Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11019/14
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/16/2017
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:SISTEMA DE INCENTIVOS A PEQUENAS INICIATIVAS EMPRESARIAIS (SIPIE)
INCOMPETÊNCIA MATERIAL
NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
Sumário:I).- A deliberação do Conselho Directivo do IFT é o acto final que regulou globalmente e de forma definitiva a situação do Recorrente, assumindo a natureza de acto lesivo dos seus direitos e interesse legalmente protegidos, sendo assim integralmente susceptível de ser objecto do presente processo

II) - Não tem por isso cabimento a excepcionalidade pelo Ministério Público e que foi suscitada no pressuposto de que, quanto à natureza do objecto da acção, anulação do acto de execução, praticado pelo Instituto, Turismo de Portugal, relativo à resolução do contrato de concessão de incentivos (SIPIE), se trata de um processo de execução fiscal previsto no artº 155º do CPA, execução para pagamento de quantia certa, da competência dos tribunais tributários, de acordo com o artº 49º, nº1, alínea iii) e 38º alínea a) do ETAF, sendo o recurso da competência da secção do contencioso tributário do TCAS e que está, por isso, claramente excluída pela lei a competência da secção do contencioso administrativo.

III) - O acto impugnado está eivado de ilegalidade porque decorre do regime legal aplicável que a comprovação, pela Autora, da constituição de prestações suplementares através de extracto bancário ou talão de depósito comprovativo não lhe era exigível, que lhe bastaria a acta de aprovação dessas prestações suplementares e o seu comprovativo em caixa e que, notificada do encerramento do projecto deduz-se que este foi integralmente cumprido e, por, conseguinte, que foram asseguradas as fontes de financiamento nos termos da alínea f), da Portaria nº 317-A/2000, de 31/05, o que constitui causa que se opõe à resolução o encerramento do projecto.

IV) - Na verdade, nada conflitua, nem é contrariado, pela obrigação de manutenção em dossier do projecto de todos os documentos susceptíveis de comprovar as declarações prestadas em candidatura (art.º 19º, nº 1, h), da Portaria nº 317-A/2000, de 31/05 e Guia do Beneficiário SIPIE) pois, sufragando o ponto de vista do julgador, também entendemos que essa é uma mera obrigação arquivística, destinada a permitir o acompanhamento e controlo, e enquanto este caiba.

V) - É, pois, inelutável que o encerramento do projecto não comporta, uma presunção de bom cumprimento, antes, e mais que isso, a extinção por efeito automático da lei da relação, impedindo a segurança jurídica que a entidade administrativa dirija ulteriores pretensões contratuais contra o particular, falando, por isso, objecto à resolução por ser juridicamente impossível.

VI) - À semelhança do que sucede no processo judicial comum conforme o estatuído na al. d) do nº 1 do artº 668º do CPC, é causa de nulidade da sentença em processo judicial tributário a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

VII) - Resultando da análise da sentença que o sr. Juiz « a quo » justificou a falta de decisão sobre outras questões em face da procedência doutra de que antecedentemente conheceu, mostrando que não lhe passou despercebida a possibilidade de a apreciar, não silenciando a questão em referência, não há omissão de pronúncia.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I- RELATÓRIO
TURISMO DE PORTUGAL, I.P., irresignado, com a sentença do TAF de Castelo Branco que julgou procedente a presente acção administrativa especial que foi intentada pela Autora …………………………., Unipessoal, com vista a impugnar a deliberação do Conselho Directivo do Réu, de 30.07.2009, que resolveu o contrato de concessão de incentivos financeiros, no âmbito do Sistema de Incentivos a Pequenas Iniciativas Empresariais (SIPIE), celebrado em 29.05.2001, veio recorrer para este Tribunal Central, apresentando alegação e formulando as seguintes conclusões:

1 O Turismo de Portugal, I.P., vem interpor o presente recurso da Sentença, do TAF de Castelo Branco, por entender, que a mesma além de padecer de nulidade, errou na interpretação e aplicação do Direito.

