Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:383/19.9BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:06/06/2019
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:VIOLAÇÃO DO DIREITO À HABITAÇÃO - ARTIGO 65.º DA CRP
DESOCUPAÇÃO DE CASA CAMARÁRIA
ENCAMINHAMENTO PRÉVIO
ART. 28.º, N.º 6, DA LEI N.º 81/2014, DE 19 DE DEZEMBRO
Sumário:I. Conforme foi já por várias vezes objeto de ponderação pelo Tribunal Constitucional, o direito à habitação tem de ser entendido na sua caracterização de direito fundamental de natureza social, como um direito a prestações, de conteúdo não determinável ao nível das opções constitucionais, a pressupor, antes, uma tarefa de concretização e de mediação do legislador ordinário, cuja efetividade está dependente da ‘reserva do possível’, em termos políticos, económicos e sociais.
II. O encaminhamento prévio do agregado alvo de despejo com efetiva carência habitacional para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais, imposto pelo artigo 28.º, n.º 6, da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na redação da Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto, não se pode reduzir a uma mera informação tabelar dos procedimentos que os ocupantes podem adotar, constante da notificação de desocupação.
III. Referindo-se o normativo em questão a agregados com efetiva carência habitacional, tal
pressupõe uma prévia averiguação da respetiva situação financeira, e após o respetivo enquadramento, incumbirá à entidade requerida apresentar soluções alternativas (à da casa ilegalmente ocupada) de acordo com a lei, não se podendo limitar a informar os elementos do agregado da identificação dos seus programas de acesso à habitação e de apoio ao arrendamento, e de que podem ainda recorrer à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO
L….……………. requereu providência cautelar de suspensão de ato, tramitada sob a forma de processo urgente, contra a Câmara Municipal de Lisboa, na qual formulou o seguinte pedido: «(…) deve a presente providência ser admitida com decretamento provisório, com base no carácter de urgência e sem audição prévia da Entidade Requerida com atribuição de efeito imediato ao pedido de suspensão da eficácia nos termos do disposto nos artigos 128.º e 131.º do CPTA, julgada procedente por provada e por via dela ser notificada à Câmara Municipal de Lisboa para se abster, sob pena de incorrer no crime de desobediência, de por qualquer forma criar obstáculos, impedir o normal uso do locado pela Requerente para o fim a que se destina (habitação própria e exclusiva), condenando-se a Requerida em custas e condigna Procuradoria”.
Por decisão de 28/02/2019, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa rejeitou liminarmente o requerimento inicial apresentado pela requerente.
Inconformada, L….……………. interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“1ª
A A., no dia 22 de Fevereiro de 2019, apresentou a 4ª candidatura, sendo que a 1ª foi há 10 anos, para atribuição de uma casa social pela CML, nunca tendo recebido qualquer resposta.
A Recorrente vive com o companheiro igualmente desempregado, têm 2 filhos menores, com 11 e 7 anos de idade.
Tem assistido a entregas de chaves a pessoas que não concorreram tal como sucedeu recentemente que um seu familiar que tendo aceite a casa atribuída por concurso viu a mesma ser-lhe retirada e ocupada (foi entregue sem concurso pelo Presidente da CML) ao que consta por uma distinta senhora que não concorreu e que lhe ficou com a casa por alegadamente ser mulher de um policia municipal.
Neste contexto com frio e com os filhos a chorar não teve outro remédio senão entrar numa casa que se encontrava abandonada e com a porta aberta.
A Recorrente já tentou que a Gebalis a recebesse para assinar um contrato de arrendamento com uma renda apoiada e de acordo com os rendimentos do agregado familiar.
Recorde-se que o filho Fábio sofre de asma crónica e estrabismo.
No dia 27 de Fevereiro de 2019, foi afixada uma ordem de desocupação a ser efectuada em 3 dias, sob pena de ser efectuada a desocupação coerciva através da Policia Municipal.
