Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03843/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:04/13/2010
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL EM MATÉRIA ADUANEIRA
NATUREZA E ELEMENTOS DE INCIDÊNCIA OBJECTIVA DO IA
Sumário:I) -O imposto automóvel (IA) é, nos termos do DL 40/93 de 18 de Fevereiro, um imposto interno incidente sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros admitidos ou importados no estado de novos ou usados, incluindo os montados ou fabricados em Portugal e que se destinem a ser matriculados (art° 1° n°1). Tal imposto é de natureza específica, monofásica e determinável de acordo com as tabelas publicadas (art° 1° n°3).

II) – Tendo em conta essa natureza, esse imposto incide não sobre a venda propriamente dita mas sobre a entrada em território português dum veículo automóvel que, após a sua legalização, pode circular em Portugal.

III) -Do que vem dito decorre que o imposto automóvel tem como facto tributário a importação ou a admissão de veículos que se destinem a circular em Portugal, não tendo como incidência a aquisição ou o contrato de compra e venda do mesmo, pelo que, a nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre a ora impugnante e o vendedor do veículo, não acarreta a devolução do imposto automóvel não incidente sobre este negócio jurídico que possa ser declarado nulo, mas sobre a importação e admissão do veículo a circular em território português.

IV) -A recorrente não pode lançar mão do art. 78° da LGT porquanto a revisão dos actos tributários ali prevista, nomeadamente a constante dos seus n°s 4 e 5, não contemplam a situação em apreço nos autos em que não é configurável injustiça grave ou notória no apuramento da matéria tributável tendo em conta que só posteriormente vieram ao conhecimento das autoridades portuguesas os factos que foram determinantes da instauração de procedimento criminal, do qual resultou a obrigação da recorrente ter de devolver o veículo ao seu legítimo proprietário.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo:

1.- RELATÓRIO:

A..., com os sinais dos autos, recorreu para o TCAS da sentença que, proferida pela Mmª. Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou improcedente a impugnação deduzida contra o indeferimento do recurso hierárquico por si interposto do despacho da Director de Alfândega do Jardim do Tabaco, relativo à devolução do IA referente ao veículo de matricula 66-35-XA.
No seu recurso, a recorrente alega e formula as seguintes Conclusões:
“I-A Autora comprou na Alemanha uma viatura automóvel, Audi A6, com a aí matrícula D-843PP, a qual legalizou para poder circular em Portugal.
II- Para aquela legalização observou todos os trâmites legais e, nessa sequência, pagou o IA, no montante de €6.263.92, que a Alfândega lhe exigiu e atribuiu-lhe a matrícula 66-35-XA.
III- Durante toda a tramitação dessa legalização nada foi detectado quanto a qualquer irregularidade respeitante à viatura em causa.
IV- Posteriormente veio a constatar-se por denúncia das Autoridades Alemãs, que aquela viatura tinha sido furtada na Alemanha e alterados os seus dados identificadores, designadamente o seu número de chassis, antes da sua compra e, por isso, a Recorrente teve, por Decisão Judicial, de a entregar à Polícia Judiciária para e ser enviada para a Alemanha e entregue ao seu proprietário.
V-Ora, sendo o IA, mesmo no dizer da Douta Sentença Recorrida "um imposto que incide não sobre a venda propriamente dita, mas sobre a entrada em território português dum veículo automóvel que, após a sua legalização, pode circular em Portugal" não tendo, no caso, sido possível a sua legalização, é óbvio que é ilegal a tributação em IA por inexistência do facto tributário, uma vez que a viatura não podia, ab initio, circular em Portugal.
VI-Pediu-se, assim, nos presentes autos que fosse apreciada a legalidade nestas circunstâncias, do acto de liquidação do imposto automóvel e, nessa sequência, declarada a sua ilegalidade com a consequente devolução do imposto indevidamente pago, porquanto e contrariamente ao defendido pela Sentença Recorrida:
a)A presente situação rege-se pelo disposto nos artigos 285.° e seguintes, 892.° a 904.° e 913.° e 905.°, do Código Civil. O negócio de aquisição da viatura é nulo, pois o veículo não pertencia ao vendedor.
b)O veículo estava viciado e competia aos Serviços Alfandegários ter detectado tais irregularidades, vide, artigo 44.°, do Decreto-Lei 107/2006, de 8 de Junho.
c) A importação e subsequente legalização, atribuição de matrícula, era, assim, impossível, o que determina a inexistência total de facto tributário (artigo 892.°, do Código Civil, vide também Ac. RC de 31.05.2005, in Dicionário de Legislado e Jurisprudência n.° 868, Fevereiro de 2006).
d) Acrescendo ainda que, caso assim se não entendesse, sempre o n.° 3, do artigo 78.°, da LGT prevê a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, situação que se verifica nos Autos, pois sendo o IA um imposto para poder circular e estando ab initio impedida tal circulação, resulta claro que o acto de liquidação é ilegal.
A Decisão Recorrida violou ou deu errada interpretação, designadamente ao disposto no Decreto-Lei n.° 40/93, de 18 de Fevereiro, no artigo 44.°, do Decreto-Lei n.° 107/2006, de 08 de Junho, nos artigos 285.° e seguintes, 892.° a 904.° e 913.° e 905.°, do Código Civil, no artigo 78.° da LGT e Constituição da República Portuguesa.
Termos em que, dando provimento ao presente Recurso e substituindo a Decisão Recorrida por outra que ordene a devolução à Recorrente, se fará a costumada JUSTIÇA!”
Não foram apresentadas contra – alegações.
O EPGA emitiu a fls. 256/257 parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.