2 Nos termos do artigo 659.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (artigo 607.º, n.º 2, do novo CPC), a sentença deverá identificar o objeto do litígio e fixar as questões que ao tribunal cumpre solucionar, havendo assim, nestes autos, que fazer uma exposição clara e concisa do pedido e seus fundamentos, o que não aconteceu no caso sub judice, sendo antes a sentença recorrida parca e redutora na identificação do objeto do litígio em presença e nas questões que ao tribunal cabia solucionar.

3 O artigo 660.º, n.º 2, do CPC (artigo 608.º, n.º 2, do novo CPC) que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (…)”, estabelecendo o artigo 668.º, n.º 1, al. d), do CPC (artigo 615.º, n.º 2, al. d) do novo CPC) que a sentença é nula quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.

4 Na perspetiva da Recorrida, o ato praticado pelo Recorrente de resolução do contrato de incentivos deverá ser declarado nulo ou anulado, na medida em que “a fundamentação da decisão assenta em erros nos pressupostos de facto e enferma de vícios típicos do exercício de discricionariedade técnica, além de não fazer referência ao suporte legal para a qualificação de tal factualidade”.
5 Assim, na ação impugnatória aqui em causa, foram identificados vários vícios, a saber, a alegação de que (i) a fundamentação da decisão assenta em erros nos pressupostos de facto, (ii) enferma de vícios típicos do exercício de discricionariedade técnica (iii) e não faz referência ao suporte legal para a qualificação de tal factualidade.

6 Tendo deixado de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, porque expressamente invocadas, incorreu em omissão de pronúncia, razão pela qual a decisão recorrida é nula, nos termos e por força do disposto na alínea d), n.º 1, do artigo 668.º do CPC (artigo 615.º, n.º 2, al. d) do novo CPC), não se tendo pronunciado sobre os vícios e ilegalidade invocadas pela Autora, quanto ao ato impugnado, tal como lhe é imposto pelo disposto nos artigos 95.º, n.º 2 do CPTA.

7 A ora Autora, intentou ação administrativa especial para anulação da Deliberação do Conselho Diretivo do Réu TP, IP, ora Recorrente, de 30.07.2009, que resolveu o contrato de concessão de incentivos financeiros, no âmbito do Sistema de Incentivos a Pequenas Iniciativas Empresariais (SIPIE), celebrado em 29.05.2001.

8 Nos termos do disposto no artigo 5.º, alínea f) da Portaria 317-A/2000, de 31 de Maio, a elegibilidade dos projetos de investimento tem como condição que os promotores, “demonstrar que se encontram asseguradas as fontes de financiamento, incluindo, pelo menos, 25% do montante do investimento elegível em capitais próprios, contando para este valor os capitais próprios que excederem os 40% do activo total líquido conforme se encontra definido no n.º 4 ao anexo A do presente diploma”.

9 De acordo, quer com o artigo 15.º do Decreto-lei n.º 70-B/2000, de 5 de Maio, quer com a alínea a) do número 1, da cláusula 10.ª do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros, o Réu pode resolver o contrato sempre que o promotor não cumpra qualquer dos objetivos e obrigações estabelecidas no respetivo contrato,
incluindo os prazos relativos ao início da realização do investimento e da sua conclusão.

10 Autora não logrou demonstrar junto do Turismo de Portugal que assegurou o montante de investimento elegível, já que apesar de alegar terem sido realizadas prestações suplementares, no valor de € 16.100,00, estas não se encontram devidamente comprovadas.

11 A Autora foi diversas vezes notificada para vir juntar ao processo administrativo extrato bancário ou talão de depósito comprovativos da constituição das prestações suplementares, contudo, a documentação enviada pela mesma na qualidade de Promotora do Projeto, ao ora Réu, não se afigura claramente suficiente para comprovar a constituição das mencionadas prestações.

12 O Réu deu conta à Autora no ofício n.º 587/2001/DAIC, de 23 de Março de 2001, no qual conta, entre outros requisitos imperativos que este deveria observar o seguinte: “indicação do Banco através do qual serão movimentados, em exclusivo, os recebimentos e pagamentos respeitantes à execução do projecto comparticipado, bem como o correspondente número de conta e NIB, devendo esta conta ser constituída especifica e exclusivamente para os movimentos relacionados com o projecto em causa:”

13 Acresce que, nos termos da cláusula quarta do contrato de concessão de incentivos financeiros, celebrado entre as partes a ora Autora, aceita “o acompanhamento e a verificação, para a boa execução e cumprimento das obrigações resultantes deste contrato, a efectuar pelo IFT, pelo Gestor da Intervenção Operacional da Economia, ou por quem estes indicarem, devidamente mandatado para o efeito, nomeadamente as Associações Empresariais”.