Recorde-se que a casa corresponde à residência da Requerente na qual vive com dois filhos menores, respectivamente, com 7 e 11 anos e meio bem como com o companheiro, não dispondo de qualquer outra habitação.
O casal tem como único rendimento mensal o RSI no valor de € 450,00, não tendo qualquer actividade remunerada, não tendo possibilidades económicas que lhes permitam arrendar uma casa.
10ª
A Recorrente, ao concorrer durante 10 anos consecutivos adquiriu a legitima expectativa de ter acesso a uma habitação social pois que está demonstrado que carece da mesma.
11ª
A Recorrente está convencida de que por pura maldade alguém tenha prestado falsa informação à GEBALIS para providenciar pelo despejo.
12ª
Se a CML não se dignar fixar o valor da renda à Requerente, dentro dos parâmetros legais a sobrevivência do agregado familiar estará grave e irremediavelmente afectada.
13ª
Nos termos do disposto no artº 65ºnº 1 da CRP todos têm direito para si e para sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
14ª
Nos termos do disposto no artº 65ºnº 1 da CRP todos têm direito para si e para sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
15ª
Tal disposição tem como sujeito passivo o Estado e naturalmente que incumbindo-lhe competências quer para gerir um parque habitacional perfeitamente delimitado. Logo, a notificação do Presidente da CML no que respeita à omissão culposa da regularização da situação não só era oportuna como perfeitamente legal ao abrigo da CRP.
16ª
Efectivamente, ao abrigo da Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro que entrou em vigor em 1 de Setembro de 2016 resulta do artº 28ºnº 6 que os agregados alvos de despejo com efectiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais. Trata-se uma disposição naturalmente imperativa.
17ª
Aliás, nos termos do nº 1 do mesmo artigo cabe à CML levar a cabo os procedimentos subsequentes caso não haja uma entrega voluntária e nunca a Recorrente manifestou qualquer vontade de entregar as chaves antes solicitou que lhe fosse fixada uma renda dentro dos parâmetros legalmente previstos”.
A recorrida Câmara Municipal de Lisboa não apresentou contra-alegações.
O Exmo. Sr. Procurador-Geral-Adjunto em funções neste Tribunal pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao presente recurso, por entender que não se verifica a violação do artigo 28.º, n.º 6, da Lei n.º 81/2014, tendo a entidade demandada cumprido a obrigação de informar a recorrente das soluções legais disponíveis para acesso à habitação, ou para prestação de apoios habitacionais, e quanto à alegada violação do direito à habitação, e não se mostrar violado o artigo 65.º da CRP, no respeitante ao direito de habitação.
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Perante as conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir se ocorre erro de julgamento da sentença recorrida ao não reconhecer a violação do direito à habitação da recorrente previsto no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), e do artigo 28.º, n.º 6, da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
No despacho recorrido foram considerados provados os seguintes factos:
A) Em 27 de fevereiro de 2019 foi afixado no fogo ocupado pela Requerente o seguinte documento, junto com o requerimento inicial:
“ (…)
Notifica-se V. Exa. para proceder à desocupação, no prazo de três dias úteis a contar da recepção da presente notificação, da habitação municipal sita na R. ……………..- B.º Vale Sto. António, deixando-a livre e devoluta, com fundamento nos seguintes factos:
a) V. Exa. ocupou a habitação municipal em causa sem autorização e à revelia da CML;
b) Todas as ocupações não autorizadas de habitações municipais vagas são desocupadas.
A ocupação de uma habitação municipal ou pátios, jardins ou espaços vedados anexo à mesma, sem autorização e à revelia da CML/GEBALIS, constitui um crime de usurpação de coisa imóvel e introdução em lugar vedado ao público, conforme disposto nos artigos 215.° e 191.° do Código Penal, pelo que será igualmente apresentada a respectiva queixa-crime.
