3740,98 (art 6º, nº 3 do ETAF/2002, art 24º, nº 1 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), na redação dada pelo DL nº 323/2001, de 17.12).
Com efeito a alçada - «o limite de valor até ao qual o tribunal julga definitivamente, não sendo admitido recurso das decisões proferidas cujo valor se contenha dentro desse limite» J Lebre de Freitas, CPC anotado, 3º vol, 2003, pág 9 – dos tribunais de 1ª instância só passou a ser de €: 5.000,00 a partir de 1.1.2008 (cfr arts 5º e 12º do DL nº 303/2007, de 24.).
Como, por força do art 6º, nº 3 do ETAF/2002, a alçada dos tribunais administrativos de círculo corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1ª instância, não assiste razão ao recorrido quando nas contra-alegações pretende a rejeição do presente recurso jurisdicional por falta de valor.
Assim e bem, de acordo com o disposto no art 142º, nº 1 do CPTA, o recurso em análise foi admitido pelo tribunal a quo.
Improcedendo, em resultado, a questão suscitada pelo recorrido.

Erro de julgamento da matéria de facto provada nos nº 4 e 5.
O Município põe em causa a decisão da matéria de facto provada nos nº 4 e 5 de forma muito deficiente, quer considerando o disposto no art 144º, nº 2 do CPTA e no art 639º, nº 1 do CPC, quer tendo presente os ónus processuais impostos pelo art 640º, nº 1 do CPC ex vi art 140º do CPTA.
Vem o recorrente dizer, nas alegações de recurso, quanto ao facto provado no nº 4, que: não percebe nem se encontra nos autos referencias a quintal … não existe na descrição do prédio a designação de «quintal», quanto ao facto provado no nº 5, questiona: desanexação de quê?
Defendendo a falta de fundamentação de facto sobre os factos assentes pela sentença.
A invocação (deficiente) do erro no julgamento da matéria de facto falece manifestamente face ao teor da certidão do registo predial junta ao processo cautelar apenso à ação (nº 122/07.7BEFUN – fls 146 do sitaf).
Expliquemos.
O tribunal deu como provado:
4. O prédio dos Contrainteressados fica situado no S… da Igreja, freguesia do Paúl do Mar, descrito na Conservatória do Registo Predial da Calheta sob o n.º 0…./0…., com a área de 670 m2 de quintal e 115 m2 de área coberta.
5. Por desanexação a superfície descoberta do prédio dos Contrainteressados referido em 4 supra passou para 330 m2.
O tribunal motivou a decisão nos seguintes termos:
Os factos 4., 5. e 6. são dados como provados por acordo das partes, tendo em conta que, pese embora notificados para o efeito, a Entidade Demandada e os Contrainteressados não impugnaram os fundamentos [causa de pedir] alegados pelo Autor no requerimento de 04/07/2016, relativos à impugnação da licença de construção concedida pela deliberação de 08/05/2008 e a que se refere o Alvará de Obras de Construção n.º …/08, de 16 de maio de 2008».
Os factos em causa efetivamente encontram-se provados por documento escrito, com força probatória plena, a saber: por certidão do registo predial e cópia certificada dos dados matriciais.
Em concreto, compulsada a certidão, nela se lê que o prédio registado na Conservatória do Registo Predial da Calheta sob o nº …/0….., freguesia Paúl do Mar, concelho de Calheta, tem a seguinte descrição:
Prédio urbano, Igreja, casa de habitação área coberta: 115m2, quintal: 670m2 …
No mesmo documento consta:
- Uma anotação, com base na apresentação X/X, com o seguinte teor: desanexado o descrito sob o nº …/…, com a área de 340m2;
- Av 01 – Ap 09/… – convertida em averbamento a anotação da Ap. 05/030217;
- Av. 02 – Ap. 06/…– SD: 330m2 – art 615 – V.P. €: 24.840,00.
E a mesma leitura podemos fazer da cópia certificada dos dados matriciais/ caderneta predial, de fls 149 do processo cautelar apenso à ação (nº 122/07.7BEFUN), onde consta que o prédio sofreu alterações de área de «Q» - quintal, de 670m2 para 330m2.
O que demonstra que os factos provados nos nº 4 e 5 são para manter nos precisos termos em que foram fixados na sentença, ainda que se considerem provados por certidão de registo predial e cópia certificada dos dados matriciais juntas ao processo cautelar apenso à presente ação.
Improcede assim o erro de julgamento da matéria de facto.