14 Assim, o projeto da Autora encontrava-se plenamente sujeito ao controle e acompanhamento do Réu, decidiu resolver o contrato de concessão de financiamento por incumprimento da alínea f) do n.º 5 da Portaria 317-A/2000, de 31 de Maio

15 Perante a verificação do incumprimento pela Autora da obrigação definida no artigo 5.º f) da Portaria n.º 317-A/2000, de 31 de Maio, e respeitando o disposto no artigo 15.º do Decreto-lei n.º 70-B/2000, de 5 de Maio, o Réu estava vinculado a resolver o contrato de concessão de incentivos financeiros no âmbito do SIPIE, nesta conformidade, não padece o ato sindicado de quaisquer vícios decorrentes da discricionariedade.

16 Importa igualmente referir que a execução financeira do projeto também não foi integralmente cumprida, tendo apenas sido comprovado um grau de execução de 67%, pelo que a Autora teria sempre que devolver a quantia de € 6.996,10, a título de incentivo indevidamente atribuído e adiantado, ficando aqui impugnados por não corresponderem à verdade os artigos 5.º e 6.º da petição inicial.

17 A isto acresce que a Autora não cumpriu igualmente o calendário previsto para a execução do projeto, tendo solicitado ao Réu dois adiamentos do prazo.

18 Nos termos da alínea a) do número 1, da cláusula 10.ª do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros,
O IFT poderá resolver o contrato, nos termos do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 70- B/2000, de 5 de Maio, sempre que o Promotor, por facto que lhe seja imputável:
a) Não cumprir qualquer dos objectivos e obrigações estabelecidos neste contrato, incluindo os prazos relativos ao início da realização do investimento e da sua conclusão.”

19 No que diz respeito à vigência do contrato se define na cláusula 11.ª do mesmo que “o termo de vigência deste contrato ocorre com o integral cumprimento de todas as obrigações positivas ou negativas dele emergentes”, pelo que, o Contrato, por cuja assinatura se demonstra a vontade dos outorgantes, ainda se mantinha em vigor até que se verificasse o cumprimento integral de todas as obrigações dele emergentes.

20 Encontra-se amplamente referida a base legal aplicável in casu, cuja violação determinou a resolução do contrato firmado entre as partes, motivada pela falta de demonstração pela Autora, que se encontravam asseguradas as fontes de financiamento, uma vez que as prestações suplementares alegadamente realizadas, não foram comprovadas através de extrato bancário ou talão de depósito referentes à conta associada ao projeto.

21 .ª Ora uma vez que, nos termos do artigo 5.º, alínea f) da Portaria n.º 317-A/2000, de 31 de Maio, é condição de elegibilidade de um projeto que seja demonstrado pelo seu promotor que se encontram asseguradas as fontes de financiamento, incluindo pelo menos 25% do montante do investimento elegível em capitais próprios, de acordo, quer com o artigo 15.º do Decreto-lei n.º 70-A/2000, de 5 de Maio, quer com a alínea a) do número 1, da cláusula 10.ª do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros, o Réu pode resolver o contrato sempre que o promotor não cumpra qualquer dos objetivos e obrigações estabelecidas no respetivo contrato, incluindo os prazos relativos ao início da realização do investimento e da sua conclusão.