A presente ordem de desocupação é feita ao abrigo do nº 1 e nº 2 do artigo 4.°, do Regulamento das Desocupações de Habitações Municipais (RDHM), publicado no 2.° Suplemento ao Boletim Municipal n.° 937, de 2 de Fevereiro de 2012, com as alterações introduzidas pela Proposta n.º 490/CM/2012 (Deliberação n.° 91/AML/2012), publicada no 2.° Suplemento ao Boletim Municipal N.º 980, de 29 de Novembro de 2012 e republicado no 2° Suplemento ao BM N° 992 de 21/02/2013 e do nº 2 do artigo 35.° da Lei 32/2016, primeira alteração à Lei 81/2014, de 19 de Dezembro.
No caso de não proceder à desocupação no prazo acima referido, a Polícia Municipal executará a desocupação de forma coerciva, transferindo os bens para depósito municipal e, caso não os reclamem no prazo de 60 dias, serão considerados abandonados, podendo a CML/GEBALIS dispor deles, sem direito a qualquer compensação nos termos do disposto no nº 6 do artigo 4.° do RDHM e no n° 5 do artigo 28.º da Lei 32/2016, de 24 de Agosto.
O não cumprimento da ordem de desocupação emanada pela Polícia Municipal fará V. Exa. incorrer em crime de desobediência, punido com crime de pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, conforme o disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 348.º do Código Penal.
Notifica-se ainda V. Exa. que a CML/GEBALIS realiza na data da presente notificação e na presença da Polícia Municipal, vistoria para identificação de eventuais danos causados, a fim de apurar a responsabilidade dos mesmos.
Informa-se ainda que a CML/GEBALIS actualmente dispõe dos seguintes programas de acesso à habitação e de apoio ao arrendamento, cuja informação está disponível em http://www.cm- lisboa.pt/viver/habitar
1. Regime de Acesso à Habitação Municipal – Telef.: 217 989 788/ e-mail: rrahm@cm-lisboa.pt
2. Programa Renda Convencionada – Telef.: 217 989 696/ e-mail: rendaconvencionada@cm-lisboa.pt
3. Subsídio Municipal ao Arrendamento – Telef.: 217 989 899/ e-mail: sma@cm-lisboa.pt
Poderá ainda recorrer à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para a prestação de apoio habitacional, assim como da Junta de Freguesia da área da sua residência para encaminhamento para outros apoios sociais.”
- cfr. documento de páginas 16 e 17 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
B) A Requerente reside no fogo municipal sito na Rua …………. Lisboa, sem deter qualquer título de ocupação do imóvel – confissão, cfr. Itens 4.º, 5.º e 6.º do requerimento inicial;
C) A Requerente reside naquela habitação com o seu companheiro e com os seus dois filhos de 7 e 11 anos – confissão, cfr. Itens 9.º e documento de páginas 24 e 25 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, a questão a decidir cinge-se a saber se ocorre erro de julgamento da sentença recorrida, ao não reconhecer a violação do direito à habitação da recorrente previsto no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), bem como do artigo 28.º, n.º 6, da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto.

O TAC de Lisboa rejeitou liminarmente o requerimento de providência.
Está em causa o ato da entidade requerida, comunicado em 27/02/2019, conforme consta do ponto A) dos factos provados, que determinou a desocupação da habitação municipal sita na Rua ………………, em Lisboa, contra o qual a autora/recorrente intentou a presente providência cautelar peticionando a suspensão da sua eficácia.

No recurso que apresentou, invoca a recorrente, em síntese, o seguinte:
- já vai na quarta candidatura para atribuição de uma casa social pela recorrida, sendo que a primeira foi há 10 anos, nunca tendo recebido qualquer resposta;
- vive com o companheiro igualmente desempregado, têm 2 filhos menores, com 11 e 7 anos de idade;
- em desespero ocuparam uma casa vazia, tendo recebido ordem de desocupação da mesma;
- o único rendimento mensal é o RSI no valor de € 450,00, não tendo qualquer atividade remunerada, nem possibilidades económicas que lhes permitam arrendar uma casa;
- nos termos do disposto no artigo 65.º, n.º 1, da CRP, todos têm direito para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar, disposição que tem como sujeito passivo o Estado.