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2. – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. - Dos Factos:

Na sentença recorrida fixou-se o seguinte probatório:

A) - DOS FACTOS PROVADOS

Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão:

1. A impugnante adquiriu na Alemanha o veículo da marca Audi, modelo A6, com a matrícula de origem D-843P em 17/01/2004 (admitido);
2. Em 30/01/2004, o veículo identificado no ponto anterior foi sujeito a uma Inspecção Técnica Periódica (cfr. doe. junto a fls. 35 dos autos);
3. Em 31/01/2004, foi apresentada junto da Direcção Geral de Viação um pedido de emissão de livrete para a viatura identificada no ponto 1 (cfr. doc. junto a fls. 34 dos autos);
4. Em 05/02/2004, foi emitida a "Declaração Aduaneira de Veiculo -DAV 2004/002456 3 da qual consta que relativamente ao veículo identificado em 1 deve ser pago Imposto Automóvel no montante de €6.263,92 (cfr. doc. junto a fls. 39 dos autos);
5. O imposto foi pago;
6. Em 09/03/2004, foi emitida uma "guia" para ser apresentada na Conservatória do Registo de Automóveis da qual consta a matrícula 66-35-XA (cfr. doc. junto a fls. 35 dos autos);
7. Em 23/03/2004, o veículo automóvel identificado em 1 foi registado em nome da impugnante (cfr. doc. junto a fls. 36 dos autos);
8. Os serviços aduaneiros efectuaram uma denúncia da situação porque consideraram haver suspeitas no número de chassis;
9. Por ofício de 18/05/2005, do Departamento de Investigação e Acção Penal foi a impugnante notificada de que tinha que proceder à restituição do veículo automóvel identificado em 1 em virtude da mesma ter sido furtada na Alemanha tendo sido falsificado o número de chassis (cfr. doc. junto a fls. 40 a 43 dos autos);
10. Em 08/07/2005, a impugnante apresentou junto da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais Sobre o Consumo um pedido de restituição do IA por si pago aquando da legalização do veículo em Portugal (cfr. doc. junto a fls. 44 a 47 dos autos);
11. Por ofício de 10/11/2005, foi o pedido identificado no ponto anterior indeferido com fundamento em extemporaneidade (cfr. doc. junto a fls. 48 dos autos);
12. Em 19/12/2005, foi interposto recurso hierárquico da decisão de indeferimento identificada no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 53 a 60 dos autos);
13. Por ofício de 19//05/2006, foi o recurso hierárquico identificado no ponto anterior indeferido (cfr. docs. juntos a fls. 61 a 67).
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A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
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DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Dos factos constantes da impugnação, todos objectos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
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2.2. – Do Direito:

A questão decidenda consiste em saber se deve proceder o pedido de devolução do Imposto Automóvel pago pela impugnante aquando da importação e legalização dum veículo automóvel da marca Audi, na situação em que de detectou que o automóvel havia sido furtado na Alemanha e teve de ser devolvido no âmbito do processo crime pelo que, tendo sido declarada nula a venda, deverá ser devolvido o imposto em causa.
A decisão recorrida julgou totalmente improcedente a presente impugnação arrimando-se, no essencial, à fundamentação do Acórdão do STA de 25/01/2006, no recurso n° 01153/05, in www.dgsi/jsta.pt, de acordo com o qual:
"O imposto automóvel (IA) é, nos termos do DL 40/93 de 18 de Fevereiro, um imposto interno incidente sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros admitidos ou importados no estado de novos ou usados, incluindo os montados ou fabricados em Portugal e que se destinem a ser matriculados (art° 1° n°1). Tal imposto é de natureza específica, monofásica e determinável de acordo com as tabelas publicadas (art° 1° n°3)."
Com base em tal doutrina, o Mº Juiz «a quo» veio a entender, e bem, que estamos perante um imposto que incide não sobre a venda propriamente dita mas sobre a entrada em território português dum veículo automóvel que, após a sua legalização, pode circular em Portugal.
Por esse prisma, o imposto automóvel tem como facto tributário a importação ou a admissão de veículos que se destinem a circular em Portugal não tendo como incidência a aquisição ou o contrato de compra e venda do mesmo.
Tal natureza, não obstante a nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre a ora impugnante e o vendedor do veículo, não acarreta a devolução do imposto automóvel não incidente sobre este negócio jurídico que possa ser declarado nulo, mas sobre a importação e admissão do veículo a circular em território português.
Nesse sentido, irreleva para o caso o alegado pela recorrente na conclusão VI - a) em que invoca a nulidade do negócio de aquisição do veículo, decorrente de o mesmo não pertencer ao vendedor por ter sido furtado na Alemanha.
É de igual modo irrelevante o vertido na conclusão VI - b) em que a recorrente invoca o art. 44° do DL 107/06 de 08.06, imputando aos serviços alfandegários a responsabilidade pela não verificação da viciação de que fora alvo o veículo, para logo daí retirar que a importação, legalização e atribuição de matrícula ao veículo era impossível, pelo que o acto tributário seria necessariamente inexistente (concl. VI - c).
Nesse mesmo sentido se pronuncia a EPGA no seu douto parecer em que enfatiza que o DL 107/2006 aprovou o "Regulamento de Aprovação de Matrícula a Máquinas Industriais", e o art. 44° citado pela recorrente não tem aplicação ao caso dos autos, como se depreende do respectivo conteúdo, por estarmos perante a atribuição de matrícula a um veículo ligeiro de passageiros, comprado na Alemanha pela recorrente e trazido por ela para Portugal onde o legalizou e pagou o respectivo IA que agora pretende ver devolvido.
E também não colhe a tese da recorrente de que inexiste facto tributário em virtude de ter adquirido um veículo furtado sem ter disso conhecimento.
É que, na senda da sentença e do parecer a EPGA, dado que o facto tributário gerador da obrigação tributária para efeitos de Imposto Automóvel radica na introdução no consumo em Portugal de veículos tributáveis que têm de ser matriculados pelo que, tendo o veículo dos autos sido importado, teria necessariamente de ser matriculado para poder circular no nosso país, o que faz com que a utilização do veículo pela recorrente e a possibilidade de com ele circular decorre da atribuição de uma matrícula nacional o que eu fez nascer a obrigação de ser tributado, nos termos do disposto no art. 1° do DL 40/93 de 18.02.
Daí que improcedam assim as alíneas a) a c) do ponto VI das conclusões de recurso.
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Na al. d) do ponto VI das conclusões vem a recorrente fazer apelo ao disposto no n° 3 do art. 78° da LGT com fundamento em ocorrência de injustiça grave ou notória.
Ora, no ponto, não merece reparo a sentença quando nela se considera que a recorrente não pode lançar mão do art. 78° da LGT porquanto a revisão dos actos tributários ali prevista, nomeadamente a constante dos seus n°s 4 e 5, não contemplam a situação em apreço nos autos. É que da matéria de facto fixada no probatório da sentença e dos documentos trazidos aos autos, não é configurável injustiça grave ou notória no apuramento da matéria tributável tendo em conta que só, posteriormente vieram ao conhecimento das autoridades portuguesas os factos que foram determinantes da instauração de procedimento criminal, do qual resultou a obrigação da recorrente ter de devolver o veículo ao seu legítimo proprietário.
Ora, como é manifesto e assertivamente refere a EPGA, estas circunstâncias são exógenas ao acto tributário não tendo sido feita prova ou apresentado fundamentação de direito pela recorrente, de que a introdução do veículo em Portugal devesse ser alvo da pretendida inspecção, como refere a recorrente, e que a mesma devesse ser efectivada pelas autoridades aduaneiras nacionais.
Donde que improcedente é também a al. d) do ponto VI das conclusões de recurso, o que vale por dizer que a sentença não incorreu em erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e que procedeu a uma correcta interpretação e aplicação dos preceitos legais citados na fundamentação do decidido, não merecendo provimento o recurso.
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3. Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
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Lisboa, 13 de Abril de 2010
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Aníbal Ferraz)