22 Ao que acresce que a resolução (que é uma forma de extinção dos contratos por vontade unilateral de um dos contraentes) é de exercício vinculado (não discricionário) no sentido de que só pode ocorrer se se verificar um fundamento legal ou convencional que autorize o seu exercício (artigo 432º nº 1 do CC). Quanto aos fundamentos contratuais, como é o caso, é livre a sua estipulação (cláusulas resolutivas expressas) através da previsão de circunstâncias cuja ocorrência eventual permita o recurso à resolução do contrato (cfr. entendimento de Meneses Leitão, in Direito das Obrigações, V. II, pág. 105).
23 Deste modo e ao contrário do entendimento da Autora, o encerramento do projeto não comporta uma presunção de bom cumprimento nem comporta a extinçãoda relação, na medida em que, o contrato ainda se mantém em vigor por existirem obrigações que não se encontram integralmente cumpridas.
24 Pelo que, não se pode olvidar que existe um efetivo contrato que continuava vigente, cuja vigência não pode ser desconhecida pelas partes e que nesta medida configura o objeto da resolução a qual é juridicamente possível, pois de outro modo, levaria a que a Autora pudesse fazer tábua rasa das obrigações a que estava vinculada por força da celebração do Contrato sem que houvesse qualquer penalização para o seu comportamento, o que como bem se pode verificar não é um resultado viável num Estado de Direito.
NESTES TERMOS,
Deve ser concedido provimento ao Recurso, revogando-se o douto Acórdão recorrido, com as legais consequências, pois só assim decidindo, será feita JUSTIÇA!”
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer suscitando a excepção da incompetência material dos tribunais administrativos por estar em causa uma questão fiscal- incentivos fiscais.
As partes, notificadas da excepcionalidade suscitada pelo EPGA, nada disseram.

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2.- DA FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DOS FACTOS
Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663º, nº6 do NCPC, dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto constante da sentença recorrida, que não vem impugnada e que é a seguinte:

1º) - Entre autora e o Instituto de Financiamento e Apoio ao Turismo foi celebrado, em Maio de 2001, o seguinte – cfr. fls. 94 a 98 do proc. adm..:

«Texto no original»

(…)


2º) - Na informação nº 243/SIPIE/C3/2004 do Coordenador Sectorial do Turismo, propôs-se a “a homologação do encerramento dos projectos constantes do Anexo I”, entre os quais o da autora, o que mereceu despacho de 19/05/2004 de «Homologo» do Gestor do PRIME, e despacho de 26/05/04 de «Homologo» do Secretário de Estado da Juventude e Desportos – cfr. fls. 237 a 214 do proc. adm.

«Texto no original»


3º) - O réu comunicou à autora – cfr. docs. juntos com a p. i. e fls. 289 a 298 do