Na decisão recorrida considerou-se que o ato suspendendo não encerrava qualquer violação ao disposto no artigo 65.º da CRP, mais concluindo não se mostrar provável que a pretensão que a requerente venha a formular na ação principal a intentar aí venha a ser julgada procedente.
Vejamos.
Nos termos do artigo 120.º, n.º 1, do CPTA, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
Para adoção da providência, como se vê, impõe-se a verificação, cumulativa, dos requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris, traduzidos respetivamente no referido fundado receio, e na formulação de um juízo de probabilidade de procedência da pretensão de fundo, formulada ou a formular no processo principal.
Caso se verifiquem estes dois requisitos, o tribunal terá ainda de proceder ao juízo relativo à ponderação dos interesses públicos e privados em presença, previsto no artigo 120.º, n.º 2, do CPTA, que poderá determinar a recusa da providência quando, num juízo de proporcionalidade, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.
A sentença recorrida considerou ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada.
Para tanto, chamou à colação o disposto no Regulamento das Desocupações de Habitações Municipais (RDHM), publicado no 2.º Suplemento do Boletim Municipal n.º 937, de 2 de fevereiro de 2012, com as alterações introduzidas pela Deliberação n.º 91/AML/2012, de 27 de novembro, sobre a Proposta n.º 490/CM/2012, de 25 de julho, republicado, no 2.º Suplemento do Boletim Municipal n.º 992, de 21 de fevereiro de 2013.
Trata-se de Regulamento aplicável “a todas as habitações, propriedade do Município de Lisboa, que sejam ou tenham sido objeto de uma ocupação não autorizada efetuada à revelia da Entidade Gestora” e que “estabelece o procedimento aplicável às ocupações não autorizadas em habitação municipal” - artigo 2.º, n.º 1, do citado RDHM.
Ali se considera ocupação não autorizada a utilização de uma habitação sem autorização ou à revelia da Entidade Gestora, e fogo vago, o devoluto de pessoas e bens na posse da Entidade Gestora – artigo 3.º, als. a) e f), do RDHM.
Nos termos do respetivo artigo 4.º cabe à Entidade Gestora proceder à desocupação de todas as ocupações não autorizadas (n.º 1), que é efetuada pela Polícia Municipal mediante pedido formulado pela Entidade Gestora (n.º 2); os ocupantes são notificados pela Polícia Municipal dos fundamentos de facto e de direito que determinam a desocupação e do prazo de noventa dias úteis, para procederem à desocupação voluntária da habitação municipal, deixando-a livre e devoluta (n.º 3), e caso não o façam, tal implicará a desocupação coerciva executada pela Polícia Municipal e o transporte adequado dos bens existentes no interior da habitação para um depósito municipal (n.º 6).
O n.º 7 deste artigo 4.º impõe que da referida notificação conste o encaminhamento dos agregados familiares para efetuar pedido de habitação ao abrigo do Regulamento do Regime de Acesso à Habitação Municipal e para a Rede Social.
Chamou-se ainda à colação o artigo 35.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro (a qual estabelece o novo regime do arrendamento apoiado para habitação e entretanto objeto de alteração pela Lei n.º 32/2016), que prevê o seguinte:
“1 - São consideradas sem título as situações de ocupação, total ou parcial, de habitações de que sejam proprietárias as entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º [designadamente autarquias locais] por quem não detém contrato ou documento de atribuição ou de autorização que a fundamente.
2 - No caso previsto no número anterior o ocupante está obrigado a desocupar a habitação e a entregá-la, livre de pessoas e bens, até ao termo do prazo que lhe for fixado, não inferior a três dias úteis, na comunicação feita para o efeito, pelo senhorio ou proprietário, da qual deve constar ainda o fundamento da obrigação de entrega da habitação.