Erro de julgamento de direito em virtude do tribunal a quo não ter excecionado a aplicação ao caso do princípio tempus regit actum.
O recorrente discorda agora do segmento da sentença recorrida que fundamenta a declaração de nulidade do licenciamento da obra na violação das normas do PDM da Calheta aprovado pela Resolução nº 3/2005/M, de 29.3 (PDM/2005), por entender dever aplicar-se o PDM da Calheta ratificado pela Resolução do Governo Regional da Madeira nº 16/2013, publicado no JORAM, I série, nº 5, de 16.1.2013 (PDM/2013).
A decisão recorrida aplicou a versão do PDM da Calheta de 2005 por força do princípio tempus regit actum e assim aferiu a validade do ato impugnado, com data de 8.5.2008, à luz das normas do PDM então em vigor.
O recorrente defende que o caso em apreço enquadra uma situação de sanação, por via legislativa, do vício de violação de lei conducente à nulidade do ato impugnado, concretamente, por força do previsto na nova Regulamentação do novo PDM. Cita para o efeito a jurisprudência do STA, Ac de 15.10.2008, processo nº 883/07. E conclui que a sentença incorreu em erro na aplicação do direito ao não ter analisado o vício de violação de lei imputado ao ato de licenciamento à luz das normas do novo PDM/ 2013.

Para princípio de análise refuta-se a contra-alegação do recorrido no sentido do presente fundamento de recurso ser inepto, nos termos do art 664º do CPC/1961. Pois das alegações e conclusões de recurso resulta que vem imputado um erro de julgamento de direito à sentença quando refere: Pese embora na presente data esteja em vigor uma nova versão do Plano Diretor Municipal da Calheta, ratificado pela Resolução do Governo Regional da Madeira n.º 16/2013, publicado no JORAM, I Série, n.º 5, de 16/01/2013, a validade do ato impugnado deve, por força do princípio tempus regit actum, ter em conta as regras e parâmetros urbanísticos aplicáveis à data em que o mesmo foi praticado.
Quaisquer efeitos decorrentes de alterações normativas supervenientes, designadamente por força de alteração dos planos urbanísticos aplicáveis, podem, eventualmente, ser invocados em sede de execução de sentença.