- é o bastante -
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2.2. DO DIREITO
Como resulta do disposto nos artigos 635º nº 4 e 639º nº 1 do NCPC- sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso- as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
O presente recurso visa a sentença do TAF de Castelo Branco que julgou procedente a pretensão da Autora, e o seu objecto, recortado pelas conclusões de recurso –não descurando as objecções que o recorrido levanta nas contra-alegações – consiste em determinar se a decisão recorrida incorreu em omissão de pronúncia e/ou errou no seu julgamento pelas razões expostas na alegação condensada nas conclusões supra transcritas.
Antes, porém, impõe-se conhecer da questão prévia da incompetência material dos TA para conhecer o objecto da acção suscitada pelo EPGA no seu Parecer emitido a fls. 513/514.
O EPGA funda a excepcionalidade suscitada no pressuposto de que, quanto à natureza do objecto da acção, anulação do acto de execução, praticado pelo Instituto, Turismo de Portugal, relativo à resolução do contrato de concessão de incentivos (SIPIE), se trata de um processo de execução fiscal previsto no artº 155º do CPA, execução para pagamento de quantia certa, da competência dos tribunais tributários, de acordo com o artº 49º, nº1, alínea iii) e 38º alínea a) do ETAF, sendo o recurso da competência da secção do contencioso tributário do TCAS e que está, por isso, claramente excluída pela lei a competência da secção do contencioso administrativo.
O certo é que, como resulta do relatório e do probatório desta aresto, vem impugnada nos autos a deliberação de 30.07.2009, do Conselho Directivo que, tal como também a decisão recorrida a identificou, no cerne da resolução está a falta de comprovação financeira da constituição de prestações suplementares através de extracto bancário ou talão de depósito comprovativo de prestações suplementares, entendendo o réu que, assim, não está cumprida a obrigação de demonstração que impenderia sobre a autora, prevista no citado art.º 5º, f), da Portaria nº 317-A/2000, de 31/05, justificando a resolução.
Assim, tal como a sentença recorrida, e como a própria Autora que na p.i. diz visar com esta acção a referida deliberação, considerou, em suma, que o acto impugnado configura um acto administrativo e não um acto de execução de natureza fiscal.
Em conformidade, entendeu-se na sentença, que é o próprio acto administrativo de base e aqui em causa, e a determinar que deverá ser executada a sua deliberação, com o apuramento dos montantes eventualmente a devolver.
Assim, a referida deliberação do Conselho Directivo do IFT é o acto final que regulou globalmente e de forma definitiva a situação do Recorrente, assumindo a natureza de acto lesivo dos seus direitos e interesse legalmente protegidos, sendo assim integralmente susceptível de ser objecto do presente processo
E, assim sendo, ao ter decidido que o acto impugnado nada tinha a ver com o apuramento dos valores exactos das quantias a eventualmente devolver, a sentença recorrida acatou o disposto no artigo 268°, número 4, da Constituição da República Portuguesa, que consagra o direito fundamental de impugnação de actos administrativos lesivos.
E, nesse concreto aspecto, ou seja no que respeita à matéria abrangida pelo conteúdo decisório da deliberação impugnada, a lesividade para o recorrente advém do decidido nessa deliberação, não estando em causa dar execução aquela deliberação, como pretende o EPGA.
Não estamos assim, perante um acto de mera execução, actos estes que, como tem sido jurisprudência deste STA, “são os praticados em consequência necessária da definição de situações jurídicas constantes de outros actos administrativos anteriores e que não contenham outros efeitos jurídicos que não sejam a concretização ou desenvolvimento das estatuições jurídicas contidas nos primeiros” (Ac. STA Pleno de 10.04.2008, recurso 544/06). E muito menos de um “processo de execução fiscal” a demandar o tratamento proposto pelo EPGA e que implicava que esta secção de contencioso administrativo do TCAS se declarasse incompetente em razão da matéria.
Assim sendo, improcede a questão prévia suscitada pelo EPGA, impondo-se conhecer do objecto do recurso, o que passa a fazer-se.