3 - Caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação nos termos do número anterior há lugar a despejo nos termos do artigo 28.º
4 - É aplicável às desocupações previstas no presente artigo o disposto no n.º 6 do artigo 28.º”.
Este artigo 28.º prevê que:
“1 - Caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação a uma das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, cabe a essas entidades levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei. (…)
6 - Os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais.”.
Quanto a este n.º 6, merecerá adiante mais detida atenção, por se tratar de questão autónoma suscitada pela recorrente nas suas conclusões do recurso.
De acordo com a sentença, encontra sustento legal a notificação dos ocupantes do referido fogo para desocupar o referido fogo municipal, ao abrigo do n.º 1 e do n.º 2, do artigo 4.º, do Regulamento das Desocupações de Habitações Municipais (RDHM) e do n.º 2, do artigo 35.º, da Lei n.º 81/2014, alterada pela Lei n.º 32/2016, uma vez que ocuparam a habitação municipal em causa sem autorização e à revelia da Câmara Municipal de Lisboa (CML)/GEBALIS.
Formulou, pois, o Tribunal a quo, em sede de controlo liminar da petição, nos termos conjugados dos artigos 116.º e 120.º do CPTA, um juízo de manifesta ausência de probabilidade de procedência da pretensão de fundo da Recorrente, ou seja, quanto à verificação do requisito fumus boni iuris.
Impõe a lei que ocorra um controlo liminar da providência, prevendo-se no artigo 116.º, n.º 2, al. d), que constitui fundamento de rejeição liminar do requerimento a manifesta falta de fundamento da pretensão formulada.
Quanto ao direito à habitação, é verdade que encontra justa consagração constitucional no artigo 65.º da nossa Lei Fundamental, prevendo o respetivo n.º 1 que todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
Conforme foi já por várias vezes objeto de ponderação pelo Tribunal Constitucional, o direito à habitação tem de ser entendido na sua caracterização de direito fundamental de natureza social, como um direito a prestações, de conteúdo não determinável ao nível das opções constitucionais, a pressupor, antes, uma tarefa de concretização e de mediação do legislador ordinário, cuja efetividade está dependente da ‘reserva do possível’, em termos políticos, económicos e sociais, como se refere no acórdão de 26 de Setembro de 2002 (proc. n.º 321/01, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/). Mais aí se assinalando que o “cidadão não é, por conseguinte, titular de um direito imediato e uma prestação efetiva, já que este direito não é diretamente aplicável, nem exequível por si mesmo.”
Vejam-se ainda, decidindo neste sentido quanto a situações semelhantes, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 18/12/2013, proc. n.º 01373/13, e do Tribunal Central Administrativo Sul de 15/02/2018, proc. n.º 1299/17.9BELSB, de 24/05/2018, proc. n.º 998/17.0BELSB, de 21/03/2013, proc. n.º 09712/13, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/).
Tudo isto serve para concluir que não merece censura a decisão recorrida, na parte em que não considerou violado o direito à habitação previsto no artigo 65.º da CRP.

Mais invoca a recorrente que, ao abrigo da alteração à Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, que entrou em vigor no dia 1 de setembro de 2016, passou a resultar do respetivo artigo 28.º, n.º 6, que os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais, tratando-se uma disposição naturalmente imperativa. E que nos termos do n.º 1 do mesmo artigo cabe à CML levar a cabo os procedimentos subsequentes caso não haja uma entrega voluntária e nunca a recorrente manifestou qualquer vontade de entregar as chaves, antes solicitou que lhe fosse fixada uma renda dentro dos parâmetros legalmente previstos.
Prevê o artigo 28.º, n.º 6, da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na redação da Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto, que “[o]s agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais”.
Entendeu-se na decisão recorrida que daquela norma não resulta que deva ser atribuída, sem mais, uma habitação na sequência da determinação da desocupação, mas sim que os ocupantes sejam encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais, que foi o que a entidade gestora fez, ao informar a requerente dos programas de acesso à habitação e de apoio ao arrendamento de que dispunha e aos quais poderia aceder.