Portanto, importa saber se a sentença errou na aplicação ao caso das normas do PDM da Calheta em vigor à data da prática do ato de licenciamento, ou seja, em 8.5.2008.
Julgamos que a decisão não incorreu no erro que lhe vem apontado.
Com efeito, a sentença recorrida declarou a nulidade do ato de licenciamento da construção de 8.5.2008, praticado no Processo nº …/0…-CN, em nome da Contrainteressada G…, Lda., motivada por:
i) Os concretos parâmetros urbanísticos da obra licenciada violam os afastamentos a observar até ao limite do prédio, os quais são de 3 metros, cfr. art. 32.º, n.º 7, do Plano Diretor Municipal da Calheta, aprovado pela Resolução n.º 3/2005/M;
ii) Quanto aos índices de construção, cfr. art. 34.º, n.º 6, do Plano Diretor Municipal da Calheta, aprovado pela Resolução n.º 3/2005/M, o ato impugnado viola o limite máximo legalmente definido, ou seja, permite a construção em 716 m2, quando o limite é de 0,50% do lote ou parcela, o que no caso concreto seria de 222,5 m2;
iii) A Entidade Demandada licenciou uma área de implantação de 315,25 m2, violando o disposto no art. 34.º, n.º 6 – item 6.2 do Plano Diretor Municipal da Calheta.
E não se vislumbra fundamento legal para a apelada sanação do ato de licenciamento de construção impugnado por via da aplicação do PDM/2013.
Desde logo porque a lei não admite a sanação dos atos administrativos nulos.
A nulidade é insanável, quer pelo decurso do tempo – por isso é que é invocável a todo o tempo por qualquer interessado (134º, nº 2 do CPA/1991) – quer por ratificação, reforma e conversão (137º, nº 1 do CPA/91).
E como ensina a doutrina a revisão ou a alteração de um Plano não transforma o ato nulo (por violação do Plano) em ato válido (cfr Fernanda Paula Oliveira e outras, «Regime da Urbanização e Edificação – comentado», 2012, 3ª edição, pag 509 e 510).
Precisamente por efeito do princípio do tempus regit actum (cfr art 67º do RJUE), nos termos do qual aos atos de licenciamento aplicam-se as normas legais e regulamentares em vigor à data da sua prática.
De facto, sendo o momento da prática do ato o que releva para efeitos da determinação da validade do mesmo, a revisão ou a alteração da norma de um Plano de Ordenamento do Território, cuja violação deu origem à nulidade, em nada altera a qualificação jurídica – nulidade – da sanção jurídica decorrente da violação da norma.
Só declarada a nulidade do ato de licenciamento, pela Administração ou pelo Tribunal, a pedido do interessado, pode ser emitido novo ato de licenciamento à luz das novas normas do Plano.
Tal apenas assim não será se à alteração ou revisão do Plano for atribuída eficácia retroativa.
Nada dispondo o novo Plano nesse sentido, vale a regra geral segundo a qual as normas dos Planos apenas produzem efeitos para o futuro.
Ora, neste caso, o recorrente não discorda que o ato de licenciamento é desconforme e viola o disposto nos arts 32º, nº 7 e 34º, nº 6 do PDM da Calheta de 2005, nos parâmetros de edificabilidade: afastamentos a observar até ao limite do prédio, índices de construção, área de implantação. O que diz, sem identificar as normas jurídicas violadas e as que deviam ter sido aplicadas, é que o juiz a quo deveria ter verificado se na aplicação ao caso concreto, à data da sentença, o Plano Diretor Municipal em vigor era constituído por um conjunto de dispositivos regulamentares que permitiam a sanação do ato administrativo em análise.
De todo o modo, lendo o Regulamento do PDM da Calheta, aprovado pela Resolução nº 16/2013, que constitui a primeira Revisão do Plano Diretor Municipal da Calheta, aprovado pela Resolução nº 3/2005/M, de 29 de março, inexiste norma que atribua efeitos retroativos à revisão do Plano. Resulta sim e apenas, do respetivo art 94º, que o RPDMC entra em vigor no dia útil seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial.
Tal significa que o ato de licenciamento praticado em 8.5.2008, a favor da contrainteressada G…, Lda, tal como decidiu o tribunal recorrido, deve ser apreciado, como efetivamente foi, em conformidade com as regras do PDM da Calheta em vigor à data de 8.5.2008, ou seja, o RPDMC aprovado pela Resolução nº 3/2005/M, de 29 de março.
Assim sendo, atentos os factos provados, resulta que:
i) a implantação do edifício de habitação licenciado, dista do lado oposto ao Caminho Municipal, 1,50 a 1.54 metros dos limites do prédio, exigindo o art 32º, nº 7 do PDM/2005, os afastamentos mínimos de 3 metros;
ii) o ato impugnado permite a construção em 716m2, mas o art 34º, nº 6 do PDM/2005 fixava o limite máximo de construção em 50% do lote ou parcela, que no caso era de 222,50 m2, por a área total ser de 445m2;
iii) o índice de impermeabilização licenciado foi de 315,25m2, mas o art 34º, nº 6, item 6.1 do PDM/2005, permitia a percentagem máxima de 25% dos 445m2.
Ou seja, como decidiu o tribunal recorrido, o ato de licenciamento aprovado em 8.5.2008 viola as normas do Regulamento do PDM da Calheta de 2005 e, nos termos do art 68º do RJUE e do art 103º do RJIGT, é nulo.
Assim sendo, também este fundamento do recurso improcede.

Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.
Notifique.
*
Lisboa, 2022-03-03,
(Alda Nunes)
(Lina Costa)
(Catarina Vasconcelos).