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A sentença recorrida, apreciou a questão nuclear da falta de comprovação financeira da constituição de prestações suplementares através de extracto bancário ou talão de depósito comprovativo de prestações suplementares, entendendo o réu que, assim, não está cumprida a obrigação de demonstração que impenderia sobre a autora, prevista no art.º 5º, f), da Portaria nº 317-A/2000, de 31/05, justificando a resolução, expendeu o seguinte em que ancorou depois a decisão de procedência da acção:
“No desenvolvimento do DL nº 70-B/2000, de 05/05, foi emitida a Portaria nº 317-A/2000, de 31/05 - Cria e regulamenta o Sistema de Incentivos a Pequenas Iniciativas Empresariais (SIPIE) -, regime ao abrigo do qual foi celebrado o contrato de incentivo entre autora e réu (rectius, com anterior entidade a que o réu sucedeu – cfr. art.º 24º do DL nº 141/2007, de 27/04).
Previa aquele DL 70-B/2000, de 05/05:
Artigo 15.º Resolução do contrato
1 - O contrato pode ser resolvido unilateralmente, desde que se verifiquem as seguintes situações:
Não cumprimento, por facto imputável à entidade beneficiária, dos objectivos e obrigações estabelecidos no contrato, incluindo os prazos relativos ao início da realização do investimento e da sua conclusão.
Impondo a Portaria nº 317-A/2000, de 31/05:
5.º Condições de elegibilidade do projecto
Os projectos de investimento devem:
(…)
f) Demonstrar que se encontram asseguradas as fontes de financiamento, incluindo, pelo menos, 25% do montante do investimento elegível em capitais próprios, contando para este valor os capitais próprios que excederem os 40% do activo total líquido conforme se encontra definido no n.º 4.º ao anexo A do presente diploma.
No cerne da resolução está a falta de comprovação financeira da constituição de prestações suplementares através de extracto bancário ou talão de depósito comprovativo de prestações suplementares, entendendo o réu que, assim, não está cumprida a obrigação de demonstração que impenderia sobre a autora, prevista no citado art.º 5º, f), da Portaria nº 317-A/2000, de 31/05, justificando a resolução.
Sustenta a autora que não, que a comprovação da constituição de prestações suplementares através de extracto bancário ou talão de depósito comprovativo não lhe era exigível, que lhe bastaria a acta de aprovação dessas prestações suplementares e o seu comprovativo em caixa.
E mais ainda, que notificada do encerramento do projecto deduz-se que este foi integralmente cumprido e, por, conseguinte, que se asseguraram as fontes de financiamento nos termos da alínea f), da Portaria nº 317-A/2000, de 31/05.
E, efectivamente, razão tem para arvorar como causa que se opõe à resolução o encerramento do projecto, ainda que sem total coincidência de significado que lhe quer dar, mas com o prosseguido efeito.
Dispõe a Portaria nº 317-A/2000, de 31/05:
20.º Acompanhamento e controlo
(…)
3 - A verificação dos projectos de investimento, por parte das entidades gestoras, ou pelo sistema de controlo que vier a ser adoptado, será feita por amostragem e sempre que se identifique, em qualquer fase do processo, um incidente de verificação obrigatória ou quando à entidade gestora assistam dúvidas razoáveis quanto ao objectivo ou estrutura do investimento, antes do seu encerramento
Assim, encerrado o projecto de investimento, cessa qualquer acompanhamento ou faculdade de controlo.
E que nada conflitua, nem é contrariado - como o réu parece querer opor - pela obrigação de manutenção em dossier do projecto de todos os documentos susceptíveis de comprovar as declarações prestadas em candidatura (art.º 19º, nº 1, h), da Portaria nº 317-A/2000, de 31/05 e Guia do Beneficiário SIPIE); é apenas isso, uma obrigação arquivística, destinada a permitir o acompanhamento e controlo, e enquanto este caiba.
Este regime de verificação do projecto de investimento foi também mantido pelas posteriores alterações (mesmo que aqui não aplicáveis) de regulamentação do SIPIE.
O encerramento do projecto não comporta, quanto a nós, uma presunção de bom cumprimento, antes, e mais que isso, tout court a extinção ope legis da relação, impedindo a segurança jurídica que a entidade administrativa dirija ulteriores pretensões contratuais contra o particular.
Pelo que carece de objecto a resolução determinada, juridicamente impossível.
Com prejuízo para o acerto de razões que a sustentaram. Donde, nada mais merece discussão.”
A sentença considerou, em suma, que o acto impugnado está eivado de ilegalidade porque decorre do regime legal aplicável que a comprovação, pela Autora, da constituição de prestações suplementares através de extracto bancário ou talão de depósito comprovativo não lhe era exigível, que lhe bastaria a acta de aprovação dessas prestações suplementares e o seu comprovativo em caixa e que, notificada do encerramento do projecto deduz-se que este foi integralmente cumprido e, por, conseguinte, que se asseguraram as fontes de financiamento nos termos da alínea f), da Portaria nº 317-A/2000, de 31/05, o que constitui causa que se opõe à resolução o encerramento do projecto.
E, na verdade, é assertiva a afirmação do Mº Juiz de que nada conflitua, nem é contrariado, como o réu e ora recorrente parece querer opor na acção e agora no recurso, pela obrigação de manutenção em dossier do projecto de todos os documentos susceptíveis de comprovar as declarações prestadas em candidatura (art.º 19º, nº 1, h), da Portaria nº 317-A/2000, de 31/05 e Guia do Beneficiário SIPIE) pois, sufragando o ponto de vista do julgador, também entendemos que essa é uma mera obrigação arquivística, destinada a permitir o acompanhamento e controlo, e enquanto este caiba.