Esta informação encontra-se vertida na notificação afixada no fogo ocupado pela recorrente e tem o seguinte teor:
Informa-se ainda que a CML/GEBALIS actualmente dispõe dos seguintes programas de acesso à habitação e de apoio ao arrendamento, cuja informação está disponível em http://www.cmlisboa.pt/viver/habitar
1. Regime de Acesso à Habitação Municipal – Telef.: 217 989 788/ e-mail: rrahm@cm-lisboa.pt
2. Programa Renda Convencionada – Telef.: 217 989 696/ e-mail: rendaconvencionada@cmlisboa.pt
3. Subsídio Municipal ao Arrendamento – Telef.: 217 989 899/ e-mail: sma@cm-lisboa.pt
Poderá ainda recorrer à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para a prestação de apoio habitacional, assim como da Junta de Freguesia da área da sua residência para encaminhamento para outros apoios sociais.” – ponto A) do probatório
O citado normativo impõe que se encaminhem os agregados com efetiva carência habitacional para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais.
Tal informação, ao contrário do sustentado na decisão recorrida, não se afigura suficiente para dar cumprimento ao citado normativo.
É que se a expressão encaminhar não encontra correspondência automática na atribuição de uma habitação, no que se concorda com a decisão recorrida, também não se pode reduzir a uma mera informação tabelar dos procedimentos que os ocupantes podem adotar.
Encaminhar implica um ato de dirigir a algo, ou acompanhar a algo, ao passo que informar se esgota no ato de dar conhecimento de algo.
Falamos de conceitos distintos, portanto, e se a entidade requerida se limitou a informar, não cumpriu com o disposto na lei.
Por outro lado, o normativo refere-se a agregados com efetiva carência habitacional, o que naturalmente pressupõe uma prévia averiguação da respetiva situação financeira, o que, ao que se sabe, não se mostra concretizada.
Aferindo-se a efetiva carência habitacional, incumbe à entidade requerida apresentar soluções alternativas (à da casa ilegalmente ocupada) de acordo com a lei, não se podendo limitar a informar os elementos do agregado da identificação dos seus programas de acesso à habitação e de apoio ao arrendamento, e de que podem ainda recorrer à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
No sentido propugnado, veja-se recente acórdão do TCAN, datado de 25/01/2019 (tirado no proc. n.º 02681/17.7BEPRT, disponível em http://www.dgsi.pt), no qual se assinala que dizer “aos visados, em simultâneo com a ordem de despejo, que deverão procurar eles próprios, uma solução de habitação” é “substancialmente distinto de serem encaminhados, antes do despejo, para uma solução legal de habitação ou para a prestação de apoios habitacionais. Independentemente da existência ou não de uma situação de carência efetiva de apoio social no que diz respeito à habitação, o que só as entidades competentes para decidir sobre os apoios alternativos podem determinar.”
Considerando a aparência do bom direito, consubstanciada na provável violação do referido normativo, não é de manter a conclusão de manifesta falta de fundamento da pretensão formulada, pelo que se impõe revogar a decisão recorrida, que rejeitou liminarmente o requerimento inicial, mais se determinando a baixa dos autos para que o processo prossiga os seus termos.

Em suma, será de conceder provimento ao recurso, julgando-o procedente.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso interposto e revogar a decisão recorrida que rejeitou liminarmente o requerimento inicial, mais se determinando a baixa dos autos para que o processo prossiga os seus termos.
Custas a cargo do recorrido, ficando desonerado do pagamento da taxa de justiça que seria devida pelo impulso processual nesta instância superior, por não ter contra-alegado.

Lisboa, 6 de junho de 2019

(Pedro Nuno Figueiredo)


(Carlos Araújo)


(Paulo Pereira Gouveia)