Por assim ser, aderindo plenamente ao raciocínio do Mº Juiz a quo, é inelutável que o encerramento do projecto não comporta, uma presunção de bom cumprimento, antes, e mais que isso, a extinção por efeito automático da lei da relação, impedindo a segurança jurídica que a entidade administrativa dirija ulteriores pretensões contratuais contra o particular, falando, por isso, objecto à resolução por ser juridicamente impossível.
No entanto, o recorrente assaca nulidade decisória à sentença consistente em omissão de pronúncia nos termos supra expostos.
Sucede, porém, que o Mº Juiz, em face da procedência da acção por aquele fundamento, acrescentou que “Com prejuízo para o acerto de razões que a sustentaram. Donde, nada mais merece discussão.”
Vê-se, pois, que a sentença recorrida analisou correcta e criteriosamente o regime legal conformador da situação e justificou porque não iria conhecer das demais questões.
Ou seja, em conformidade, entendeu-se na sentença, ser apenas de apreciar aquele vício imputado ao acto e cuja procedência prejudicava a cognição das demais questões (causas de pedir) colocadas na p.i..
Conforme o estatuído na al. d) do nº 1 do artº 668º do CPC (ao tempo aplicável), é causa de nulidade da sentença em processo judicial tributário a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.
Aquela regra comporta a excepção prevista no nº 2 do artº 660º do CPC que estipula que:
«O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
E as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do Tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido. A ser assim e de acordo com a opinião do Prof. J.A.Reis, Anotado, Coimbra, 1984, Vol. V, pág. 58, haverá tantas questões a resolver quantas as causas de pedir indicadas pelo recorrente no requerimento e que fundamentam o pedido.
Como se vê das conclusões do recurso, as questões suscitadas pela recorrente, não foram, nem mais nem menos, as que se enunciaram, apreciaram e decidiram na sentença recorrida nos termos atrás referidos.
Da análise da decisão recorrida resulta que o Tribunal «a quo» se pronunciou especificamente e de forma clara, rigorosa e explícita sobre uma causa de pedir invocada pela Autora, ainda que não aluda a todos e cada um dos argumentos aduzidos por aquela pois, como ainda ensina o ilustre Prof., Anotado, 1981, V, pág. 143,
«Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão».
Ademais, o sr. Juiz «a quo» justificou a falta de pronúncia e decisão sobre as demais questões, mostrando que não lhe passou despercebida a possibilidade de as apreciar, não silenciando a questão em referência, pelo que não há omissão de pronúncia.
A sentença (acórdão) é uma decisão dos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas fiscais. Ela conhece do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto, pelo que a sentença pode estar viciada de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito:- por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação; por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e então torna-se passível de nulidade, nos termos do artº 66º do CPC.
Integra a primeira a situação em que não se imputa à sentença qualquer violação das regras da sua elaboração e estruturação ou vício que atente contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada; mas alegando a requerente que em relação aos factos errada/insuficientemente admitidos na sentença/acórdão (erro de julgamento) houve uma inadequada interpretação e aplicação das normas jurídicas e princípios de direito, designadamente constitucionais, aplicáveis no caso em apreço (erro de direito), tal constitui matéria que se coloca claramente no âmbito da validade substancial da sentença (acórdão), que não no da sua validade formal.
Aliás, a questão da imputada omissão de pronúncia está abundantemente tratada, quer em sede de Jurisprudência, quer em sede de Doutrina, pelo que nos dispensamos de aqui proceder à transcrição de conteúdos sobre tal matéria;
Não podendo, porém, deixar de referir, em jeito de súmula, o excerto do Acórdão deste TCAS, de 4 Dezembro 2012 (Processo n26134/12), do seguinte teor: face ao preceituado no citado artº.668, nº1, al. d), do C. P. Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1°. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.660, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de "petitionem brevis", a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra, os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, "questões" e, por outro, "razões" ou "argumentos" para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das "questões") integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das "razões" ou "argumentos" invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).”
Assim, a sentença não está não está afectada na sua validade jurídica por omissão de pronúncia, não se verificando a arguida nulidade.
Consequentemente, porque este tribunal de recurso sufraga plenamente a fundamentação da sentença e a confirma e à sua decisão, também julga prejudicado o conhecimento das “questões” cujo conhecimento foi pretensamente “omitido”
Soçobram, pois, todos os fundamentos do recurso, pelo exposto, a douta sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo, consequentemente, ser confirmada.
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3.- DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
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Lisboa,16 de Fevereiro de 2017

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[José Gomes Correia]
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[António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos]
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Pedro José Marchão Marques]